Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP00040163 | ||
Relator: | LUÍS TEIXEIRA | ||
Descritores: | CHEQUE SEM PROVISÃO PREJUÍZO PATRIMONIAL | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP200703210511579 | ||
Data do Acordão: | 03/21/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 479 - FLS 62. | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Integra o conceito de prejuízo patrimonial, a que se reporta o n.º 1 do artigo 11º do Dec-Lei 454/91, de 28/12, o não recebimento, para si ou para terceiro, pelo portador do cheque, aquando da sua apresentação a pagamento, do montante devido, correspondente à obrigação subjacente relativamente à qual o cheque constituía meio de pagamento. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto. I ― RELATÓRIO 1. Por sentença de 1 de Abril de 2004, proferida nos autos de processo comum nº …/03.9TAVLG do .º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Valongo, foi o arguido B………., casado, construtor civil, nascido a 07-04-1951, em ………., Penafiel, filho de C………. e de D………., residente na ………., n.º …, ………., Gondomar, condenado, pela prática de um crime, p. e p. pelos arts. 11º, n.º1, al. a), do D.L. n.º 454/91, de 28-12, com a redacção dada pelo D.L. n.º 316/97, de 19-11, na pena de dois anos de prisão. Pena esta suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença, com a condição de, no prazo de um ano a contar da presente data, proceder ao pagamento à Fazenda Nacional ou depositar à ordem destes autos para entrega à mesma entidade, da quantia de € 680.313,13; 2. O arguido, não se conformando com a decisão, dela recorreu para esta Relação, apresentando as suas motivações de recurso e formulando as seguintes conclusões: 2.1. Existe contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e a existência de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº2, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal. 2.2. Entende o recorrente que não se verifica um dos elementos do tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão, no caso, a verificação de existência de prejuízo patrimonial. 2.3. O cheque destinava-se a pagar uma dívida preexistente pelo que o não pagamento do cheque em causa nos autos não criou ou causou qualquer prejuízo patrimonial à Fazenda Nacional. 2.4. Por outro lado, não se pode dar como provado que o recorrente actuou com dolo, ainda que eventual. 2.5. O recorrente nunca admitiu que tenha previsto que o cheque não teria provisão, pelo que não pode ser dado como provado que actuou com dolo. 2.6. O crime de emissão de cheque só pode ser punido a título e dolo pelo que não se provando o dolo terá o mesmo que ser absolvido 2.7. Acresce que o recorrente entende que o prazo da suspensão da execução da pena de prisão é correcto mas que o prazo dado para cumprir a condição de proceder ao pagamento – um ano -, é muito diminuto. 2.8. Ficou provado que a empresa da qual o recorrente é sócio gerente, atravessa dificuldades financeiras. Nessa medida, o prazo deveria ter sido alargado, tendo ainda em consideração que foi o próprio recorrente que foi voluntariamente pagar a dívida fiscal, não sendo notificado para esse efeito. Pretende, em consequência, que seja revogada a sentença recorrida e o mesmo absolvido. 3. O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto daquela comarca respondeu à motivação do recurso, concluindo nos seguintes termos: 3.1. A decisão recorrida não padece de vício do artigo 410º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal uma vez que dada a linearidade e coerência da sentença recorrida, impossível será extrair-lhe qualquer tipo de contradição. 3.2. Já outra questão será a de saber se, para efeitos de preenchimento do tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão, se poderá falar em prejuízo patrimonial nos casos, como o dos autos, em que a emissão do cheque se destina ao pagamento de uma dívida preexistente. 3.3. Quanto a tal questão, dir-se-á que se poderá e deverá admitir a existência de prejuízo patrimonial num caso como o dos autos. 3.4. Foi precisamente este o tipo de prejuízo que esteve na mente do legislador quando criou este tipo legal de crime, já que a esmagadora maioria dos cheques sem cobertura que são emitidos são-no precisamente com vista ao pagamento de dívidas preexistentes. 3.5. Quanto ao invocado erro notório na apreciação da prova, o recorrente confunde o fundamento do recurso inserto na alínea c), do nº2 do artigo 410º, do Código de Processo Penal com o recurso da matéria de facto. 3.6. Apesar de invocar inicialmente o aludido vício o que o recorrente na realidade parece pretender é atacar a apreciação feita pelo julgador da prova produzida em julgamento e logo a matéria de facto dada como provada. 3.7. Quanto a este ponto dir-se-á que em julgamento foi produzida prova abundante e que o julgador fez uma opção perfeitamente legitimada pelo que é permitido pelo artigo 127º, do Código de Processo Penal. 3.8. Quanto ao prazo concedido ao arguido para efectuar o pagamento da quantia em dívida, aceita-se por razoável o prazo que ao mesmo foi concedido. Pelo que deve ser negado provimento ao recurso. 4. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento – fls. 154 a 158. Diz, em síntese: 4-1. O recorrente não cumpriu todas as formalidades legais para impugnar a matéria de facto. 4.2. A sentença encontra-se devidamente motivada e foi feito uso correcto do princípio da livre apreciação da prova do artigo 127º, do Código de Processo Penal. 4.3. Apesar de se tratar de um cheque emitido para pagamento de uma dívida preexistente o prejuízo patrimonial existe para a Fazenda Nacional. 4.4. Não existe qualquer motivo para alargar o prazo de um ano concedido ao recorrente como condição para pagamento da dívida, tanto mais que o mesmo ainda nem sequer se iniciou. * Os autos foram a vistos dos Ex.mos Juízes adjuntos e realizou-se a audiência de julgamento.II ― FUNDAMENTOS 1. Como decorre das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que o recorrente suscita são as seguintes: 1.1. Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e a existência de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº2, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal. 1.2. A não actuação com dolo, ainda que eventual, por parte do recorrente. 1.3. A não verificação de um dos elementos do tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão, no caso, a verificação de existência de prejuízo patrimonial. 1.4. O diminuto prazo de um ano para o recorrente proceder ao pagamento imposto como condição de suspensão da execução da prisão. 2. São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida: 1. No dia 03-01-2003, o arguido assinou e datou com a mesma data, e entregou ao funcionário da Repartição de Finanças de Valongo que o atendeu, o cheque n.º ………., sacado sobre o E………., referente à conta n.º ……….., balcão de ………., de que é titular; 2. Em tal cheque, pelo referido funcionário, a pedido do arguido, foi aposto o valor de € 680.313,13; 3. Tal cheque destinava-se ao pagamento de IVA devido havia algum tempo pela sociedade F………., Lda., de que o arguido é sócio e gerente; 4. Apresentado a pagamento em Valongo ao balcão da G………., veio o referido cheque a ser devolvido em 09-01-2003 com o fundamento em falta de provisão de fundos na respectiva conta pelos Serviços de Compensação do Banco de Portugal, como consta do carimbo e declaração aposta no verso do mesmo – cfr. fls. 3; 5. Em consequência, a Fazenda Nacional não recebeu a quantia titulada pelo cheque correspondente ao valor de IVA devido pela mencionada sociedade; 6. O arguido previu e quis actuar da forma supra descrita, ciente da possibilidade de o mesmo vir a ser devolvido, sem pagamento, por insuficiência de fundos depositados na conta sacada para garantir o seu pagamento imediato nem nos oito dias seguintes; 7. O arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, representou como possível que iria causar prejuízo patrimonial à Fazenda Nacional, não pagando o IVA devido, e aceitou tal possibilidade; 8. O arguido sabia que actuando da forma descrita, punha em causa a fiabilidade do cheque, enquanto título de crédito e meio de pagamento de fácil transmissibilidade; 9. O arguido sabia que a sua conduta era proibida por Lei e, mesmo assim, não se coibiu de a cometer; 10. O arguido tem os antecedentes criminais referidos no c.r.c. de fls. 38-39; 11. O arguido vive em casa própria com a mulher, doméstica, e duas filhas maiores, estudantes; 12. O arguido, na qualidade de gerente da sociedade acima mencionada, aufere, pelo menos, o salário líquido mensal de € 700,00; 13. O arguido, na qualidade de sócio da sociedade mencionada, aufere rendimentos não concretamente apurados; 14. O arguido e a empresa da qual é sócio atravessam dificuldades financeiras; 15. O arguido é pessoa ordeira e respeitadora. 3.Decidindo: 1.1. Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e a existência de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº2, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal. Como bem anota o Ministério Público, quer em 1ª instância quer nesta Relação, o recorrente faz confusão entre contradição insanável e erro notório na apreciação da prova com recurso da matéria de facto e apreciação de direito. No fundo, o que o recorrente impugna é o facto de o Tribunal, face à prova produzida, nomeadamente perante as declarações do arguido, ter dado como provado a existência de dolo por parte deste e, por outro lado, ter dado como provado o prejuízo patrimonial da Fazenda Nacional. Expressivo desta intenção é o teor dos artigos 20 a 26, da sua motivação de recurso. Afirma no artigo 20: “Deste modo, existe contradição insanável da fundamentação, no sentido de que, fazendo um raciocínio lógico, se concluía de forma contrária àquela que foi tomada, pois dá-se como provado que o cheque era pagamento de uma dívida já existente e depois conclui-se que se causou prejuízo patrimonial”. E nos artigos 21, 22, 23, 25 e 26, respectivamente: “No ponto dos factos provados refere-se que o “arguido previu e quis actuar da forma descrita, ciente da possibilidade de o mesmo vir a ser devolvido sem pagamento por insuficiência de fundos depositados na conta sacada para garantir o seu pagamento”. E no ponto 7 que o “arguido representou como possível que iria causar prejuízo patrimonial à Fazenda Nacional, não pagando o IVA devido e aceitou tal possibilidade”. O arguido recorrente não concorda que o Mmº juiz a quo dê como provado que actuou com dolo tendo em conta o que ficou demonstrado em sede de audiência de julgamento. Perante estas declarações do arguido – as transcritas no artigo 24 da mesma peça processual –, o Mmº Juiz a quo não pode dar como provado que o arguido previu a possibilidade de o cheque vir a ser devolvido sem pagamento. Existe deste modo erro notário na apreciação da prova, no sentido de que existe desconformidade com prova produzida em audiência – decidiu-se contra o que se provou “. Decidir contra o que se provou, no entender do recorrente, não é igual a erro notório na apreciação da prova. É sim, uma apreciação ou valoração da prova produzida em julgamento feita pelo juiz, diferente daquela que o recorrente faz. O recorrente não concorda com essa valoração. Está no seu direito. O Tribunal, na sua apreciação, está sujeito à livre apreciação da prova, nos termos do artigo 127º, do Código de Processo Penal. Livre apreciação não significa livre arbítrio. O juiz deve fundamentar, esclarecer e convencer. Na motivação da matéria de facto dada como provada, escreve-se na sentença: “O tribunal fundou a sua convicção no seguintes meios de prova: - Nas declarações do arguido, que assumiu a materialidade dos factos que lhe estão imputados, não merecendo credibilidade quando referiu que só emitiu o cheque porque contava receber da testemunha H………. quantia suficiente para cobrir o seu pagamento, por o mesmo ter concluído verbalmente o negócio da venda de um terreno, e que, por isso, não admitiu como possível a ausência de fundos suficientes para garantir o pagamento do mesmo título, porque frontalmente contrariado pela testemunha referida, sendo certo que, de acordo com o extracto da conta bancária sacada, constante de fls. 18 e ss., considerando o critério da experiência comum e na ausência da celebração de qualquer contrato, se mostra evidenciada a admissão de tal possibilidade pelo arguido; - No depoimento da testemunha I………., ………. da Tesouraria de Finanças de Valongo, que tratou do procedimento administrativo decorrente da devolução do cheque dos presentes autos, sobre a finalidade da sua entrega, prestado de modo espontâneo, seguro e coerente; - No depoimento da testemunha J………., amigo do arguido, com quem o mesmo falou sobre a possibilidade de celebração do negócio com a testemunha H………. e que referiu que o negócio nunca esteve "feito", o que aponta para a admissibilidade, por parte do arguido, da possibilidade da sua não realização e a consequente ausência de fundos para garantir o pagamento do cheque, prestado de modo espontâneo, seguro e coerente; - No depoimento da testemunha H………., que referiu, de modo peremptório e seguro, que declarou ao arguido que, no momento em que lhe propôs a compra do terreno, não estava interessado no negócio, o que contraria a versão apresentada pelo arguido, acima mencionada; - Nos depoimentos das testemunha L………. e M………., amigos do arguido, sobre o seu carácter e personalidade, prestados de modo espontâneo e seguro, no sentido da matéria de facto dada como provada; - No c.r.c. de fls. 38-39; Nos documentos de fls. 3, 4, 5, 16 a 20, 36-37”. Ora, a fundamentação do tribunal é suficientemente exaustiva e esclarecedora dos motivos que levaram a dar como provados os factos constantes da sentença. De qualquer modo, sobre o erro notório na apreciação da prova legalmente previsto no artigo 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal, que é de conhecimento oficioso, diz Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 2ª edição, vol. III, fls. 341: “é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta”. E, no dizer do Supremo Tribunal de Justiça, “O erro notório na apreciação da prova" constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da ‘experiência comum’ “- ac. de 7.10.2004, proferido no processo 03P3213, in http:/www.dgsi.pt/jstj.nsf/. Daqui se conclui, como já supra anotado, que inexiste qualquer erro notório e contradição insanável na fundamentação. 1.2. A não actuação com dolo, ainda que eventual, por parte do recorrente. Esta conclusão do recorrente retira-se da apreciação que o mesmo faz da prova produzida em audiência de julgamento. Traduz-se numa impugnação da matéria de facto. O Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer faz menção dos requisitos legais a que deve obedecer a impugnação da matéria de facto para concluir que os mesmos não foram observados pelo recorrente. Estes requisitos são os do artigo 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal. Embora o recorrente não tenha usado do melhor formalismo processual para impugnar este facto concreto, entendemos que na sua motivação e conclusões se encontram os elementos fundamentais para a sua apreciação por este tribunal de recurso: a. Indica o ponto concreto impugnado: a actuação do arguido com dolo; b. Indica a prova que impõe decisão diversa: as declarações do arguido; c. Aponta e faz a transcrição sobre esta matéria, do depoimento do arguido, a fls. 129. Posto isto, não significa que o recorrente tenha razão, como não tem. O tribunal apreciou e valorou as declarações do arguido concretamente sobre esta matéria, que explicou, conjugando as suas declarações com o depoimento da testemunha H………., directamente relacionada com este facto, na medida em que era desta testemunha que o arguido pretendia receber a dita quantia para pagar o cheque. A motivação do tribunal não deixa qualquer dúvida sobre o seu esclarecimento e convicção. Assim, não assiste, nesta parte, qualquer razão ao recorrente. 1.3. A não verificação de um dos elementos do tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão, no caso, a verificação de existência de prejuízo patrimonial. Apesar de o recorrente pretender reconduzir esta questão a uma contradição insanável da fundamentação, no sentido de que, fazendo um raciocínio lógico, se concluía de forma contrária àquela que foi tomada, pois dá-se como provado que o cheque era pagamento de uma dívida já existente e depois conclui-se que se causou prejuízo patrimonial, a verdade é que se está perante uma questão de direito, ou seja, se no caso sub júdice, existe ou não prejuízo patrimonial para a Fazenda Nacional. Assente está no processo que o recorrente emitiu o cheque no valor de € 680.313,13, para pagamento de IVA devido pela sociedade F………., Lda., de que o arguido é sócio e gerente; e que, apresentado a pagamento em Valongo ao balcão da G………., veio o referido cheque a ser devolvido em 09-01-2003 com o fundamento em falta de provisão de fundos na respectiva conta pelos Serviços de Compensação do Banco de Portugal; e que em consequência, a Fazenda Nacional não recebeu a quantia titulada pelo cheque correspondente ao valor de IVA devido pela mencionada sociedade. Argumento do recorrente: A dívida já existia, era preexistente à emissão do cheque. Logo, o não recebimento do valor do cheque pela Fazenda Nacional não lhe causou qualquer prejuízo! Argumento, em nosso entender, demasiado temerário que, a aceitar-se, acabaria de vez com a ainda utilidade e força jurídica do cheque sobretudo nas transacções comerciais. Sabe-se que o cheque foi criado e existe ainda como uma das formas legais e usuais de pagamento no comércio jurídico. Tem vindo a ser cada vez mais substituído por outras formas de pagamento – dinheiro de cartão – em quantias mais pequenas ou por transferências bancárias que a Internet cada vez mais proporciona, mas o pagamento por cheque é ainda uma realidade jurídica e tem ainda o seu espaço e necessidade como forma de pagamento. Tem havido mutações ou alterações legislativas quanto à sua descriminalização para quantias baixas, mas mantém a sua punição para valores mais elevados. Merece ainda a confiança e protecção jurídica para assim dar credibilidade ao comércio jurídico. É verdade que uma das alterações significativas com a entrada em vigor do Dec. Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, artigo 11º que o Dec. Lei nº 316/97, de 19 de Novembro manteve e se mantém, é a exigência como elemento típico do crime de emissão e cheque sem previsão, que o mesmo cause prejuízo patrimonial. Como supra se disse, o cheque é e continua a ser usado como forma de pagamento. E paga-se o que se deve. A dívida pode ter várias origens ou fontes. Pode já existir no momento da emissão do cheque ou ser constituída nesse mesmo momento. Mas não é requisito ou exigência legal, que a dívida seja obrigatoriamente constituída no momento da emissão do cheque, que seja concomitante deste. Dívidas há que o serão, outras não. Se compro um automóvel e no acto da compra, para pagamento do mesmo emito um cheque, o nascimento da dívida coincide com a emissão do cheque. Mas se recebo determinada mercadoria em casa ou alguém me executa determinados trabalhos e passados uns dias emito um cheque para pagamento das mercadorias ou serviços, já não existe coincidência entre os dois momentos. Mas se o cheque emitido nesta última situação, não tiver cobertura, não causo prejuízo patrimonial ao fornecedor da mercadoria? Nem ao trabalhador que me prestou os serviços? Julgamos que o legislador não quis limitar o pagamento por cheque à primeira situação supra exemplificada. Seria reduzir o papel do cheque que, por enquanto ainda vai desempenhando bem em muitos casos. Tanto mais que, nas transacções ou negócios entre empresas, o pagamento em 30 dias após a emissão da factura continua a ser praticado. Com o entendimento perfilhado pelo recorrente, apenas se contribuiria para dificultar ainda mais o comércio jurídico, o que pensamos não ser a intenção legislativa. Mas não estamos sós a pensar assim. São muitos e recentes os acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto neste sentido. Entre outros, apontam-se os seguintes: - Ac. de 8.11.2000; processo nº 0040787; ac. de 21.02.2001, processo nº 0010580; ac. de 28.12.2001, processo nº 0140559; ac. de 28.5.2003, processo nº 0312225[1]; ac. de 5.5.2004, processo nº 0412070; ac. de 3.11.2004, processo nº 0442434 e ac. de 26.4.2006. processo nº 0546372, todos publicados em http:/www.dgsi.pt/jtrp.nsf/. Já em fase de elaboração deste projecto/acórdão, foi publicado o ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2006, ac. nº 1/2007, in DR nº 32, 1ª série de 14 de Fevereiro de 2007, que fixa a seguinte jurisprudência: “Integra o conceito de “prejuízo patrimonial” a que se reporta o nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, o não recebimento, para si ou para terceiro, pelo portador do cheque, aquando da sua apresentação a pagamento, do montante devido, correspondente à obrigação subjacente relativamente à qual o cheque constituía meio de pagamento”. Esta jurisprudência apenas vem corroborar/cunhar, o que até então era o nosso entendimento e que se deixou supra expresso. Se dúvidas existiam no espírito do recorrente, elas acabam por ser dissipadas pela nossa mais alta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. 1.4. O diminuto prazo de um ano para o recorrente proceder ao pagamento imposto como condição de suspensão da execução da prisão. Alega o recorrente que a empresa da qual é sócio gerente, atravessa dificuldades financeiras. Nessa medida, o prazo deveria ter sido alargado, tendo ainda em consideração que foi o próprio recorrente que foi voluntariamente pagar a dívida fiscal, não sendo notificado para esse efeito. Ora, o cheque foi emitido em 3.1.2003, para pagar imposto referente a IVA devido já há algum tempo. O que significa que, antes da censura resultante da emissão de um cheque sem provisão, já o recorrente, na qualidade de sócio gerente da empresa devedora do imposto, merecia censura pelo não pagamento do dito imposto. Não vemos que a apresentação voluntária do recorrente para pagamento de uma dívida à Fazenda Nacional, que afecta todos os cidadãos, mereça qualquer louvor. O mesmo não fez mais que uma obrigação a que está vinculado. Se todos os cidadãos agissem como o faz o recorrente, teríamos, com certeza, neste momento, já um Estado falido. Sim, porque este vive dos impostos pagos pelos cidadãos e pelas empresas deste país. A saúde, a educação, as reformas, todas as infra-estruturas, sobrevivem com o pagamento dos impostos. O não pagamento atempado dos respectivos impostos, põe mesmo em causa a saúde financeira do Estado. Aliás, estamos neste momento a viver essa situação concreta, com um Estado deficitário, com mais de 16 mil milhões de impostos devidos e por cobrar. Acresce que a decisão recorrida e, consequentemente, a condição imposta ao recorrente, data já de 1.4.2004, ou seja, desde quase há três anos. Com o presente recurso o recorrente conseguiu de facto o seu objectivo principal: alargar o período de pagamento do cheque. Como bem refere o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto, na parte final do seu parecer, ao manifestar-se contra o alargamento do prazo fixado para o cumprimento da obrigação a que ficou condicionada a suspensão da execução da pena, o mesmo ainda nem sequer se iniciou! Pois foi fixado em um ano após o trânsito em julgado da sentença! A ser assim, como é de facto, embora o recorrente apenas tenha beneficiado do exercício de um direito legítimo – de recorrer -, não lhe sendo imputáveis os atrasos na decisão dos recursos, entendemos que não se justifica alargar o prazo fixado na decisão recorrida, de um ano, para o cumprimento da obrigação, como condição imposta para a suspensão da execução da pena. Por estes motivos e pelos motivos supra enunciados quanto à natureza da dívida. III DECISÃO Por todo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Custas a cargo do arguido recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 7 (sete) UCs – artigo 87º, nº 1, alínea b), do Código das Custas Judiciais. Porto, 21 de Março de 2007 Luís Augusto Teixeira Joaquim Arménio Correia Gomes Manuel Jorge França Moreira José Manuel Baião Papão ___________________________________ [1] Versando o mesmo exactamente sobre a matéria aqui em apreço, com o seguinte sumário: “Destinando-se o cheque ao pagamento de uma obrigação subjacente resultante de uma dívida de imposto, obrigação essa que estava vencida, a sua devolução por falta de provisão implica a existência de prejuízo patrimonial ao Estado”. |