Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO VAZ PATO | ||
Descritores: | LEI NOVA APLICAÇÃO RETROACTIVA DA LEI MAIS FAVORÁVEL COMPETÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RP2018101771/15.5SFPRT.P2 | ||
Data do Acordão: | 10/17/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 45/2018, FLS 19-25) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Se a questão da aplicação retroactiva de lei penal mais favorável não era objecto do recurso interposto para a Relação, antes da vigência da nova lei, que confirmou a pena de prisão em que o arguido foi condenado, não pode dizer-se que tenha sido formado caso julgado quanto a tal questão. II – Assim sendo, nada obstava a que o tribunal de 1ª instância deferisse a pretensão do arguido no sentido da reabertura da audiência com vista à aplicação de lei nova mais favorável. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 71/15.5SFPRT.P2 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – O Ministério Público veio interpor recurso do douto acórdão do Juízo Central Criminal do Porto (Juiz 15) que deferiu a pretensão do arguido B..., no sentido da reabertura da audiência de julgamento, nos termos do disposto no artigo 371º-A do Código de Processo Penal, deferindo a sua pretensão no sentido da lhe ser aplicada a prerrogativa prevista no artigo 43º nº1 al. a) do Código Penal, permitindo-lhe que a pena aplicada de 1 ano e 3 meses de prisão efetiva, pudesse ser executada no regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controle à distância, obtidos, após transito, os necessários consentimentos e, desde que tal seja exequível no meio habitacional do arguido, com autorização para deslocações laborais. Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto por discordarmos, em pleno, com a decisão do Tribunal porque entendeu, julgar procedente a pretensão do arguido, que pretendia a aplicação do regime de permanência na habitação previsto no artigo 43º nº1 al. a) do Código Penal, como forma de cumprimento da pena de 1 ano e 3 meses de prisão, após ter decidido reabrir a audiência, nos termos do artigo 371º-A do CPP, a qual lhe foi imposta nesta Instancia e posteriormente confirmada pelo Superior Tribunal da Relação; 2. O objeto deste recurso prende-se com a nossa não conformação perante a decisão inserta no recente acórdão de 10/07/2018, que deferindo à sua inicial pretensão de reabertura de audiência, concedendo provimento à sua pretensão de execução da pena efetiva de 1 ano e 3 meses de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controle à distancia: 3. O nosso desacordo prende-se, pois, com este segundo momento em que, após reabertura da audiência, o Tribunal recorrido concedeu o desejo ao arguido de o colocar em casa/habitação, sujeito ao obrigatório meios de fiscalização de controle à distancia; 4. Sendo certo que, ao assim proceder o Tribunal “ad quo” violou a decisão do Tribunal Superior que determinou que o arguido cumprisse essa sua pena de prisão em ambiente prisional, onde se encontra após cumprimento dos mandados de detenção, contra ele emitidos; 5. Violando, este nosso Tribunal, uma decisão já transitada em julgado, reabrindo uma audiência e decidindo, em sentido contrario à da decisão daquela Superior Instância, sem fundamento, porque não ocorreu e posteriormente a essa decisão, a situação prevista no artigo 2º nº4 do Código Penal, que lhe permitiria esta nova intervenção; 6. Violando também e com essa reapreciação da situação pessoal do arguido, uma decisão do Tribunal Superior, precisamente numa altura em que este nosso Tribunal havia já esgotado o seu poder jurisdicional. Com efeito, 7. O arguido foi condenado nesta nossa Instância, por acórdão de 09/02/2017, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão (efetiva), pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes da previsão do artigo 25º do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de janeiro: 8. Desta decisão o arguido recorreu invocando erro na apreciação da matéria de facto e solicitando a suspensão da execução pena de prisão, tendo o Tribunal da apelação, mantido integralmente esta nossa decisão, por acórdão de 14/12/2017, entretanto transitado. 9. Como o arguido continuasse a não se conformar com esta confirmada decisão, negado o recurso para o Supremo Tribunal, contemporaneamente com a data da sua detenção, veio a requerer a reabertura da audiência nos termos do artigo 371º-A do CPP, invocando, agora, o disposto no artigo 2º nº4 do Código Penal, para efeito da aplicação do disposto no artigo 43º nº1 al a) do Código Penal; 10. Por forma a permitir-lhe a substituição dessa pena de prisão efetiva, a cumprir recluído, em meio prisional, pelo regime de permanência em habitação, com fiscalização dos meios de controle à distancia. 11. Porem o Tribunal recorrido ao assim proceder violou a decisão de um Tribunal Superior e consequentemente, uma decisão transitada, ou seja, um caso julgado! 12. Inexistindo, pois, qualquer valido motivo para que este nosso Tribunal assim procedesse e viesse a alterar a decisão do Tribunal Superior da Relação do Porto, que não pretendeu dar acesso a que o arguido viesse a cumprir prisão em regime de permanência na habitação; 13. Sendo certo que, à data da prolação do acórdão desse Tribunal Superior, ocorrida em 14/12/2017, o novo dispositivo previsto no artigo 43º nº1 al. a) do Código Penal, já estava em vigor e o tribunal da Relação não pretendeu, pois, aplicá-lo; 14. Porquanto foi aprovado pela lei de 94/2017, publicada em 23 de agosto desse ano, que à data desse Superior acórdão já estava em vigor; 15. Refira-se que esta prerrogativa já existia antes desta ultima citada alteração, nos termos do artigo 44º, ainda que num âmbito de aplicação mais restrita. 16. Assim e se com os mesmos pressupostos fácticos e de direito, o Tribunal de apelação, não concedeu provimento à pretensão do arguido, prerrogativa na suspensão na execução da pena de prisão, tanto mais que, este regime de permanência na habitação deverá ser entendido como uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão e não um mero regime de cumprimento dessa pena de prisão; 17. Nestes termos, ao aplicar nesta fase processual e após trânsito de uma decisão de Tribunal Superior, com fantasioso recurso ao disposto no artigo 2º nº4 do Código Penal, para que o arguido possa agora usufruir da prerrogativa a que alude o citado artigo 43º do Código Penal- prerrogativa que aquele Tribunal afastou-, este nosso Tribunal recorrido, defraudou a lei penal substantiva; 18. Vindo o Tribunal a recorrido também e ao reapreciar uma situação anterior já julgada e confirmada pelo Superior Tribunal da Relação, a julgar uma mesma situação, quando já tinha perdido o seu poder jurisdicional! 19. Ao desta forma proceder o tribunal recorrido violou 2º nº4, 43º nº1 al. a), do Código Penal e 371º-A do CPP; 20. Devendo, o Tribunal “ad quem”, revogar esta decisão, mantendo a inicial pena de pena de prisão efetiva a ser cumprida em ambiente e meio prisional.» O arguido apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso. O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir II – A questão que importa decidir é, de acordo com a motivação do recurso, a de saber se o acórdão recorrido, ao deferir a pretensão do arguido de execução da pena de um ano e três meses de prisão em que foi condenado em regime de permanência na habitação, como aplicação retroativa de lei penal mais favorável (Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto), nos termos do disposto nos artigos 371.º-A do Código de Processo Penal e 43.º, n.º 1, a), do Código Penal (este na versão decorrente dessa Lei), violou o caso julgado formado por acórdão anterior desta Relação, prolatado já depois da entrada em vigor dessa Lei, que havia confirmado a condenação anterior do arguido nessa pena de prisão efetiva sem se pronunciar sobre a sua execução em regime de permanência na habitação. III – É o seguinte o teor do douto acórdão recorrido: ...................................................................... ...................................................................... ...................................................................... IV – Cumpre decidir. Vem o recorrente Ministério Público alegar que o acórdão recorrido, ao deferir a pretensão do arguido de execução da pena de um ano e três meses de prisão em que foi condenado em regime de permanência na habitação, como aplicação retroativa de lei penal mais favorável (a Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto), nos termos do disposto nos artigos 371.º-A do Código de Processo Penal e 43.º, n.º 1, a), do Código Penal (este na versão decorrente dessa Lei), violou o caso julgado formado por acórdão anterior desta Relação, prolatado já depois da entrada em vigor dessa Lei, que havia confirmado a condenação anterior do arguido nessa pena de prisão efetiva sem se pronunciar sobre a execução dessa pena em regime de permanência na habitação. Não está em causa, pois, o mérito do deferimento da pretensão do arguido em si mesmo, mas apenas se esse deferimento representa uma violação do caso julgado formado pelo referido acórdão desta Relação. Afigura-se-nos que não assiste razão ao recorrente, pelas razões expostas nos acórdãos desta Relação de 21 de maio de 2008, proc. n.º 0812435, relatado por Maria do Carmo Silva Dias, e de 10 de dezembro de 2008, proc. n.º 0815181, relatado por Vasco Freitas (ambos in www.dgsi.pt), invocados no douto parecer emitido pelo Ministério Público junto desta instância, que se debruçam sobre situações análogas à que agora está em apreço. Vejamos. Na verdade, o acórdão deste Relação que confirmou a condenação do arguido na pena de um ano e três meses de prisão efetiva sem se pronunciar sobre a execução desta pena em regime de permanência na habitação foi prolatado a 14 de dezembro de 2017 (ver fls. 393 a 406), já depois da entrada em vigor da Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto (que ocorreu a 23 de novembro desse ano, nos termos do artigo 14.º desta Lei). No entanto, o recurso então em apreço havia sido interposto antes da publicação dessa Lei e a eventual aplicação retroativa dessa Lei como lei penal mais favorável não era, obviamente, objeto desse recurso. Objeto desse recurso era a eventual suspensão da execução da pena em que o arguido foi condenado (ver fls. 334 a 406). Essa questão (da aplicação de lei penal nova mais favorável) seria uma questão nova (ius novorum), não apreciada em primeira instância, que, por isso, não poderia ser apreciada pela primeira vez pelo tribunal de recurso. Estamos perante um recurso de reponderação de questões já apreciadas em primeira instância, não perante um recurso de reexame que implique um novo julgamento da causa na sua globalidade. Se o tribunal de recurso apreciasse essa questão pela primeira vez e sem que a mesma tivesse sido apreciada em primeira instância, a irrecorribilidade da decisão que excluísse a aplicação da lei nova mais favorável redundaria na preterição do direito ao duplo grau de jurisdição quanto a esta questão. Por outro lado, a aplicação da lei penal nova mais favorável pode exigir, nos termos do artigo 371.º-A do Código de Processo Penal, a produção de prova suplementar, como a elaboração de novo relatório social, que há de ser produzida em primeira instância. Também por este motivo, não seria a segunda instância a sede própria para apreciar tal questão pela primeira vez. E foi isso mesmo que se verificou no caso em apreço, em que foi tido em conta, para a determinação da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado em regime de permanência na habitação (por aplicação retroativa de lei nova mais favorável), um novo relatório social (ver fls. 468 a 472), elaborado no âmbito da reabertura da audiência, nos termos do referido artigo Assim, se a questão da aplicação retroativa de lei penal mais favorável não era objeto do recurso interposto para esta Relação que confirmou a pena de um ano e três meses de prisão em que o arguido foi condenado, não pode dizer-se que tenha sido formado caso julgado quanto a tal questão, nem que o acórdão ora em apreço, ao aplicar tal lei nova mais favorável, tenha violado algum caso julgado. Deve, assim, ser negado provimento ao recurso. Não há lugar a custas (artigo 522.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). V – Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo-se o douto acórdão recorrido. Notifique. Porto, 17/10/2018 (processado em computador e revisto pelo signatário) Pedro Vaz Pato Eduarda Lobo |