Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
69244/20.5YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: PRINCÍPIO DA PLENITUDE
CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RP2022032269244/20.5YIPRT.P1
Data do Acordão: 03/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Não ocorre violação do princípio da plenitude da assistência do juiz se as duas sessões de julgamento são presididas por magistrados diferentes, mas apenas na segunda sessão há produção de prova, sendo que a primeira sessão fora suspensa devido à junção de documentos e não prescisão do respetivo prazo de vista.
II – Num contrato de mediação imobiliária, com vista à obtenção de interessados para a venda de um imóvel, para que a mediadora tenha direito à remuneração é necessário que venha a ser celebrado o respetivo contrato de compra e venda e que entre a atividade da mediadora e a celebração desse contrato haja um nexo de causalidade.
III – Os requisitos de que deve depender o nexo causal, no contrato de mediação imobiliária, são os seguintes: a) a atividade do mediador deve fazer parte das causas próximas e imediatas da conclusão do negócio; b) é preciso que a atividade do intermediário tenha carácter consciente e voluntário, seja prestada animus adimplendi contractus, por modo que o efeito causal não se produza só fortuitamente; c) não é necessário que a atividade do mediador seja contínua e ininterrupta, que o mediador tenha participado em todas as tentativas e até à fase conclusiva do negócio: o efeito causal da atividade do mediador pode de facto subsistir sem aquela continuidade e sem esta participação.
IV – Num caso em que apenas se provou que a mediadora fez duas visitas ao imóvel com os interessados que o vieram a comprar mais de um ano e meio depois e que na ocasião dessas visitas somente conversaram sobre a possibilidade, quanto a esse imóvel, de um arrendamento com opção de compra, não é possível, para efeitos de remuneração da mediadora, estabelecer o necessário nexo de causalidade entre a sua atividade e a celebração do contrato de compra e venda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 69244/20.5 YIPRT.P1

Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 3
Apelação
Recorrente: “I..., Lda.”
Recorridos: AA e BB
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes


Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
A “I..., Lda.”, com sede na Avenida ..., ..., Vila Nova de Gaia, instaurou procedimento de injunção para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato contra AA, e BB, residentes na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Ovar, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de 9.850,00€ e correspondente IVA no montante de 2.265,50€, acrescido dos juros de mora que, à data da apresentação do requerimento de injunção, ascendiam a 2.019,38€, o que totaliza a quantia de 14.236,88€.
Mais pediram a condenação no pagamento dos juros de mora vincendos.
Alegou, para o efeito, que celebrou com os réus um contrato de mediação imobiliária pelo qual se obrigava a diligenciar pela angariação de interessados na compra de um imóvel propriedade dos réus e estes a remunerá-la por tal serviço, num montante correspondente a 5% do valor da venda que viesse a ser realizada, e que estes, vindo a alienar tal imóvel, incumpriram com esta obrigação.
Os réus apresentaram oposição, aceitando a celebração do contrato, mas impugnando o invocado incumprimento e alegando que a venda do imóvel não se ficou a dever à atividade da autora.
Os autos foram remetidos à distribuição e seguiram-se os trâmites da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.
Foi realizada audiência de discussão e julgamento de acordo com os formalismos legais.
Seguidamente proferiu-se sentença que julgou a ação improcedente e absolveu os réus do pedido formulado.
Inconformada com o decidido, interpôs recurso a autora que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. As duas sessões de audiência de julgamento foram dirigidas por magistradas distintas e não existe nos autos qualquer despacho que tenha regularizado tal desrespeito pelo “Principio da Plenitude da Assistência do Juiz”, pelo que a 2.ª sessão da mesma poderá ter que ser anulada por violação do referido Principio.
2. Atendendo às duas fichas de visita juntas aos autos como documentos nºs 9 e 10, em ambas se constata que a assinatura da Ré foi aposta sobre a indicação de “o proprietário” a matéria que conta na alínea A) dos “Factos não provados” deve ser considerada como provada, passando a constar nos factos provados que «a Ré acompanhou as visitas realizadas ao imóvel pelos interessados CC e DD», na medida em que foi, por certo, nessa altura que os Réus e os interessados que acabaram por comprar o imóvel se conheceram, o que lhes terá permitido dispensar o acompanhamento da Autora para a concretização do negócio, com o objectivo, por parte dos Réus, de não pagarem a remuneração a que esta tem direito e, por parte dos compradores de, em função desse facto, terem obtido a redução do preço que se verifica na escritura (197.000€ em vez dos 199.000 provados no n.º 4 dos FP).
3. Isto porque, para além de a Ré ter reconhecido que se tratava da sua assinatura a sua versão de que nada sabia sobre tais visitas e que só tinha assinado as fichas de visita mas que não entrava no imóvel, não pode ser atendida para considerar a sua versão como provada, dado que se trata de um facto que lhe seria desfavorável e o depoimento de parte só pode ser considerado para a confissão, ou seja, para produção de prova de factos que aos Réus são desfavoráveis, o que é o caso do facto A, alegado no requerimento inicial da Autora.
4. Acresce que tal foi corroborado pela testemunha EE […], que afirmou não fazer sentido que um proprietário assine uma ficha de visita e não a acompanhe e pela testemunha FF que ao dizer que «nós nunca tivemos as chaves», distintamente do considerado na sentença recorrida, afasta a versão da Ré, na medida em que se a Ré se limitasse a entregar a chave, isso constaria na ficha de visita e não a assinatura da Ré, que nas duas fichas foi aposta.
5. E não obstante a prova de tal facto, embora relevante, não se afigure essencial para a prova do nexo de causalidade existente entre as visitas ao imóvel dos Recorridos efectuadas pela Recorrente com as pessoas que o compraram e a concretização do negócio, com todo respeito e s.m.o. deverá ser considerado como provado que «Entre a data das visitas e 2017 a Autora manteve o contacto com os interessados CC e DD».
6. Isto porque, perante o alegado pela Autora, segundo a qual «…para permitir o objectivo dos interessados…entre as datas supra e 2017, manteve o contacto regular com estes, através dos telefones ..... e .....», cuja matéria não foi impugnada pelos Réus e cujos n.ºs, distintamente do referido na fundamentação da sentença recorrida, foram respectivamente confirmados por CC e DD, verifica-se que o documento em questão comprova contactos com CC (.....) em 06.05.2016; 01.10.2016; 30.10.2016; 06.11.2016 e 04.12.2016 e com DD (.....) em 21.04.2016; 04.10.2016; 13.10.2016;17.10.2016; 20.10.2016; 21.10.2016; 03.11.2016; 16.11.2016; 17.11.2016; 22.11.2016; 25.01,2017 e 31.01.2017.
7. Pelo exposto e não obstante a prova de tal facto, embora relevante, não se afigure essencial para a prova do nexo de causalidade existente entre as visitas ao imóvel dos Recorridos efectuadas pela Recorrente com as pessoas que o compraram e a concretização do negócio, com todo respeito e s.m.o. deverá também considerar-se como provado que «A Requerida disse à angariadora FF que tinham arrendado o imóvel com opção de compra».
8. Como se constata pelo teor da alínea D) dos FNP, a sentença recorrida considerou como não provado que «Os Réus e os interessados CC e DD celebraram um acordo denominado “arrendamento com opção de compra”», justificando tal consideração com o facto de «a celebração de um contrato de arrendamento está sujeito à forma escrita, pelo que constituindo esta exigência uma formalidade…não admite prova testemunhal não pode ser considerada provada».
9. Acontece que, como se pode constatar pelo teor dos artigos 26.º e 27.º do R.I., o que a Autora alegou foi que «a Requerida disse …à Angariadora FF…que tinham arrendado o imóvel com opção de compra» e esta matéria, tal como foi alegada e perante o referido na própria fundamentação da sentença recorrida, que reconheceu que «tal circunstância foi referida pela testemunha FF, que afirmou que os Réus lhe tinham dito ter celebrado tal contrato», também deverá ser considerada como provada.
10. No que concerne á matéria de direito, nos presentes autos, constata-se que a mediadora conseguiu, encontrar interessado, pelo que a Autora/recorrente, cumpriu a obrigação que contratualmente assumiu, prevista no art. 2.º do DL 15/2013, o que, através da prova produzida aos pontos 3, 5, 13.a) e 16 dos FP, resulta provado e deverá ser considerado suficiente como prova do nexo de causalidade adequada ao direito da Autora a receber a remuneração.
11. Neste sentido aponta o entendimento de ilustres juristas, tais como Manuel Salvador in “Contrato de mediação”, p.104 ao defender que o mediador adquire o direito à comissão quando influir no resultado final do contrato negociado, sem que seja necessário «que tenha cooperado no desenvolvimento das negociações, pelo que basta ter-se limitado a dar o nome de uma pessoa disposta a pagar determinado negócio»
12. No mesmo sentido refere Pinto Monteiro in “Contrato de Agência” - Anteprojecto, BMJ 360-85 «a obrigação fundamental do mediador é conseguir interessado para certo negócio que, raramente conclui ele próprio. Limita-se a aproximar duas pessoas e a facilitar a celebração do contrato…»
13. Embora nos termos do disposto no artigo 19.º da Lei 15/2013, a Mediadora só com a conclusão do negócio tenha direito à sua remuneração, tal não implica que a referida conclusão seja obrigatoriamente acompanhada pela mediadora, até porque, muitas vezes, para evitar o seu pagamento, compradores e vendedores se conluiam para esconder desta a realização do negócio, o que, obviamente, impede a mediadora de formalizar o negócio.
14. E, na verdade, o negócio visado pelo exercício da mediação contratada entre recorrente e recorridos foi concluído com a escritura de compra e venda estrategicamente celebrada em 2017, altura em que, embora nos termos contratuais, o contrato de mediação se tivesse renovado, Réus e compradores esperavam que a Autora se tivesse “esquecido” da sua intervenção que estes bem sabiam ter sido decisiva para a celebração do negócio.
15. Pelo exposto se constata que a Autora cumpriu a sua obrigação contratual, geradora do direito a receber a correspondente remuneração e que tal direito ao recebimento já se venceu, pelo menos na data da celebração da escritura e tal deverá ser suficiente para prova do nexo de causalidade adequada entre a actividade realizada pela Autora e a conclusão do negócio que comprovadamente se realizou com as pessoas que, em 15 e 20 de Fevereiro de 2016, visitaram o imóvel com a I....
16. Pelo exposto, negar o direito à remuneração em casos como o presente em que a Autora até conseguiu provar o nexo de causalidade através das duas visitas feitas ao imóvel pelas pessoas que acabaram por o comprar, mais do que injusto para a empresa de mediação que desenvolveu o seu trabalho sem depois poder cobrar-se da efectiva utilidade que o mesmo acabou por ter para os seus clientes, incentiva os clientes das mediadoras a não cumprirem as obrigações assumidas nos contratos de mediação celebrados em regime de não exclusividade.
17. Embora a sentença recorrida tenha feito uma douta explanação sobre o nexo de causalidade no contrato de mediação imobiliária, devidamente fundamentada pela jurisprudência mais exigente neste âmbito, depois de ter considerado não haver dúvidas sobre o cumprimento da obrigação de meios que impendia sobre a Autora, questionou se esta teria realmente encontrado um interessado real e sério, para lamentavelmente, concluir de modo errado ao considerar que «tal discrepância não permitia alcançar uma resposta afirmativa» apenas por se ter baseado no pressuposto de que «os Réus pretendiam a celebração de uma compra e venda» e de que «foi equacionado que os compradores pretendessem um arrendamento com opção de compra».
18. Não reparou, a Exm.ª Magistrada recorrida, que tal fundamentação ao referir que quem equacionou a celebração de um arrendamento com opção de compra foram os “compradores”, sem sequer lhes chamar interessados. È que se estes foram os compradores, que efetivamente foram, com base no mesmo pressuposto de que os Réus pretendiam vender, a sentença recorrida só poderia ter concluído que a Autora, efetivamente encontrou interessados reais e sérios para celebrar o negócio com os Réus.
19. E muito embora a sentença recorrida, de seguida ter considerado, e bem, que «apesar do tempo decorrido entre a visita e a celebração do negócio…deve admitir-se que o lapso temporal não exclui por si só o nexo» de causalidade e de ter considerado que «é inequívoco que os interessados foram, através da Autora e em virtude da sua actividade, visitar o imóvel pertencente aos Réus e que posteriormente o adquiriram» o que seria suficiente para comprovar o nexo de causalidade, vá se lá saber porquê, a sentença recorrida considera que afinal tal nexo não existe porque os interessados não apresentaram nenhuma proposta e porque a Autora não promoveu nenhum encontro entre os Réus e os compradores, o que, com todo o respeito, denota alguma ingenuidade e desconhecimento do mundo da mediação imobiliária.
20. Para além de as mediadoras não serem “agências de encontros”, na sua actividade comercial apenas podem permitir algum encontro entre os seus clientes e os interessados, no momento de formalizarem o negócio, e mesmo assim, se o pagamento da sua remuneração já estiver devidamente acautelada, sob pena de após o conhecimento mútuo dos mesmos, estes caírem na tentação de formalizarem o negócio excluindo a mediadora do mesmo, perante o que apenas restará a esta o recurso aos tribunais, enfrentando situações como as dos presentes autos, em que embora esteja comprovadíssimo que cumpriu a sua obrigação contratual, o outro contraente ainda não foi condenado a cumprir a obrigação que lhe compete, de pagar a remuneração contratada.
21. Acresce que a sentença recorrida, que refere apenas uma visita quando se trata de duas, deu relevância à promoção de um encontro alegando que na visita que os compradores realizaram ao imóvel, os Réus não estavam presentes, o que, como alegado supra (III-1) não pode ser considerado como provado.
22. Ainda que fosse verdade que a Ré entregasse a chave e não entrasse no imóvel, o que não se concede, seria impossível que ela fizesse tal entrega a GG, a comercial da X... que assinou a ficha de visita, depois de esta chegar ao imóvel acompanhada dos compradores, sem que a Ré os tivesse visto. Estamos certos de que os viu e que é por esse motivo que [o] assunto está a ser discutido em sede judicial.
23. E para tentar fundamentar o acerto da importância que dá ao facto de os Réus conhecerem os compradores, a sentença recorrida cita o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.10.2020, que é dos mais exigentes que conhecemos em matéria de nexo de causalidade e com o qual não podemos concordar, pois de acordo com o aí decidido só pessoas muito honestas pagariam alguma remuneração às mediadoras imobiliárias e que contraria flagrantemente a teoria da causalidade adequada que de acordo com a jurisprudência dominante, é suficiente para que as mediadoras recebam as remunerações a que têm direito.
24. De acordo com a referida teoria da causalidade adequada, passamos a citar o Ac. de 13.05.2014, do T.R. do Porto que doutamente entendeu que «…tem que existir um nexo de causalidade adequada entre a sua actividade e a realização do negócio pretendido, de modo a que possa afirmar-se que a concretização deste foi o corolário ou a consequência daquela actuação. III- A essa luz… afigura-se-nos suficiente para prova daquele nexo de causalidade, a alegação e prova de que a A. fez uma visita ao imóvel com um cliente e que esse cliente… veio a celebrar o contrato directamente com o R.»
25. Seja como for, de acordo com a parte transcrita do referido acórdão da Relação de Lisboa, para a mediadora ter direito à remuneração bastará que tenha fornecido a identificação das pessoas às quais proporcionou uma visita ao imóvel e o certo é que, no caso, tal aconteceu e resulta provado documentalmente, não só através da assinatura, pela Ré, das fichas de visita (documentos 9 e 10) onde constam os nomes dos interessados que compraram o imóvel, mas também porque, tal como se pode comprovar pelo teor das referidas fichas de visita, e de acordo com o declarado pela testemunha FF, esta foi a comercial (SS) que informou os proprietários das visitas efectuadas por CC e DD, pelo que, não obstante o apertado crivo que o citado acórdão estabelece, se constata que ainda assim, no presente caso [o] referido acórdão não negaria à ora Recorrente o direito á remuneração que esta reivindica.
26. Por tudo o exposto, os Réus/Recorridos deverão ser condenados a pagar à Autora a remuneração contratada pelo que se torna imperioso alterar a sentença recorrida, pois, a não se entender assim e a tornarem-se efectivas e públicas decisões como aquela de que ora se recorre, dificilmente as mediadoras conseguirão ser remuneradas pelo serviço que prestam e pelo trabalho que desenvolvem, pois o facto de um tribunal aceitar, ingenuamente, que duas visitas que determinados interessados fazem a um imóvel com determinada mediadora, em nada contribui para o facto de esses mesmos interessados acabarem por adquirir o imóvel em questão, fomenta o desrespeito dos contratos de mediação por parte dos clientes das mediadoras, com o consequente aparecimento de novas situações semelhantes à que ora se analisa e a degradação da ética no mercado da mediação imobiliária.
Normas Violadas:
A sentença recorrida violou o disposto no n.º 1 do artigo 2.º e al. b) do n.º 1 do artigo 18.º do DL 15/2013 de 15.06 e art. 805.º e ss do C.C e ainda [os artigos] 342.º e 344.º do C.C.
Pretende assim a autora/recorrente que seja anulada a segunda sessão da audiência de julgamento por violação do princípio da plenitude da assistência do juiz.
Caso se considere que a segunda sessão da audiência de julgamento não é nula, deve ser dado provimento ao presente recurso, julgando-se procedente a ação.
Os réus apresentaram contra-alegações, nas quais pugnando pela confirmação do decidido, formularam as seguintes conclusões:
I. Vem o recurso interposto pela Recorrente, da douta sentença proferida, a qual, julgando totalmente improcedente a ação interposta, por não provada, absolveu os Réus, aqui Recorridos, do pedido.
II. Salvo devido respeito por melhor opinião, consideram os aqui Recorridos que a douta sentença proferida, representa em si uma decisão justa, fazendo, consequentemente, uma digna aplicação do direito aos factos.
III. Não obstante os aqui Recorridos concordarem, repita-se, com a sentença proferida e a mesma subscreverem, sempre lhes cumpre contra-alegar alguns dos pontos apresentados em sede de Recurso.
IV. Discordam, os aqui Recorridos, da alegação da Recorrente quanto à eventual nulidade da segunda sessão de julgamento.
V. O princípio da plenitude da assistência do Juiz, como corolário dos princípios da oralidade e da imediação, na apreciação da prova, não é absoluto.
VI. Com as alterações promovidas pelo novo CPC, no que a este princípio respeita, passou-se a aplicar o mesmo à fase da audiência final, pois que o julgamento da matéria de facto passou a conter-se nesta.
VII. Pelo que, não obstante nos presentes autos se terem realizado duas audiências, e das mesmas terem resultado duas atas, certo é que, a audiência final, com a respetiva produção da prova, somente se realizou na segunda data agendada, 20 de Outubro de 2021.
VIII. A primeira audiência, que ocorreu a 02 de Junho de 2020, foi suspensa, em virtude de, os Recorridos, não terem prescindido do prazo de vista para análise dos documentos juntos pela Recorrente nessa audiência.
IX. A efetiva prova, testemunhal e depoimentos de parte, foi prestada na segunda audiência, presidida pela Exma. Senhora Juiz de Direito Dra. Daniela Cardoso que, foi precisamente a Juiz que proferiu a sentença nestes autos.
X. Pelo que, não concordam os Recorridos com a alegação da Recorrente nesta parte, por considerarem não se encontrar em crise o princípio da plenitude da assistência por juiz nestes autos, pelo facto de duas diligências de julgamento não terem sido presididas pelo mesmo Juiz, uma vez que, como supramencionado, o Juiz que recolheu a prova, foi o mesmo Juiz que a julgou e decidiu.
XI. Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: “(…) O princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado agora no art. 605º do Código de Processo Civil (antes no art. 654º), só tem aplicação quando da fixação da matéria de facto, em ponderação dos princípios da imediação, da oralidade e concentração, conhecendo aplicação intransigente quando o tribunal perante o qual foi feita a discussão da causa é aquele que quem tem de proferir a decisão de facto: aí, salvo casos excepcionais, quem presidiu à recolha da prova é quem a julga e fixa.”
XII. Quanto ao recurso apresentado sobre os factos não provados, discordam, também nesta parte, os Recorridos, com as alegações da Recorrente, uma vez que consideram que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação dos depoimentos prestados em sede de prova testemunhal, nomeadamente nos que a Recorrente chama agora à demanda.
XIII. Vejamos. Relativamente à matéria considerada como não provada no ponto A),
XIV. Não alcançam os Recorridos as alegações perpetradas pela Recorrente nesta parte, uma vez que a visita em si, não foi colocada em causa, outrossim, a presença dos Recorridos nessa mesma visita.
XV. Os Recorridos não acompanharam a indicada visita. Os Recorridos entregavam a chave do imóvel para que a Recorrente pudesse levar a cabo a dita visita ao imóvel, mas nunca entravam no imóvel, nunca acompanhavam a visita em si.
XVI. Repare-se, se efetivamente os Recorridos acompanhassem as visitas, qual seria a necessidade de a Recorrente, após as mesmas, ter de endereçar comunicação aos Recorridos a dar conhecimento sobre a forma como decorreu a referida visita.
XVII. Pelo que, em face do exposto, deverão as alegações dos Recorridos, nesta parte, improceder, por manifesta falta de fundamento que as sustente.
XVIII. Concernente ao recurso quanto à matéria de facto não provada indicada no ponto C), também nesta parte, não compreendem os Recorridos o teor das alegações promovidas pela Recorrente, designadamente na parte em que refere que “(…) o teor do documento n.º 11, que a Autora juntou aos autos, com a clara especificação do objectivo do mesmo (…) cuja matéria não foi impugnada pelos Réus (…)”.
XIX. Os Recorridos impugnaram o teor do documento nº. 11, - Requerimento com a referência 29194632, datado de 14/06/2021 -, atenta a ilegibilidade do mesmo. E mais pugnaram os Recorridos, na esteira da Oposição deduzida, onde alegam que não mais houveram contactos estabelecidos entre a Recorrente e o Recorrido.
XX. Mas, ainda que assim não se entendesse, - o que somente por mera hipótese de raciocínio se equaciona -, sempre será de atentar à demais fundamentação do Tribunal a quo quanto ao não considerar provado este facto: “(…) o Tribunal não foi convencido, porque tal não procurou ser demonstrado, que tais números pertençam aos interessados. Além disso, não foi explicado o teor das conversas, que na grande maioria têm apenas a duração de um ou dois minutos, pelo que não é possível retirar de tal alegação e de tal prova qualquer conclusão firme.”
XXI. O que o Tribunal a quo entendeu, e bem, é que a Recorrente somente alegou um sem número de chamadas, sem que para tanto tenha demonstrado a efectiva concretização das mesmas, a efetiva titularidade dos contactos adiantados e, o motivo pelo qual, alegadamente, tais chamadas haviam sido efetuadas.
XXII. Pelo que, em face do exposto, deverão as alegações dos Recorridos, nesta parte, improceder, por manifesta falta de fundamento que as sustente.
XXIII. Quanto à matéria considerada em D) dos “Factos não provados”, igualmente nesta parte, não colhe razão à Recorrente na alegação que verte aos autos.
XXIV. Alega a Recorrente que deveria o Tribunal a quo ter considerado como provado o facto de os Recorridos, alegadamente, terem dito à Angariadora FF que haviam celebrado contrato de arrendamento com opção de compra.
XXV. Tal matéria é suscetível de prova documental, e não, testemunhal; ademais, da petição inicial, o que se retira é uma mera ilação da Recorrente nesta parte que, ao invocá-la, somente pretendia fazer uma suposição, porquanto, concluiu, nesse seguimento: “Informação que repetiram á angariadora FF, a quem disseram que tinham arrendado o imóvel com opção de compra, sem dizerem a quem.
(…) O que, a ser verdade, poderá ter sido feito aos interessados CC e DD, que foram levados ao imóvel pela I....” (…).
XXVI. Pelo que, em face do exposto, deverão as alegações dos Recorridos, nesta parte, improceder, por manifesta falta de fundamento que as sustente.
XXVII. Das questões de direito, suscitadas em recurso, concordam, na íntegra, os Recorridos com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, bem como, com a fundamentação que a sustenta.
XVIII. Para haver direito à remuneração, é necessário que haja uma relação causal entre a atuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato objeto da mediação.
XXIX. Resulta do nº.s. 1 e 2 do artigo 19º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, que: “1 – A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”
XXX. No presente caso, o negócio concluído não o foi pela intervenção e mão da Recorrente.
XXXI. Se a Recorrente se mantivesse no ativo, quanto a eventuais obrigações e deveres contratuais que do contrato celebrado adviessem, em momento algum a Recorrente somente teria conhecimento da venda do imóvel em crise, no ano de 2019.
XXXII. Este facto somente corrobora a afirmação dos Recorridos de que o contrato havia já sido denunciado, e que, a Recorrente, há muito, que havia deixado de promover, publicitar e/ou divulgar o imóvel, motivo da denúncia do contrato por parte dos Recorridos.
XXXIII. E ainda que a Recorrente persista, nesta parte, na alegação de que os atuais proprietários foram dados a conhecer aos Recorridos por si, Recorrente, enquanto mediadora imobiliária, certo é que os Recorridos afastam por completo tal alegação, por tudo quanto, até então vertido.
XXXIV. E, repare-se, mesmo que assim não se entendesse - o que somente por mera hipótese de raciocínio se equaciona -, a jurisprudência tem, igualmente, dado resposta a este tipo de alegações: “Considera-se quebrado o nexo de causalidade entre a atividade da mediadora imobiliária e a conclusão de um negócio de compra e venda que posteriormente veio a ser celebrado pelos mesmos interessados angariados por aquela se estes tinham, nos primeiros contactos, sujeitado a compra à verificação de uma condição e desistiram dela por a condição se não ter verificado, e tenham, passados uns meses, vindo a comprar o mesmo imóvel, diretamente aos proprietários, mas agora sem que a mediadora imobiliária tenha praticado qualquer ato de mediação.” (…)
XXXV. Por outro lado, que não se olvide que o contrato celebrado com a Recorrente – entretanto denunciado - não era um contrato de exclusividade, sendo que os Recorridos, também eles, promoviam o imóvel.
XXXVI. “No contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, o vendedor/comitente pode realizar o negócio projectado, seja por si próprio, seja por intermédio de outra empresa mediadora, assim como pode desistir do negócio visado, sem que qualquer uma dessas situações determine o direito à remuneração por parte do mediador.”
XXXVII. Não se demonstrou provado qualquer nexo causal entre a atividade da Recorrente e o negócio efetivamente concretizado. No entanto, não poderia demonstrar-se tal nexo, uma vez que, como demonstrado nos autos, não fora o referido negócio concluído e/ou concretizado pela Recorrente.
XXXVIII. A Recorrente, como dito, e repita-se, incumpriu com os seus deveres contratuais, o que motivou os Recorridos a denunciarem o contrato de mediação imobiliária celebrado entre as Partes.
XXXIX. Desde então que, os Recorridos, mantiveram a promoção e publicitação do imóvel como para venda, tendo, por fim, concluído o negócio com os atuais proprietários.
XL. A Recorrente, que por ora se arroga do direito à remuneração por entender que contribuiu e promoveu o negócio concretizado, desconhecia, como desconheceu, por dois anos, pelo menos, que o mesmo se havia realizado.
XLI. Assim, e em face de tudo quanto exposto, deverá a decisão recorrida manter-se e, consequentemente, julgar-se improcedente o presente Recurso de Apelação, por tudo quanto se contra-alegou.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, tendo a Mmª Juíza “a quo” consignado o seguinte no respetivo despacho de admissão:
“Apesar da nulidade arguida pela requerente se reportar a nulidade do julgamento que, no nosso entendimento, carecia de ser invocada perante o tribunal que presidiu à audiência, sempre se dirá que se considera inexistir qualquer nulidade pois todos os atos de produção de prova foram presididos pela titular do juízo, não se encontrando violado o princípio da plenitude da assistência do juiz. Por outro lado, deveria a requerente invocar a nulidade logo que dela se apercebesse, ou seja, aquando do início da, na sua perspetiva, segunda sessão da audiência de julgamento, o que não fez.”
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Violação do princípio da plenitude da assistência do juiz;
II – Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
III – Direito da autora (mediadora) à remuneração/Nexo de causalidade entre a atividade da mediadora e o contrato de compra e venda celebrado
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É a seguinte a factualidade dada como provada na sentença recorrida:
1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de mediação imobiliária, detentora da licença AMI nº ....., emitida pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P. (InCI).
2. A Autora e os Réus subscreveram um documento denominado “contrato de mediação imobiliário”, datado de 26 de janeiro de 2015.
3. De tal documento consta que a mediadora se obriga a diligenciar no sentido de conseguir um destinatário para a compra do prédio misto sito na Rua ..., ..., em ..., Ovar, inscrito na matriz rústica sob o artigo ..... e na matriz urbana sob o artigo ..... e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº ......
4. O preço indicado para a venda do imóvel foi de Eur.385.000 (trezentos mil e oitenta e cinco euros), tendo o mesmo, posteriormente vindo a ser reduzido até chegar ao valor de Eur.199.000,00 (cento e noventa e nove mil euros) em 2 julho de 2015.
5. Do mesmo escrito consta que, se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado é-lhe devida uma remuneração, a pagar pelos Réus, de 5% do valor do negócio efetivamente concretizado, nunca podendo ser inferior a Eur.5.500 (cinco mil e quinhentos euros), acrescido de IVA à taxa legal de 23%, sendo devida na data de assinatura do contrato-promessa.
6. As partes declararam ainda que o acordo celebrado e vertido no mencionado documento vigorava pelo período de 12 meses, sendo automaticamente renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não fosse denunciado pelas partes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente.
7. Cerca de 1 semana após a subscrição do escrito, a Autora colocou um cartaz de divulgação/publicitação do prédio identificado em 3, na rede que circundava a casa, tendo, uns dias mais tarde, alterado o local de afixação a pedido dos Réus, colocando-o no 1º andar do imóvel, por se entender que ali havia maior visibilidade.
8. A Autora divulgou o prédio identificado em 3, nas 180 agências da rede “X...” em todo o país.
9. Publicitou o prédio identificado em 3 na montra da agência durante 37 dias.
10. Incluiu-o na Revista do Fórum Imobiliário, destinada a atrair compradores do mercado imobiliário francês.
11. Incluiu o imóvel em dois flyers, numa newsletter e anunciou-o na Internet.
12. O imóvel foi apresentado, na agência, a três interessados.
13. A autora realizou as seguintes visitas físicas ao imóvel:
a. A 15 de fevereiro de 2016 e a 20 de fevereiro de 2016 aos interessados CC e DD.
b. A 7 de maio de 2016 à interessada HH e a II.
c. A 9 de setembro de 2016 aos interessados JJ e KK, tendo a mesma sido realizada apenas pela parte de fora do imóvel.
14. Após a visita, os interessados CC e DD conversaram com a Autora sobre a possibilidade de ser celebrado um contrato de arrendamento com opção de compra relativamente àquele imóvel.
15. Em novembro de 2016 os Réus disseram a FF e LL, trabalhadores da Autora, que a situação já estava resolvida.
16. Por escritura pública datada de 29/09/2017 os Réus declararam vender e CC e DD declararam comprar o imóvel descrito em 3, pelo preço de Eur.197.000,00 (cento e noventa e sete mil euros).
17. Por missiva datada de 15 de Julho de 2019, a Autora solicitou aos Réus o pagamento da quantia de Eur.12.115,50 (doze mil cento e quinze euros e cinquenta cêntimos) a título de remuneração calculada sobre o preço da venda, acrescido dos juros.
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Não se provaram os seguintes factos:
A. Os Réus acompanharam as visitas realizadas ao imóvel pelos interessados CC e DD.
B. Em 24/02/2015, os Réus adiantaram à Autora a possibilidade de celebrarem um acordo denominado “contrato de arrendamento com opção de compra” relativamente ao prédio identificado em 3.
C. Entre a data da visita e 2017 a Autora manteve contacto com os interessados CC e DD.
D. Os Réus e os interessados CC e DD celebraram um acordo denominado “arrendamento com opção de compra”.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I – Violação do princípio da plenitude da assistência do juiz
Nas suas alegações de recurso a autora/recorrente invoca, em primeiro lugar, a ocorrência de desrespeito pelo princípio da plenitude da assistência do juiz, uma vez que as duas sessões de julgamento foram dirigidas por magistradas diferentes, donde decorreria a anulação da segunda sessão.
O princípio da plenitude da assistência do juiz acha-se previsto no art. 605º do Cód. de Proc. Civil e surge como um corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova, de tal forma que para a formação da livre convicção do julgador este terá de ser o mesmo ao longo de todos os atos de instrução e discussão da causa realizados em audiência.
Ainda que o registo da prova supra, em larga medida, a falta de presença física no ato da sua produção, a convicção judicial forma-se na dinâmica da audiência, com intervenção ativa do juiz, sendo sempre defeituosa a perceção que é formada fora desse condicionalismo.[1]
Impõe-se, assim, que no decurso da audiência o juiz seja o mesmo em todos os atos de instrução e discussão da causa, não podendo estes atos ser produzidos perante magistrados diferentes.
Ora, neste caso, a primeira sessão de julgamento, ocorrida em 2.6.2021, foi presidida pela Sr.ª Dr.ª Fernanda Wilson, mas nela não se produziu qualquer prova, uma vez que a autora juntou aos autos diversos documentos e os réus não prescindiram do respetivo prazo de vista.
Por isso, a referida Sr.ª Dr.ª Fernanda Wilson, sem que se produzisse prova, suspendeu a audiência e agendou para a sua continuação o dia 20.10.2021.
Nesta segunda data – 20.10.2021 -, sendo a audiência presidida pela Sr.ª Dr.ª Daniela Cardoso que também proferiu a sentença, ocorreu então a produção de prova, com audição de testemunhas e de depoimentos de parte.
Deste modo, porque apenas na segunda sessão, realizada em 20.10.2021, se recolheu prova, constatando-se ser esta presidida pela Sr.ª Dr.ª Daniela Cardoso, que depois proferiu sentença, há que concluir não haver violação do princípio da plenitude da assistência do juiz.
Violação que só se teria verificado se na primeira sessão de julgamento, de 20.6.2021, presidida pela Sr.ª Dr.ª Fernanda Wilson, tivesse havido produção de prova, maxime, inquirição de testemunhas e/ou declarações/depoimentos de parte, o que, como se tem vindo a sublinhar, não ocorreu.
Como tal, concluindo-se não ter havido inobservância do princípio da plenitude de assistência do juiz, improcede, neste primeiro segmento, o recurso interposto pela autora.
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II - Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto
A autora impugna depois a decisão proferida sobre a matéria de facto, pretendendo que as alíneas A) [Os Réus acompanharam as visitas realizadas ao imóvel pelos interessados CC e DD], C) [Entre a data da visita e 2017 a Autora manteve contacto com os interessados CC e DD] e D) [Os Réus e os interessados CC e DD celebraram um acordo denominado “arrendamento com opção de compra”] dos factos não provados transitem para o elenco dos factos provados com idêntica redacção no que concerne às alíneas A) e C) e com alteração de redação quanto à alínea D) que passaria a ser a seguinte: “A requerida disse à angariadora FF que tinham arrendado o imóvel com opção de compra”.
O art. 662º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil estatui que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa
A Relação goza assim de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais.
Por conseguinte, a livre convicção da Relação deve ser assumida em face dos meios de prova que estão disponíveis, impondo-se que o tribunal de recurso sustente a sua decisão nesses mesmos meios de prova, descrevendo os motivos que o levam a confirmar ou infirmar o resultado fixado em 1ª instância.[2]
Por outro lado, impõe-se também que o recorrente na impugnação da matéria de facto, sob pena de rejeição, observe os ónus previstos no art. 640º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, especificando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados [a)], os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [b)] e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [c)].
Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda no seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes – cfr. art. 640º, nº 2.
Vejamos então.
a) No respeitante à alínea A) dos factos não provados a autora/recorrente, como já se referiu atrás, entende que a mesma deve ser dada como provada – “Os réus acompanharam as visitas realizadas ao imóvel pelos interessados CC e DD”.
A Mmª Juíza “a quo”, em sede de motivação da matéria de facto, escreveu o seguinte sobre este facto dado como não provado:
“Com efeito, quanto ao acompanhamento das visitas pelos Réus, nenhuma das testemunhas afirmou tal circunstância, tendo tão só a testemunha EE, que não realizou nenhuma visita, afirmado que se os Réus assinaram as fichas de visita é porque lá estariam. Por sua vez, os Réus explicaram que levavam as chaves aquando [d]a realização de uma visita, indo recolhê-las depois, altura em que assinavam as fichas de visita. Sem prejuízo, para proteger a eventual fragilidade desta motivação, atendendo a que são valoradas declarações prestadas no âmbito de um depoimento de parte, que visa a confissão sobre factos especificamente indicados pelo Autor, e desfavoráveis à parte que sobre eles depôs, acrescente-se que a mesma factualidade resultou também do depoimento da testemunha FF que atestou esta realidade e, de forma espontânea, referiu que “nós nunca tivemos as chaves”, explicando o mesmo procedimento. Acrescente-se, ainda, que os Réus justificaram cabalmente a sua ausência nas visitas, tendo a Ré contado que não gostava de estar no imóvel por lhe trazer recordações e o Réu explicado que apenas entregavam as chaves e “iam dar uma volta”, fazendo referência ao facto dos sogros viverem ali perto. Não olvidando que estas declarações dos Réus foram produzidas em depoimento de parte, a verdade é que não foi produzida prova que permita afirmar a realidade de tal facto.”
Para que este facto seja considerado provado a autora/recorrente apoia-se nas fichas de visita juntas aos autos como documentos nºs 9 e 10, das quais consta a assinatura da ré aposta sobre a indicação de “o proprietário”.[3]
Sucede que os réus não põem em causa que a ré assinou tais fichas de visita, mas daí não se extrai, desde logo, que tenham acompanhado as visitas que foram realizadas ao imóvel por CC e DD.
Na motivação da decisão de facto, atrás transcrita, a Mmª Juíza “a quo” explicou as razões por que deu este facto como não provado, as quais, aceitando-se que a ré assinou as ditas fichas de visita, vieram a assentar na análise conjugada dos depoimentos prestados pelas testemunhas EE e FF e também pelos próprios réus.
Ora, como a autora/recorrente, apesar de ter feito alusão a todos estes depoimentos gravados e produzidos na audiência de julgamento, fazendo deles uma interpretação diversa da efetuada pela Mmª Juíza “a quo” na sentença recorrida, não indicou dos mesmos qualquer específica passagem, nem transcreveu deles qualquer excerto, está-nos vedada, face ao disposto no art. 640º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil, a possibilidade de proceder à sua reapreciação.
Uma vez que a formação da convicção da Mmª Juíza “a quo” quanto a este ponto factual, não provado, se encontra detalhadamente exposta, sempre sendo de assinalar que não se fundou em exclusivo no teor dos depoimentos de parte dos réus, mas também nos depoimentos das testemunhas EE e FF, não vemos razão para dissentir da mesma.
E acrescente-se que a mera aposição da assinatura da ré nas fichas de visita é manifestamente insuficiente para que se possa dar como assente que os réus acompanharam as que foram efetuadas por CC e DD.
Mantém-se, pois, no elenco dos factos não provados a alínea A).
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b) No que concerne à alínea C) dos factos não provados a autora/recorrente entende igualmente que esta deve transitar para o elenco dos factos provados - Entre a data da visita e 2017 a Autora manteve contacto com os interessados CC e DD.
Para fundamentar esta alteração alude ao teor do documento nº 11, impugnado pelos réus/recorridos, que corresponde a um registo de chamadas telefónicas, emitido pela “W...”, que, na sua perspetiva, confirma a ocorrência desses contactos e a regularidade dos mesmos.
A Mmª Juíza “a quo”, na motivação da matéria de facto, explicou porque deu este facto como não provado escrevendo o seguinte:
“ Relativamente aos contactos mantidos com os interessados, a Autora juntou como Doc. 11 registos de chamadas telefónicas de Abril, Outubro, Novembro e Dezembro de 2016 e de Janeiro de 2017, dos quais constam chamadas efetuadas para um número que a Autora afirma ser dos interessados. Acontece que, o Tribunal não foi convencido, porque tal não procurou ser demonstrado, que tais números pertençam aos interessados. Além disso, não foi explicado o teor das conversas, que na grande maioria têm apenas a duração de um ou dois minutos, pelo que não é possível retirar de tal alegação e de tal prova qualquer conclusão firme.”
Trata-se de uma explicação cristalina e que se nos afigura acertada, porquanto do referido documento nº 11 não resulta que os números telefónicos indicados fossem dos interessados, nem se mostra explicado o conteúdo das conversas.
Assim, o teor de tal documento não nos permite divergir da convicção probatória da 1ª Instância, devidamente explicitada, pelo que a alínea C) deve permanecer como facto não provado.
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c) Quanto à alínea D) dos factos não provados [Os Réus e os interessados CC e DD celebraram um acordo denominado “arrendamento com opção de compra”] pretende a recorrente que o mesmo seja considerado provado com a seguinte redação: “A requerida disse à angariadora FF que tinham arrendado o imóvel com opção de compra”.
A Mmª Juíza “a quo”, na motivação da matéria de facto, escreveu o seguinte a propósito deste facto não provado:
“Por sua vez, quanto à efetiva celebração do contrato de arrendamento com opção de compra, tal circunstância foi referida pela testemunha FF, que afirmou que os Réus lhe tinham dito ter celebrado tal contrato. Ora, além dessa afirmação ser claramente insuficiente, a celebração de um contrato de arrendamento está sujeito à forma escrita, pelo que, constituindo esta exigência uma formalidade que, quer se entenda ser ad substantiam ou ad probationem, não admite prova testemunhal, (cf. artigo 364.º, do Código Civil) não pode ser considerada provada, apesar de não ter sido efectivamente alegada pela Autora uma vez que apenas se referiu à celebração deste contrato com estas partes como uma mera possibilidade mas que se afigura relevante para reforço da fundamentação.”
Acontece que a autora/recorrente se insurge contra o decidido porque no requerimento injuntivo alegou algo de diverso, mais concretamente que em 30.11.2016, a requerida disse ao comercial LL, que já tinham “a situação resolvida” [art. 26º], informação que repetiram à angariadora FF, a quem disseram que tinham arrendado o imóvel com opção de compra, sem dizerem a quem [art. 27º].
Por isso, face ao que se mostra alegado no requerimento injuntivo e ao que foi referido em sede de fundamentação, entende que deveria ter sido dado como provado que a requerida disse à angariadora FF que tinham arrendado o imóvel com opção de compra.
Porém, não pode ser acolhida a pretensão da recorrente.
Com efeito, não estamos no âmbito do verdadeiro facto, que será a celebração – ou não – de um contrato de arrendamento com opção de compra entre os réus e os interessados CC e DD, mas sim no terreno movediço da possibilidade e da suposição, o que, aliás, mais reforçado sai pelo conteúdo do art. 28º do requerimento injuntivo, onde se alega que, a ser verdade o referido à angariadora FF, podia esse arrendamento ter sido feito àqueles interessados, que foram levados ao imóvel pela “I...”.
Consequentemente, afastada – e bem – da factualidade provada a celebração entre os réus e os interessados de um contrato de arrendamento com opção de compra, não faz qualquer sentido que nela seja agora inserida a ocorrência de uma conversa entre a ré e a angariadora FF sobre esse mesmo contrato de arrendamento.
Desta forma, a alínea D) manter-se-á nos factos não provados.
A impugnação da decisão da matéria de facto por parte da autora/recorrente será, pois, julgada inteiramente improcedente.
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III - Direito da autora (mediadora) à remuneração/Nexo de causalidade entre a atividade da mediadora e o contrato de compra e venda celebrado
1. Na sentença recorrida entendeu-se não existir nexo causal entre a atividade levada a cabo pela autora e a celebração do contrato de compra e venda entre os réus como vendedores e os compradores CC e DD, razão pela qual não lhe é devida a quantia peticionada a título de remuneração.
Discordando da improcedência da acção, a autora, em sede recursiva, pugna pela verificação desse nexo de causalidade, considerando que para tal efeito são suficientes os pontos 3, 5, 13 a) e 16 dos factos provados, cuja redação é a seguinte:
- De tal documento [contrato de mediação imobiliária] consta que a mediadora se obriga a diligenciar no sentido de conseguir um destinatário para a compra do prédio misto sito na Rua ..., ..., em ..., Ovar, inscrito na matriz rústica sob o artigo ..... e na matriz urbana sob o artigo ..... e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº .....;
- Do mesmo escrito [contrato] consta que, se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado é-lhe devida uma remuneração, a pagar pelos Réus, de 5% do valor do negócio efetivamente concretizado, nunca podendo ser inferior a Eur.5.500 (cinco mil e quinhentos euros), acrescido de IVA à taxa legal de 23%, sendo devida na data de assinatura do contrato-promessa;
- A autora realizou visitas físicas ao imóvel a 15 de fevereiro de 2016 e a 20 de fevereiro de 2016 aos interessados CC e DD;
- Por escritura pública datada de 29.9.2017 os réus declararam vender e CC e DD declararam comprar o imóvel descrito em 3, pelo preço de 197.000,00€.
Vejamos.
2. O contrato de mediação consiste no contrato pelo qual uma parte – o mediador – se vincula para com outra – o comitente ou solicitante – a, de modo independente e mediante retribuição, preparar e estabelecer uma relação de negociação entre este último e terceiros – os solicitados – com vista à eventual conclusão definitiva de negócio jurídico.
Caracterizam o contrato de mediação um conjunto de elementos distintivos: a existência de uma convenção, expressa ou tácita, de mediação; a atividade pontual e independente de intermediação e a onerosidade - cfr. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, págs. 458 e 460/461.
Não existe no nosso ordenamento jurídico um regime geral e unitário do contrato de mediação, havendo apenas conjuntos de normas que regulam o exercício de determinadas atividades profissionais de mediação, como seja o caso da mediação imobiliária que é regulada pela Lei nº 15/2013, de 8.9..
No art. 2º, nº 1 deste diploma legal define-se a atividade de mediação imobiliária como «a procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis
E depois no nº 2, als. a) e b), desta mesma norma diz-se ainda que a atividade de mediação imobiliária se consubstancia também em ações de prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes e de promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões.
3. Face ao teor deste preceito admite-se que, dependendo do caso concreto, o contrato de mediação imobiliária possa ou não gerar uma verdadeira obrigação para o mediador – cfr. HIGINA CASTELO, “Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado”, Almedina, 2015, pág. 38.
“Mas nos casos em que uma tal obrigação seja contratualmente assumida, importa perceber qual o seu conteúdo. Obriga-se o mediador a obter o resultado que dá direta satisfação ao interesse primário ou final do cliente? Ou obriga-se ele somente a diligenciar no sentido de obter esse resultado? No primeiro caso, estamos perante uma obrigação de resultado, no segundo perante uma obrigação de meios. Trate-se de um caso ou do outro, em que consiste o resultado que diretamente satisfaz o interesse primário ou final do credor?”
A estas interrogações responde HIGINA CASTELO do seguinte modo:
“No que ao contrato que nos ocupa diz respeito, a classificação[4]tem vindo a lume com alguma constância, o que parece justificar-se pelo papel de particular peso que um dado evento – em regra, a celebração do contrato visado – assume na consumação do contrato de mediação. Por vezes, confunde-se esse evento com o resultado que o mediador se obriga a causar ou a tentar causar, e, com base nisso, classifica-se a obrigação do mediador, respetivamente, como ‘obrigação de resultado’ ou ‘obrigação de meios’.
Segundo entendo, o interesse primário ou final do cliente do mediador consiste na obtenção de um interessado para certo contrato. Não consiste jamais na celebração do contrato visado; esta está na disponibilidade do cliente e de um terceiro e nem sequer é o resultado suscetível de ser diretamente obtido pela atuação do mediador. Se a obrigação do mediador consistir na obtenção de um interessado, a sua obrigação é de resultado. Se a obrigação do mediador for apenas a de diligenciar no sentido de conseguir o tal interessado, a sua obrigação é de meios.
Saber se a obrigação do mediador, a existir, consiste numa obrigação de resultado, se de meios, vai depender da interpretação do contrato concreto. As mais das vezes, porém, e não resultando o contrário do acordo contratual, estaremos perante uma mera obrigação de meios: o mediador obrigar-se-á a diligenciar no sentido de encontrar interessado no contrato desejado pelo cliente; não se obrigará a encontrar esse mesmo interessado.” – cfr. Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado”, Almedina, 2015,. pág. 41.
4. Porém, o cumprimento desta obrigação de meios não atribui, por si só, à autora (mediadora) o direito à remuneração contratualmente prevista.
O pagamento da remuneração ao mediador acha-se previsto no art. 19º, nº 1 da Lei n º 15/2013, de 8.9, onde se estatui que «a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra
Esta norma relativa à remuneração do mediador perfila-se como uma especificidade do regime do contrato de mediação, sobre a qual a doutrina se debruça pela seguinte forma:
-“O direito à retribuição depende da celebração do contrato promovido, embora seja independente do cumprimento do mesmo. Só com a verificação de um «resultado útil» – a realização do negócio – da actuação do mediador, este ganha o direito à retribuição. Está em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata.” – cfr. CARLOS LACERDA BARATA, “Contrato de Mediação”, in Estudos do Instituto do Direito do Consumo, Vol. I, Almedina, 2002, págs. 203-204[5];
- “(…) existe, na remuneração do mediador, uma nota específica: o direito à remuneração depende directamente da produção do resultado pretendido pelas partes (de resto, consiste habitualmente numa percentagem do valor do contrato definitivo). Ou seja, para que se torne devida a remuneração acordada, não basta que o mediador tenha desenvolvido todos os esforços para a produção desse resultado, sendo ao invés necessário que esses esforços tenham conduzido à celebração do negócio visado e que o negócio assim celebrado tenha resultado directamente dessa actividade do mediador.” – cfr. MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, “O contrato de mediação” in Scientia Ivridica, nº 331, 2013, pág. 93).
Sucede que o disposto no nº 1 do art. 19º da Lei nº 15/2013, que faz depender o direito da mediadora à remuneração da celebração do contrato visado, suscita dificuldades de qualificação dogmática, podendo colocar-se a hipótese de, no que ao contrato de mediação imobiliária se refere, estarmos perante um contrato condicional - cfr. CARLOS LACERDA BARATA, ob. cit., pág. 203 - ou um contrato aleatório - cfr. MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, ob. cit., cit., págs. 98-99; HIGINA CASTELO, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado”, Almedina, 2015, págs. 123 e segs.
Sobre esta questão escreve o seguinte HIGINA CASTELO:
“O contrato de mediação não se classifica como contrato condicional em sentido próprio, mas incorpora uma condição atípica, ou circunstância de eventualidade, cuja ocorrência é necessária à produção de um dos seus efeitos jurídicos principais, o dever de remunerar.
Por causa desta circunstância, que coloca a remuneração na dependência da celebração do contrato visado, o mediador corre um risco específico de não ser remunerado, mesmo tendo cumprido escrupulosamente a sua prestação. Daí a referida frequente qualificação como aleatório” – cfr. “Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado”, Almedina, 2015, pág. 126.
5. No caso dos autos, tendo sido celebrado um contrato de mediação imobiliária entre as partes, resultou para a autora uma obrigação de meios – obrigação de diligenciar no sentido de conseguir um destinatário para a compra do prédio dos réus -, mas o direito à remuneração não nasce do mero cumprimento dessa obrigação nem sequer da verificação do resultado de obtenção de efetivos interessados na aquisição.
É que para esse direito à remuneração existir é necessário que venha a ser celebrado contrato final de compra e venda e que entre a atividade da mediadora e a celebração deste contrato haja um nexo de causalidade – cfr. Ac. STJ de 11.7.2019, proc. 28079/15.3 T8LSB.L1.S1, relatora Maria da Graça Trigo, disponível in www.dgsi.pt..[6]
A realização do negócio é condição indispensável do direito à remuneração, mas não é condição única. É imprescindível demonstrar que o negócio só se concretizou por causa da atividade da mediadora. Tem que haver um nexo de causalidade entre a diligência que foi usada pela mediadora e a sua atividade e a celebração do negócio visado.[7]
No plano doutrinário escreve-se o seguinte quanto à exigência do nexo de causalidade no que toca ao direito à remuneração no contrato de mediação:[8]
- “(…) só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da actuação do mediador relevará, para este efeito. A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro. Todavia, o mediador não assume já o risco da boa execução do contrato promovido, sendo indiferente, para o efeito, o cumprimento ou incumprimento contratual.” – cfr. CARLOS LACERDA BARATA, ob. cit., pág. 203;
- “(…) cabe apurar em que consiste e como se identifica esse nexo causal. O critério determinante deverá ser o da ligação psicológica entre a actividade do mediador e a vontade de o terceiro concluir um contrato com o comitente – e a afirmação dessa ligação não deve ser posta em causa pelo lapso temporal entretanto decorrido entre o exercício da actividade e a conclusão do contrato, nem pelos factos ocorridos nesse período de tempo, v. g., a intervenção de um novo mediador.” – cfr. MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, ob. cit., pág. 101;
- “A necessidade de um nexo causal entre a atividade do mediador e o evento de que depende a sua remuneração – normalmente a celebração do contrato desejado – tem sido consistentemente afirmada pela doutrina e pela jurisprudência. A atividade do mediador deve ter contribuído de forma decisiva ou importante para a conclusão do contrato, não tendo, porém, que ser a única causa. É visível a consciência da importância do nexo de causalidade na solução de vários problemas: desfasamento temporal entre a vigência do contrato de mediação e a conclusão do contrato visado; contribuição de vários mediadores; celebração do contrato com interessado diferente do angariado pelo mediador.” – cfr. HIGINA CASTELO, “O Contrato de Mediação”, Almedina, 2014, págs. 298/299.
HIGINA CASTELO, sobre a questão do nexo de causalidade no contrato de mediação imobiliária, escreveu ainda o seguinte (in “O Contrato de Mediação”, Almedina, 2014, pág. 410):
É necessário “que a atividade do mediador tenha contribuído para essa celebração, ou seja, que se verifique um nexo entre a sua atividade e o contrato a final celebrado, aferindo-se o cumprimento do mediador pela existência desse nexo. A necessidade de um tal nexo decorre dos compromissos assumidos pelas partes no âmbito da relação contratual de mediação imobiliária e é incansavelmente lembrada pela jurisprudência. Tem por função afastar a retribuição quando o nexo causal não se estabelece, mas também mantê-la quando, após o seu estabelecimento, actos alheios ao comportamento do mediador conduzem à sua aparente quebra”.
Assim, sintetizando, os requisitos de que deve depender o nexo causal, no contrato de mediação imobiliária, são os seguintes: a) a atividade do mediador deve fazer parte das causas próximas e imediatas da conclusão do negócio; b) é preciso que a atividade do intermediário tenha carácter consciente e voluntário, seja prestada animus adimplendi contractus, por modo que o efeito causal não se produza só fortuitamente; c) não é necessário que a atividade do mediador seja contínua e ininterrupta, que o mediador tenha participado em todas as tentativas e até à fase conclusiva do negócio: o efeito causal da obra do mediador pode de facto subsistir sem aquela continuidade e sem esta participação.[9]
6. Após todas estas considerações há agora que regressar ao caso “sub judice” de modo a apurar, face à factualidade dada como provada – e que se manteve inalterada – se entre a atividade da mediadora e a celebração do contrato de compra e venda se estabelece o necessário nexo de causalidade de que depende o seu direito à remuneração.
A autora e os réus celebraram em 26.1.2015 um contrato de mediação imobiliária, no âmbito do qual a mediadora (autora) se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir um destinatário para a compra do prédio misto pertencente aos réus.
Como já atrás se referiu, impendia sobre a autora uma obrigação de meios, devendo esta adotar a diligência devida, de forma a obter interessados na aquisição do imóvel, obrigação que foi cumprida através da publicitação da venda do imóvel no local, na rede de agências X..., na Revista do Fórum Imobiliário, na Internet, e também através de visitas que foram realizadas por interessados.
Se não há dúvidas que a obrigação de meios se mostra cumprida, daí não resulta, desde logo, que a autora tenha direito à remuneração. Para que tal ocorra, terá que se estabelecer um nexo de causalidade entre a concreta atividade da mediadora e o contrato de compra e venda depois celebrado.
E será que no caso dos autos esse nexo de causalidade se pode considerar verificado?
Deu-se como assente tão-só que a autora realizou visitas físicas ao imóvel a 15.2.2016 e 20.2.2016 com os interessados CC e DD e que estes, após a visita, conversaram com a autora sobre a possibilidade de ser celebrado um contrato de arrendamento com opção de compra relativamente ao imóvel – cfr. nºs 13 a) e 14.
O contrato de compra e venda viria a concretizar-se por escritura pública em 29.9.2017 – cfr. nº 16.
A nosso ver, esta matéria fáctica, na sua exiguidade, não permite considerar estabelecido aquele nexo de causalidade, até porque, conforme já se apontou, a atividade da mediadora deve fazer parte das causas próximas e imediatas da conclusão do negócio.
7. A realização de duas visitas com o intervalo de cinco dias e uma conversa sobre a possibilidade de celebração de um contrato de arrendamento com opção de compra, sem qualquer outra envolvência, são insuficientes para esse efeito.
É certo que no Acórdão do STJ de 1.4.2014 (proc. 894/14.4 TBGRD.C1.S1, relator Gabriel Catarino, disponível in www.dgsi.pt) se escreve, com apoio em MANUEL SALVADOR (“in “Contrato de Mediação”, págs. 98/99) que “…o mediador só adquiriu o seu direito à remuneração quando influiu directamente sobre a conclusão, mas não é necessário, por outro lado, que tenha cooperado no desenvolvimento das negociações, pelo que basta ter-se limitado (a indicar) o nome duma pessoa disposta a fazer determinado negócio”
Por seu turno, no Acórdão da Relação de Coimbra de 9.9.2014 (proc. 1421/12.1 TBTNV.C1, relator Carlos Moreira, disponível in www.dgsi.pt) afirma-se que “o nexo causal necessário à atribuição à mediadora do direito à comissão não exige que a sua atividade, com vista à consecução do negócio, seja contínua e ininterrupta, no sentido de que tenha participado em todas as tentativas até à sua fase conclusiva, antes sendo apenas necessário que ela indique a pessoa disposta a fazer o negócio e consiga a sua adesão à celebração deste.” Porém, neste caso em que a remuneração foi atribuída à mediadora provou-se, inclusive, que, com o objetivo da concretização do negócio, esta auxiliou no sentido da concessão de crédito às interessadas.
No Acórdão da Relação do Porto de 13.5.2014 (proc. 867/12.0 TBESP.P1, relatora Maria Amália Santos, disponível in www.dgsi.pt), citado nas alegações de recurso, considerou-se, face à envolvência do negócio, suficiente para a prova do nexo de causalidade a alegação e prova de que a mediadora fez uma visita ao imóvel com um cliente que angariou e que esse cliente veio pouco tempo depois a celebrar o contrato diretamente com o réu.
Sucede, contudo, que a factualidade apurada neste processo nenhum contacto tem com a destes autos, como manifestamente decorre desta passagem do respetivo acórdão:
“Esse nexo de causalidade resulta ainda da envolvência do negócio, demonstrada nos autos, traduzida na seguinte sequência de acontecimentos:
A A. fez uma visita ao imóvel com o interessado E… em 4.6.2010; em 20.07.2010 fez nova visita ao imóvel com F…, que, na mesma data apresentou proposta de compra por preço inferior ao previsto no contrato de mediação; entre 05.08.2010 e o final do mês de Agosto de 2010 o Réu aceitou a proposta de 350.000€; na sequência do acordo a que comprador e vendedor haviam chegado relativamente ao preço do imóvel, foi elaborado contrato-promessa de compra e venda; em 06.09.2010, o interessado F… dirigiu uma carta registada ao Réu para agendar a assinatura do contrato para 14.09.2010 pelas 18h nas instalações da A. em Espinho, não tendo o Réu comparecido nem indicado outra data que lhe fosse mais conveniente para o efeito.
Acontece que em 15.10.2010, ou seja, cerca de um mês depois, R. vendeu o mesmo imóvel ao interessado E…, pelo preço de 375.000€.
Ou seja, deduz-se da série de acontecimentos relatados que o R. se aproveitou das diligências encetadas pela A. para angariar interessados e da diligência em concreto levada a cabo com o interessado E… para lhe vender o imóvel por um preço superior ao que tinha aceite do outro interessado F… (também angariado pela A.), embora inferior ao pretendido inicialmente.”
Por outro lado, a Mmª Juíza “a quo”, na sentença recorrida, alude ao Acórdão da Relação de Lisboa de 22.10.2020 (proc. 8318/18.0 T8ALM.L1-2, relator Nelson Borges Carneiro, disponível in www.dgsi.pt.), onde, apontando-se para uma maior exigência quanto ao nexo de causalidade, se escreveu o seguinte:
“Para que a mediadora tenha direito à remuneração acordada não basta, no entanto, que o interessado com quem vem a ser celebrado o negócio a tenha contactado, tal como não basta que o tenha acompanhado numa visita ao imóvel, ainda que tenha sido esse contacto e essa visita que despoletaram, nesse terceiro, o interesse no negócio que, mais tarde, se veio a concretizar. Para que a mediadora tenha direito a tal remuneração será ainda necessário que tenha apresentado esse interessado ao seu cliente (ainda que seja pelo mero fornecimento da identificação das pessoas que a contactam e às quais proporciona uma visita ao imóvel) ou que, de qualquer forma, tenha potenciado ou facilitado o contacto entre ambos, promovendo a sua aproximação, já que é este o cerne da mediação e o conteúdo essencial da prestação a que se obrigou pelo contrato de mediação.”[10]
Constata-se assim que a nossa jurisprudência é algo fluída no que toca ao preenchimento do nexo de causalidade entre a atividade do mediador e o negócio ocorrido, imprescindível para a atribuição a este da respetiva remuneração.
8. De qualquer modo, o que sempre se mostra decisivo para o preenchimento desse nexo causal é a envolvência do negócio, a qual se terá de extrair da factualidade dada como assente.
Ora, o objetivo visado pelos réus com o contrato de mediação imobiliária era um contrato de compra e venda, mas o que efetivamente viria a ser equacionado em conversa entre a autora e os interessados MM e DD seria um arrendamento com opção de compra.
Esta conversa e as duas visitas ao imóvel por parte destes interessados, o que tudo ocorreu em fevereiro de 2016, mostram-se insuficientes para estabelecer um nexo de causalidade entre a atividade da autora e a posterior venda do imóvel que lhes foi efetuada pelos réus em Setembro de 2017.
Com efeito, nada de concreto se mostra feito pela autora com vista à venda do imóvel aos interessados e o que entre eles se conversou não foi no sentido da venda, mas sim do arrendamento com opção de compra.
Para além disso, importa ainda salientar que em novembro de 2016 os réus disseram a FF e LL, trabalhadores da Autora, que a situação já estava resolvida [nº 15] e que a venda do imóvel pelos réus aos interessados MM e DD se concretizou através de escritura pública em 29.9.2017 [nº 16].
Acontece que o pagamento da remuneração apenas viria a ser solicitado pela autora aos réus através de missiva datada de 15.7.2019 [nº 17], dilação temporal significativa que aponta, de forma clara, no sentido do desinteresse da autora relativamente à venda do imóvel dos autos.
De referir igualmente que o contrato de mediação imobiliária celebrado entre a autora e os réus não contém cláusula de exclusividade, o que, a verificar-se, facilitaria a tarefa da autora, porquanto “a existência de um contrato de mediação em regime de exclusividade autoriza a presunção (de facto) de que a atividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e terceiros, facilitando o negócio (ou seja, presunção de existência do nexo causal), sendo devida a remuneração.”[11]
Não existindo esta cláusula de exclusividade e atendo-nos à exígua factualidade que foi dada como provada, não há como considerar demonstrado o nexo de causalidade entre a atividade da mediadora e a conclusão do negócio.
Em bom rigor, o único facto relevante que se apurou é que os interessados visitaram o imóvel pertencente aos réus – e que posteriormente adquiriram - através da autora e em virtude da sua atividade de mediação.
Mas, com relevo, nada mais se apurou.
Não se provou, nomeadamente, que na sequência das duas visitas realizadas ao imóvel os interessados tenham apresentado alguma proposta visando a sua aquisição. Apenas foi mencionada a possibilidade de celebração de um contrato de arrendamento com opção de compra, o que não se compatibilizava com os interesses dos réus, nem com aquilo a que a autora se tinha vinculado, e que era a obtenção de um interessado na sua efetiva aquisição.
Também não se acha demonstrado que a autora tenha proporcionado, facilitado ou promovido algum contacto entre os réus e os compradores. Aliás, nem sequer se provou que nas duas visitas que os compradores realizaram ao imóvel, os réus estavam presentes.
Por conseguinte, com relevo, apenas se constata que, através da autora, foram realizadas duas visitas pelos compradores, mas não se apurou que tenha sido na sequência dessas visitas, ou por causa delas, que os interessados MM e DD adquiriram o imóvel.
E também o tempo decorrido entre a visita dos interessados ao imóvel e a celebração do negócio – superior a um ano e meio – embora só por si não seja suficiente para excluir a verificação do nexo causal entre os dois eventos, já conjugado com a apontada ausência de elementos factuais mais reforça a conclusão de que, no presente caso, não foi a atividade da autora que conduziu à celebração do contrato de compra e venda.
Deste modo, por não se considerar preenchido o necessário nexo de causalidade entre a atividade da mediadora e a celebração do contrato de compra e venda, não terá a autora direito à remuneração, razão pela qual improcede o recurso por esta interposto.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora “I..., Lda.” e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da autora/recorrente.

Porto, 22.3.2022
Rodrigues Pires
Márcia Portela
João Ramos Lopes
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[1] Cfr. LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, vol. 2º, 4ª ed., págs. 694/695.
[2] Cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 823 e 825.
[3] Apesar de não constarem do Citius visualizámos os documentos apresentados na sessão de 20.6.2021 em suporte físico.
[4] Que distingue entre obrigações de meios e obrigações de resultado.
[5] Cfr. HIGINA CASTELO, ob. cit., pág. 122.
[6] Aresto citado na decisão recorrida e do qual retirámos parte das referências doutrinais que vimos registando.
[7] Cfr. também o Ac. STJ de 17.6.2021, proc. 8373/19.5 T8LSB.L1.S1, relator Vieira e Cunha, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Apud Ac. STJ de 11.7.2019.
[9] Cfr. Acórdão do STJ de 1.4.2014, proc. 894/14.4 TBGRD.C1.S1, relator Gabriel Catarino, disponível in www.dgsi.pt (que se apoiou em MANUEL SALVADOR, “Contrato de Mediação”).
[10] Sucede que esta passagem, conforme se refere no acórdão, é extraída do Ac. Rel. Coimbra de 17.12.2014, proc. 242/11.3 TBNZR.C1, relatora Catarina Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Ac. STJ de 10.10.2002, proc. 02B2469, relator Moitinho de Almeida, disponível in www.dgsi-pt.