Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDO SAMÕES | ||
Descritores: | CLÁUSULA PENAL FUNCIONAMENTO PRESSUPOSTOS | ||
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Nº do Documento: | RP201301152015/09.4TBPFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/15/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | A cláusula penal moratória compulsória só funciona quando se verificarem todos os pressupostos exigidos para a correspondente indemnização. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2015/09.4TBPFR.P1 Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró * Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção:I. Relatório B…, Lda., com sede na Rua …, apartado …, …, Vila Nova de Famalicão, instaurou, em 2/12/2009, no Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, onde foi distribuída ao 3.º Juízo, acção com processo ordinário contra o Condomínio …, sito no Gaveto da …, Paços de Ferreira, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 35.171,45 €, depois de rectificada, correspondente ao capital de 34.380,23 € e juros vencidos desde 28/4/2009, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento. Para tanto, alegou, em resumo, que: Celebrou com o réu um contrato de empreitada, nos termos do qual se comprometeu a executar obras de reabilitação daquele edifício pelo preço de 57.603,32 €, o que fez, tendo concluído tais obras em Março de 2009 que o demandado aceitou sem reclamar qualquer defeito no prazo acordado de 30 dias. Do referido preço, encontra-se em dívida o montante de 34.380,23 €, que deveria ter sido pago até 28/4/2009, data do vencimento da factura emitida e entregue ao réu no final dos trabalhos. O réu contestou e deduziu reconvenção, alegando, em síntese: Em Março de 2009, a obra não estava concluída, faltando realizar os trabalhos que comunicou à autora, estando ainda por concluir parte desses trabalhos à data da apresentação da contestação, pelo que não está obrigado a pagar o remanescente do preço, podendo lançar mão da excepção de não cumprimento. Os trabalhos executados apresentam defeitos que comunicou à autora, mas que não reparou. Estipularam uma cláusula penal, no valor de € 50,00 por cada dia de atraso na conclusão da obra, que a autora devia terminar até 30 de Dezembro de 2007. Concluiu pela improcedência da acção e pedindo que a autora seja condenada a pagar-lhe, a título de cláusula penal, a quantia de 42.700,00 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até integral pagamento, bem como a eliminar os defeitos da obra. A autora replicou impugnando a matéria alegada, mantendo a posição assumida na petição inicial, excepcionando a ineptidão do pedido reconvencional por não poder peticionar a reparação de defeitos ao mesmo tempo que alega que a obra não está concluída, alegando que alteraram a data de conclusão da obra para Março de 2009, nada deve a título de cláusula penal e que o montante peticionado é manifestamente excessivo até porque não sofreu qualquer prejuízo. Concluiu pela improcedência das excepções e da reconvenção e pela procedência da acção. O réu treplicou, impugnando os factos novos alegados pela autora, defendendo a inexistência da invocada ineptidão do pedido reconvencional e mantendo a posição assumida na contestação/reconvenção. Na fase do saneamento, foi decidido não existir a invocada ineptidão do pedido reconvencional, admitida a reconvenção e proferido despacho saneador, após o que foi elaborada a condensação, com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, de que não houve reclamações. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi decidida a matéria de facto controvertida como consta do douto despacho de fls. 288 a 295, que não foi objecto de reclamações. E, em 31/8/2012, foi proferida douta sentença que decidiu: “a) julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência: - condenar o R. a pagar à A. a quantia de € 34.380,23 (trinta e quatro mil trezentos e oitenta euros e vinte e três cêntimos), no momento em que vier a ocorrer a conclusão das obras de reabilitação da envolvente exterior vertical do edifício e a verificação dos trabalhos realizados nos termos previstos na cláusula 3ª, nº 1, al. d), do contrato referido no ponto 5 da matéria de facto; - absolver o R. do restante pedido; b) julgar parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência: - condenar a A./reconvinda a reparar a obra de reabilitação do sistema de impermeabilização do edifício, na parte em que permite a existência das infiltrações e humidades referidas no ponto 25 da matéria de facto e na despensa do apartamento referido no ponto 23 da matéria de facto; - absolver a A./reconvinda do restante pedido.” Inconformado com o assim decidido, o réu/reconvinte interpôs recurso de apelação para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões: “I - Na douta sentença ora apelada o Tribunal a quo decidiu, entre o mais, absolver a A. do pedido reconvencional efectuado com base na cláusula 9ª do contrato de empreitada junto aos presentes autos. II – E é desta decisão de absolvição que visa o presente Recurso. III – A cláusula 9ª aposta no contrato de empreitada traduz-se juridicamente por uma cláusula penal. IV – E, de entre as três espécies de cláusulas penais que, em face do princípio da liberdade contratual é permitido às partes, estamos face a uma cláusula penal do tipo puramente compulsória. V – O instituto das cláusulas penais rege-se pelos arts. 809º a 812º do Código Civil. VI – E o art. 812º define os termos em que é permitido ao Juiz reduzir o montante de uma cláusula penal. VII – Nunca esteve em causa a capacidade negocial das partes, a sua capacidade de gozo e exercício de direitos, não existem vícios de vontade ou má-fé das partes que possam por em causa a sua vontade negocial. VIII – Ou seja, as partes, livre e de comum acordo, celebraram um contrato de empreitada onde inseriram, para além de outras, uma cláusula penal. IX – Aquela cláusula prevê que o atraso na conclusão da obra implica o pagamento da A. à R. de uma quantia de €50,00 por cada dia de atraso. X – Ainda no contrato as partes estipularam o prazo de três meses para a realização da obra – de 30 de Setembro de 2007 a 30 de Dezembro de 2007. XI – Conforme resulta provado a obra ainda não terminou, pelo que a cláusula penal é devida. XII – Ao sabor do instituto supra mencionado, e no sentido do disposto no art. 812º do Código Civil, o Juiz a quo jamais poderia ter eliminado/suprido a cláusula penal em apreço, até porque está fora do âmbito dos seus poderes. XIII – E é neste sentido que vêm decidido as instâncias superiores, bem como tem entendido a doutrina. XIV – Aliás, no caso em concreto, o Juiz a quo estava inclusive impedido de reduzir a cláusula penal. VEJAMOS XV – Na douta sentença apelada a cláusula penal aposta no contrato de empreitada foi classificada como excessiva. XVI – E, conforme resulta quer do art. 812º do Código Civil, quer da Jurisprudência e doutrina supra transcritas, o Juiz está impedido de suprimir uma cláusula penal e ainda impedido de reduzir uma cláusula penal meramente excessiva, apenas podendo lançar mão do art. 812º quando considere, justificadamente, que a cláusula penal é manifestamente excessiva. XVII – Ao considerar a cláusula penal excessiva, classificação que não concordamos mas que ora não releva para a boa decisão da causa, o Juiz nunca poderá proceder à redução da mesma. XVIII – Nem tão pouco se afigura razoável a fundamentação dada na douta sentença para a eliminação da cláusula penal. XIX – Não é razoável desde logo porque se traduz numa violação evidente dos arts. 810º, 811º e 812º do Código Civil. XX – Mas também não o é porque o princípio da liberdade contratual levou as partes à estipulação de diversas cláusulas no contrato de empreitada. XXI – Dessas cláusulas resultam, naturalmente, direitos e deveres para as partes. XXII – Resultou provado que a R. sempre cumpriu com as suas obrigações. XXIII – E, só ainda não é devido o remanescente do preço do contrato de empreitada porque a A. não cumpriu as suas obrigações – não concluiu a obra. XXIV – E esse incumprimento deve-se exclusivamente à falta de vontade da A. em concluir os trabalhos. XXV – Resultou provado que na pendência da acção principal a A. efectuou trabalhos na mesma zona do prédio onde se falta acabar a obra. XXVI – Refira-se ainda que a A. alegou um sem fim de motivos para o atraso da obra, mas de todos eles não logrou provar nenhum. XXVII – É que para além de violar expressamente os preceitos legais já citados, não é sequer razoável, do ponto de vista da equidade, que a cláusula penal seja suprimida ou sequer reduzida atendendo a que a obra (com preço final de quase €70.000,00) não está concluída por culpa exclusiva da A. e ainda que a obra tinha o prazo máximo de três meses e, na presente data, já se passaram quase cinco anos desde a data aprazada para a conclusão dos trabalhos. XXVIII – Assim, atendendo à decisão proferida, caso a A. permaneça “sem vontade” de terminar a obra, como até então, pelo período adicional de 10 anos, não existem repercussões para a mesma, não obstante no momento da celebração do contrato de empreitada ter querido e aceite de livre vontade a cláusula penal aqui em apreço. EM SUMA 23 – Ao decidir absolver a A. do pedido relativo à cláusula penal, a douta sentença ora apelada enferma de errada aplicação e interpretação da lei que reconduz à violação dos arts. 810º, 811º e 812º, todos do Código Civil. NESTES TERMOS E NOS MAIS QUE DOUTAMENTE SERÃO SUPRIDOS Deve julgar-se procedente por provado o Recurso da Ré, revogando-se a douta sentença apelada na parte em que absolve a A. do pedido reconvencional com base na cláusula penal, substituindo-a por outra que condene a A. na importância de €42.700,00 a título de cláusula penal, acrescida dos juros desde a notificação da reconvenção até à presente data bem como nos juros vincendos até efectivo e integral pagamento, como é de DIREITO E JUSTIÇA”. A autora/reconvinda contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 707.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso. Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente (cfr. art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, visto que a propositura da acção é posterior a 1/1/2008 – cfr. art.º 12.º do mesmo diploma), e não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, a única questão que importa dirimir consiste em saber se é devida ao apelante a quantia pedida a título de cláusula penal. II. Fundamentação 1. De facto Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1) A A. é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto a execução de revestimento, impermeabilização e isolamentos, o que faz com intuito lucrativo [A) da matéria de facto assente]; 2) “C…, Lda.” tem a seu cargo a administração do Condomínio R., referente ao … sito no Gaveto da … com a Rua …, em Paços de Ferreira [B) da matéria de facto assente]; 3) No exercício da sua actividade comercial, foi solicitado à A., pela administração do R., que aquela procedesse à reabilitação do sistema de impermeabilização da cobertura, reabilitação da envolvente exterior vertical, tratamento dos elementos metálicos e tratamento dos tubos de queda do edifício aludido no ponto anterior [C) da matéria de facto assente]; 4) Na decorrência do referido no ponto anterior, a A. apresentou ao R. uma descrição dos problemas que o edifício apresentava e a sugestão dos trabalhos que seriam necessários realizar, bem como o respectivo orçamento, tudo como flui do teor de fls. 10 a 18 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido [D) da matéria de facto assente]; 5) O R., representado pela administradora do condomínio D…, por um lado, e a A., representada pelo seu sócio gerente E…, por outro, declararam, por escrito datado de 22 de Setembro de 2007, comprometer-se esta última a proceder aos trabalhos aludidos no ponto 3, pelo valor de cinquenta e sete mil seiscentos e três euros e trinta e dois cêntimos, acrescido do respectivo imposto sobre o valor acrescentado, pagamento esse a ser efectuado pelo R. nos seguintes termos: 30% com o início das obras; 20% com a conclusão das obras de reabilitação do sistema de impermeabilização da cobertura; 20% com a conclusão das obras de reabilitação da envolvente exterior vertical, e 30% após verificação dos trabalhos, a realizar pelos primeiro e segundo outorgantes e pelos condóminos que o pretendam fazer, em prazo que não poderá ultrapassar os trinta dias após a conclusão [E) da matéria de facto assente]; 6) Mais ficou acordado, no âmbito do escrito aludido no ponto anterior, que o R. poderia recusar o pagamento do preço caso a obra apresentasse vícios de construção e que o início de tais trabalhos deveria ter lugar até ao dia 30 de Setembro de 2007 e a sua conclusão até ao dia 30 de Dezembro de 2007, salvo se as condições climatéricas não o permitissem, caso em que deveria ser dado disso conhecimento ao R. [F) da matéria de facto assente]; 7) Mais ficou acordado, no âmbito do escrito aludido no ponto 5, que, no caso de incumprimento dos prazos estabelecidos por parte da A., esta teria de pagar ao R. a quantia diária de € 50,00 até à conclusão da obra, sem prejuízo de o R. poder invocar a resolução do contrato com as consequências legais e vir a ser ressarcido de prejuízos sofridos, incluindo encargos e honorários decorrentes da contratação de terceiro para concluir a obra, no caso de abandono, e que a A. dava garantia dos trabalhos a realizar e materiais a aplicar, de 5 e 10 anos, conforme proposta apresentada anteriormente, tudo conforme teor de fls. 19 a 21 constante dos autos, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido [G) da matéria de facto assente]; 8) Por carta datada de 30 de Março de 2009, a A. comunicou ao R. que dava por concluída, no dia 23 de Março de 2009, a obra de reabilitação acordada, dando ainda conta de que apenas não haviam terminado a colocação dos tubos de queda no alçado posterior no terreno vizinho por falta de autorização do proprietário, em razão do que aguardavam autorização escrita do mesmo para que pudessem proceder à reaplicação dos tubos [H) da matéria de facto assente]; 9) No âmbito da carta referida no ponto anterior, a A. faz ainda saber ao R. que, no que concerne à possível entrada de humidade de infiltração pelas fachadas e a existência de vidros manchados, propunham a retenção de € 5.000,00 pelo prazo de 6 meses após a data de entrega da obra, para procederem à análise das causas das mesmas e, caso se verificasse má execução, procederiam à sua reparação dentro da garantia geral de 5 anos concedida, mais solicitando ao R. que procedesse ao pagamento das verbas inscritas no acordo mencionado no ponto 5, tudo como flui do teor de fls. 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido [I) da matéria de facto assente]; 10) Aquando do facto referido no ponto 8, a A. ainda não havia procedido à colocação dos tubos de queda/condutores de águas pluviais, nem ao desentupimento do condutor das águas pluviais ao nível do chão (em resultado do entulho das obras) e não tinha procedido ao enchimento dos buracos existentes na parede do edifício [P) da matéria de facto assente e resposta ao ponto 4º da base instrutória]; 11) Quando a A. procedia à recolocação dos condutores das águas pluviais, apareceu o dono do terreno vizinho, manifestando-se contra essa obra e anunciando que ia embargar a mesma, pelo que a A. interrompeu os trabalhos [resposta ao ponto 23º da base instrutória]; 12) A A. comunicou ao R. o facto relatado no ponto anterior e solicitou-lhe que obtivesse autorização do vizinho para terminar tais trabalhos [resposta ao ponto 24º da base instrutória]; 13) A administradora do condomínio solicitou à A. que não colocasse os andaimes na fachada do edifício durante o mês de Agosto de 2008 [O) da matéria de facto assente e resposta ao ponto 26º da base instrutória]; 14) O R. enviou à A. a carta datada de 6 de Maio de 2009, cuja cópia se encontra a fls. 53 e 54 e cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde diz, nomeadamente que a liquidação que a A. reclama só “deveria ser efectuada no final das obras”, final esse que ainda não pôde “dar como efectivo”, “uma vez que ainda há obras a fazer” [respostas aos pontos 2º e 3º, ao ponto 1º e ao ponto 16º da base instrutória]; 15) Após o referido no ponto anterior, a A. procedeu ao enchimento dos buracos existentes na parede do edifício [resposta ao ponto 5º da base instrutória]; 16) Por carta respeitante a “resposta a vossa missiva de 3 de Junho de 2009”, a A. faz saber à administração do R. que o tratamento aplicado ao nível do rés do chão foi efectuado sobre superfícies não preparadas para aplicação do tratamento geral do edifício, comprometendo-se a efectuar a sua reparação nos dias seguintes, tudo conforme teor de fls. 59 dos autos, que aqui se dá por reproduzido [M) da matéria de facto assente]; 17) Por carta datada de 26/11/2009 enviada à A., o R. faz saber àquela que o acordado foi enviarem para o escritório da A. autorização escrita do proprietário do terreno contíguo, permitindo o acesso à obra pela sua propriedade a fim de serem colocados tubos de águas pluviais em falta e tapar buracos existentes, e que, face ao teor da carta que a autora havia enviado com data de 12/11/2009, dificilmente vislumbrariam o ultrapassar do impasse, exarando que a A. actuasse da forma como entendesse melhor, tendo em conta que paredes de várias fracções, nessa data, apresentavam indícios de infiltrações, estavam completamente negras e exalavam cheiro intenso a humidade, tudo conforme teor de fls. 84 e 85, que aqui se dá por integralmente reproduzido, para os devidos e legais efeitos [N) da matéria de facto assente]; 18) A A., mesmo sem a autorização escrita a que se alude no ponto anterior, procedeu à colocação dos tubos que se encontram em posição vertical, já após a instauração da presente acção (02.12.2009) [resposta ao ponto 32º da base instrutória]; 19) Encontrando-se ainda por colocar os tubos/guias de condução da água horizontais provenientes dos tubos verticais [resposta ao ponto 33º da base instrutória]; 20) O que contribui para que a água se acumule na extremidade do prédio e se infiltre nas garagens [resposta ao ponto 34º da base instrutória]; 21) Ainda se encontram actualmente por realizar os trabalhos consistentes na colocação dos condutores horizontais das águas pluviais e de desentupimento do condutor ao nível do chão [resposta ao ponto 6º da base instrutória]; 22) Na data da realização da perícia que teve lugar nos presentes autos, em Fevereiro de 2011, existiam vestígios de infiltração de água na sala de estar do 6º andar direito, na parede poente junto à janela [resposta ao ponto 7º da base instrutória]; 23) Na data da realização da perícia que teve lugar nos presentes autos, em Fevereiro de 2011, existiam vestígios de infiltração de água na cozinha, na lavandaria, na despensa e nos quartos do 5º andar direito [resposta ao ponto 8º da base instrutória]; 24) Na data da realização da perícia que teve lugar nos presentes autos, em Fevereiro de 2011, existia uma zona pontual com vestígios de condensação no quarto das crianças do 3º andar direito traseiras [resposta ao ponto 12º da base instrutória]; 25) Na data da realização da perícia que teve lugar nos presentes autos, em Fevereiro de 2011, existiam humidades e infiltrações na parede poente do quarto do 2º andar direito [resposta ao ponto 15º da base instrutória]; 26) As infiltrações devem-se a deficiente impermeabilização do edifício e as condensações devem-se a deficiente e/ou inexistente isolamento térmico [resposta ao ponto 17º da base instrutória]; 27) As infiltrações aludidas nos pontos 22 e 23, com excepção da despensa, são anteriores à colocação do isolamento feito pela A. [resposta ao ponto 22º da base instrutória]; 28) Dos montantes acordados no documento referido no ponto 5 já foi paga, pela administração do R. ou pelos condóminos directamente, a quantia de € 30.800,00 e encontra-se a ser pago a prestações, por uma das condóminas, a D. F…, o montante de € 3.943,75 [J) da matéria de facto assente]; 29) A A. emitiu e entregou ao R. a factura n.º 1440, no montante de € 49.499,98, sem qualquer outra interpelação adicional, tudo conforme teor de fls. 23 dos autos, que aqui se dá por reproduzido [L) da matéria de facto assente]. 2. De direito Os factos acabados de transcrever não foram impugnados em sede de recurso, tendo até sido aceites pelas partes, não havendo fundamento para os alterar nos termos do art.º 712.º do CPC, pelo que se consideram definitivamente assentes. Resta, pois, aplicar-lhes o direito, tendo em vista a resolução da supramencionada questão. Nela, está em causa a quantia pedida pelo réu/reconvinte a título de cláusula penal, com fundamento no incumprimento do contrato de empreitada, nos exactos termos que as partes previram na respectiva cláusula 9.ª, acima aludida no n.º 7 da matéria de facto. É indubitável que esta cláusula reveste a natureza de cláusula penal, a qual pode ser definida como a estipulação negocial em que uma das partes se obriga antecipadamente, perante a outra, caso não cumpra a obrigação ou não a cumpra exactamente nos termos devidos, ao pagamento de uma quantia pecuniária, a título de indemnização (cfr. A. Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, pág. 44 e Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, pág. 136). O direito de estipular tal cláusula é manifestação do princípio da autonomia privada constitucionalmente tutelado e da liberdade contratual afirmada no art.º 405.º do Código Civil, segundo a qual, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, bem como reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais contratos típicos. A mesma está regulamentada pelos art.ºs 810.º a 812.º do Código Civil. Tradicionalmente, a cláusula penal reveste duas modalidades: compensatória, quando ela é estipulada para o não cumprimento; moratória, se estipulada para o atraso no cumprimento. Em função do escopo visado pelos contraentes, ela pode classificar-se em cláusula de fixação prévia do dano ou de fixação antecipada da indemnização e cláusula penal puramente compulsória. A cláusula penal compensatória não pode, como é óbvio, cumular-se com a realização específica da obrigação principal, mas já o pode ser a cláusula penal moratória, visto esta se destinar apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento, sendo nula qualquer disposição em contrário (cfr. art.º 811.º, n.º 1 do C. Civil; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª ed., pág. 448; Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, ed. 1987, pág. 253, e o nosso acórdão de 13/9/2011, proferido no processo n.º 7829/09.2TBMTS.P1 que estamos seguindo). A dupla função que a cláusula penal é normalmente chamada a exercer, no sistema da relação obrigacional, é explicitada pelo Professor Antunes Varela do seguinte modo: “Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena convencional... A cláusula penal extravasa, quando assim seja, do prosaico pensamento da reparação ou retribuição que anima o instituto da responsabilidade civil, para se aproximar da zona cominatória, repressiva ou punitiva, onde pontifica o direito criminal” (Das Obrigações em Geral, 5.ª ed., págs. 137 e 138). O Professor Calvão da Silva também define a cláusula penal como “A estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou a não cumprir exactamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária. Se estipulada para o caso de não cumprimento, chama-se cláusula penal compensatória; se estipulada para o caso de atraso no cumprimento, chama-se cláusula penal moratória”. E refere, ainda, que “Dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal é instrumento de fixação antecipada, em princípio ne varietur, da indemnização a prestar pelo devedor no caso de não cumprimento ou mora, e pode ser eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. Queremos com isto dizer (sic) que, na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva. No que concerne à primeira destas funções, a cláusula penal prevê antecipadamente um forfait que ressarcirá o dano resultante de eventual não cumprimento ou cumprimento inexacto (…) o que significa que o devedor, vinculado à clausula penal, não será obrigado ao ressarcimento do dano que efectivamente cause ao credor com o seu incumprimento ou cumprimento não pontual, mas ao ressarcimento do dano fixado antecipadamente e negocialmente através daquela, sempre que não tenha sido pactuada a ressarcibilidade do dano excedente (art. 811.º-2)”. Por sua vez, a segunda função (a coercitiva) constitui um “poderoso meio de pressão de que o credor se serve para determinar o seu devedor a cumprir a obrigação”, já que “o carácter elevado da pena constrange indirectamente o devedor a cumprir as suas obrigações, visto desencorajá-lo ao não cumprimento, pois este implica para si uma prestação mais onerosa do que a realização, nos termos devidos, da originária prestação a que se encontra adstrito. Esta maior onerosidade do incumprimento é de natureza a incitar o devedor a realizar a prestação devida, dada a ameaça de sanção que sobre si recai em caso de inadimplemento e, assim, reforça e garante realmente a obrigação principal, exercendo pressão sobre o devedor no sentido do seu cumprimento” (cfr. Calvão da Silva, obra citada, págs. 247 a 250). A cláusula penal resulta de um acordo das partes, no âmbito do princípio da liberdade contratual, e tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização, compensatória ou moratória, pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, com intuito de evitar dúvidas futuras e litígios entre elas, quanto à determinação do montante da indemnização (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4.ª edição, revista e actualizada, pág. 75). Reveste uma função, fundamentalmente, ressarcitiva e tarifada, de natureza compulsória, actuando como meio de pressão sobre o devedor, mediante a ameaça de uma sanção pecuniária, com vista ao cumprimento pontual das obrigações que assumiu, mas cujos danos advenientes do seu incumprimento ou mora, em consequência da inexecução da obrigação ou da violação do contrato, não importa averiguar, nem determinar o seu montante, na hipótese da sua verificação, e bem assim como, igualmente, o respectivo nexo causal (cfr. acórdão do STJ de 24/4/2012, processo n.º 605/06.6TBVRL.P1.S1, disponível em ww.dgsi.pt). Porém, não pode valer como um simples pacto de simplificação probatória favorável ao credor. Destinando-se a substituir a indemnização que seria arbitrada pelo juiz, não pode deixar de ser exigível a verificação dos mesmos pressupostos em que essa indemnização poderia ser reclamada, pressupondo, por conseguinte, em termos gerais, a inexecução da obrigação e a culpa do devedor, o que significa que só pode ser efectivada se este, culposamente, não tiver cumprido o contrato (cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, revista e actualizada, 1997, págs. 439 e 440, citado no acórdão referido em último lugar). Finalmente, o art.º 812.º do Código Civil permite a redução equitativa da cláusula penal nos seguintes termos: 1. A pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer disposição em contrário. 2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida. Dado que a redução aqui prevista limita os princípios gerais da autonomia privada e da liberdade contratual, tem de ser ponderada e cuidadosamente exercida, sempre dentro dos limites legais, só podendo o juiz intervir quando for solicitado para tal e reconheça que a cláusula é “manifestamente excessiva”, sob pena de inutilizar a sua própria função e razão da sua existência. Em face da natureza e da razão de ser da cláusula penal, supra referidas, tem-se entendido que o credor fica dispensado de demonstrar a efectiva verificação dos danos em consequência do incumprimento do contrato e respectivos montantes, já que a mencionada prefixação visa prescindir de averiguações sobre essa matéria. Por isso mesmo, também se vem entendendo e decidindo que o ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados recai sobre o devedor (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 17/11/98, de 9/2/99 e de 5/12/2002, na CJ – STJ -, ano VI, tomo III, pág. 120 e VII, I, 99 e Sumários, 2002, 10, respectivamente). Do mesmo modo, a doutrina e a jurisprudência dominantes vêm entendendo que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo citado art.º 812.º, não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização (cfr., neste sentido, nomeadamente, Pinto Monteiro, em Cláusula Penal e Indemnização, págs. 735-737; Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., pág. 81; Calvão da Silva, em Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pág. 275; os Acs. do STJ de 17/2/98, na CJ – STJ -, ano VI, Tomo I, pág. 72 e no BMJ n.º 474, pág. 457, de 30/9/2003, de 20/11/2003 e de 17/5/2012 in http://www.dgsi.pt/jstj processos n.ºs 03A3514, 03A1738 e 3855/05.9TVLSB.L1.S1; e desta Relação de 8/4/91, de 23/11/93 e de 26/1/2000, na CJ, respectivamente, Ano XVI, tomo II, pág. 256, XVIII, V, 225 e XXV, I, 205). Aquele preceito confere ao juiz o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir, a cláusula penal manifestamente excessiva, exigindo, para tanto, que haja uma desproporção substancial e manifesta, patente e evidente, entre o dano causado e a pena estipulada, devendo cingir-se o objectivo de tal intervenção à protecção do devedor contra efeitos exorbitantes e abusivos da cláusula, sem lesar o direito do credor, pelo que, em princípio, não deverá intervir perante um caso de uma cláusula penal simplesmente excessiva (cfr. acórdão do STJ de 17/5/2012, acima citado). No caso dos autos, a autora/reconvinda considerou, na réplica, que o montante pedido a título de cláusula penal era excessivo, até porque o réu/reconvinte não tinha tido qualquer prejuízo. É manifestamente deficiente a alegação e a formulação do correspondente pedido, assim apresentados. O pedido de redução não foi formulado expressamente por via directa, mas de forma indirecta ou mediata ao referir-se ao montante da cláusula penal naqueles termos, no texto da réplica. E a alegação foi ali feita de forma conclusiva, quando devia traduzir-se em factos que eventualmente integrassem um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados, para que, depois de provados, o tribunal pudesse conhecer da alegada desproporcionalidade da cláusula penal. Ainda assim, não deixou de se referir à aludida desproporcionalidade ou excessividade, pelo que não pode dizer-se que a apreciação desta questão pelo tribunal a quo não era permitida. De qualquer modo, aquele tribunal não apreciou a redução da dita cláusula, já que apenas fez referência ao citado art.º 812.º para efeitos do que entendeu dele decorrer, na senda do que ensina Pinto Monteiro, na Cláusula Penal e Indemnização, escrevendo: «Estamos aqui perante um “princípio de alcance geral, destinado a corrigir excessos ou abusos decorrentes do exercício da liberdade contratual, ao nível da fixação das consequências do não cumprimento das obrigações”, sendo aplicável a todas as espécies de cláusula penal supra referidas, conforme é defendido pelo autor que vimos citando (cfr. pág. 730) e a cuja opinião aderimos. Para que o tribunal possa pronunciar-se sobre a excessividade ou não da pena fixada é necessário que tal seja solicitado pelo devedor (como sucede na presente situação), ainda que indirecta ou mediatamente, contestando o seu valor, bastando, por exemplo, “uma atitude do devedor que deixe perceber, ainda que só de modo implícito, um desacordo seu relativamente ao montante exigido, em razão do excesso do mesmo, ainda que não haja formulado um pedido formal de redução da pena” (cfr. sobre a questão, ob. e aut. cits., págs. 734 a 737, incluindo a nota 1654). Ao determinar o recurso à equidade e ao fazer depender a redução da pena da sua «manifesta excessividade», o normativo em análise faz apelo a requisitos de ordem objectiva e de ordem subjectiva, factores que deverão ser ponderados pelo juiz, à luz do caso concreto, “assentando, unicamente, em que a redução não poderá levar a pena a descer abaixo do prejuízo real”». Para depois, em face do caso concreto, concluir: «Mostrando-se excessivo ainda a ocorrência simultânea de um pagamento de uma quantia em dinheiro ao R. por cada dia de atraso. Concluindo, considerando todos os factores analisados, afigura-se-nos excessivo, segundo juízos de razoabilidade e à luz dos princípios da boa fé, mesmo considerando as funções que a cláusula penal visa cumprir no caso concreto, que a A., para além de só poder receber a totalidade do preço após a conclusão dos trabalhos, ainda tenha de pagar uma quantia monetária por cada dia que decorra até estarem terminados os trabalhos em falta. Pelo que, nesta parte não pode proceder o pedido do R., não havendo lugar ao pagamento de qualquer acréscimo a título de cláusula penal.» Como resulta da sentença recorrida, a improcedência deste pedido reconvencional de indemnização fundou-se nos princípios da boa fé e no instituto do abuso de direito e não na “redução”, “eliminação” ou “supressão” da cláusula penal, como sustenta o apelante que nada diz sobre aqueles princípios e instituto. Sem pretendermos ser enfadonhos, para melhor explicitação, transcrevemos aqui a parte da fundamentação mais relevante nela efectuada: «Da matéria de facto resulta com clareza que a obra não foi concluída até 30 de Dezembro de 2007. Todavia, não resulta porque motivo tal sucedeu. Mas resulta também que durante o mês de Agosto de 2008 não estiveram colocados os andaimes na fachada do edifício, a pedido da administradora do condomínio (ponto 13). E resulta igualmente que, após a A. ter comunicado ao R. que dava a obra por concluída, este lhe enviou a carta referida no ponto 14, em Maio de 2009, onde invoca a existência de trabalhos por fazer e de defeitos a reparar, terminando dizendo que “se até ao final do mês de Maio, não forem concluídos os trabalhos em falta, seremos forçados a dar os mesmos como abandonados pela vossa parte, e intentar uma acção judicial (…) com base na cláusula 9ª do contrato”. Restando tapar os buracos existentes na fachada, concluir a colocação dos tubos de queda/condutores de águas pluviais (actualmente já foram tapados os buracos e colocados os tubos verticais, faltando apenas os horizontais) e desentupir o condutor das águas pluviais ao nível do chão (em resultado do entulho das obras), sendo que ocorreram as vicissitudes relatadas na matéria de facto decorrentes do inicial comportamento do proprietário vizinho, que determinaram a A. a solicitar ao R. que obtivesse daquele uma autorização por escrito (pontos 10, 11 e 12). Tendo continuado a ser trocada correspondência entre as partes pelo menos até ao final do mês de Novembro de 2009 (pontos 16 e 17), vindo a A. a instaurar a presente acção em 02/12/2009 (cfr. fls. 27). E tendo o próprio R. admitido, em 26 de Novembro de 2009, que tinha havido entretanto um acordo entre A. e R. para que este enviasse para o escritório da A. autorização escrita do proprietário do terreno contíguo, permitindo o acesso à obra pela sua propriedade a fim de serem colocados tubos de águas pluviais em falta e tapar buracos existentes. A situação relatada, não permitindo apurar das causas que determinaram que a obra ainda se mantivesse até pelo menos ao mês de Março de 2009, não permite concluir pela existência de uma situação de mora do devedor, nos termos supra referidos, ou seja que por causa imputável ao devedor, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (e só depois de determinada a ocorrência deste mora é que teria de se apurar da culpa ou não nesta situação, sendo aqui que existe uma presunção de culpa a impender sobre o devedor). E de todo o modo, a sucessão dos acontecimentos e a postura do R. perante os mesmos traduzem a ideia de que o prolongamento das obras no tempo foi aceite pelo R. (devendo-se até a ele próprio a paragem no mês de Agosto de 2008), de tal modo que o mesmo apenas procede à interpelação constante da carta referida no ponto 14 no mês de Maio de 2009 e ainda aí fixa um prazo até ao final do mês para a conclusão dos trabalhos, aludindo expressamente a que só após o decurso deste prazo accionaria a cláusula 9ª do contrato. O que significa que, interpretando o texto da carta à luz dos princípios do art. 236º do Código Civil, o sentido que se retira do afirmado pelo R. é o de que só consideraria exigir a cláusula penal acordada após o final do mês de Maio de 2009, sendo este o sentido que um declaratário normal colocado na posição da A. (real declaratário) retiraria do teor do que foi escrito pelo R. (declarante). Portanto, à luz dos princípios da boa fé e do instituto do abuso do direito, a que anteriormente se aludiu, só pode concluir-se que o R. não pode exigir a cláusula penal neste período, porque isso se traduziria numa conduta abusiva da sua parte. O mesmo se verificando no que respeita ao período decorrido até ao final do mês de Novembro de 2009, na medida em que estava pendente, como decorre do teor da carta já referida aludida no ponto 17, a resolução da questão relacionada com a postura do proprietário vizinho e a obtenção da sua autorização para acesso à obra pela sua propriedade, o que interferia com a colocação dos tubos e a tapagem dos buracos, sendo que também se pode considerar lógico que o desentupimento do condutor ao nível do chão seja efectuado após a total colocação dos restantes condutores das águas pluviais. Após este momento, logo no início do mês de Dezembro de 2009, foi instaurada a presente acção, transformando-se em litígio judicial a divergência fáctica que já existia entre as partes, pelo que a partir daí naturalmente as partes ficam na expectativa de saber qual será a decisão do tribunal, podendo considerar-se legítimo que aguardem por esta para cumprirem com as obrigações que tiverem de cumprir, nomeadamente no caso da A. que só proceda aos trabalhos em falta depois de judicialmente convencida de que tem de concluir a obra antes de receber a parte do preço em falta (o que não impede que a mesma, de sua livre iniciativa, realizasse alguns desses trabalhos, já no decurso da acção, como efectivamente veio a suceder).» Concorda-se com esta fundamentação, a qual tem suporte na matéria de facto provada e nos princípios indicados. Resta acrescentar que a cláusula aqui em apreço é uma cláusula penal moratória e tem função compulsória, na medida em que foi estipulada para o caso de atraso no cumprimento da obrigação de conclusão da obra por parte da empreiteira e visou coagi-la, mediante a ameaça de uma sanção pecuniária, ao cumprimento pontual das obrigações que assumiu. Todavia, para que a cláusula penal compulsória actue, é necessária a verificação da totalidade dos requisitos da responsabilidade civil, entre os quais, como já se salientou, a inexecução da obrigação pela autora e que ela tenha agido com culpa, sendo certo que esta, no âmbito da responsabilidade civil contratual, como é o caso, se presume, atento o disposto no art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil. E a culpa é um juízo de censura ou de reprovação, baseado no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo. Só que este juízo de censura para aferir da existência de culpa pressupõe a violação ilícita da obrigação assumida. E esta não se verifica, no presente caso, não obstante ter decorrido o prazo contratual para a conclusão da obra, sem a mesma ter sido concluída, já que se desconhecem os motivos da inobservância do prazo determinado, ou seja, se é imputável à autora o atraso no cumprimento dessa obrigação, sendo que a alegação e prova dos factos atinentes a este requisito competiam ao réu/reconvinte, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil. Resulta de tudo o exposto que improcedem ou são irrelevantes todas as conclusões do recurso e que não se mostram violadas as disposições legais nelas indicadas, pelo que deve ser mantida a sentença impugnada. Sumariando nos termos do n.º 7 do art.º 713.º do CPC, em jeito de síntese conclusiva: A cláusula penal moratória compulsória só funciona quando se verificarem todos os pressupostos exigidos para a correspondente indemnização. III. Decisão Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida. * Custas pelo apelante.* Porto, 15 de Janeiro de 2013Fernando Augusto Samões José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo |