Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA | ||
| Descritores: | INCIDENTE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS INTERVENÇÃO ACESSÓRIA CAUSA DE PEDIR FORMULAÇÃO DE PEDIDOS CONTRA O INTERVENIENTE RELAÇÃO JURÍDICA QUE FUNDA O DIREITO DE REGRESSO | ||
| Nº do Documento: | RP2022061551664/18.7YIPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 06/15/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
| Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | O incidente de intervenção acessória não muda a causa de pedir ou o pedido da acção, esta não passa a ter também por objecto a relação que justifica o chamamento e, nela, o réu que fez o chamamento não pode formular pedidos contra o interveniente acessório, nem este pode ser condenado com fundamento na relação jurídica que funda o direito de regresso. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação ECLI:PT:TRP:2022:51664.18.7YIPRT.P1 * Sumário: ………………………………………… ………………………………………… ………………………………………… Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: A sociedade comercial R... Lda., pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede em Santo Tirso, instaurou acção judicial contra o Condomínio do Edifício ..., pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede na Praceta ..., ..., pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de €17.694,13 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos. Para fundamentar o seu pedido alegou que a pedido do réu e no desenvolvimento do seu objecto social de realização de obras de construção civil, nomeadamente de reabilitação de edifícios, lhe prestou os serviços descriminados na factura ..., emitida e vencida em 18/05/2016, no valor de €17.964,13, correspondente a trabalhos de reabilitação total da garagem colectiva, com pinturas e demais trabalhos de construção civil e substituição da rede eléctrica, tudo isto necessário na sequência de um incêndio, sendo que a factura se refere só aos trabalhos levados a cabo e respeitantes à reabilitação total da instalação eléctrica da garagem e não foi reclamada nem paga. O réu apresentou contestação, defendendo a improcedência da acção e alegando para o efeito que na sequência de um incêndio ocorrido no seu imóvel em 15/07/2015, solicitou à autora a reabilitação da garagem colectiva, com pinturas e inerentes trabalhos de construção civil e substituição da rede eléctrica; em simultâneo reclamou junto da Companhia de Seguros X ..., o ressarcimento dos danos cobertos pelo contrato de seguro Multirriscos Condomínios e recebeu da seguradora indemnização de todos os trabalhos, com excepção da reparação dos cabos de ligação ao QGBT porque a seguradora alega que o ressarcimento desses danos é da responsabilidade da E...; a reparação das ligações eléctricas foi solicitada à autora com o conhecimento e aval do perito de seguros e da Companhia de Seguros; a factura ... junta com a petição inicial respeita apenas aos trabalhos levados a cabo e respeitantes à reparação total da instalação eléctrica da garagem, sendo da responsabilidade da companhia de seguros o seu pagamento. A requerimento da ré foi admitida a intervenção da Companhia de Seguros X..., S.A., inicialmente a título de intervenção principal, qualidade posteriormente alterada, por despacho com fundamento em «manifesto lapso» e «a concordância das partes», para a qualidade de intervenção acessória. A interveniente foi citada e contestou, impugnando que os trabalhos em causa estejam abrangidos pela cobertura do seguro. Realizado julgamento foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada «parcialmente procedente», condenando «a ré/interveniente Companhia de Seguros X..., S.A. a pagar à autora R... Lda. a quantia de 17.694,13€ … acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo pagamento» e absolvendo o réu «do demais peticionado». Do assim decidido, a interveniente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: I. A recorrente “X... – Companhia de Seguros, S.A.” intentou o presente recurso, visando, desde logo, a arguição da nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e) e n.º 4, uma vez que condenou a ora recorrente, mera interveniente acessória, no pagamento de determinadas quantias à autora, extravasando, assim, a intervenção desta nos presentes autos. II. A recorrente intenta também este recurso, atenta a sua condenação a título principal, visando a reapreciação da prova gravada, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 638.º do Código de Processo Civil, por entender que a resposta positiva dada aos pontos 10) e 11) da matéria de facto dada como provado não tem suporte na prova documental e testemunhal produzida nos autos, devendo os mesmos ter redacção diversa, bem como deveria ter sido aditados os pontos 13) a 16) à matéria de facto dada como provada, impondo-se, por essa razão, a sua reanálise e alteração dos termos constantes do presente recurso. III. A recorrente interpõe ainda o presente recurso por não concordar com o teor da sentença recorrida, uma vez que a mesma, salvo o devido respeito, não consubstancia a rigorosa aplicação do direito, razão pela qual não concorda com as conclusões retiradas e a decisão proferida, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que faça uma correcta aplicação do direito. IV. A acção foi intentada pela “R... Lda.” contra o “Condomínio ...”, peticionando a primeira o pagamento de uma factura emitida e não paga por esta última, respeitante ao remanescente dos trabalhos realizados no edifício sito na Praceta ..., em ..., em consequência do incêndio ocorrido no dia 15 de Julho de 2015. V. Em sede de audiência prévia foi proferido o seguinte despacho “Por manifesto lapso o Tribunal deferiu o incidente de intervenção suscitado pela ré como incidente de intervenção principal provocada quando deveria ter admitido a intervenção principal acessória nos termos do disposto no artigo 321.º do C.P. Civil pelo que com a concordância das partes se rectifica o mencionado despacho fazendo-se constar que a intervenção admitida é a acessória”, conforme consta da acta de fls. VI. Não obstante a ora recorrente “apenas” ser interveniente acessória, verifica-se que, atento o teor da sentença proferida, foi esta condenada a pagar à autora o valor de €17.694,13, o que constitui uma manifesta nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil. VII. Por outro lado, decorre da sentença proferida, que também não foram apreciados os fundamentos do direito de regresso entre réu e recorrente, designadamente, não foram apreciados os valores já pagos por esta última em sede de regularização do incidente em causa nos presentes autos e se existiria direito de regresso sobre as quantias peticionadas, atento o montante dos pagamentos já efectuados, o montante já disponibilizado pela recorrente, e que o réu entendeu não receber e, bem assim, se tal reparação integra um eventual direito de regresso. VIII. O tribunal a quo condenou a interveniente acessória, quando não podia, atenta a sua qualidade, e, nessa sequência, não conheceu do eventual direito de regresso que exista do réu sobre a ora recorrente e a sua medida, pelo que é manifesto que a decisão proferida nos presentes autos é nula, devendo ser a mesma suprida nos termos e para os efeitos do artigo 617.º do Código de Processo Civil. IX. Atenta a condenação a título principal da ora recorrente, a mesma desde já recorre da matéria de facto, por um lado, para afastar uma eventual responsabilidade, caso não se conclua pela nulidade da sentença, e, por outro, para delimitar o direito de regresso em causa nos presentes autos. X. Da análise da prova carreada para os autos, designadamente a prova testemunhal e a prova documental, é manifesto que o tribunal a quo julgou mal quando considerou como provados os pontos 10 e 11 da matéria de facto dada como provada com a redacção dada pelo tribunal a quo, impondo-se a alteração da sua redacção. XI. Verifica-se, ainda, que o tribunal a quo não considerou como provada matéria de facto essencial para aferir do eventual direito de regresso da ré sobre a ora recorrente, designadamente, no que concerne aos pagamentos já realizados pela ora interveniente ao réu, o montante por esta disponibilizado e que o réu se recusou a receber e, bem assim, que parte do valor peticionado até já se encontra pago, pelo que se impõe o aditamento dos pontos 13, 14, 15 e 16 da matéria de facto. XII. Consta da matéria de facto dada como provada, no ponto 10), que “no âmbito dos preditos trabalhos de substituição da rede eléctrica do edifício, a autora substituiu os cabos de ligação ao quadro geral de baixa tensão (QGBT) existentes na garagem do mesmo, nomeadamente o tubo de protecção e os condutores de ligação entre a portinhola e a caixa de contagem, os ligadores dos condutores, a caixa de contagem e a ligação entre a caixa de contagem e o quadro de entrada da sua instalação”. XIII. Consta da matéria de facto dada como provada, no ponto 11), que “Em 18 de Maio de 2016, a autora emitiu a factura n.º ... no valor de €17.964,13, com referência à substituição dos cabos referidos em 9), com data de vencimento em 18 de Maio de 2016”. XIV. Não se percebe como concluiu o tribunal que o que estava aqui em causa nos autos foi a substituição do “tubo de protecção e os condutores de ligação entre a portinhola e a caixa de contagem, os ligadores dos condutores, a caixa de contagem e a ligação entre a caixa de contagem e o quadro da entrada da sua instalação”, quando tal não resulta de qualquer prova testemunhal, nem sequer documental. XV. Da factura em causa nos autos apenas resulta que se refere a “trabalhos efectuados no v/edifício”, remetendo para um orçamento (junto aos autos pela Ré na Contestação de 14 de Novembro de 2018, sob o documento n.º 2), do qual não se alcança o vertido de que seriam substituídos o “tubo de protecção e os condutores de ligação entre a portinhola e a caixa de contagem, os ligadores dos condutores, a caixa de contagem e a ligação entre a caixa de contagem e o quadro da entrada da sua instalação”, por não constar qualquer menção a esses trabalhos específicos. XVI. E muito menos se percebe como alcançou o tribunal quais os trabalhos a que a factura em causa se reportava, factura essa que nada diz quanto aos trabalhos efectivamente realizados… XVII. Aliás, se atentarmos no depoimento das testemunhas funcionárias da própria Autora, AA e BB, nem estas saberão ao que diz respeito, em concreto, esta factura, indicando, genericamente, que seria referente à instalação eléctrica. XVIII. Do valor peticionado pela Autora, para conclusão de todos os trabalhos encontra-se peticionado o valor de reparação dos cabos LSVAV da alimentação ao Quadro Geral de Baixa Tensão, por tal se reportar à instalação eléctrica da garagem, última das reparações realizadas. XIX. No entanto, não resulta de qualquer prova, quer testemunhal, quer documental, que de facto a Autora terá substituído “o tubo de protecção e os condutores de ligação entre a portinhola e a caixa de contagem e o quadro de entrada da sua instalação”, e, bem assim, que a factura em causa nos presentes autos se reporte, em concreto, à referida substituição. XX. Nessa conformidade, deve a redacção dos aludidos pontos da matéria de facto ser alterada, passando a constar o seguinte: “10. No âmbito dos preditos trabalhos de substituição da rede eléctrica do edifício, a Autora procedeu à reparação e substituição da rede eléctrica, nos termos constantes do orçamento junto aos autos com o documento n.º 2 da Contestação”; e “11. Em 18 de Maio de 2016, a Autora emitiu a factura n.º ... no valor de 17.964,13€, com data de vencimento em 18 de Maio de 2016.” XXI. Atente-se que, em causa nos presentes autos, encontra-se em discussão um eventual direito de regresso, pelo que o Tribunal a quo devia ter aferido tal relação e, nessa medida, conhecido de matéria de facto para determinar se existe ou não direito de regresso ou não e, em caso afirmativo, qual a sua medida. XXII. A responsável pela averiguação determinou, inicialmente, que a reparação das áreas afectadas e substituição dos elementos danificados comportava o valor global de €127.820,77 (montante já pago integralmente pela recorrente), no qual não foi considerada qualquer verba a pagar pela recorrente no concerne aos cabos LSVAV da alimentação do QGBT. XXIII. Nessa sequência, conforme resulta dos documentos juntos com a contestação da ora recorrente, designadamente, o n.º 4 a 8, a recorrente pagou tal valor em transferências parcelares, sendo certo que, com à conclusão do processo e pagamento de valores eventualmente ainda devidos, a recorrente solicitou o envio de documentos, com base nos quais, foi elaborado novo quadro de regulação de prejuízos. XXIV. Nessa sequência, a recorrente procedeu à emissão e envio do recibo de indemnização n.º ..., no valor de € 14.021,84, para pagamento do remanescente dos prejuízos, o qual é devido para pagamento de todos prejuízos do réu, e não apenas dos valores que, eventualmente, se encontram em dívida para com a autora. XXV. Do valor que o réu deve à autora, ainda que considerando o valor da globalidade dos trabalhos, não pode a recorrente ser responsabilizada, como já se deixou dito, pelo pagamento de determinadas verbas respeitantes aos seguintes trabalhos, no valor global de €10.720,73: “Alimentação do QGBT: Cabo LSVAV 4x150 com ligação e acessórios €5.521,23; Cabo LSVAV 4x150 com ligação e acessórios €492,95; Cabo LSVAV 4x150 com ligação e acessórios €1.571,08; Cabo LSVAV 4x150 com ligação e acessórios €3.153,83. XXVI. Aliás, resulta da informação remetida pela “E..., S.A” em 19 de Julho de 2019, que a aludida “E..., S.A.” terá feito deslocar os seus técnicos, no menor curto espaço de tempo possível, para repor, de forma provisória, a energia no edifício, o que resulta também das informações prestadas pelos, à altura, funcionários da “E...”. XXVII. Atente-se desde logo, nas informações prestadas pelo funcionário da “E...”, Engenheiro CC, em 24 de Novembro de 2015 (junto aos autos a fls.), da qual resulta que, ao contrário do que quer fazer crer a Autora, no projecto da instalação eléctrica do edifício consta, também, a parte que pertence à rede pública, sendo certo que a aludida testemunha, confirmou, no seu depoimento, que os cabos em causa nos autos são propriedade da “E..., S.A.”, depoimento corroborado pelas testemunhas DD e EE. XXVIII. Ora, é manifesto que os cabos LSVAV de alimentação do QGBT eram, e são, da propriedade da “E...”, conforme confirmado por esta testemunha, que não só se deslocou ao local, como no local verificou os projectos do edifício. XXIX. Não pode a ora recorrente ser responsabilizada porque autora e réu acordaram na reparação de tais danos, desconhecendo a recorrente o motivo de tal reparação. XXX. A substituição dos cabos LSVAV de alimentação do QGBT conforme consta do orçamento junto aos autos com o documento n.º 2 da contestação da ré e, bem assim, do documento junto aos autos sob o n.º 3 junto com a contestação da recorrente, implica um custo de € 10.720,73. XXXI. Assim, deveria ser aditada à matéria de facto o ponto n.º 13, cujo teor deve ser o seguinte: “Os cabos LSVAV 4x150 com ligação e acessórios, LSVAV 4x95 com ligação e acessórios, LSVAV 4x70 com ligação e acessórios e LSVAV 4x50 com ligação e acessórios são propriedade da “E..., S.A., cujo custo de substituição é de €10.720,73” XXXII. A ora recorrente, a fim de agilizar a realização dos trabalhos e, nesse sentido, minorar os prejuízos sofridos pelo Tomador de Seguro e habitantes do edifício, procedeu ao pagamento de diversas quantias parcelares, no total de €127.820,77, no entanto, não aceitou pagar, nem incluiu na regularização de prejuízos, a verba de €10.720,73, referente aos cabos de ligação QGBT, pelo que, para pagamento do remanescente da indemnização arbitrada e ressarcimento de todos os prejuízos sofridos, a Contestante colocou à disposição do Réu o montante de €14.021,84, que não aceitou, por entender que deveria ser incluído o valor de € 10.720,73, referente à substituição dos aludidos cabos. XXXIII. Tais factos resultam da prova produzida, designadamente a documental, nomeadamente os documentos n.ºs 4 a 8 e 11 da Contestação da ora recorrente, e bem assim da prova testemunhal, designadamente, do depoimento da testemunha FF. XXXIV. Assim, devem ser aditados à matéria de facto os seguintes pontos: “14. A “X... – Companhia de Seguros, S.A.” pagou ao Condomínio, até à presente data, a quantia de €127.820,77. 15. A “X... – Companhia de Seguros, S.A.” colocou à disposição do Réu Condomínio o montante de €14.021,84 para pagamento integral dos restantes prejuízos entretanto apurados, perfazendo o valor global da indemnização de €141.842,57”. XXXV. Durante o decurso da produção de prova, designadamente, a testemunhal, foi possível aferir que, entretanto, a autora, com base na factura em causa nos presentes autos, terá intentado execução contra o réu Condomínio, no qual já terão sido recuperados cerca de €1.000,00, conforme resultou do depoimento da testemunha BB. XXXVI. Apesar de não ter sido alegado pela autora, nem esta ter trazido tais factos aos autos, actualmente o valor em dívida à mesma é inferior ao valor da factura em causa nos presentes autos. XXXVII. Apesar de não se encontrar alegado pelas partes, tal facto é, no entanto e nos termos do artigo 5º, n.º 2, do Código de Processo Civil, um facto instrumental da causa. XXXVIII. Atente-se, uma vez que a autora já foi ressarcida, pelo menos, parcialmente, do montante peticionado nos presentes autos, então sempre se dirá que tal tem necessariamente que constar da matéria de facto dada como provada. XXXIX. Assim, atento o exposto, deve ser aditado à matéria de facto dada como provada, o facto n.º 16, do qual deve constar “Na presente data, a factura em causa nos presentes autos encontra-se parcialmente paga pelo Réu Condomínio ..., em montante não concretamente apurado”. XL. Atenta a alteração da matéria fáctica pugnada pela ora recorrente, dúvidas não podem restar que a mesma não é responsável pelo pagamento de qualquer valor à autora. XLI. A reparação/substituição dos cabos LSVAV, para alimentação do QCBT, é da responsabilidade da E..., S.A., pelo que não deveria, desde logo, tal reparação ter sido realizada pela autora. XLII. A ter sido realizada, então não é da responsabilidade do Condomínio ... o seu pagamento, por os cabos em causa não serem da sua propriedade, e dessa forma não integram a parte comum do edifício, pelo que não estão cobertos pelas garantias do contrato de seguro celebrado entre a recorrente e o Condomínio .... XLIII. No contrato de seguro em causa, designadamente, nas condições particulares encontra-se descriminado o local de risco, os bens e capitais seguros e, bem assim, as coberturas. XLIV. Atento o exposto, uma vez que os cabos LSVAV, de alimentação do QGBT, não são propriedade do Condomínio ..., e, por isso, não integrarem as partes comuns do edifício, não pode a recorrente ser responsabilizada pelo seu pagamento, por não ser objecto do contrato de seguro. XLV. Pelo que, a entender-se que será a ora recorrente responsável pelo pagamento à autora, o que não se concede, atenta a qualidade de interveniente acessória (ainda que não atendida pelo Tribunal a quo na sentença ora proferida), é manifesto que ao valor em dívida, então ter-se-ia que retirar o valor dos aludidos cabos, no montante de € 10.720,73, encontrando-se, assim, limitada a responsabilidade da recorrente ao montante de €7.243,40. XLVI. Caso se entenda que, uma vez que o Condomínio terá solicitado a reparação/substituição de tais cabos, e, nessa sequência, integram a sua responsabilidade, então sempre se dirá que não pode ser a recorrente responsável pelo seu pagamento, uma vez que tal substituição incumbia a terceiros. XLVII. É manifesto que a reparação/substituição dos cabos LSVAV, da alimentação do QGBT, não integra, como já se deixou dito, a responsabilidade da recorrente. XLVIII. Atenta a matéria de facto aditada, a autora já recebeu, na presente data, parte do valor em dívida pelo Condomínio, o que resultou da prova produzida, pelo que não pode ser ignorada. XLIX. Não pode a recorrente ser condenada no pagamento, sem mais, de valores que a autora já terá, por sua vez, recebido, sob pena de tal constituir, nos termos do artigo 473.º e seguintes, enriquecimento sem causa, pelo que, ainda que se considere a recorrente como responsável pelo pagamento directamente à autora de qualquer valor, então, com o devido respeito, sempre se dirá que terá que ser remetida a condenação para liquidação de sentença, sob pena de a autora se fazer pagar duas vezes! L. Em conclusão: A sentença é nula nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, d) do CPC, pelo que se impõe desde logo, a revogação da sentença proferida e substituída por outra que faça a correcta análise da matéria fáctica e aplicação do direito, e nessa medida absolva a recorrente do pedido. LI. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que deve a matéria de facto nos pontos 10 e 11 ser alterada nos termos pugnados no presente recurso e, bem assim, ser aditada à matéria de facto os factos 13 a 16, e nessa medida, atenta a aludida matéria de facto, absolver a recorrente do pedido. LII. Ou, absolver a recorrente do pagamento do montante peticionado referente à reparação dos cabos LSVAV da alimentação do QGBT, e remeter para liquidação de sentença o montante condenatório até ao limite de € 7.243,40. A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e deduzindo recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões: 1- Aparentemente, o presente recurso será admissível relativamente à questão da condenação a titulo principal quando a chamada interveio nos autos a titulo acessório, e não já quanto às outras questões nomeadamente impugnação da matéria de facto que não a afectam ou prejudicam directamente relevância apenas indirecta ou reflexa e eventual ou hipotética no âmbito de uma futura e eventual acção de regresso que o réu venha a intentar contra si. 2- Não há qualquer motivo para alterar a matéria de facto dada como provada, porquanto a mesma está consentânea com a espontaneidade e veracidade da prova testemunhal produzida pelo A. bem como as declarações da administradora do reu condomínio. 3- Não trouxeram quer o réu Condomínio quer a recorrente chamada, prova aos autos que contrariem cabalmente o claramente produzido em audiência e dos documentos/orçamento junto aos autos por todos aceites. 4- Não há erro clamoroso de julgamento na apreciação da matéria de facto que legitime em nada a sua alteração. 5- Note-se que quer a factura quer o vertido no orçamento foi matéria admitida pela recorrente X... nos autos conforme e bem se destaca na sentença recorrida em sede de motivação. 6- Assim, deve a matéria dada como provada manter-se nos exactos termos em que o foi, improcedendo nesta parte o recurso intentado. 7- O réu condomínio confessou todos os factos alegados em sede de petição inicial o que deveria desde logo dar lugar quanto a estes factos o seu assentamento, para jamais saírem dos autos e a consequente condenação atenta a assertividade na matéria de direito aplicada. 8- As relações com a chamada são para dirimir em ulterior acção de regresso, mas os factos confessados pelo réu condómino deveria desde logo dar lugar à sua condenação nesta acção. 9- A ora recorrida não detém qualquer quantia provinda de execução, porquanto conforme se alegou e junta devolveu por extinção da execução, todos os valores à solicitadora de execução para devolução ao réu condomínio. 10- Assim, é falso que tenha já recebido algo e assim tenhamos que constatar e considerar algum acerto nos valores a que a recorrente seguradora foi condenada. 11- O valor em divida e conforme plenamente provado é de €17.694,13 acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo pagamento. 12- O réu condomínio deveria, conforme abaixo se irá concluir, ser condenado (também) no pedido, pelo que a não entender-se procedente (por falta de legitimidade) requer-se a ampliação do âmbito do recurso interposto de molde a obter-se a condenação do réu condomínio na presente acção, nos termos do artigo 636.º do CPC, tendo em atenção a confissão do réu condomínio aos factos alegados em sede de petição inicial, que não ficou dada como assente nos factos provados Conclusões do recurso subordinado: 1. A aqui recorrente R... Lda. tem legitimidade para interpor o presente recurso, atento o disposto nos artigos 631, nº 1 e 633 do CPC. 2. Caso o recurso da chamada seja procedente, subsidiariamente interpõe o presente recurso subordinado. 3. A não se entender assim, o que não se concede, (falta de legitimidade para o recurso) requer-se a ampliação do âmbito do recurso interposto de molde a obter-se a condenação do reu condomínio na presente acção, nos termos do artigo 636.º. 4. Muito embora a aqui recorrente tivesse obtido uma condenação, o certo é que, não o foi nos termos peticionados contra o Réu condomínio, tendo sido contra um interveniente acessório e não principal cuja procedência do presente recurso nessa medida, afecta-a de “morte”. 5. Entre recorrente e réu Condomínio está-se no âmbito de um seguro de responsabilidade civil que integra a classificação de contrato a favor de terceiro. 6. Ora, perante o lesado, segurado e seguradora são solidariamente responsáveis, nos termos do art. 497º, do Código Civil, pelo que o segurado não fica desonerado perante o terceiro-lesado por virtude da existência de um contrato de seguro. Na verdade, pelo contrato de seguro apenas se transferiu o pagamento do quantum indemnizatório para a seguradora, mas não a responsabilidade jurídica pelo evento. 7. Deste modo, fica o lesado com o direito de demandar directamente a seguradora, ou o segurado, ou ambos, em litisconsórcio voluntário. 8. Nada exclui como aliás, o fez a ora recorrente R... Lda., demandar apenas o segurado Condomínio, que face a toda a matéria dada como provada deve ser condenado integralmente no pedido pagando à ora recorrente a quantia de € 17.964,13, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo pagamento. 9. Por ultimo a condenação do Réu condomínio também se impunha, para além da justeza da matéria dada como provada, pelo facto de voluntariamente em diligência datada de 03 de Julho de 2019 ter confessado a factualidade alegada em sede de petição inicial quanto á realização dos trabalhos e respectivo preço, ficando apenas a chamada no processo para assegurar o eventual direito de regresso do reu Condomínio, por ter sido esse o interesse atendível em a ter chamado a intervir na causa, facto com a qual a recorrente seguradora se conformou. 10. A decisão “à quo” violou por erro de interpretação entre outros o disposto nos artigos 497.º do CC. Termos em que: A. deve o recurso interposto pela chamada ser julgado não provado e improcedente, mantendo-se a matéria de facto dada como provada inalterada, bem como a condenação da chamada; B. a não ser assim, C. deve o recurso subordinado interposto pela R... Lda., ser julgado provado e procedente e, em consequência, ser o réu Condomínio do Edifício ... condenado no pedido efectuado. O processo foi remetido a esta Relação sem ter sido proferido o despacho do n.º 1 do artigo 617.º do Código de Processo Civil, apesar do que não se considera indispensável mandar baixar o processo para que seja proferido (n.º 5 do preceito). Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões: Recurso principal: - i) se a sentença recorrida é nula por excesso de pronúncia; - ii) se se justifica a modificação da decisão sobre a matéria de facto; - iii) a poder decidir-se sobre a obrigação da interveniente adveniente do contrato de seguro, se estão provados os pressupostos necessários para a interveniente ficar obrigada a suportar o custo dos trabalhos realizados pela autora. Recurso subordinado: - se estão preenchidos os pressupostos para condenar a ré a pagar o valor peticionado pela autora. III. Os factos: Ficaram provados os seguintes factos: 1. Na Praceta ..., ..., localiza-se um prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal, composto de cave, rés do chão e 5 andares, destinado a comércio a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo .... 2. Em 29 de Dezembro de 2019, o Condomínio do Edifício ... subscreveu como “tomador de seguro” a apólice n.º ... da Companhia de Seguros X..., S.A. com referência ao ramo Multirriscos Condomínios, pelo período de um ano, renovável por iguais períodos, consignando como local de risco “Praceta ..., ...”, e bens e capitais seguros “103 fracções, com o valor de capital do edifico/fracções de 6.501.227,50€”. 3. No âmbito do seguro referenciado em 2), consignaram-se, designadamente, a cobertura de “incêndio, acção mecânica de queda de raio e explosão”, com o limite de indemnização – capital seguro. 4. Em sede das condições gerais do sobredito seguro, estipula-se, nomeadamente, que: “Cláusula 2.ª (…) I incêndio, acção mecânica de queda de raio e explosão 1. A contratação desta cobertura cumpre a obrigação de segurar os edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, quer quanto às fracções autónomas, quer quanto às partes comuns, que se encontrem identificados na apólice contra o risco de incêndio.” 5. No dia 15 de Julho de 2015, deflagrou um incêndio em dois veículos que estavam localizados na garagem do edifício descrito em 1), o qual se propagou para a zona da antedita garagem e caixas de escadas das entradas n.º ... e .... 6. Em consequência do indicado em 5), verificaram-se danos na zona da garagem e caixas de escadas das entradas n.º ... e ..., colunas montantes de serviços, assim como em várias fracções da entrada n.º ..., por fumo. 7. Em 15 de Julho de 2015, o réu Condomínio do Edifício ... declarou participar à interveniente Companhia de Seguros X..., S.A. o enunciado em 6), solicitando o pagamento pela mesma dos preditos danos. 8. Na sequência do indicado em 6), o réu Condomínio do Edifício ... declarou solicitar à autora a reabilitação total da garagem colectiva, com pinturas e inerentes trabalhos de construção civil e substituição da rede eléctrica, o que a mesma declarou aceitar. 9. Entre os meses de Julho de 2015 e Maio de 2016, a autora efectivou os trabalhos de reabilitação total da garagem colectiva, com pinturas e inerentes trabalhos de construção civil e substituição da rede eléctrica. 10. No âmbito dos preditos trabalhos de substituição da rede eléctrica do edifício, a autora substituiu os cabos de ligação ao quadro geral de baixa tensão (QGBT) existentes na garagem do mesmo, nomeadamente o tubo de protecção e os condutores de ligação entre a portinhola e a caixa de contagem, os ligadores dos condutores, a caixa de contagem e a ligação entre a caixa de contagem e o quadro de entrada da sua instalação. 11. Em 18 de Maio de 2016, a autora emitiu a factura n.º ... no valor de 17.964,13€, com referência à substituição dos cabos referidos em 9), com data de vencimento em 18 de Maio de 2016[1]. 12. O réu Condomínio do Edifício ... remeteu para a interveniente Companhia de Seguros X..., S.A. a antedita factura, solicitando o seu pagamento. IV. O mérito do recurso: » Recurso principal: A interveniente começa por arguir a nulidade da sentença recorrida por excesso de pronuncia na medida em que a condenou no pedido quando ela tem no processo apenas a posição de parte acessória, na qual a sua obrigação não pode ser apreciada e decidida na acção na qual intervém. A questão é fácil de resolver e resulta de um manifesto equívoco do Mmo. Juiz a quo quanto à qualidade da terceira interveniente, a qual, de facto, começou por ser admitida na qualidade de parte principal, decisão que foi depois rectificada, consignando-se que a terceira interveniente tinha somente a posição de parte acessória, rectificação que teve a concordância das partes e por isso transitou em julgado, definindo em definitivo a qualidade processual da interveniente. Cremos ser oportuno distinguir a intervenção principal da intervenção acessória e as consequências das diferentes qualidades desse estatuto para efeitos da acção onde tem lugar a intervenção do terceiro. O artigo 260º do Código de Processo Civil consagra o princípio da estabilidade da instância, dizendo que uma vez citado o réu a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei. As modificações subjectivas ou relativas às partes podem ocorrer através dos incidentes de intervenção de terceiros previstos na lei ou em casos de sucessão por actos entre vivos ou por falecimento de uma das partes. Um dos incidentes de intervenção de terceiros é precisamente o da intervenção acessória através do qual uma pessoa inicialmente estranha à acção passa a ter nesta o estatuto de assistente. Pode suceder, com efeito que a parte demandada possa fazer reverter para outrem a obrigação de pagamento do que ela venha a ser condenada na acção. Para acautelar esse direito, o incidente adequado é o da intervenção acessória consagrado no artigo 321º do Código de Processo Civil Quando o artigo 321º do Código de Processo Civil se refere ao direito de regresso não está apenas a reportar-se aos casos em que a própria lei confere a alguém um direito de regresso como tal expressamente designado. Cabem ainda na previsão do aludido preceito todas as demais situações em que a lei ou o contrato permitam ao demandado reclamar de um terceiro o pagamento do que houve de pagar em consequência da decisão da acção. Trata-se daquilo a que M. Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 179/180, designa por direito de regresso em sentido amplo ou impróprio quando afirma que «…o principal âmbito de aplicação da intervenção acessória provocada coincide com o direito de regresso decorrente de uma relação conexa com o objecto do processo. Quando entendido em sentido próprio, este direito de regresso pode decorrer de uma relação de garantia: imagine-se, por exemplo, que o causador de um dano chama a intervir a companhia de seguros na qual cobriu o risco da sua actividade. Mas, num sentido amplo ou impróprio, o direito de regresso também pode resultar de uma mera responsabilidade baseada, por exemplo, num subcontrato, numa relação de contratos em cadeia ou na evicção...». Existe uma distinção fundamental sobre a posição que os terceiros intervenientes podem ser admitidos a ocupar na acção a que são chamados e que divide os respectivos incidentes de chamamento em intervenção principal e intervenção acessória. Na intervenção principal, os terceiros são chamados a ocupar na acção a posição de partes principais. O que fundamenta a sua intervenção é o facto de serem titulares da mesma relação material controvertida que permitiu a demanda do réu (estão numa relação de litisconsórcio com este) ou de a causa de pedir que gera o seu direito de acção ser a mesma da do autor ou então os pedidos a formular por autor e interveniente estarem entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência (coligação activa). Já na intervenção acessória, os chamados vêm ocupar a posição de partes acessórias, sendo a sua intervenção destinada apenas a auxiliar na defesa da parte principal que o chama e que ocupa na acção, necessariamente, a posição de demandado. O que justifica esta modalidade de intervenção não é qualquer comparticipação na relação material controvertida do réu com o autor, não é qualquer proximidade entre causas de pedir e pedidos, é somente a circunstância de entre o réu e o chamado existir uma outra relação jurídica (distinta da que une as partes principais) em função da qual será depois possível ao réu, no caso de decair na defesa, reverter contra o chamado os efeitos da sentença que o condenar. Assim, o interveniente principal faz valer um direito próprio paralelo ao do autor ou do réu (artigo 312.º) e, por isso, a partir da sua intervenção goza de todos os direitos de parte principal. O interveniente principal é, no fundo e desde a sua intervenção, parte principal, parte com os mesmos direitos da parte a que se associa e, portanto, com a mesma liberdade de definição dos termos da sua intervenção no processo de que gozam as outras partes principais (autor e réu). O interveniente acessório não faz valer na acção qualquer direito próprio, apenas auxilia a parte a que se associa (necessariamente o réu) a fazer a sua defesa, ou seja, a exercer o direito deste. O objectivo é permitir que as questões que será necessário discutir e decidir na acção para resolver o litígio entre as partes principais (autor e réu) e que em simultâneo tenham repercussão na relação jurídica entre o réu e o chamado possam logo ali ser discutidas com a participação do chamado, de modo a evitar a necessidade de as voltar a discutir e decidir depois na acção de regresso entre o demandado e o chamado. Trata-se, portanto, de uma pura intenção de economia processual. Na intervenção acessória não ocorre nenhuma situação similar à que ocorre, por exemplo, com a reconvenção ou a apensação de acções, onde efectivamente se dá uma ampliação do objecto da acção, o qual passa a compreender também a causa de pedir e o pedido da reconvenção ou da acção apensada. Na intervenção acessória a intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento (artigo 321.º, n.º 2). Não se trata, portanto, de discutir nem os pressupostos da acção de regresso, nem o direito do réu sobre o chamado que justificará esse regresso. O fundamento da intervenção acessória é a acção de regresso do réu contra o terceiro, destinada a reverter sobre o terceiro o prejuízo que eventualmente resulte da perda da demanda, pelo que o terceiro tem um interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão, sendo chamado à acção apenas para acautelar esse interesse (cf. Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, 3ª edição, página 127 e seg.). Por conseguinte, do que se trata é somente de chamar o terceiro a discutir, conjuntamente com as partes principais, as questões da acção, as questões que o litígio entre o autor e o chamado coloca e que estão delineadas nos articulados que estes produziram, e que, em simultâneo, devam ser tratadas e decididas também na acção de regresso. Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, página 252 e seg., transmite estas ideias com as seguintes palavras: «Na base de tal configuração está a ideia de que a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, conexo com a controvertida – e invocada pelo réu como causa do chamamento – é a de mero auxiliar da defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto de ulterior e eventual acção de regresso ou de indemnização contra ele movida pelo réu da causa principal. (…) o chamado “não deve ser tratado como parte principal”, o seu papel e estatuto reconduzem-se, pois, ao de auxiliar na defesa, visando com a sua actuação processual – não obstar à própria condenação, reconhecidamente impossível – mas produzir a improcedência da pretensão que o autor deduziu no confronto do réu-chamante». Para Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1999, vol. 1, págs. 585 e 586, «a relação jurídica de regresso depende da que é discutida na acção na medida em que o estabelecimento desta implica a verificação dum pressuposto do direito de regresso ou a existência do direito do autor contra o réu. O terceiro é chamado para que, quanto a essa verificação, se possa constituir perante ele o caso julgado. Consequentemente, só faz sentido que o terceiro auxilie o réu na defesa respeitante às questões implicadas pela verificação do direito do autor». Para Teixeira de Sousa, loc. cit. pág. 179, «para auxiliar o réu na sua defesa e a sua actividade não pode exceder a discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso que fundamenta a intervenção (…). Com este chamamento, o demandado obtém não só o auxílio do terceiro interveniente, como também a vinculação deste último à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (…). Portanto, a intervenção do terceiro não é acompanhada de qualquer alteração no objecto da causa e, menos ainda, de qualquer cumulação objectiva.» A intervenção acessória do terceiro limita-se às questões relativas ao pedido ou à causa de pedir com repercussão na existência e no conteúdo do direito de regresso, por deste serem condicionantes. Quanto a estas questões forma-se caso julgado material em relação ao chamado, mas ele não é condenado nesta primeira acção; apenas fica vinculado, em regra, a aceitar os factos dos quais derivou a condenação do primitivo réu propriamente dito, isto é, o que implementou o chamamento. O caso julgado da sentença estende-se ao chamado de modo a que não seja possível nem necessário que na subsequente acção de indemnização proposta pelo réu contra o chamado se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo, mas não comporta decisão de condenação ou absolvição do chamado. Em princípio, na nova acção de indemnização em que o chamado figure como réu, fica o mesmo vinculado ao conteúdo da sentença da primeira acção como prova plena dos factos estabelecidos nela relativamente ao direito definido e no que concerne às questões de que a acção de regresso dependa. Em conclusão, o chamamento de terceiro à acção a título de interveniente acessório não muda a causa de pedir nem o pedido da acção. A acção não passa por isso a ter como objecto também a relação que justifica aquele chamamento e, nela, o réu que fez o chamamento não pode formular pedidos contra o interveniente acessório, nem este pode em circunstância alguma ser condenado na acção com fundamento na relação jurídica invocada para sustentar o direito de regresso. Tudo isso são questões que terão de ser suscitadas em nova acção a instaurar pelo réu contra o interveniente acessório e só neste poderá vir a ser proferida qualquer condenação do interveniente em benefício do aqui réu e ali autor. É por estes motivos que ao apreciar os pressupostos da acção de regresso e condenar a interveniente num pedido que nem sequer se encontra contra si formulado, a sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia e por condenação em objecto diverso do pedido (artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil). A declaração de nulidade da sentença recorrida na parte em que condenou «a ré/interveniente Companhia de Seguros X..., S.A. a pagar à autora R... Lda. a quantia de 17.694,13€ … acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo pagamento», resolve a acção na parte relativa à intervenção da chamada, não sendo necessário proferir qualquer outra decisão em substituição do tribunal recorrido. Tal declaração prejudica igualmente o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso principal. Aliás, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto foi deduzida «para afastar uma eventual responsabilidade, caso não se conclua pela nulidade da sentença», condição que como vimos não se verifica. » Recurso subordinado: A autora recorre subordinadamente da decisão de absolver o réu do pedido, para o que tinha naturalmente legitimidade, atenta a natureza de parte vencida por esse segmento da decisão (cf. artigo 633.º do Código de Processo Civil, sendo que tinha mesmo de apresentar este recurso sob pena de essa decisão transitar em julgado na medida em que a mesma não é afectada pela declaração de nulidade do outro segmento da sentença recorrida. A ré devia ser condenada no pedido? A resposta é obviamente que sim. Entre a autora e o réu foi celebrado um contrato de empreitada para a execução de trabalhos de construção civil e electricidade de reparação dos danos sofridos pelo imóvel na sequência de um incêndio. O contrato de empreitada é, com efeito, um contrato oneroso ou comutativo, através do qual o empreiteiro se obriga a executar uma determinada obra e o dono da obra se obriga, como contrapartida, a pagar-lhe o preço correspondente – artigo 1207.º do Código Civil -. Foi precisamente a isso que as partes se obrigaram reciprocamente: a autora a executar uma obra de construção civil de reabilitação de um imóvel onde ocorreu um incêndio; o réu a pagar à autora o preço acertado para esse trabalho. Tendo sido o réu a contratar a autora para a execução desses trabalhos e a tirar benefícios dos mesmos uma vez que as obras foram executadas no seu imóvel, é evidente que recai sobre o réu a obrigação de pagamento da retribuição devida à empreiteira. Assim, uma vez demonstrada a contratação da autora pelo réu para a execução desses trabalhos, demonstrada a execução de trabalhos e demonstrado o respectivo custo assinalado na respectiva factura, o réu tem de ser condenado no pagamento do montante da factura. Refira-se que na contestação o réu confessa que «mandar repor todas as ligações eléctricas existentes no caderno de encargos e na planta do edifício» [7], que «essa reparação das ligações eléctricas foi solicitada à Autora» [8], em conformidade com o «orçamento conforme documento que se junta sob o n.º 2, no qual consta a reparação das ligações eléctricas existentes» [9] e que «a factura ..., emitida em 18/05/2016, no valor de 17.964,13 euros, … respeita apenas aos trabalhos levados a cabo e respeitantes à reparação total da instalação eléctrica da garagem» [10]. Por outras palavras, o réu aceitou a execução dos trabalhos e a correspondência da factura aos valores orçamentados para a sua execução. Por conseguinte, o réu tem de ser condenado a pagar o montante da factura e juros de mora a contar do respectivo vencimento, procedendo por isso o recurso subordinado. V. Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar os recursos do seguinte modo: » Recurso principal: procedente; em consequência, anulam a sentença recorrida na parte em que condenou a Companhia de Seguros X..., S.A. a pagar à autora a quantia de 17.694,13€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos; » Recurso subordinado: procedente; em consequência, revogam a sentença recorrida na parte em que absolveu o réu do pedido, condenando-a agora a pagar à autora a quantia de €17.694,13 (dezassete mil, seiscentos e noventa e quatro euros e treze cêntimos) acrescida dos juros de mora vencidos desde 18/05/2016 e vincendos até integral pagamento. Custas da acção e dos recursos pelo réu, o qual vai condenado a pagar à autora e à interveniente, a título de custas de parte, o valor das taxas de justiça que suportaram e eventuais encargos. * Porto, 15 de Junho de 2022.* Os Juízes DesembargadoresAristides Rodrigues de Almeida (R.to 693) Francisca Mota Vieira Paulo Dias da Silva [a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas] _________________________________ [1] Este é de facto o montante da factura. Por lapso, no seu requerimento inicial, no articulado aperfeiçoado e na formulação do pedido a autora menciona o valor de €17.694,14. Como este lapso de troca da ordem dos algarismos das centenas e das dezenas nunca foi corrigido e não é possível condenar em valor superior ao pedido, sob pena de nulidade, a decisão final reflectirá não o montante acusado pela factura, mas o pedido do pedido. |