Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1653/23.7T8AMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: RECURSO
OBJETO DO RECURSO
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
ATO INÚTIL
Nº do Documento: RP202407101653/23.7T8AMT.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO.
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O recurso da sentença destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido no que concerne ao mérito da causa.
II - Se o objeto do recurso, que se destinará a satisfazer mero interesse pessoal do recorrente (em ver eventualmente retificado uma lapso, que não foi reconhecido pelo tribunal), mas que não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da ação, uma vez que o recorrente se conformou com a decisão final, que rejeitou o PER, não deverá a Relação conhecer de tal pretensão, sob pena de estar a levar a cabo atividade inútil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1653/23.7T8AMT.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 1

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:

Anabela Andrade Miranda

Márcia Portela

SUMÁRIO:

……………………

……………………

……………………

Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO:

No âmbito do Processo Especial de Revitalização (CIRE) instaurado pela sociedade A..., S.A., pessoa coletiva ...49, com sede na Rua ..., ... ..., para efeitos do disposto no art. 17.º - A a H do CIRE, alegando em suma não estar  insolvente, mas somente numa situação económica difícil/insolvência iminente e contar com o apoio necessário para o efeito, e reunir todos os pressupostos, materiais e formais, para que seja proferido o despacho inicial favorável ao início das negociações e de nomeação do administrador judicial provisório, veio instaurar o presente PROCESSO ESPECIAL DE REVITAIZAÇÃO, nos termos do disposto no artigo 17.º-A, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Admitido liminarmente o processo especial de revitalização, foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 3, alínea a), do citado diploma legal, por despacho proferido em 12.12.2023.

O/a Sr./a Administrador/a Provisório/a juntou lista provisória de créditos que foi publicada em 15.01.2024.

Veio aquela lista a ser objeto de impugnação, pela devedora “A..., S.A.” no tocante à classificação dada pelo/a Sr./Sr.ª Administrador/a Judicial Provisório/a ao crédito reconhecido à credora Banco 1... Crl, com fundamento em que parte do crédito ali reconhecido, no montante de 300 000 euros, proveniente de um contrato de mútuo com livrança e aval, celebrado com a devedora em 07.12.2023, está garantido por penhor, por isso deverá ser qualificado com natureza garantida em vez de crédito comum como consta na lista de Créditos Reconhecidos.

Impugna ainda a circunstância de o/a Administrado/a não ter indicado na Lista de Créditos reconhecidos apresentada a classificação dos créditos nos termos propostos pela devedora, nem qualquer outra classificação ou fundamento para não ter seguido a classificação proposta pela devedora.

Foi ainda apresentada Impugnação à Lista de Créditos Provisória apresentada pela/o Sr./Sr.ª Administrador/a Judicial Provisório/a pelo credor Impugnante “B..., S.A.” quando ao crédito reconhecido à credora Banco 1... Crl, no montante de 300 905,81 euros, por entender que não existe o crédito reclamado com base do contrato de mútuo com livrança e aval celebrado com a Devedora em 07.12.2023, já que no mesmo dia a Devedora constituiu penhor de um depósito a prazo no montante de 300 000 euros, para garantia do pagamento do valor mutuado de 300 000 euros, assim, a alegada credora continuaria a reter a pretensa quantia mutuada em seu poder, visando esta conduta conferir maior direito de voto e diminuir em termos relativos os direitos de crédito dos demais credores, tanto mais que este contrato de mútuo e garantia prestada foram celebrados 3 dias antes da apresentação ao Processo Especial de Revitalização, por isso, sempre existiria abuso de direto e fraude à lei.

Impugna ainda a classificação do seu crédito atribuída pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, já que o seu crédito não é sob condição, pois não depende de qualquer acontecimento futuro e incerto, antes mostra-se já reconhecido por sentença que ainda não transitou em julgado por ter sido apresentado recurso da mesma, sendo antes um crédito comum, embora litigioso.

Por fim, impugna ainda a classificação do crédito reconhecido ao credor “C... Unipessoal Lda.”, por entender que se trata de um crédito subordinado sob condição em vez de comum sob condição, atenta a especial relação existente entre os sócios e gerentes desta sociedade e da devedora, por se tratar de uma relação de pai e filho.

Em 19.3.2024, foi proferido despacho nos autos de Impugnação, com a seguinte parte decisória:

Termos em que julgo procedente a Impugnação apresentada pela credora “B..., S.A.”, e, em consequência, determino a correção da Lista Provisória de créditos reconhecidos, apresentada pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, sendo dali eliminado o crédito no montante de 300 000 euros, reconhecido à Banco 1... Crl, seja como garantido seja como comum.

Sem custas, por não serem devidas.”;

“(…) Termos em que julgo procedente a Impugnação apresentada pela credora “B..., S.A.” e, em consequência, determino a correção da classificação dada ao crédito da Sociedade “C... Unipessoal Lda.” que deverá passar a ser classificado, na Lista definitiva a apresentar, como crédito subordinado.

Sem custas, por não serem devidas.” E,

“(…) Termos em que julgo procedente a Impugnação apresentada pela credora “B..., S.A.” e, em consequência, determino a correção da classificação dada ao crédito da Sociedade “B..., S.A.” que deverá passar a ser classificado, na Lista definitiva a apresentar, como simples crédito comum, sem estar sujeito a qualquer condição.

Sem custas, por não serem devidas.”

Relativamente à classificação dos Credores em Categorias diferentes, foi assim decidido:

“A devedora ainda que não estivesse obrigada a tal, veio apresentar proposta de classificação dos seus credores nas seguintes categorias: Credores Garantidos, Credores Comuns Financeiros, Comuns Não Financeiros, Comuns Sob Condição Suspensiva.

De acordo com a sua classificação não existiam as categorias de Créditos Privilegiados nem a categoria de Credores Subordinados, por não existirem tais Credores.

Nos termos previstos no artigo 47.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas existem quatro tipos de créditos: Créditos garantidos e privilegiados, aqueles que beneficiam de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objeto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais operações prevalecentes; Créditos subordinados, os créditos enumerados no art.º 48 do CIRE, exceto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais que não se extingam por efeito da declaração de insolvência; e Créditos comuns, os créditos que não integram nenhuma das restantes categorias, ou seja, que não beneficiam nem de garantia real, nem de privilégio creditório, nem são subordinados.

Com a alteração introduzida no artigo 17.º-C, n.º 3, alínea d), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o requerimento de submissão do Processo Especial de Revitalização exige a apresentação da proposta de classificação de credores afetados pelo plano de recuperação em categorias distintas, de acordo com a natureza dos respetivos créditos, em credores garantidos, privilegiados, comuns e subordinados, estando dispensadas desta proposta de classificação as micro, pequenas e médias empresas.

Na proposta apresentada as empresas podem ainda, agrupar os seus credores em função da existência de suficientes interesses comuns, exemplificando o legislador que tal distinção poderá ser feita entre Trabalhadores, sem distinção da modalidade do contrato, Sócios, Entidades bancárias que tenham financiado a empresa, Fornecedores de bens e prestadores de serviços; Credores públicos.

Compulsada a Lista Provisória de Créditos Reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência constatamos que, de facto, inexistem créditos privilegiados, e também não resultou a sua existência da decisão acima proferida quanto às impugnações apresentadas nem tão pouco da Tentativa de Conciliação feita.

Assim, neste Processo Especial de Revitalização não existirá a categoria de Créditos Privilegiados.

Outro tanto já não se diga da categoria de créditos subordinados, pois ainda que da Lista Provisória apresentada não constem Créditos subordinados, a verdade é que da decisão acima proferida no respeitante à Impugnação apresentada quanto à classificação do crédito reconhecidos à credora “C... Unipessoal Lda.”, julgada procedente, tal crédito passou a ser classificado como crédito de natureza subordinada, pelo que, existindo classificação dos créditos em categorias distintas, o crédito em causa deverá integrar a categoria dos créditos subordinados.

Quanto à categoria de Créditos Garantidos deverá integrar tal categoria apenas o credor “D..., SA”, no tocante ao seu crédito garantido por penhor de ações, uma vez que da decisão acima proferida que julgou procedente a impugnação apresentada pelo credor “B..., S.A.”, foi determinada a eliminação do crédito garantido da Banco 1... Crl, no montante de 300 000 euros.

No que respeita à categoria dos Créditos Comuns, nada temos a opor à proposta feita pela devedora de fazer subcategorias, tendo em conta os diferentes interesses comuns existentes entre os credores da empresa, designadamente: credores comuns financeiros, comuns não financeiros, comuns sob condição suspensiva.

Sendo que dentro da categoria dos credores comuns financeiros também nada há a opor à indicação feita pela devedora para os credores que devem integrar tal categoria.

Quanto aos credores que devem integrar a categoria dos credores comuns não financeiros, nada obsta a que integrem esta categoria todos os credores indicados pela Devedora na sua proposta.

Porém, aos indicados credores comuns não financeiros tem de acrescer também o crédito comum reconhecido ao credor “B..., S.A.”, atenta a decisão acima proferida quanto à sua impugnação apresentada, já que não se trata de um crédito sob condição, pelo que não poderá integrar a proposta categoria de Comuns sob condição suspensiva e também não se trata de um crédito financeiro.

Por fim, quanto à categoria dos Créditos Comuns sob Condição suspensiva nada temos a opor à inclusão nessa categoria dos credores indicados pela devedora, “D..., SA”, restante crédito não garantido, no montante de 428 129,42 euros, e Fundo de Contragarantia Mútuo, devendo dali ser excluídos os restantes indicados pelas razões acima aduzidas.”

Notificada deste despacho, a devedora A..., SA veio requer a clarificação e a retificação das categorias de credores, alegando em suma que, “ao contrário do que se diz no Despacho, a devedora não propôs a classificação dos credores em “Credores Garantidos, Credores Comuns Financeiros, Comuns Não Financeiros, Comuns Sob  Condição Suspensiva”.

Alegou que devedora propôs, sim, a seguinte classificação: credores garantidos, credores comuns - financeiros; credores comuns-fornecedores; credores comuns sob condição suspensiva; e credores subordinados.

Defende que deva ser criada uma categoria autónoma de credores comuns que não sejam entidades bancárias nem fornecedores, onde se inclui a B..., S.A.

Sobre esta pretensão da devedora recaiu o despacho datado de 1.5.2024, com o seguinte teor:“(…) Os princípios da segurança jurídica e da imparcialidade determinam a regra do esgotamento do poder jurisdicional, assim, proferida sentença (ou outra decisão) fica vedado ao Juiz que a proferiu voltar a pronunciar-se sobre a mesma matéria, cfr. artigo 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Todavia, esta regra tem algumas exceções, previstas no n.º 2 da mesma norma, que permite ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos 615.º e seguintes.

Assim, nos termos do n.º 1, do artigo 614.º, se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

Porém, nos termos previstos no n.º 2, em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.

Acrescentando o n.º 3 que, se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.

No caso concreto, o reclamante alega a existência de um erro da decisão proferida já que na sua Proposta de classificação dos credores por categorias, indicou a categoria fornecedores enquanto na decisão proferida se escreveu categoria não financeiros.

Pretendendo ainda que o credor “B..., S.A.” não é entidade bancária, como tal, não pode integrar a categoria credores financeiros (entidades bancárias) e também não é fornecedor, por isso, também não pode integrar tal categoria.

Sem necessidade de grandes considerações, dir-se-á que a decisão proferida em 19.03.2024, que conheceu das Impugnações apresentadas à Lista de créditos Reconhecidos Provisória e também apreciou as categorias de credores propostas pela Devedora no seu requerimento inicial e que foi objeto de reclamação, não é passível de reforma pelo Juiz que a proferiu, porquanto tal decisão de mérito é suscetível de recurso autónomo e, como tal, só em sede de alegações poderia ser invocado o erro ora invocado, que não se trata de mero erro de escrita ou calculo, nem de reforma da decisão quanto a custas, antes, a existir tratar-se-ia de um erro de julgamento, pois na ótica da Devedora o tribunal incluiu na categoria de credores comuns não financeiros o credor “B..., S.A.” e a Devedora entende que tal categoria deve ser substituída pela categoria de credores comuns fornecedores e excluído desta categoria o referido credor para integrar uma nova categoria que não constava da sua Proposta inicial, a de outros credores comuns (nem financeiros nem fornecedores).

Sendo assim, como é, está vedado ao Juiz que proferiu a decisão em causa reapreciar a mesma, já que é passível de recurso tal decisão, que não foi apresentado por e, como tal, mostra-se esgotado.

Termos em que, por manifesta a falta de fundamento legal, ao abrigo das normas acima citadas, indefiro a aclaração/retificação da decisão proferida em 19.03.2024, por se ter esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto a tal matéria. (sublinhado nosso).

Custas do incidente a cargo da Devedora “A... S.A.”, fixando-se a respetiva taxa de justiça em 1 UC.”

Notificado deste despacho, em 2.5.2024 e inconformada, veio a devedora A..., S.A., em 3.5.2024, REFª: 48790029, interpor recurso de APELAÇÃO deste Despacho, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A) A decisão da impugnação da lista provisória de créditos e respetivos categorias não surge como uma decisão autonomamente recorrível, dado que não se mostra subsumível a qualquer das alíneas dos nºs 1 e 2 do art. 644º do CPC,

B) Tal decisão é recorrível com o recurso a interpor da decisão final, nos termos do disposto no nº3 do art. 644º do CPC.

C) O Despacho de 20 de março (ref.: 9475823) contém um lapso de escrita manifesto quando no primeiro parágrafo da pág. 10 se diz “comuns não financeiros” como tendo sido a Devedora a propor tal classificação!

D) O erro surge porque o Tribunal, por manifesto lapso, copiou o que estava lista de créditos que o AJP apresentou em 16 de fevereiro de 2024 (REFª: 48000034),

E) confiando, certamente que o AJP teria respeitado a proposta da Devedora (conforme impõe o art.17.º- D, n. 3 do CIRE.

F) Porém, é absolutamente claro que a categoria proposta pela Recorrente se designa “comuns fornecedores”.

G) Não está em causa um erro de julgamento, como incompreensivelmente diz o Tribunal a quo!

H) Seria um erro de julgamento se, porventura:

a. O Tribunal tivesse incluído a credora B..., S.A. na categoria de credores “comuns fornecedores”, já que não existem suficientes interesses comuns: a credora B..., S.A. não é fornecedora, é uma empresa concorrente, titular de um crédito litigioso2 resultante de danos provocados por incêndio;

b. Ou se o Tribunal, no uso dos poderes que a lei lhe confere (art. 17.º-D, n. 5 CIRE) decidisse alterar as categorias proposta pela Recorrente e, em consequência, decidisse criar a categoria dos credores “comuns não financeiros”, aí incluindo os credores comuns fornecedores e a credora B..., S.A. (por não existirem suficientes interesses comuns).

I) Mas não foi isso que aconteceu!

a. O Tribunal a quo não incluiu a credora B..., S.A. na categoria de credores “comuns fornecedores” proposta pela Recorrente;

a. nem determinou qualquer alteração da proposta de classificação de categorias apresentada pela devedora;

51) Está em causa um erro de escrita, resultante de “copiar e colar” do local errado!

J) Sendo assim, o impunha-se que o Tribunal a quo, em resposta a Reclamação apresentada pela Recorrente em 20 de março, retificasse o lapso contido no Despacho de 20 de março (ref.:9475823), de modo que, no primeiro parágrafo da pág. 10, onde se lê “comuns não financeiros” passe a constar “comuns fornecedores”

K) e, consequência clarifique em que categoria fica a Credora B..., S.A., concorrente da Devedora, titular de um crédito litigioso (contestado em Tribunal, não reconhecido por sentença transitada em julgado) e proveniente de responsabilidade extracontratual.

52) Nessa conformidade, também não existe qualquer motivo para que a Recorrente seja condenada em custas (1 UC), já que a sua pretensão merece ser acolhida!

53) É também evidente que não existe qualquer fundamento para se eliminar do histórico os requerimentos apresentados pela Recorrente devido a conduta do Tribunal a quo que, além de não proferir decisões em tempo razoável, criou atos e impôs prazos não previstos na lei, nem compatíveis com um processo de natureza urgente, que visa a recuperação preventiva de empresas pré-insolventes

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EX.AS,

(i) Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deverá ser revogado o despacho proferido pelo tribunal a quo em 2 de maio de 2024 (ref. 95152940) e substituído por outro que retifique o lapso contido no primeiro parágrafo da pág. 10, de modo que onde se lê “comuns não financeiros” passe a constar “comuns fornecedores” e, consequência, se clarifique em que categoria fica a credora B..., S.A.

(ii) Absolva a Recorrente de custas pelo incidente;

(iii) Dê sem efeito a ordem para se eliminar do histórico os requerimentos apresentados pela Recorrente.

(iv) Condene a Recorrida em custas!”

Não foi apresentada resposta ao recurso.

Com data de 7.5.2024, veio a ser proferida SENTENÇA DE RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO DO PLANO, com o seguinte dispositivo:

“Atenta tal rejeição do plano apresentado pela/o/s Devedor/a/s, ao abrigo do disposto no artigo 17.º-F, n.º 5, à contrario, declaro não aprovado o plano de revitalização apresentado.

Custas pela/o/s Devedor/a/s.”

Notificada da sentença, a Devedora A..., S.A., veio interpor recurso de APELAÇÃO em 9.5.2024, dos seguintes despachos:

a. Despacho de 19.03.2024 (ref. 94758235), sobre as impugnações da lista de créditos e categorias;

b. Despacho de 01.05.2024 (ref. 95152940), sobre a reclamação apresentada em 20.03.2024 (ref. 48358685);

c. Sentença de recusa de homologação de plano de 07.05.2024 (ref. 95204978) e fixa valor da ação em 30.000,00;

Tendo formulou as seguintes conclusões:

“A)A sentença de 7.05.2024 de recusa de homologação surge na sequência de um manifesto lapso cometido pelo tribunal a quo no Despacho de 19 de março (ref.: 9475823),

B) O Despacho de 19 de março (ref.: 9475823) contém um lapso de escrita manifesto quando no primeiro parágrafo da pág. 10 se diz “comuns não financeiros” como tendo sido a Devedora a propor tal classificação!

C) O erro surge porque o Tribunal, por manifesto lapso, copiou o que estava lista de créditos que o AJP apresentou em 16 de fevereiro de 2024 (REFª: 48000034), confiando, certamente que o AJP teria respeitado a proposta da Devedora (conforme impõe o art. 17.º- D, n. 3 do CIRE.

D) Porém, é absolutamente claro que a categoria proposta pela Recorrente se designa “comuns fornecedores”.

E) Não está em causa um erro de julgamento, como incompreensivelmente diz o Tribunal a quo!

Seria um erro de julgamento se, porventura:

a. O Tribunal tivesse incluído a credora B..., S.A. na categoria de credores “comuns fornecedores”, já que não existem suficientes interesses comuns: a credora B..., S.A. não é fornecedora, é uma empresa concorrente, titular de um crédito litigioso2 resultante de danos provocados por incêndio;

b. Ou se o Tribunal, no uso dos poderes que a lei lhe confere (art. 17.º-D, n. 5 CIRE) decidisse alterar as categorias proposta pela Recorrente e, em consequência, decidisse criar a categoria dos credores “comuns não financeiros”, aí incluindo os credores comuns fornecedores e a credora B..., S.A. (por não existirem suficientes interesses comuns).

F) Mas não foi isso que aconteceu!

a. O Tribunal a quo não incluiu a credora B..., S.A. na categoria de credores “comuns fornecedores” proposta pela Recorrente;

a. nem determinou qualquer alteração da proposta de classificação de categorias apresentada pela devedora;

G) Está em causa um erro de escrita, resultante de “copiar e colar” do local errado!

H) A Recorrente reclamou do Despacho de 19 de março (ref.: 9475823) e, tardiamente e de forma infundada, a Tribunal a quo, por Despacho de 1.05.2024 disse que a Recorrente deveria ter interposto recurso do referido Despacho de 19 de março.

I) É absolutamente claro que a decisão da impugnação da lista provisória de créditos e respetivos categorias não surge como uma decisão autonomamente recorrível, dado que não se mostra subsumível a qualquer das alíneas dos nºs 1 e 2 do art. 644º do CPC,

J) Tal decisão é recorrível com o recurso a interpor da decisão final, nos termos do disposto no nº3 do art. 644º do CPC.

K) Sendo assim, o impunha-se que o Tribunal a quo, em resposta a Reclamação apresentada pela Recorrente em 20.03.2024, retificasse o lapso contido no Despacho de 20 de março (ref.:9475823), de modo que, no primeiro parágrafo da pág. 10, onde se lê “comuns não financeiros” passe a constar “comuns fornecedores”

L) e, consequência clarificasse em que categoria ficaria a Credora B..., S.A., concorrente da Devedora, titular de um crédito litigioso (contestado em Tribunal, não reconhecido por sentença transitada em julgado) e proveniente de responsabilidade extracontratual.

M) Nessa conformidade, verifica-se que não existe qualquer motivo para que a Recorrente seja condenada em custas (1 UC), conforme determinado no Despacho de 1.5.2024, já que a pretensão da recorrente merece ser acolhida!

N) É também evidente que não existe qualquer fundamento para se eliminar do histórico os requerimentos apresentados pela Recorrente, conforme determinado no Despacho de 1.5.2024.

60) Deverá, assim, reconhecer-se que o Tribunal a quo andou mal quando decidiu nos termos supra referidos, impondo categorias que a Recorrente não apresentou, mas como se tivessem sido as categorias apresentadas pela Recorrente.

61) Deverá ainda reconhecer-se que se não fosse tal erro, muito provavelmente o plano de recuperação teria sido aprovado.

62) Em consequência, não pode a Recorrente ser condenada em custas, nem existe qualquer fundamento para se eliminar do histórico os requerimentos apresentados pela Recorrente perante os sucessivos lapsos e inércia do Tribunal a quo.

Nestes termos e no demais de direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V. EX.AS, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:

I)Dever-se-á reconhecer e declarar que o tribunal a quo andou mal quando impôs categorias de credores que a recorrente não apresentou, mas como se tivessem sido as categorias apresentadas pela recorrente.

II) Devem ser revogados os despachos que condenam a recorrente em custas por ter reclamado do despacho de 19.3.2024.

III) Deverá ser revogado o despacho de 01.05.2024 por inexistir qualquer fundamento para se eliminar do histórico os requerimentos apresentados pela recorrente perante os sucessivos pelos lapsos e inércia do tribunal a quo.

IV) Deve o valor da ação ser fixado em 30.000,01 €

Só assim se fará a acostumada Justiça!

Também não houve resposta a estes recursos.

Já após a interposição dos recursos, a Devedora veio apresentar o seguinte requerimento em 15.4.2024:“A..., S.A., Devedora nos autos supra referidos, não tendo interposto recurso da sentença na parte em que declara o plano não aprovado, e tendo-se apresentado à insolvência (Processo:653/24.4T8AMT, Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 2), vem declarar desde já, para os devidos efeitos, que se opõe à declaração de insolvência no âmbito dos presentes autos (art.17.º-G, n. 6 do CIRE), qualquer que seja o parecer do administrador judicial provisório, pelo que deverá V. Exa. determinar o encerramento e arquivamento do processo (art. 17.º-G, n. 6 do CIRE).” (sublinhado nosso)

O Tribunal notificou-a para: “Assim, notifique a Requerente para, caso nisso tenha interesse, querendo, vir desistir dos recursos apresentados, de modo a permitir que o Tribunal profira decisão de arquivamento destes autos, como pretende.”

De seguida foram proferidos os seguintes despachos de admissão de recurso:

Referência 9611534: por legal e tempestivo, recebo o recurso interposto pela Devedora, do despacho proferido em 2.05.2024, o qual é de apelação, sobe imediatamente, deveria subir em separado, porém atendendo a que já foi proferida decisão final, também objeto de recurso a subir nos próprios autos, deverá este recurso subir também nos próprios autos, e tem efeito meramente devolutivo, nos termos do artigo 14.º, n.º 5 e 6, alínea a), do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas.

Referência 9628181: por legal e tempestivo, recebo o recurso interposto pelo recorrente das decisões: despacho de 19.03.2024 (ref. 94758235), sobre as impugnações da lista de créditos e categorias; Despacho de 01.05.2024 (ref. 95152940), sobre a reclamação apresentada em 20.03.2024 (ref. 48358685); e Sentença de recusa de homologação de plano de 07.05.2024 (ref. 95204978), o qual é de apelação, sobe imediatamente, nos próprios autos e tem efeito meramente devolutivo, nos termos do artigo 14.º, n.º 5 e 6, alínea a), do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas.”

Já neste Tribunal da Relação veio a recorrente declarar mediante requerimento de 24.6.2024, que: “A..., S.A., devedora nos supra referidos, vem comunicar que desiste do recurso interposto em primeiro lugar (03.05.2024) e esclarecer (face ao teor do despacho de 17-05-2024, proferido pelo Tribunal a quo) que no recurso interposto em segundo lugar (09.05.2024) não se coloca em causa a sentença de 7 de maio de 2024 na parte em que declara não aprovado o plano de revitalização apresentado, devendo o mesmo manter-se para apreciação das questões suscitadas.

Mais se esclarece que a desistência do recurso interposto em primeiro lugar (03.05.2024) é uma consequência natural face ao teor do recurso interposto em segundo lugar (09.05.2024), e do entendimento sufragado pela devedora quanto à oportunidade de recurso apenas com a decisão final!” (sublinhado nosso)

E mediante requerimento de 25.6.2024, veio declarar que: “A..., S.A., devedora nos supra referidos, vem dar sem efeito o exposto no requerimento anterior, requerendo o seu desentranhamento, uma vez que, atenta a posição assumida pelo Administrador Judicial Provisório (que considera o PER aprovado em caso de empate, segundo as categorias propostas pela devedora) e a posição do Tribunal a quo (que admite alterar o resultado da votação), a devedora mantém interesse no PER.”

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - OBJETO DOS RECURSOS:

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

As questões suscitadas são as seguintes:

No recurso interposto em 2.5.2024:

- Saber se deveria ter sido retificado pelo Tribunal, o erro de escrita apontado pela Devedora na classificação (categoria) dos créditos feita pelo Tribunal, no despacho que decidiu as impugnações;

Nos recursos interposto em 9.5.2024:

- Do despacho de 19.03.2024:

- Saber se ocorre erro de escrita apontado pela Devedora na classificação (categoria) dos créditos feita pelo Tribunal, e

Se em consequência, se deve ser alterada a condenação em custas da devedora no incidente;

- Do Despacho de 01.05.2024:

- Saber se deveria ter sido retificado pelo Tribunal, o erro de escrita apontado pela Devedora na classificação (categoria) dos créditos feita pelo Tribunal, no despacho que decidiu as impugnações, e

- Se em consequência, se deve ser alterada a condenação em custas da devedora no incidente;

- Da Sentença de recusa de homologação de plano:

- Saber se a sentença deveria ter reconhecido que foram impostas nos despachos anteriores categorias de créditos que a Recorrente não apresentou, mas como se tivessem sido as categorias apresentadas pela Recorrente e que, “se não fosse tal erro, muito provavelmente o plano de recuperação teria sido aprovado.”

Na fixação do objeto destes 4 recursos interpostos pela Devedora há que atentar ainda no seguinte:

Consta-se que o a Recorrente interpôs dois recursos com o mesmo objeto.

Com efeito interpôs recurso autónomo (em 2.5.2024), pedindo a revogação do despacho que indeferiu o pedido de retificação do erro de escrita apontado pela Devedora na classificação (categoria) dos créditos feita pelo Tribunal, no despacho que decidiu as impugnações

No despacho interposto da decisão final, inclui novamente o recurso do mesmo despacho.

Considerando a repetição dos recursos e que o primeiro foi admitido, não se admite o recurso interposto com a sentença do despacho proferido a 1.5.2024 (notificado á recorrente em 2.5.2024).

Condena-se a Recorrente nas custas do incidente anómalo a que deu causa, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (art. 527 nº 1 e 7º nº 4 do RCJ).

Importa ainda sublinhar, desde já que, no objeto do recurso da sentença final, o mesmo não compreende no seu objeto, pois tal não consta das conclusões de recurso apresentadas pela Recorrente, a alteração da decisão de mérito que recusou a aprovação do plano.

As conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, e como tal sobre o recorrente recai o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresente na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração da decisão recorrida.

A Recorrente não integrou tal pretensão nas suas conclusões do recurso interposto da sentença que recusou o plano e bem assim veio, em requerimentos autónomos afirmá-lo, para que não surgissem quaisquer dúvidas, nos requerimentos supra transcritos (e sublinhados nessa parte), de 15.4.2024 (onde afirma, “não tendo interposto recurso da sentença na parte em que declara o plano não aprovado”) e de 24.6.2024, (onde afirma, “não se coloca em causa a sentença de 7 de maio de 2024 na parte em que declara não aprovado o plano de revitalização apresentado, devendo o mesmo manter-se para apreciação das questões suscitadas.)

A Recorrente põe ainda em causa neste recurso o valor atribuído à causa de €30.000,00 euros, alegando que tratar-se á de um lapso já que o valor deverá ser de e 30.000,01 euros.

III - FUNDAMENTAÇÃO:

Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais mencionados no relatório.

IV - QUESTÕES PRÉVIAS:

3.1 - Retificação do valor

Constata-se que no Requerimento inicial, a Requerente indicou como valor da causa 30.000,01 € (trinta mil euros e um cêntimo).

Na sentença que recusou a homologação do plano, o tribunal limitou-se a fixar o valor em €30.000,00 euros, sem mais nada acrescentar, dando a entender acolher o valor indicado pela requerente, tendo ainda em consideração o disposto no art. 303º do CPC.

Afigura-se-nos assim que, tal alega a Recorrente, a omissão do 0,01 cêntimo terá sido devido a lapso manifesto e como tal retificável, á luz do disposto nos art.s 613º nº 3 do CPC, procedendo-se ora á sua correção, fixando-se o valor da causa em € 30.000,01 euros.

3.2 – Desistência do recurso

Relativamente ao recurso interposto em primeiro lugar pela Devedora, (mandado subir com o recurso interposto da sentença que recusou a homologação do plano), veio a recorrente declarar o seguinte, perante este Tribunal da Relação, mediante requerimento de 24.6.2024 subscrito pelo seu ilustre mandatário,:

“A..., S.A., devedora nos supra referidos, vem comunicar que desiste do recurso interposto em primeiro lugar (03.05.2024) (…)

Veio mais tarde, na mesma data (em 25.6.2024), declarar que: “A..., S.A., devedora nos supra referidos, vem dar sem efeito o exposto no requerimento anterior, requerendo o seu desentranhamento”

Constatando-se ser já um comportamento não isolado da ora Recorrente, (ver requerimento supra mencionado em que pede ao tribunal o arquivamento dos autos e depois apresenta requerimento a dar sem efeito aquele pedido), veio esta declarar desistir do recurso interposto em primeiro lugar e depois declarar afinal não desistir.

Não sendo inconsequente tais declarações, atento o princípio do dispositivo e o princípio da autorresponsabilidade das partes, o certo é que,  resultando do teor da procuração forense junta com o requerimento inicial do PER que apenas foram conferidos poderes gerais de representação ao senhor advogado subscritor da declaração de desistência, e não poderes especiais para a desistência, e que se afigura inútil a eventual correção do vício ao abrigo do disposto no art. 48º do CPC, atenta a declaração que a seguir foi feita pelo mesmo, a “desistir da desistência”, por falta de poderes para o ato do mandatário subscritor, não se homologa a desistência do recurso, dispensando-se a notificação da representada para eventual ratificação, atento o requerimento que deu entrada de seguida dando sem efeito o primeiro.

Não poderá, porém deixar-se de tributar o incidente anómalo a que deu causa junto deste Tribunal de recurso, condenando-se a devedora nas custas do mesmo, fixando-se a taxa de justiça em 1UCs. (art. 527 nº 1 e 7º nº 4 do RCJ).

V - APLICAÇÃO DO DIREITO:

5.5- Recurso interposto em 2.5.2024:

O primeiro recurso interposto pela devedora recaiu sobre o despacho proferido pelo tribunal a quo que indeferiu a pretensão da recorrente de retificação de lapsos de escrita na decisão proferida em 19.03.2024, que conheceu das Impugnações apresentadas à Lista de créditos Reconhecidos Provisória e também apreciou as categorias de credores propostas pela Devedora no seu requerimento inicial e que foi objeto de reclamação.

O Tribunal a quo, no despacho  sob recurso entendeu que aquela decisão não é passível de reforma pelo Juiz que a proferiu, porquanto tal decisão de mérito é suscetível de recurso autónomo e, como tal, só em sede de alegações poderia ser invocado o erro ora invocado, que não se trata de mero erro de escrita ou calculo, nem de reforma da decisão quanto a custas, antes, a existir tratar-se-ia de um erro de julgamento, pois na ótica da Devedora o tribunal incluiu na categoria de credores comuns não financeiros o credor “B..., S.A.” e a Devedora entende que tal categoria deve ser substituída pela categoria de credores comuns fornecedores e excluído desta categoria o referido credor para integrar uma nova categoria que não constava da sua Proposta inicial, a de outros credores comuns (nem financeiros nem fornecedores).

Termos em que, por manifesta a falta de fundamento legal, indeferiu a aclaração/retificação da decisão proferida em 19.03.2024, por se ter esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto a tal matéria e condenou a ora recorrente nas custas do incidente.

Defende a Recorrente que, trata-se de um lapso de escrita e que se impunha que o Tribunal a quo, em resposta a Reclamação apresentada pela Recorrente em 20 de março, retificasse o lapso contido no Despacho de 20 de março de modo que, no primeiro parágrafo da pág. 10, onde se lê “comuns não financeiros” passe a constar “comuns fornecedores”, pelo que pede a revogação desse despacho.

5.2 Recurso do despacho proferido em 19.3.20124 - despacho que decide a impugnação da lista provisória de créditos

Relativamente a este recurso, acolhe-se o entendimento que o despacho que decide a impugnação da lista provisória de créditos apenas é impugnável com o recurso da decisão final (a referida no art.º 17.º-F. n.º 5, CIRE.

Pretende a Recorrente que o Tribunal reconheça a existência do mesmo lapso de escrita neste despacho (que não foi retificado pelo despacho de 1.5.2024), impondo-se por isso a reapreciação pelo tribunal de recurso, em ordem a reconhecer tal lapso de escrita.

Pretende ver alterada dessa forma, a classificação dos credores, em categorias diversas daquelas que foram aí decididas e que foram acolhidas na sentença que recusou a homologação do PER.

5.3 Recurso da sentença final que recursou a homologação do PER

De acordo com o art 17º-A nº 1 do CIRE  (com as alterações entretanto introduzidas), o processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com este acordo conducente à sua revitalização.

Uma vez que o PER tem natureza concursal (cfr. art. 17º-F nº 11 do CIRE), aos credores é concedido um prazo para reclamarem os seus créditos, (art.s 17º-C nº 5 e 17º- D nº 2 do CIRE), sendo certo que, a decisão de homologação do PER vincula os credores, mesmo que estes não tenham reclamado os seus créditos ou participado nas negociações.

Ora, a reclamação de créditos, no âmbito do PER destina-se, desde logo.

- à delimitação do universo dos credores que podem participar nas negociações;

- à delimitação do universo dos credores que tem direito a voto e

- ao apuramento da “base de cálculo das maiorias necessárias.[1]

A lista provisória de créditos efetuada pelo Administrador provisório, pode ser impugnada no prazo de cinco dias uteis a contar da sua publicação no Portal Citius (art. 17-D, nº 4 do CIRE).

A impugnação, como refere Maria do Rosário Epifânio, [2]poderá ser fundamentada na indevida inclusão ou exclusão de créditos, na incorreção do montante da qualificação ou classificação dos créditos relacionados, designadamente por inexistência de suficientes interesses comuns, devendo a impugnação, nos casos de incorreção da classificação dos créditos relacionados, ser acompanhada de proposta alternativa dos créditos (art. 17º-D, nº 4).

No PER ao contrario do processo de insolvência, não há lugar a resposta ás impugnações.

“O juiz decide sobre as impugnações (e sendo caso, sobre a conformidade da formação de categorias de créditos, nos termos da alínea d) do nº 3 do art. 17º-C, podendo determinar a sua alteração no caso de as mesmas não refletirem o universo dos credores da empresa ou a existência de sufi entes interesse comuns entre estes (…)”.

A decisão que a Recorrente pretende ver alterada através da interposição destes 4 recursos, tem por objeto, unicamente, como resulta das conclusões dos recursos apresentadas, a alteração da categoria dos créditos, que o juiz formou, ao abrigo do nº 5 do art. 17º do CIRE, categoria esse que  tem relevância, mais tarde, no cálculo dos votos, isto é, como base do cálculo das maiorias necessárias para aprovação ou rejeição do PER, pelos credores.

Acontece que, como já o dissemos, a recorrente não pede a alteração da decisão que recusou a homologação do PER, com fundamento na alteração da classificação dos credores, em categorias diversas daquelas que foram acolhidas na sentença, tendo por base a decisão proferida em 19.3.2024 e com as quais não concorda.

A ora Recorrente limita-se a pedir que o Tribunal lhe reconheça razão nesta sua discordância da qualificação dos créditos que foi feita pelo tribunal de primeira instância, sem contudo pretender que seja alterada a decisão que lhe recusou o PER!

Como vimos a própria Recorrente reafirma até em requerimentos avulsos juntos ao processo, que não é sua vontade ver alterada a decisão (final), que recusou a homologação do PER e o rejeitou.

Desta forma, a atividade deste tribunal de recurso, mostra-se inútil e como tal proibida (cfr. art. 130º do CPC).

Com efeito, a finalidade dos recursos é obter a revogação, alteração ou anulação das decisões recorridas, com fundamentos que se traduzam em verdadeiras questões cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, este com efeitos na ordem jurídica.

O recurso da sentença destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido no que concerne ao mérito da causa.

Se o objeto do recurso, que se destinará a satisfazer mero interesse pessoal do recorrente (em ver eventualmente retificado uma lapso, que não foi reconhecido pelo tribunal), mas que não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da ação, de acordo com o direito aplicável (considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito), uma vez que o recorrente se conformou com a decisão final, que rejeitou o PER, não deverá a Relação conhecer de tal pretensão, “sob pena de estar a levar a cabo atividade inútil, infrutífera, vã e estéril.”[3]

No caso em apreço, a eventual alteração das categorias dos créditos pretendida pela recorrente (na procedência dos recursos interpostos) em nada poderia alterar a decisão final que recusou a homologação do PER, porque nessa parte, a Recorrente conformou-se com ela, tendo a mesma transitado em julgado, nos termos dos artigos 628º, 619º e 621º do C.P.C.

Não recorrendo da decisão final de mérito, na parte em que o tribunal recusou a homologação do PER, toda a atividade jurisdicional solicitada em sede de recurso apresenta-se como inútil.

Conclui-se assim que, ao não interpor recurso da sentença na parte em que não foi homologado o PER tornou inútil a apreciação de todas as questões suscitadas nos recursos em apreço.

Acresce ainda que, a ora recorrente apresentou ainda nos autos requerimento com a REFª: 48913077, em 15.5.2024, com o seguinte teor: “A..., S.A., Devedora nos autos supra referidos, não tendo interposto recurso da sentença na parte em que declara o plano não aprovado, e tendo-se apresentado à insolvência (Processo: 653/24.4T8AMT, Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 2), (…)”

Ora, tendo a devedora, ora Recorrente, declarado ter-se apresentado à insolvência (Processo:653/24.4T8AMT, Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 2), e porque, nos termos do disposto no art. 28º do CIRE a apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência, considerando que o  PER se destina à sua recuperação, o que naturalmente pressuporá o seu acordo para que essa recuperação seja viável, tal implica uma inutilidade superveniente dos recursos ora apresentados, nos termos do art. 277º al e) do CPC aplicável ex vi do art. 17º do CIRE,

Com efeito, o PER consiste num mecanismo pré-insolvencial, não sendo aplicável às empresas que estejam numa situação de insolvência iminente.

Desta forma, também por inutilidade da lide, deve ser considerado extinta a instância recursiva.

VI - DECISÃO

Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação, em não conhecer do objeto dos recursos, por inutilidade dos mesmos (art. 130º do CPC).

Para além das custas nos incidentes supra, a que a recorrente vai condenada, condena-se a mesma nas custas destes dois recursos, fixando-se a taxa de justiça em 1UC, por cada um, por ter dado origem a atividade jurisdicional inútil, junto deste Tribunal de recurso, que a recorrente, poderia prontamente ter evitado.


Porto, 10 de julho de 2024

Alexandra Pelayo

Anabela Miranda

Márcia Portela


__________________
[1] Ver Maria do Rosário Epifânio, in Manual de direito da Insolvência, 8ª edição, Almedina, pg. 478.
[2] In ob citada, , pg. 481
[3] Ver Acórdãos da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes), e do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Batista), disponíveis em www.dgsi.pt.