Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3624/21.9T8MTS.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: AÇÃO DE ANULAÇÃO
DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ATA DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
INOVAÇÃO
SEGURO OBRIGATÓRIO
Nº do Documento: RP202406043624/21.9T8MTS.P2
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não pode ser objeto de ação anulatória, uma deliberação de condóminos sem existência física (isto é, se da respetiva ata da assembleia não consta registada qualquer deliberação);
II - Do artigo 1429.º n.º 1 do Código Civil resulta, quanto ao seguro obrigatório de incêndio que abrange quer as frações autónomas, quer as partes comuns, que a obrigação de celebração do seguro em causa é uma obrigação, a título principal, de cada um dos condóminos, sendo, a obrigação do Condomínio uma obrigação de natureza supletiva;
III - Tal não obsta porém, a que os condóminos deliberem que o contrato de seguro coletivo seja celebrado pela administração de condomínio, incluindo-se a respetiva despesa no orçamento, desde que fique salvaguardada a possibilidade de cada condómino o poder fazer individualmente.
IV - A “inovação”, a que alude o artigo 1425.º nº 1 do Código Civil é um conceito jurídico e como conceito que é, carece de ser preenchido em face da factualidade provada.
V - A deliberação dos condóminos relativa à deslocalização de uma portaria para um outro local dentro do mesmo edifício, que implique a construção de uma estrutura, mesmo que seja amovível, implica que a deliberação seja aprovada por uma maioria qualificada, tal como exigido no n.º 1 do artigo 1425.º do Código Civil, sob pena de ser anulável ao abrigo do n.º 1 do artigo 1433.º do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3624/21.9T8MTS
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 2

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:

Fernando Vilares Ferreira (com declaração de voto de vencido)

Maria Eiró

SUMÁRIO:

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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

AA, com o NIF ...50, residente na Rua ..., ..., intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CONDOMÍNIO ..., com o NIPC ...31, com sede na Rua ..., ... Matosinhos, peticionando:

- A retificação do conteúdo da ata da reunião da Assembleia de Condóminos de 05/06/2021, por ser imprecisa ou contrária ao ocorrido na referida reunião;

- A declaração de inexistência, por serem anuláveis ou nulas, das deliberações tomadas no âmbito dos pontos 1, 3, 4, 5 e 7 da ordem de trabalhos, com a consequente ineficácia das mesmas em relação ao autor e demais condóminos;

- A identificação dos representantes da Administração do Condomínio;

- A declaração de inexistência de deliberação constante do ponto 9 da ordem de trabalhos.

Alegou para o efeito e em síntese que:

- Na referida reunião da Assembleia de Condóminos de 05/06/2021, não foi dada a possibilidade de verificação das procurações dos condóminos representados, nem tão pouco aquando da notificação da respetiva ata;

- Na referida reunião nada foi esclarecido a respeito da administração anterior a Setembro de 2020, nomeadamente quanto às despesas do Condomínio, quanto às contribuições de cada condómino que utiliza a energia para carregar o respetivo carro elétrico, quanto a sinistros ocorridos, quanto aos serviços de limpeza debitados e à respetiva faturação, pese embora as solicitações do autor e que, ao contrário do constante da ordem de trabalhos, a análise das contas relativas àquela administração limitou-se ao período compreendido entre 01/04/2019 e 14/09/2020. Pelo que, sustenta o autor, nada poderia ter sido deliberado no âmbito do ponto n.º 1 da ordem de trabalhos, devendo ser retificado o conteúdo da ata, naquela parte, em conformidade com tal conclusão;

- Das referidas contas parece resultar que foi utilizado o Fundo Comum de Reserva, sem autorização expressa da Assembleia de Condóminos;

- Ao contrário do constante na ata, as contas referentes ao período compreendido entre Outubro de 2020 a Dezembro de 2020 não foram aprovados pelo autor e, por conseguinte, não foram aprovadas por unanimidade, não se podendo sequer considerar prestadas, sendo inexistentes;

- Também quanto a estas contas não prestou a administração toda a informação necessária aos condóminos, devendo as mesmas ser dadas como não aprovadas;

- Da leitura da ata não é possível identificar quem assume a Administração do Condomínio, não se identificando as pessoas ou entidade que a constituem, o que configura uma irregularidade que cabe ser sanada;

- Quanto ao orçamento de despesas e receitas, os valores aí apostos mostram-se desajustados, omite as declarações expressas pelo autor e não discrimina as quotizações das garagens e das habitações;

- Quanto ao seguro coletivo deliberado no ponto 5 da ordem de trabalhos, na parte em que o mesmo abrange as frações autónomas não pode ser incluído como despesa de orçamento, nem podendo tal despesa ser imposta aos condóminos, violando o disposto no artigo 1429.º do Código Civil e o artigo 29.º n.ºs 5 a 7 do Regulamento do Condomínio;

- Quanto à alteração da portaria, a mesma, constituindo uma inovação, não foi aprovada pela maioria qualificada dos condóminos exigida no artigo 1425.º n.º 1 do Código Civil; e

- Quanto à colocação e renovação do espelho de água, apreciada no ponto 9 da ordem de trabalhos, nada tendo sido deliberado, carecia a mesma de ser aprovada por maioria qualificada dos condóminos, dado tratar-se de inovação ou alteração estética.

- A omissão das informações solicitadas pelo autor viola a obrigação de informação que vincula a Administração do Condomínio.

Contestou o Réu, apresentando defesa por exceção, tendo invocado a exceção da dilatória da ilegitimidade passiva e por impugnação.

Foi proferido despacho saneador, que julgou procedente a exceção dilatória invocada, tendo, porém o Tribunal da Relação do Porto revogado aquela a decisão, determinando a prossecução dos autos.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, finda a qual, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:

1. Declara-se anulada a deliberação tomada no âmbito do ponto 5 da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos realizada a 05/06/2021, apenas na parte em que corresponde à aprovação de uma quota sobre todos os condóminos para pagamento do seguro coletivo do edifício.

2. Declara-se anulada a deliberação tomada no âmbito do ponto 7 da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos realizada a 05/06/2021, consistente na aprovação da “alteração da localização da portaria”.

3. Absolve-se o réu dos demais pedidos formulados pelo autor.

4. Condenam-se o autor e o réu no pagamento das custas processuais na proporção dos respetivos decaimentos, fixando-se em 75% a responsabilidade do autor e em 25% a responsabilidade do réu.

Inconformado, o Autor, AA, veio interpor recurso da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. O Mmo. Juiz “a quo” julgou, em nossa opinião, incorretamente a matéria de facto e de direito alegada nos presentes autos, no que ao ponto 1 e 3 das deliberações da Ata diz respeito.

2. Relativamente à prestação de contas, quanto ao 1 da convocatória e apreciado na Assembleia de 05.06.2021, cujas deliberações foram nestes autos impugnada, relativamente às contas até Setembro de 2020, havia de facto uma intenção expressa na convocatória e na Assembleia de apresentar, analisar e deliberar aquelas contas.

3. Nomeadamente porque foi reconhecido no texto da Ata que havia correções a fazer, como valores em dívida, acertos de dívidas a fornecedores e ainda valores que não deveriam classificar como receita, como por exemplo valores recebidos pelo seguro (Cfr. pág 2 da Ata da Assembleia nº 2 de 2021 de 05.06.2021, junta aos autos com a PI) e que resulta também do depoimento prestado pela testemunha BB.

4. Assim, se as contas anteriores estavam incorretas, nomeadamente quanto a valores em dívida (de Condóminos e de Fornecedores) e valores classificados como receita, nunca poderiam prosseguir para o ponto 3 da convocatória que estava necessariamente intrinsecamente ligado a estes valores, por decorrer dos mesmos.

5. Outra conclusão não pode existir que as contas apresentadas no ponto 3 não estavam corretas, padeciam de um vício insanável que exigia ser regularizado para conseguir identificar os movimentos em falta e assim validar corretamente os valores a apresentar.

6. É de aplicar às deliberações aprovadas em Assembleia de condóminos, com as necessárias adaptações, o princípio geral consagrado no artigo 62º do Código das Sociedades Comerciais, com base no qual as deliberações que sofram de vícios formais de procedimento podem ser renovadas, corrigindo a nova deliberação o vício ocorrido.

7. Ora, dos depoimentos prestados quer pela testemunha BB, quer pela parte CC, resulta que havia preocupação quanto às contas anteriores e havia sido inclusivamente ponderada uma Auditoria, o que aliás, conforme supra se descreveu, resultou da própria Ata, dadas as divergências de saldos e receitas reconhecidas.

8. Salvo o devido respeito por opinião diversa, se os saldos das contas não refletem a imagem verdadeira e apropriada, é necessário proceder aos ajustamentos ou correções de erros nas demonstrações financeiras, por forma a clarificar as razões que levaram às divergências detetadas, para garantia da transparência da atividade financeira do Condomínio e que de outra forma, impede os Condóminos de deliberar consciente e validamente.

9. Existe, assim, uma impossibilidade de analisar e deliberar contas (ponto nº 3) considerando o desconhecimento das anteriores, nomeadamente porque o relatório apresentado não permite conhecer os elementos essenciais. Sem tal correção, as contas que resultam do ponto 3 baseiam-se numa informação falsa, orientando indevidamente para informações incompletas ou incorretas, induzindo os condóminos a conclusões erróneas.

10. As contas apresentadas têm que ser verdadeiras e coincidentes com a situação patrimonial, financeira e económica do Condomínio e no caso em apreço não o são.

11. Pelo que, a prestação de contas do ponto 3 está irremediavelmente inquinada pela falta de correção das contas do ponto 1, o que nos remete para o previsto no artigo 69º nº 1 e 2 do CSC quanto à invalidade da deliberação.

 12. É pelo supra exposto que, a decisão do Mmo. Juiz “a quo”, salvo melhor opinião devia ter sido outra e consequentemente considerar aquela deliberação anulável, fosse pelo não cumprimento das regras relativas à prestação de contas, designadamente fiabilidade e veracidade dos valores apresentados, fosse pela irregularidade das mesmas.

13. E, como consequência, deviam considerar-se aquelas contas como não prestadas e necessária a sua apresentação, análise e deliberação, garantindo a correção dos valores, determinando um prazo para o efeito.

14. Quanto ao Fundo comum de reserva, da análise do exercício surge como receitas do orçamento 57.667,95€, contudo do valor total gasto surge o valor de 103.101,61€, ou seja, se não havia receitas de orçamento, como se constata da análise dos documentos juntos à Ata cujas deliberações foram impugnadas, só podem ter sido pagas com a utilização do Fundo comum de reserva (Cfr. Análise do Exercício de 01-10-2023 a 31-12-2020).

15. Ora, se havia um orçamento previsto de 72.165,67€ que se refere às quotas recebidas dos Condóminos e foi pago 103.101,61€ aos fornecedores, há uma diferença de, pelo menos, 30.827,31€. Este desvio só pode resultar da utilização do Fundo de reserva, já que o Condomínio não tem outras fontes de rendimento, apenas as quotas dos Condóminos e o Fundo de reserva.

16. Conforme resulta do artigo 4º do DL 268/94 de 25.10 utilização do Fundo Comum de Reserva para fim diferente do que está previsto e sem a autorização da Assembleia, é suscetível de dar lugar à nulidade da deliberação impugnada.

17. Com as habituais e necessárias adaptações, recorrendo mais uma vez ao Código das Sociedades Comerciais, a prestação de contas que resulta do ponto 3 está irremediavelmente inquinada pela falta de correção das contas do ponto 1, no entanto, nos termos do previsto no artigo 69º nº 3 do CSC quanto à invalidade das deliberações, refere aquele dispositivo legal que é nula a utilização do fundo comum de reserva por violação dos preceitos legais.

18. Assim, também neste ponto, a decisão do Mmo. Juiz “a quo” quanto à matéria de facto devia ter sido outra e consequentemente considerar aquela deliberação em virtude da utilização indevida do Fundo Comum de reserva nula.

19. Deve considerar-se aquelas contas como não prestadas e sem nenhum efeito.

Termos em que Deve ser revogado a douta sentença recorrida, no que aos pontos 1 e 3 da deliberação diz respeito.”

Nas suas alegações de recurso, o Autor suscitou ainda a seguinte questão prévia:Não foi possível ao A./ Recorrente dar cumprimento ao artigo 640º nº 1 c) e nº 2 a) do CPC, uma vez que apesar de ter requerido a disponibilização das gravações dos depoimentos prestados na sessão de Audiência de Julgamento, a 05.03.2024, as mesmas encontram-se inacessíveis conforme comprovativo que se anexa.

Pelo exposto, requer que após as referidas sessões serem disponibilizadas ao Autor/Recorrente lhe seja dado prazo razoável para que o mesmo possa completar as suas alegações de Recurso, no que à matéria de facto diz respeito e poder cumprir com o ónus que resulta do artigo 640º do CPC.”

 Também o Réu CONDOMÍNIO ..., veio interpor recurso de Apelação, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“I- A sentença decidiu julgar parcialmente procedente a ação apresentada pelo Recorrido, tendo declarado anulado as deliberações tomadas nos pontos 5 e 7 da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos realizada a 05-06-2021, relativa à aprovação da quota sobre todos os condóminos para pagamento do seguro coletivo de edifício e à aprovação da alteração da localização da portaria, absolvendo a aqui Recorrente dos demais pedidos formulados pelo Autor.

II- O presente Recurso versa sobre matéria de Facto e de Direito, nos termos infra consignados, incidindo sobre a Sentença proferida, concretamente na parte em que foi julgada procedente a ação apresentada pelo Recorrido. Ora,

III- o presente Recurso resulta do maior inconformismo por parte do Recorrente face à Sentença proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que esta é desajustada face aos normativos legais aplicáveis in casu, sem quebra do sempre devido respeito. De facto,

IV- No âmbito da decisão proferida, da qual diametralmente se discorda e de que, portanto, se recorre, desconsiderou o Tribunal a quo, por completo, o requerimento probatório apresentado quer pelo Recorrente, quer pelo Recorrido, pelo que não tomou em consideração a produção de elementos probatório essenciais para a composição definitiva do litígio.

V- Efetivamente, na ótica do Recorrente, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento da matéria de Facto e de Direito ao declarar a procedência parcial da ação nos termos sustentados pelo Recorrido, o que motiva o presente Recurso.

DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

A) DO SEGURO COLETIVO

VI- Relativamente ao seguro contra incêndios coletivo do edifício, entendeu o Tribunal a quo dizer que: “Já no que toca ao seguro, a questão afigura-se-nos ser mais discutível. (…) O que nos parece mais discutível (ainda que se compreenda o seu sentido pragmático, num prédio com a dimensão do Condomínio réu) é a inclusão deste seguro no orçamento como uma despesa com a aquisição de um serviço ou, pelo menos, a sua inclusão no orçamento em termos que recaiam indistintamente sobre todos os condóminos, sem salvaguardar aqueles que, de forma diligente, cuidaram de o fazer individual e voluntariamente.

É que, quer do artigo 1429.º n.º 1 do Código Civil, quanto ao seguro obrigatório de incêndio, quer do artigo 29.º do Regulamento do Condomínio, decorre que a obrigação de celebração do seguro em causa é uma obrigação, a título principal, de cada um dos condóminos, sendo, aqui, a obrigação do Condomínio uma obrigação de natureza supletiva (a ratio das normas parece ser a de que o Condomínio deve suprir a inércia dos condóminos inadimplentes – seja dos que não celebraram o contrato de seguro, seja dos que, tendo-o celebrado, não comunicaram tempestivamente a sua celebração à administração do Condomínio –, substituindo-se a estes, já não aos que cumpriram com a sua obrigação legal e regulamentar).

Pelo que não nos parece admissível que o Condomínio possa imputar aquela verba, indistintamente, a todos os condóminos – ainda que em razão da respetiva permilagem –, desconsiderando aqueles que cumprem a sua obrigação e que, com aquela solução, se mostram penalizados por suportarem duplamente um mesmo encargo

Nessa estrita parte, a deliberação aprovada no ponto 5 da ordem de trabalhos, parece-nos ser anulável, ao abrigo do artigo 1433.º n.º 1 do Código Civil, com os efeitos previstos no artigo 289.º do Código Civil, ainda que, aqui, limitados ao pedido formulado pelo autor, face ao disposto no artigo 609.º n.º 1 do Código de Processo Civil.” (ênfase nosso).

VII- O artigo 1429.º do Código Civil (doravante CC) expõe o seguinte:

“1 - É obrigatório o seguro contra o risco de incêndio do edifício, quer quanto às frações autónomas, quer relativamente às partes comuns.

2 - O seguro deve ser celebrado pelos condóminos; o administrador deve, no entanto, efetuá-lo quando os condóminos o não hajam feito dentro do prazo e pelo valor que, para o efeito, tenha sido fixado em assembleia; nesse caso, ficará com o direito de reaver deles o respetivo prémio.”

VIII- Como é reconhecido pelo próprio Tribunal a quo, o prédio administrado pelo Condomínio Réu tem uma dimensão considerável.

Por sua vez,

IX- Nos termos do artigo 1436.º n.º 1 alínea c) do CC:

“1 - São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:

(…) c) Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro;”

X- A expressão de condóminos que aderem ao seguro individual e/ou que fazem prova do mesmo é particamente inexistente

XI- Este facto implicava, todos os anos, que o condomínio fosse obrigado a aderir a um seguro individual para cada uma das frações, em substituição desses proprietários.

XII- Para ultrapassar este enorme problema que se desenrolava há anos, foi proposta a possibilidade do Condomínio, para além de efetuar um seguro de incêndio para as partes comuns, efetuasse também um seguro para as frações faltosas.

XIII- Seguro coletivo este que abrangesse a totalidade do prédio, não só quanto a incêndios, mas que também contemplasse outras coberturas.

XIV- Todos os condóminos presentes e representados concordaram, pois era a opção mais sensata e segura para todos os moradores do edifício.

XV- A contratação de um seguro coletivo multirriscos para este edifício, revela-se fundamental, já que existe um grande número de sinistros, quer provenientes das áreas comuns, quer das frações.

XVI- O facto de terem de ser acionados muitos seguros em caso de sinistro, além de atrasar todo o processo, ainda coloca em causa dialogar com muitas seguradoras, o que faz com que a assunção da culpa se disperse.

XVII- Para não falar dos montantes das franquias que individualmente cada um tinha de suportar junto da seguradora.

XVIII- Não seria viável a tomada de centenas de seguros individualmente. Deste modo,

XIX- Conforme o Regulamento De Condomínio, no seu artigo 29.º, está prevista a adesão a um seguro para as áreas comuns e para as áreas privadas, “O seguro coletivo do Edifício é obrigatório e deverá segurar quer as zonas comuns quer as partes privadas” – cfr. o Doc. 3 junto com a Contestação. Nestes termos,

XX- A este respeito vide Acórdão da Relação de Lisboa, de 06.05.2003, Proc. 8609/2003-7:

“1. A interpretação extensiva só é possível quando o intérprete conclua pela certeza de que o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia.

2. Só é obrigatório o seguro da totalidade do prédio contra o risco de incêndio, não podendo qualquer dos condóminos eximir-se à sua efetivação ou escusar-se ao pagamento dos respetivos encargos.

3. Mas o seguro contra qualquer outro risco de destruição ou danificação do edifício é facultativo, podendo o mesmo incidir sobre a totalidade do prédio, mediante deliberação dos condóminos, nos termos do art. 1432º, nº 3, do CC, e podendo qualquer condómino efetuá-lo, embora restrito à sua fração autónoma.” (ênfase nosso).

XXI- Não se compreende, com o devido respeito, a decisão plasmada na Sentença por parte do Tribunal a quo, uma vez que foi deliberada pelos condóminos a adesão a um seguro para as áreas comuns e para as áreas privadas, obrigação esta inscrita, também, no Regulamento do Condomínio.

XXII- Apesar de esta ser uma obrigação supletiva, conforme o Tribunal a quo mencionou, por razões de praticabilidade e de economia conjunta do prédio, a adesão a este seguro coletivo foi deliberada pelos condóminos!

B) DA DESLOCALIZAÇÃO DA PORTARIA

XXIII- Relativamente à deslocalização da portaria, entendeu o Tribunal a quo dizer que: “independentemente de estarmos perante uma relocalização da portaria ou de um acrescento, independentemente de ter ou não natureza amovível, mas tendencialmente estável, cremos que a construção implícita à deliberação impugnada importa a introdução de uma nova estrutura ao prédio que visa a melhoria da segurança e comodidade do prédio, ideia que se ajusta, com precisão, ao conceito enunciado da inovação do n.º 1 do artigo 1425.º do Código Civil.

Nesse sentido, tal deliberação carecia de ser aprovada por uma dupla maioria de pessoas e de capital: maioria absoluta de condóminos (50% + 1) e que os mesmos representem, pelo menos, 2/3 do valor total do prédio.

A ausência desta maioria qualificada, como se viu, não é suscetível de ser suprida por recurso ao artigo 1432.º n.ºs 6 a 12 do Código Civil.

Pelo que, inobservando a deliberação impugnada a maioria qualificada exigida no n.º 1 do artigo 1425.º do Código Civil, a mesma é anulável ao abrigo do n.º 1 do artigo 1433.º do mesmo diploma, também aqui com os efeitos previstos no artigo 289.º do Código Civil, limitados ao pedido formulado pelo autor, face ao disposto no artigo 609.º n.º 1 do Código de Processo Civil.” (ênfase nosso). Vejamos,

XXIV- O artigo 1425.º n.º 1 do CC explica que:

“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.” Por sua vez,

XXV- O artigo 1432.º n.º 6 e 7 do CC indica que:

“(…) 6 - Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio.

7 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, se estiverem reunidas as condições para garantir a presença, no próprio dia, de condóminos que representem um quarto do valor total do prédio, a convocatória pode ser feita para trinta minutos depois, no mesmo local.” Ora,

 XXVI- Contrariamente à conclusão retirada pelo Tribunal a quo, a aqui Recorrente entende que a deslocalização da portaria não consiste numa inovação.

XXVII- ISTO PORQUE, Relativamente ao conceito de inovação, defende o douto Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 15 de dezembro de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 5133/09.5TBOER.L1-8, em que é Relatora Ana Luísa Geraldes:

“I - Em matéria de “obras novas” realizadas pelos condóminos o legislador optou por não definir o que são obras “inovadoras” nem consagrar na lei o que deve entender-se por inovação.

II - Deixando, e bem, esse papel para a jurisprudência, que deverá, caso a caso, enquadrar no referido conceito as obras que os condóminos realizarem e que, em face do caso concreto e das circunstâncias fácticas apuradas, possam ser consideradas como tal.

III - Se atentarmos no próprio significado etimológico da expressão, concluímos que “inovar” é nada mais, nada menos, do que “criar”, “fazer algo de novo”, “trazer algo de novo” àquilo que está. Portanto, obras inovadoras serão aquelas que trazem algo de novo ao que está, algo de “criativo”, introduzindo uma “novidade”, ou seja, algo diferente daquilo que está.” (ênfase nosso).

XXVIII- Também no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 1986/08.2TVLSB.L1-7, datado de 20 de junho de 2017, o Tribunal entendeu que:

“I - O conceito jurídico de inovação no âmbito do regime da propriedade horizontal, em especial quanto à exigência de maioria qualificada de condóminos para a sua aprovação, prende-se essencialmente com as situações em que se verifique a modificação na substância ou na forma da coisa comum, ou ainda no seu destino ou afetação específica.” (ênfase nosso).

XXIX- Por último, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo n.º 6868/18.7T8BRG.G1, datado de 16 de setembro de 2021, o tribunal entendeu que:

“I- A proibição de obras que constituam inovações é imposta por razões de ordem pública – como a segurança e a estabilidade dos edifícios, tendo em vista o fim e a utilidade económica a que se destinam – e também por razões de proteção da propriedade, de interesses privados, porquanto a realização de tais obras projetam-se na esfera dos restantes condóminos.

II- É acolhido um conceito amplo de inovação, abarcando quer as alterações de substância e forma da parte comum, quer o seu destino ou afetação, tal como decorrem do título de constituição da propriedade horizontal e da lei.

III- Já não poderão ser qualificadas como tal as obras que são necessárias para assegurar o gozo das frações autónomas pelos seus proprietários e não prejudicam os demais condóminos ou, não o sendo, igualmente não envolvam prejuízos para estes.” (ênfase nosso).Ora,

XXX- A portaria já existia no edifício, não se tratava de uma nova obra!

XXXI- Ao longo dos últimos anos têm existido muitas queixas por parte dos moradores do edifício relativamente a assaltos e entrada de pessoas estranhas ao edifício para usufruírem de serviços comuns.

XXXII- A portaria está localizada na extrema ponta norte do edifício, sendo que a entrada pedonal do edifício se faz pelo portão que se situa a meio do edifício. – cfr. Doc.5 junto na Contestação. Ora,

XXXIII- a portaria encontra-se bastante escondida e os porteiros que se encontram no seu interior, pouco ou nada conseguem controlar.

XXXIV- Por razões de segurança, foi pedido por muitos moradores ao longos destes anos, que deveria ser construído algum abrigo, no centro do edifício para que os porteiros tivessem acesso a todas as entradas e saídas.

XXXV- Note-se que, não obstante os porteiros e a portaria estar localizada ao lado da entrada da garagem, os assaltos à mesma eram muito recorrentes, daí a necessidade, por parte de todos os moradores, em existir uma mudança da localização da portaria.

XXXVI- a maioria dos condóminos concordou em que para além de se controlarem os acessos através de comandos e matrículas, a portaria deveria ser deslocada para um local central. Mais,

XXXVII- A deliberação constante no ponto 6 da ata de 2019, onde os condóminos concordaram com A EXTENSÃO da portaria nunca foi impugnada pelo autor!

XXXVIII- O facto deste assunto ter sido novamente levado a Assembleia de Condóminos prendeu-se com uma questão de custos, nos termos em que foi questionado aos condóminos se estes queriam avançar com esta antiga deliberação. Razão pela qual,

XXXIX- não se entende que sobre esta matéria estejamos no campo das inovações.

XL- Até porque a estrutura da portaria é amovível,

XLI- e a localização da mesma apenas irá beneficiar a gestão de entrada e de pessoas no edifício, aumentando em muito a segurança do mesmo.

XLII- Não se enquadrando no espírito das inovações que o legislador quis incluir na redação dos seus artigos. Aliás,

XLIII- O arquiteto DD, autor do edifício em questão, foi consultado e, no âmbito das suas declarações, expos que, no seu entendimento, o projeto de alteração da portaria não consubstancia uma obra nova ou inovação e não implica uma alteração da linha arquitetónica do edifício, conforme foi dado como provado no ponto 47 dos Factos Provados. Ora,

XLIV- Se o arquiteto da obra não acredita que estejamos perante uma inovação, e se a portaria em causa só foi alterada de local por questões de segurança e por necessidades meteorológicas, tudo no âmbito de uma deliberação que só tinha como escopo uma mera questão de custos – uma vez que só foi perguntado aos condóminos se queriam avançar com uma deliberação antiga – então não se consegue conceber como é que o Tribunal a quo considerou esta mera deslocalização como uma inovação, anulando, portanto, a deliberação em causa. Mas mais,

XLV- Diga-se já, que salvo o devido respeito, a mencionada Sentença não fez uma correta apreciação da prova produzida e discussão da causa, o que resultou na incorreta fixação da matéria de facto dada como assente/provada e não provada. Senão vejamos,

XLVI- Relativamente à deslocalização da portaria, entendeu o Tribunal a quo que resultaram provados os factos 36 a 47. Ora,

XLVII- Crucialmente, o que não se encontra dado como provado pelo Tribunal a quo, é precisamente se a estrutura da portaria é uma inovação.

XLVIII- Sobre o assunto, como já foi supramencionado, o Tribunal entendeu que este o preceito plasmado no artigo 1425.º n.º 1 do CC, “corresponde a um conceito jurídico, não ficando o julgador adstrito à qualificação que dele seja feito pelas partes ou por terceiros”.

XLIX- No entanto, o preenchimento deste conceito deve partir de uma base sólida, que quem tenha conhecimento da obra, nomeadamente das testemunhas que vivem no prédio em questão, e do arquiteto que desenhou o mesmo.

L- Se o Tribunal se limita a dar o seu entendimento sem qualquer apoio para a sua posição, sem averiguar a obra no local, e sem atender ao testemunho de todas as testemunhas, este não é um entendimento correto, salvo devido respeito. De facto,

LI- A Sentença em crise incorre num erro de apreciação da prova ao entender que a portaria não constitui uma inovação.

LII- Compulsando todos os depoimentos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento, também não se compreende como pode o Tribunal fundamentar a sua decisão, nos termos em que o fez, quanto à matéria provada.

LIII- Ao ouvirmos e analisarmos os depoimentos de parte e os depoimentos das testemunhas arroladas verificamos que nenhuma acredita tratar-se de uma inovação. Aliás,

 LIV- facilmente se conclui pelos depoimentos de parte do EE, do CC e do FF, assim como da testemunha BB, que afirmaram todos entender ser uma estrutura amovível e uma extensão da portaria já existente, não se tratando, por isso, de uma inovação. Destarte,

LV- ao analisarmos todos os depoimentos verificamos que a portaria não é uma inovação, é uma mera estrutura amovível que deve ser entendido como uma extensão da portaria já existente, por razões de segurança e praticabilidade.

Concluindo,

LVI- a sentença deveria ter dado como provado que a portaria não era uma inovação. Pelo que,

LVII- deve o presente recurso de apelação ser considerado procedente.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o Recurso ser julgado procedente, nos termos expostos, e revogada a Sentença recorrida, quanto aos pontos 1 e 2, com o que V. Exas. farão uma sã JUSTIÇA!”

Não foram juntas contra-alegações.

Mediante requerimento de 15/04/2024 (ref. 38755680), o  Autor veio, após lhe terem sido disponibilizadas as gravações, juntar aos autos “alegações de recurso finais”.

Foi porém,  proferido despacho que não as admitiu nestes termos: “ Em consequência, por extemporâneo, não se admite o requerimento de 15/04/2024, com as alegações de recurso complementadas com as menções a que alude a alínea c) do n.º 1 e a alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil”.

Os Recursos do autor e do Réu foram admitidos como APELAÇÃO  (artigo 644.º n.º 1 alínea a) do CPC), com subida nos próprios autos (artigo 645.º n.º 1 alínea a) do CPC), de imediato (artigo 644.º n.ºs 3e 4 do CPC a contrario) e com efeito meramente devolutivo (artigo 647.º n.º 1 do CPC).

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-OBJETO DOS RECURSOS:

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

As questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões dos recursos são as seguintes:

Recurso do Autor:

-modificação da matéria de facto;

-saber se ocorre erro de julgamento quanto à deliberação sobre o ponto 1 da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos;

-saber se a deliberação dos condóminos que aprovou o ponto 3 deve ser anulada, por existir uma impossibilidade de analisar e deliberar as contas, considerando o desconhecimento das anteriores e por ter havido uma utilização do Fundo Comum de Reserva para fim diferente do que está previsto, por força do disposto no artigo 62º do Código das Sociedades Comerciais.

Recurso do Réu:

-saber se deve ser mantida a deliberação da assembleia geral de condóminos relativa aos pontos 5 e 7 da ordem de trabalhos, relacionadas com a aprovação da quota sobre todos os condóminos para pagamento do seguro coletivo de edifício e à aprovação da alteração da localização da portaria.

III - FUNDAMENTAÇÃO:

Com relevância para a decisão de mérito da causa, foram julgados provados os seguintes factos:

1. Encontram-se registadas a favor do autor a aquisição das frações identificadas pelas letras JP e ME do prédio, sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos com o n.º ...23 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...23.º da União das Freguesias ... e ... (anterior artigo ...25.º da extinta freguesia ...), correspondentes a 4,35º/oo e 0,32º/oo do total do edifício.

2. Através de convocatória, foram os condóminos daquele prédio convocados para uma reunião da Assembleia de Condóminos a realizar no dia 5 de Junho de 2021, pelas 15h00m, no jardim do Edifício.

3. A referida reunião tinha a seguinte ordem de trabalhos:

1.º) Apresentação, análise e deliberação das contas do exercício da anterior administração (A...), até Setembro de 2020;

2.º) Apresentação, análise e deliberação, do relatório técnico relativamente ao estado do edifício, quando a atual administração tomou posse e, caso necessário, deliberar poderes para a atual administração, intentar o respetivo processo judicial;

3.º) Apresentação, análise e deliberação, das contas da atual administração, de Outubro de 2020 a Dezembro 2020;

4.º) Deliberação sobre a recondução da atual administração, até Dezembro de 2021;

5.º) Apresentação, análise e deliberação do orçamento de despesas e receitas para o exercício de 2021, englobando seguro coletivo, tal como o atual regulamento de condomínio obriga;

6.º) Apresentação, análise e deliberação, de pontos e cláusulas ao atual regulamento de condomínio por sugestão da atual administração;

7.º) Deliberação sobre alteração da localização da portaria;

8.º) Deliberação, sobre a requalificação da zona “antiga casa modelo”;

9.º) Deliberação sobre a qualificação do “Espelho de água”;

10.º) Apresentação, análise e deliberação do projeto de carregamento de viaturas;

11.º) Outros assuntos do interesse geral.

4. No referido dia 5 de Junho de 2021, ocorreu, no jardim do Edifício, a reunião da Assembleia de Condóminos convocada.

5. A ata lavrada da referida reunião foi lida a todos os condóminos presentes no final da Assembleia, estando o autor presente no ato.

6. No final da reunião, o vento que se fez sentir durante a tarde, que nesse dia estavam muito fortes, favoreceram que os condóminos rapidamente se quisessem abrigar do vento e retornar às suas casas.

7. Por esse motivo, após ter sido lida a ata n.º 2 de 2021, todos os condóminos concordaram em passar, depois, na portaria e assinar a mesma, com mais calma.

8. Até porque as folhas voavam e as pessoas dificilmente conseguiam assinar a ata.

9. O autor não se opôs ao procedimento.

10. A ata foi, ainda, enviada para todos os condóminos por carta, quer para os presentes, quer para os ausentes.

11. A carta com cópia da ata de tal Assembleia foi recebida pelo autor a 21 de Junho de 2021.

12. No dia e hora agendada para a realização da reunião da Assembleia de Condóminos do CONDOMÍNIO ..., o presidente da mesa, BB, confirmou e validou as procurações apresentadas e verificou a presença dos condóminos, contabilizando um quórum de 27,41% do valor do edifício.

13. No âmbito do ponto 1 da ordem de trabalhos, o autor questionou a classificação das receitas e despesas do Condomínio e os seus montantes, por não se considerar bem esclarecido em relação às contas da Administração do Condomínio que esteve em funções até Agosto de 2020, tendo o mesmo feito exarar em ata que “continua a não ver respondidas as suas questões”.

14. O presidente da mesa da Assembleia de Condóminos respondeu às questões formuladas pelo autor, tendo para tal consultado os relatórios e informou o ativo e o passivo à data da mudança da administração.

15. O presidente da mesa informou que existiam algumas correções a fazer, como a identificação dos proprietários e dos respetivos valores em dívida, acerto de dívidas a fornecedores e valores que não deveriam ter sido classificados como receita, como o valor recebido do seguro.

16. As contas da Administração do Condomínio que esteve em funções até Agosto de 2020 foram apresentadas na reunião da Assembleia de Condóminos de 14/09/2020, como primeiro ponto da ordem de trabalhos, tendo aí sido deliberado: “No primeiro ponto da ordem de trabalhos foi aprovado por maioria, com um voto contra da fração GV”.

17. Tal foi explicado a todos os condóminos presentes na reunião de 05/06/2021, no início deste ponto, bem como a razão do mesmo constar da ordem de trabalhos, o que se deveu ao facto das mesmas se reportarem a um período em que o Condomínio foi gerido por uma administração externa ao prédio, nomeadamente, através da empresa A....

18. A atual administração entendeu que a propositura de uma ação de prestação de contas sairia mais custosa e não teria proveitos práticos e económicos para o Condomínio.

19. No âmbito do ponto 3 da ordem de trabalhos, a respeito das contas relativas ao período compreendido entre Setembro de 2020 e 31 de Dezembro de 2020, o autor questionou a relação do ativo e do passivo a 31/12/2020 e a 05/06/2021, tendo sido respondido que todos os condóminos receberiam a relação do património do Condomínio, apesar do mesmo ter sido enviado por link.

20. Nessa sequência, o autor referiu que, no link, a administração, em conjunto com o CDC, apresentou que o ativo era de 193.418,39 Euros e que desejava que o passivo constasse também em documento anexo à ata da reunião, bem como que fosse distribuída uma evidência daquele número.

21. As contas referentes ao período compreendido entre Setembro de 2020 e 31 de Dezembro de 2020, foram aprovadas por unanimidade, sem abstenções, tendo o autor proferido declaração de voto no sentido de que aprovava as contas em conformidade com os números apresentados na reunião da Assembleia de Condóminos em causa

22. No âmbito do ponto 4 da ordem de trabalhos, “deliberação sobre a recondução da atual administração, até Dezembro de 2021”, fez-se constar da ata elaborada da reunião de 05/06/2021 que:

«O ponto 4 foi aprovado por unanimidade, sem abstenções com a declaração de voto por parte da fração JP e ME com a expectativa que sejam criados mecanismos de comunicação com a administração, que haja resposta aos condóminos, “sem sentimento de favor”, e que seja cumprindo o orçamento.”.

23. Na ata n.º 1 de 2020, referente à reunião da Assembleia de Condóminos de 14/09/2020, consta, no ponto 2 da ordem de trabalhos, que:

“(…) No ponto dois da ordem de trabalhos, foi apresentada uma única candidatura, de um grupo de condóminos designado por Projeto ...1, a seguir identificados: CC, NIF ...95..., GG, NIF ...02..., HH, NIF ...31..., II, NIF ...04..., JJ, NIF ...20..., FF, NIF ...12..., KK, NIF ...94..., LL, NIF ...69..., MM, NIF ...50 e EE, NIF ...60. (…)

A eleição da nova administração foi colocada à votação, tendo a mesma sido aprovada, com 2 votos contra, das frações FV e FX, e 3 abstenções, das frações JS, AT e GV. (…)”.

24. No âmbito do ponto 5 da ordem de trabalhos, foi explicado que o orçamento apresentado respeito ao Condomínio e que só os proprietários das frações habitação podem usufruir das zonas de lazer, jardim, health-club, campos de ténis, piscina e que os proprietários das frações de estacionamento deixam de poder usufruir e comparticipar, prevendo-se uma alteração de quotas em consequência.

25. Levado à votação, o orçamento de despesas e receitas foi aprovado por maioria de todos os presentes, sem abstenções e com o voto contra do autor.

26. A administração enviou a todos os condóminos e juntou em ata a “simulação do exercício orçamento 2021”.

27. Foi explicado aos Condóminos presentes que o seguro coletivo incluiria as partes comuns e as partes individuais de cada condómino.

28. O prédio do Condomínio réu tem 317 frações, distribuídas por 24 pisos.

29. Em data não concretamente apurada, foi proposto por um número não concretamente apurado de condóminos a celebração, pelo Condomínio, além de um seguro de incêndio para as partes comuns e para as frações faltosas, de um seguro coletivo que abrangesse a totalidade do prédio – áreas comuns e frações autónomas –, não só quanto a incêndios, mas também que contemplasse outras coberturas.

30. Todos os condóminos disseram que sim ou, pelo menos, não se manifestaram contra.

31. O referido seguro foi incluído no orçamento de despesas e receita aprovado como uma despesa com a aquisição de um serviço.

32. A adesão ao seguro coletivo nos termos propostos não se refletiu no aumento das quotas de orçamento, já que as mesmas até viram o seu valor reduzido.

33. Consta do artigo 29.º do Regulamento do Condomínio, sob a epígrafe “Seguros”, que:

«(…) 1. O seguro coletivo do Edifício é obrigatório e deverá segurar quer as zonas comuns quer as partes privadas.

2. a) O seguro coletivo cobrirá obrigatoriamente os seguintes riscos: incêndio, queda de raios, explosão, tempestades, inundações, furto ou roubo, responsabilidade civil, demolição e remoção de escombros, aluimento de terras, danos por água e pesquisa de avarias.

b) Para além das coberturas referidas na alínea anterior, a Administração poderá constituir apólices adicionais cobrindo outros riscos, caso em que as apólices individuais dos condóminos deverão igualmente contemplar esses mesmas coberturas adicionais.

(…)

4. Cada condómino poderá proceder ao reforço dos capitais seguros e/ou riscos seguros na mesma companhia ou noutra.

5. Havendo condóminos que não adiram ao seguro coletivo do prédio, têm a obrigação de celebrar o contrato de seguro de multirriscos relativo à sua fração cobrindo os riscos referidos no ponto 2) supra, e em caso de qualquer sinistro participar o mesmo à companhia respetiva, requerer a vistoria e mandar proceder à sua reparação.

6. No caso de os condóminos optarem pelo seguro individual o capital seguro deverá cobrir a sua fração e ainda a proporção comum que esta tem na totalidade do edifício, devendo a Administração indicar anualmente o valor mínimo a segurar por fração em função do valor global do prédio.

7. Os condóminos que não adiram ao seguro coletivo do prédio, deverão anualmente remeter à Administração cópia das condições gerais e particulares da apólice. Se a cópia da apólice e do respetivo comprovativo de pagamento não for disponibilizada à Administração nos dez dias seguintes ao vencimento da apólice anteriormente válida, ou apesar de disponibilizada não obedecer às condições previstas nos pontos 5) e 6) deste artigo, a Administração deverá incluir no seguro coletivo do prédio as frações destes condóminos, sendo responsabilidade dos condóminos o pagamento do respetivo prémio.(…)

9. O pagamento dos encargos com prémio de seguro será efetuado por cada condómino numa prestação autónoma, devendo após o respetivo pagamento a Administração enviar cópia da respetiva apólice para cada condómino.».

34. No âmbito do ponto 7 da ordem de trabalhos, os condóminos discutiram a alteração da portaria, a necessidade de corrigir o projeto inicial e o sentido da portaria passar para junto do portão principal.

35. O autor informou que o referido ponto necessitava, para ser aprovado, de um quórum qualificado e que, qualquer deliberação tomada teria o seu voto contra, pedindo à mesa que fossem consideradas nulas.

36. O presidente da mesa da Assembleia informou que “este ponto não é uma inovação, necessitando de 2/3 dos condóminos e ainda de mais de 50% dos condóminos aprovarem, mas sim uma correção ao projeto, com ordem do arquiteto do edifício”.

37. Colocado à votação, o autor e o titular da fração FJ (correspondentes a 4,35º/oo, 0,32º/oo e 4,07º/oo, respetivamente, do total do edifício) votaram contra, os titulares das frações CU e MG (correspondentes a 6,06º/oo e 0,14º/oo, respetivamente, do total do edifício) abstiveram-se e os demais condóminos presentes ou representados votaram a favor.

38. No âmbito da reunião da Assembleia de Condóminos realizada a 11/04/2019, no ponto 6 da ordem de trabalhos, os condóminos pensaram em introduzir ou renovar as medidas de segurança do edifício.

39. Essa deliberação nunca foi impugnada pelo autor.

40. Ao longo dos últimos anos têm existido muitas queixas por parte dos moradores do edifício relativamente a assaltos e entrada de pessoas estranhas ao edifício para usarem a piscina, frequentarem o health club e o court de ténis.

41. A portaria está localizada na extrema Norte do edifício, sendo que a entrada pedonal do edifício se faz pelo portão que se situa a meio do edifício.

42. A portaria encontra-se escondida.

43. Sempre que circulam pelo prédio estão expostos às condições meteorológicas do momento.

44. Os mesmos também se encontram a vigiar a entrada principal.

45. Foi referido por muitos moradores ao longo dos anos, que deveria ser construído um abrigo, no centro do edifício para que os porteiros tivessem acesso a todas as entradas e saídas e, quando aí estivessem, reunissem as condições necessárias para se abrigarem.

46. A estrutura que comporta a portaria será amovível.

47. A este respeito foi consultado, pela atual Administração, o arquiteto DD, autor do edifício, o qual não se opôs à criação desse espaço, considerando que «esse projeto não implica alteração da linha arquitetónica do edifício ou o arranjo estético do mesmo, não é considerado “obra nova ou inovadora” que altere a edificação no seu estado original, modificando o seu estado primitivo. (…)».

48. No âmbito do ponto 9 da ordem de trabalhos, foi explicada a colocação e renovação do espelho de água, conforme conversa do arquiteto do edifício.

E foram jugados não provados os seguintes factos:

1. Considerando o número reduzido de condóminos presentes na reunião da Assembleia de Condóminos de 05/06/2021, o autor questionou se as procurações tinham sido verificadas e se eram válidas para aquela Assembleia, tendo o presidente da mesa afirmado que sim e que enviaria cópia das procurações como anexo.

2. Não foi dada a possibilidade de tal verificação ser feita pelo autor, naquele momento.

3. A mesa da Assembleia de Condóminos garantiu ao autor que as procurações apresentadas seriam remetidas com a ata da reunião.

4. Junto com a ata disponibilizada ao autor não foram juntas quaisquer procurações.

5. O presidente da mesa garantiu aos presentes que tinha analisado as contas pessoalmente e que havia uma diferença de cerca de 8,00 Euros, nada mais.

6. Também acrescentou que as contas apresentadas e que haviam sido distribuídas e por ele analisadas eram relativas apenas ao período de 1 de Abril de 2019 a 31 de Março de 2020.

7. A solicitação de informações sobre as despesas e as receitas do Condomínio, deveu-se ao facto de, nos documentos que o autor tinha tido acesso, os valores apresentados aparecem misturados, não se conseguindo saber o que diz respeito ao Condomínio.

8. Acrescentou o autor, a título de exemplo, que no relatório despesas surgem intervenções nos estores de condóminos, reparações em apartamentos, venda de comandos e muitas outras, sem que compreenda a sua inserção nas contas do Condomínio.

9. Referiu também o autor não ser possível saber qual foi a contribuição/receita de cada condómino que utiliza a energia do Condomínio para carregar o respetivo carro elétrico.

10. E referiu ainda o autor estarem omitidos os custos com sinistros ocorridos, pois eram totalmente desconhecidos os valores indemnizados pela seguradora do Condomínio em função das frações incluídas no seguro do condomínio e qual a comparticipação das restantes frações, tudo indicando que haviam sido incluídas nas despesas gerais do condomínio e na diferença paga pelo condomínio, penalizando todos aqueles que pagam seguro de condomínio.

11. Afirmou ali o autor, ainda, que, da informação que se conhece, não resulta qualquer diferenciação entre despesas de sinistros com origem nas partes comuns, sinistros com origem nas frações autónomas e, ainda, sinistros provocados por prestadores de serviço ou terceiros.

12. Não foi também o autor esclarecido do facto da empresa da administração do Condomínio (que não prestou qualquer serviço de limpeza) ter debitado serviços de limpezas no valor de 10.800,00 Euros, quando o contrato aprovado em Assembleia tinha sido o da empresa que debitou os restantes serviços de limpeza (NN).

13. Outra questão suscitada foi o facto de alguns elementos da Administração terem conhecimento que, quer a empresa de limpeza, quer a empresa de portaria, quer a empresa de administração, nesse e em outros exercícios terem emitido faturas de cedência de pessoal quando deveriam ter emitido faturas de prestação de serviço, sonegando o valor do IVA (de vários milhares de euros) ao Erário Público e transferindo a responsabilidade dos funcionários para o condomínio.

14. Não obstante a falta de informação, foi reconhecido pelo presidente da mesa e pela Administração que, da análise que fizeram aos documentos, existem várias despesas contabilizadas sobre manutenção de equipamento (e outras) que nunca tiveram lugar.

15. No exercício compreendido entre 1 de Abril de 2019 a 31 de Março de 2020, a administração do Condomínio réu recorreu ao Fundo Comum de Reserva ser autorização expressa e prévia da Assembleia de Condóminos.

16. O autor, na reunião da Assembleia de Condóminos de 05/06/2021, votou contra as contas referentes ao período compreendido entre Setembro de 2020 e 31 de Dezembro de 2020.

17. A administração do Condomínio, apesar de colocar a votação a aprovação das contas referentes àquele período de Setembro a 31 de Dezembro de 2020, reconheceu que não havia apresentado todas as informações necessárias, designadamente o passivo e evidencia dos valores.

18. A tal propósito, na referida reunião, foi referido pelo presidente da mesa que o Condomínio tinha tudo pago, como consta no detalhe das despesas de Outubro a Dezembro 2020 (despesas efetuadas 103.101,61 Euros, despesas pagas 103.101,61 Euros, saldo 0,00 Euros, sem qualquer valor em dívida a fornecedores).

19. Na folha “Análise do exercício Outubro a Dezembro 2020” constam despesas que, segundo o presidente da mesa, não foram contabilizadas como despesas correntes, por não terem sido orçamentadas, como a compra de pequenos equipamentos para o zelador, despesas bancárias, salário do zeladores e respetiva Segurança Social, e quase todas as outras aí contabilizadas incluindo os próprios honorários da empresa que presta os serviços de apoio à administração.

20. Na sequência da falta de informação e de apresentação de documentos, o autor fez uma declaração de voto afirmando que, assim que fosse possível apurar resultados e desse resultado fosse determinado que o ativo era o valor de 215.012,20 Euros, valor anunciado pelo presidente da mesa (e não o de 193.418,39 Euros, como consta na ata), estaria disponível para aprovar as contas.

21. Contudo, nada foi distribuído, nem apresentado.

22. A atual administração, em 3 meses de gestão do Condomínio, fez uso do Fundo Comum de Reserva, sem qualquer justificação e sem autorização expressa e prévia da Assembleia de Condóminos.

23. Foram realizadas obras e intervenções, sem caráter de urgência.

24. No que concerne ao orçamento de despesas correntes, e ao contrário do que resulta na ata da reunião de 05/06/2021, nada foi esclarecido, razão pela qual o autor fez uma declaração de voto, afirmando que no orçamento apresentado facilmente se verificava que o mesmo é desajustado, como aliás o era o último que foi submetido a votação.

25. Inclusivamente, foi afirmado pelo autor que o valor orçamentado para limpeza e portaria é inaceitável, pois o serviço de limpeza passou de um valor de 22.663,20 Euros, em 2018, para os atuais 47.829,84 Euros e a empresa de portaria passou de um valor de 60.885,00 Euros, em 2018, para os atuais 76.897,44 Euros.

26. Também foram eliminadas outras despesas tais como a despesa com jardim, com manutenção da piscina, jacuzzi e outras, tendo sido garantido pela administração que esses serviços seriam assegurados pelo atual zelador.

27. Foi expressamente transmitido pelo autor e que deveria constar em ata que a administração seria responsável pelo incumprimento com despesas que previsivelmente vão acontecer e propositadamente não foram orçamentadas e pelas consequências do facto dos serviços de manutenção que alegam que serão prestados pelo zelador não serem prestados ou de não serem bem prestados.

28. O autor fez questão de transmitir que o Fundo Comum de Reserva é intocável sem deliberação expressa da Assembleia.

29. Com o ponto 7 da ordem de trabalhos, pretendeu-se corrigir o projeto arquitetónico inicial, alterando o posicionamento da portaria do Condomínio, da zona onde a mesma se encontra, junto ao acesso das garagens, para uma outra zona do edifício, reconstruindo a portaria.

30. O prédio do Condomínio réu, numa escala de 1 a 4, para efeitos técnicos e de engenharia, é considerado um prédio de grau 4.

V - APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:

5.1.Do recurso do autor

5.1.1.Do recurso da matéria de facto

Tal como já fizemos referência supra no relatório, o Autor, nas suas alegações de recurso, declarou pretender recorrer da matéria de facto e de direito, sendo que, quanto à primeira pretensão, alegou não lhe ter sido possível dar cumprimento ao artigo 640º nº 1 c) e nº 2 a) do CPC, uma vez que apesar de ter requerido a disponibilização das gravações dos depoimentos prestados na sessão de Audiência de Julgamento, a 05.03.2024, as mesmas encontravam-se inacessíveis conforme documento comprovativo que anexou.

Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa."

O Tribunal da Relação deve, pois, exercer um verdadeiro e efetivo segundo grau de jurisdição da matéria de facto, sindicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida, e referenciar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Porém, para que a parte que pretenda beneficiar dum “segundo julgamento” da matéria de facto poder ver ser reapreciada a prova produzida, a lei impõe-lhe o cumprimento de alguns ónus, que se encontram devidamente especificados no art. 640º do C.P.C.

Dispõe esta norma o seguinte:

“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. (…)”

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

O legislador com efeito, quando introduziu um efetivo segundo grau de jurisdição em matéria de facto, através do DL 39/95 de 15.2, deixou consignado no respetivo preâmbulo, os seguintes objetivos: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.

A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.

Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redação do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correta.

Daí que se estabeleça, no artigo 690.º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto.”

Mostra-se na verdade, incontestável que, quando seja impugnada a matéria de facto o Recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas  - Cf. art.º 640.º, n.º 1, do CP Civil.

Sendo a prova gravada, terá ainda que indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

A lei comina com a rejeição do recurso, quando aqueles requisitos formais acabados de enunciar não se mostram observados.

Como refere Abrantes Geraldes,[1] “os aspetos fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição clara do objeto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de factos em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado produzido.

Afirma ainda o Sr. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes,[2] que “as referidas exigências devem ser apreciadas á luz de um critério de rigor. Trata-se afinal de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto, s transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

Na situação em apreço, há que ter em consideração que as novas alegações de recurso que vieram ser juntas aos autos pelo apelante e que tinham em vista suprir as deficiências reconhecidas pelo próprio, relativamente aos ónus impostos pelo art. 640º do CPC. nº 1 al. c) e nº 2 al a),  não foram admitidas, por terem sido julgadas extemporâneas, mediante despacho proferido nestes autos, o qual transitou em julgado, já que não se mostra impugnado.

Pelo exposto, não se conhecerá da impugnação da matéria de facto, uma vez que a impugnação da mesma não obedece aos ónus impostos  nas alíneas a) e c) do citado art. 640º nº 1 do C.P.C., e dos seu nº 2 al a),  impondo-se a rejeição do recurso nessa parte, como manda o art. 640º nº 1 e nº 2 do C.P.C.

5.1.2.Das questões de direito suscitadas:

-Referentes à deliberação sobre o ponto 1 da ordem de trabalhos da assembleia:

Pretende o autor, através deste recurso a revogação da sentença recorrida, no que aos pontos 1 e 3 da deliberação diz respeito.

A assembleia de condóminos é um órgão administrativo das partes comuns do edifício (artigo 1430.º n.º 1 do Código Civil), tendo o mesmo natureza e funções deliberativas, porquanto é através dele que a comunidade dos condóminos forma e expressa a sua vontade, como resultado de um processo colegial.

A deliberação é, precisamente, a expressão da vontade de um órgão plural, que corresponde à proposta que obtiver a maioria dos votos. As decisões assumidas pela assembleia de condóminos representam o resultado de várias vontades distintas, mas tendentes a um único escopo: a eficiente organização e gestão da vida condominial.

Relativamente ao ponto 1 da ordem de trabalhos, na sentença recorrida, foi decidido os seguinte, quanto a esta questão:

“Atentos estes considerandos, no que toca aos pontos n.ºs 1 e 9 da ordem de trabalhos, mostra-se, pacificamente, assumido por ambas as partes que nenhuma deliberação foi tomada pela Assembleia de Condóminos de 05/06/2021, o que, igualmente, ressalta à evidência da ata da reunião em causa.

No âmbito do ponto n.º 1 da ordem de trabalhos, caberá ressalvar, tão-só, que não cabe aqui apreciar a regularidade da deliberação que, a respeito da mesma matéria, foi tomada na reunião da Assembleia de Condóminos de 14/09/2020.

Pelo que, neste ponto, não há sequer o aludido “quid de facto”, a “aparência de uma deliberação” que justifique ou permita sancionar uma determinada deliberação como juridicamente inexistente.

Neste caso, mais do que juridicamente inexistente, estamos perante uma inexistência de facto.”

Esta inexistência de facto da deliberação, não é sequer posta em causa no recurso, limitando-se o recorrente a esgrimir as razões, que já alegara na p.i.. quanto á invocada anulabilidade.

Ora, sendo fisicamente inexistente a deliberação da assembleia de condóminos, parece-nos de mediana compreensão, que a mesma não possa ser objeto de impugnação, através da presente ação.

Improcede pois o recurso do autor nesta parte.

-Referentes à deliberação sobre o ponto 3 da ordem de trabalhos da assembleia:

Defende o recorrente a existência de erro de julgamento na sentença, quanto ao direito aplicável, relativamente ao segmento da sentença que indeferiu o pedido de anulação da deliberação da assembleia de condóminos sobre o ponto 3 da ordem de trabalhos, que relembramos era o seguinte.

3.º) Apresentação, análise e deliberação, das contas da atual administração, de Outubro de 2020 a Dezembro 2020;

Alega o apelante que o ponto 3 não podia ter sido objeto de deliberação, porque, foi reconhecido no texto da Ata que havia correções a fazer, como valores em dívida, acertos de dívidas a fornecedores e ainda valores que não deveriam classificar como receita, como por exemplo valores recebidos pelo seguro (cfr. pág 2 da Ata da Assembleia nº 2 de 2021 de 05.06.2021, junta aos autos com a PI) relativamente às contas do exercício da anterior administração (A...),até Setembro de 2020.

Assim, afirma o Recorrente, se as contas anteriores estavam incorretas, nomeadamente quanto a valores em dívida (de Condóminos e de Fornecedores) e valores classificados como receita, nunca poderiam prosseguir para o ponto 3 da convocatória que estava necessariamente intrinsecamente ligado a estes valores, por decorrer dos mesmos.

Afirma que, outra conclusão não pode existir que, a de que as contas apresentadas no ponto 3 não estavam corretas, padeciam de um vício insanável que exigia ser regularizado para conseguir identificar os movimentos em falta e assim validar corretamente os valores a apresentar.

Defende que é de aplicar às deliberações aprovadas em Assembleia de condóminos, com as necessárias adaptações, o princípio geral consagrado no artigo 62º do Código das Sociedades Comerciais, com base no qual as deliberações que sofram de vícios formais de procedimento podem ser renovadas, corrigindo a nova deliberação o vício ocorrido.

Também quanto ao Fundo Comum de Reserva, da análise do exercício surge como receitas do orçamento 57.667,95€, contudo do valor total gasto surge o valor de 103.101,61€, ou seja, se não havia receitas de orçamento, como se constata da análise dos documentos juntos à Ata cujas deliberações foram impugnadas, só podem ter sido pagas com a utilização do Fundo comum de reserva (Cfr. Análise do Exercício de 01-10-2023 a 31-12-2020).

Ora, se havia um orçamento previsto de 72.165,67€ que se refere às quotas recebidas dos Condóminos e foi pago 103.101,61€ aos fornecedores, há uma diferença de, pelo menos, 30.827,31€. Este desvio só pode resultar da utilização do Fundo de reserva, já que o Condomínio não tem outras fontes de rendimento, apenas as quotas dos Condóminos e o Fundo de reserva.

Vejamos.

Na sentença recorrida, foi julgado improcedente o pedido do autor de “declaração de inexistência”,  “por serem anuláveis ou nulas as deliberações ou conteúdos resultantes dos pontos 1, 3, 4, 5 e 7, e consequentemente ineficazes em relação ao A. e demais condóminos”, relativamente à deliberação tomada em assembleia de condóminos no dia 5.6.2021, relativamente ao Ponto 3, após ter sido feita uma exposição e clarificação dos vícios da inexistência, nulidade ou anulabilidade, não concretizados pelo autor, com o seguinte fundamento: “No âmbito do ponto n.º 3 da ordem de trabalhos, foi apreciada a “apresentação, análise e deliberação das contas da atual administração, de Outubro de 2020 a Dezembro de 2020”.

Levadas à votação, as mesmas foram aprovadas por unanimidade, sem abstenções e com a declaração de voto do autor no sentido de que aprovava as contas em conformidade com os números apresentados na reunião da Assembleia de Condóminos em causa, de 05/06/2021.

O autor imputa a esta deliberação os seguintes vícios: a ata não se mostra conforme com o discutido e com o deliberado; não foram prestadas todas as informações solicitadas, não permitindo aos condóminos conhecer a verdadeira situação financeira do Condomínio; recorreu-se ao Fundo Comum de Reserva sem autorização da Assembleia de Condóminos; e foram realizadas obras e intervenções sem caráter urgente.

O autor não enquadra juridicamente os vícios apontados, isto é, não indica os normativos violados pelos apontados pressupostos factuais, nem tão pouco especifica as consequências jurídicas dos mesmos.

Não obstante, parece-nos evidente que nenhum daqueles vícios se enquadra em violação de normas imperativas, pelo que os mesmos, a verificarem-se, apenas seriam suscetíveis de dar lugar à anulabilidade da deliberação em causa.

Contudo, atento o n.º 1 do artigo 1433.º do Código Civil, tendo o autor (com ou sem declaração de voto) votado favoravelmente a deliberação impugnada, o mesmo carece de legitimidade (aqui entendida, não como pressuposto processual da ação, mas como pressuposto substantivo da procedência do pedido) para impugnar aquela deliberação.”

O autor, no presente recurso limita-se a exprimir a sua discordância da decisão proferida, por não ter sido acatado o fundamento invocado na p.i, quanto à invalidade da deliberação da assembleia de condóminos relativa ao ponto 3 da ordem de trabalhos.

Como vimos, na sentença, o tribunal recorrido, entendeu que o Autor carecia de legitimidade substantiva para impugnar a deliberação em causa, visto tê-la votado favoravelmente, como consta da respetiva ata.

Por sua vez, as conclusões de recurso exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente  resulta do art. 635ºnº 3  do CPC.

Das conclusões de recurso apresentadas resulta que o autor não impugnou a sentença, na parte em que julgou que o autor carecia de legitimidade substantiva para impugnar a deliberação em causa.

A legitimidade consiste numa posição concreta da parte perante uma causa concreta, sendo “uma qualidade posicional da parte face à ação, ao litígio que aí se discute”.[3]

Como é consabido a legitimidade constitui um pressuposto processual positivo, cuja existência é essencial para que o juiz possa pronunciar-se sobre a procedência ou improcedência da ação, para que possa proferir decisão de mérito, não se confundindo com os requisitos que interessam ao mérito da causa; o que interessa saber através do pressuposto da legitimidade é qual a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo para que o juiz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito.[4]

Não tendo o autor interposto recurso da decisão que o julgou parte ilegítima, relativamente ao pedido formulado, por não ter sido objeto de oportuna impugnação, formou-se, dentro do processo, sobre a decisão, caso julgado.[5]

O caso julgado formal (art. 620º do CPC) obsta a que, na mesma ação, o juiz (o que proferiu a decisão ou qualquer outro) possa alterar uma decisão anteriormente proferida sem ofensa do caso julgado formal.

Nos termos do artº 619º, nº 1 do C.P.C. “Transitada em julgado a sentença, ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a matéria de facto controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele dentro dos limites fixados pelos artigos 480 e 581º , sem prejuízo do  disposto nos artigos 696º a 702º.”

Por sua vez, dispõe o artº 621º do mesmo diploma que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).”

Já o artigo 620º do CPC estabelece que “as sentenças e os despachos,  que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.

As decisões judiciais, em especial as sentenças, conduzem à pacificação das relações jurídicas controvertidas, contribuindo para a indispensável segurança jurídica e social.

Por inerência, razões de verdade, harmonia, certeza e segurança jurídica e sociais impõem que não se possa verificar uma contradição de decisões sobre a mesma questão fáctico-jurídica concreta, quer por via da exceção do caso julgado, quer por via da exceção da autoridade de caso julgado ou efeito positivo externo do caso julgado.

Para o Professor Manuel de Andrade,[6] o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos:

– o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”;

 – e, mais importante, uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas”.

Como ensina o mesmo ilustre Professor,[7] o caso julgado formal consiste na força obrigatória que os despachos e as sentenças possuem relativa unicamente à relação processual, dentro do processo, exceto se não for admissível o recurso de agravo consiste na preclusão dos recursos ordinários, na irrecorribilidade, na não impugnabilidade”.

João Castro Mendes [8], por sua vez, ensina que o “caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo”, contrariamente ao caso julgado material, cuja força obrigatória se estende para fora do processo em que a decisão foi proferida.

Desta forma, em face do caso julgado formal, formado com a decisão que julgou a falta de legitimidade do autor para impugnar a deliberação, como pressuposto substantivo da procedência do pedido, por ter votado a mesma favoravelmente, terá o recurso apresentado pelo autor, relativo à deliberação da assembleia de condóminos, sobre o ponto 3 da ordem de trabalhos, de ser  julgado improcedente.

5.2.Do recurso do Réu:

5.2.1: questão prévia:

Nas suas conclusões de recurso o Réu Condomínio alega, que o Recurso versa sobre matéria de Facto e de Direito.

Porém da leitura das conclusões resulta que não é feita qualquer impugnação a nenhum ponto concreto da matéria de facto julgada provada ou não provada na sentença.

Na verdade, a única discordância que é manifestada pelo recorrente quanto à matéria de facto, é por nela não ter sido incluída a questão relacionada com a deslocação da portaria ser ou não uma inovação.

Ora, tal como se refere na sentença, o conceito de “inovação”, a que alude o artigo 1425.º nº 1 do Código Civil é um conceito jurídico e como conceito que é, carece de ser preenchido em face da factualidade provada, não constituindo em si mesmo um facto, que deva ser incluído na factualidade julgada provada ou não provada, nos termos prescritos pelo nº 3 do art. 607º do CPC.

De qualquer forma, o recorrente, na impugnação que diz fazer da matéria de facto, não observa os ónus impostos no art. 640º do CPC, já supra mencionados.

Desta forma, pelas razões supra apreciadas no recurso apresentado pelo autor, quanto ás exigências do recurso quanto á impugnação da matéria de facto, rejeita-se o mesmo, ao abrigo do disposto no art. 640º nº 1 e 2 do CPC.

Restará pois analisar as discordâncias do recorrente quanto à matéria de direito.

Discorda o Réu Condomínio da sentença na parte em julgou  parcialmente procedente a ação apresentada pelo Recorrido, tendo declarado anulado as deliberações tomadas nos pontos 5 e 7 da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos realizada a 05-06-2021, relativa à aprovação da quota sobre todos os condóminos para pagamento do seguro coletivo de edifício e à aprovação da alteração da localização da portaria, absolvendo a aqui Recorrente dos demais pedidos formulados pelo Autor.

5.2.2.Deliberação tomada no ponto 5, relativa às despesas com o seguro.

Analisemos as razões de discordância relativamente à primeira daquelas deliberações: Deliberação tomada no ponto 5, relativa às despesas com o seguro.

Na sentença, o tribunal entendeu que não era admissível a inclusão deste seguro no orçamento como uma despesa com a aquisição de um serviço ou, pelo menos, a sua inclusão no orçamento em termos que recaiam indistintamente sobre todos os condóminos, sem salvaguardar aqueles que, de forma diligente, cuidaram de o fazer individual e voluntariamente.

Que a verba em causa não podia ser imputada, indistintamente, a todos os condóminos – ainda que em razão da respetiva permilagem –, desconsiderando aqueles que cumprem a sua obrigação e que, com aquela solução, se mostram penalizados por suportarem duplamente um mesmo encargo.

Isto porque, quer do artigo 1429.º n.º 1 do Código Civil, quanto ao seguro obrigatório de incêndio, quer do artigo 29.º do Regulamento do Condomínio, decorre que a obrigação de celebração do seguro em causa é uma obrigação, a título principal, de cada um dos condóminos, sendo, aqui, a obrigação do Condomínio uma obrigação de natureza supletiva (a ratio das normas parece ser a de que o Condomínio deve suprir a inércia dos condóminos inadimplentes – seja dos que não celebraram o contrato de seguro, seja dos que, tendo-o celebrado, não comunicaram tempestivamente a sua celebração à administração do Condomínio –, substituindo-se a estes, já não aos que cumpriram com a sua obrigação legal e regulamentar).

Alega o Apelante, na sua discordância com a decisão que para ultrapassar um problema de ordem prática, que se desenrolava há anos, foi proposta a possibilidade do Condomínio, para além de efetuar um seguro de incêndio para as partes comuns, efetuasse também um seguro para as frações faltosas. Um  Seguro coletivo este que abrangesse a totalidade do prédio, não só quanto a incêndios, mas que também contemplasse outras coberturas.

Todos os condóminos presentes e representados concordaram, pois era a opção mais sensata e segura para todos os moradores do edifício.

A contratação de um “seguro coletivo multirriscos” para este edifício, revela-se fundamental, já que existe um grande número de sinistros, quer provenientes das áreas comuns, quer das frações e não seria viável a tomada de centenas de seguros individualmente.

Por seu lado, o Regulamento de Condomínio, no seu artigo 29.º,prevê  a adesão a um seguro para as áreas comuns e para as áreas privadas, “O seguro coletivo do Edifício é obrigatório e deverá segurar quer as zonas comuns quer as partes privada.”

Assim, diz não compreender a decisão plasmada na Sentença por parte do Tribunal a quo, uma vez que foi deliberada pelos condóminos a adesão a um seguro para as áreas comuns e para as áreas privadas, obrigação esta inscrita, também, no Regulamento do Condomínio, apesar de esta ser uma obrigação supletiva, conforme o Tribunal a quo mencionou, por razões de praticabilidade e de economia conjunta do prédio, a adesão a este seguro coletivo foi deliberada pelos condóminos.

Vejamos.

Na Assembleia de Condóminos em causa, constava o seguinte ponto da ordem de trabalhos:

5.º) Apresentação, análise e deliberação do orçamento de despesas e receitas para o exercício de 2021, englobando seguro coletivo, tal como o atual regulamento de condomínio obriga;

Sobre aquele ponto recaiu a seguinte deliberação:

Foi assim deliberado, em assembleia de condóminos, a contratação de um seguro coletivo para o edifício.

Nesta matéria, com relevância para a decisão, provou-se que[9]:

Foi explicado aos Condóminos presentes que o seguro coletivo incluiria as partes comuns e as partes individuais de cada condómino.

Mais se provou que, em data não concretamente apurada, foi proposto por um número não concretamente apurado de condóminos a celebração, pelo Condomínio, além de um seguro de incêndio para as partes comuns e para as frações faltosas, de um seguro coletivo que abrangesse a totalidade do prédio – áreas comuns e frações autónomas –, não só quanto a incêndios, mas também que contemplasse outras coberturas.

Todos os condóminos disseram que sim ou, pelo menos, não se manifestaram contra.

A deliberação, em face das explicações prestadas no decurso da Assembleia respeita a celebração de um contrato de seguro, pelo administrador do condomínio, com cobertura, de incêndio, e outras.

Provou-se ainda que, o referido seguro foi incluído no orçamento de despesas e receita aprovado como uma despesa com a aquisição de um serviço e o mesmo e a adesão ao seguro coletivo nos termos propostos não se refletiu no aumento das quotas.

O autor pedira a anulação desta deliberação, com o fundamento em que, o seguro coletivo, sobretudo no que diz respeito às partes individuais e privadas de cada um dos proprietários não pode ser incluído como despesa de orçamento, como aliás foi apresentado pela Administração.

Alegou que aos Condóminos não pode ser imposto um seguro relativamente àquela que é a sua propriedade exclusiva.

Cabe  ao Condómino/proprietário a obrigação de fazer prova de existência do mesmo e afirma ainda que  a deliberação que resulta do referido ponto 5 viola a individualidade e o direito de propriedade dos Condóminos.

 Por um lado, tal opção faria pesar na quota dos condóminos que tem já seguro individual o valor dos demais condóminos, implicando inclusivamente um pagamento duplicado, desvirtuando a proporção de responsabilidade que resulta da permilagem de cada condómino.

Vejamos.

A propriedade horizontal é a propriedade que incide sobre as várias frações componentes de um edifício, frações essas que têm de estar em condições de constituírem unidades independentes (artigo 1414º do Código Civil).

Trata-se de um direito real complexo que combina no âmbito dos direitos reais: a propriedade singular, (sobre a fração autónoma e a compropriedade, sobre as partes comuns do edifício (artigo 1420° do Código Civil).

Em matéria de seguro obrigatório, dispõe o artigo 1429.º do C.Civil, o seguinte:

“1 - É obrigatório o seguro contra o risco de incêndio do edifício, quer quanto às frações autónomas, quer relativamente às partes comuns.

2 - O seguro deve ser celebrado pelos condóminos; o administrador deve, no entanto, efetuá-lo quando os condóminos o não hajam feito dentro do prazo e pelo valor que, para o efeito, tenha sido fixado em assembleia; nesse caso, ficará com o direito de reaver deles o respetivo prémio.”

Repare-se que esta norma, que tem subjacente o interesse público e como tal tem natureza imperativa, obriga os edifícios constituídos em propriedade horizontal a terem um seguro contra incêndios, que cubra quer as partes comuns, quer as frações autónomas.

E o nº 2 esclarece que a obrigação  de seguro de incêndio recai sobre os condóminos. Reconhece, porém legitimidade ao administrador de condomínio para celebrar contrato de seguro relativamente às frações autónomas e comuns, quando “os condóminos o não hajam feito dentro do prazo e pelo valor que, para o efeito, tenha sido fixado em assembleia.”

Dada a imperatividade da norma, a violação do nº 1, através de deliberação contrária da assembleia, implicará até a sua nulidade.

Já o nº 2 tem carater meramente programático, isto é visa conferir ao administrador de condomínio legitimidade para, no exercício das suas funções, assegurar a execução daquela disposição imperativa.

Nos termos do artigo 1436.º n.º 1 alínea c) do CC:

“1 - São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:

(…) c) Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro;”

Tal como se pode ler no Ac do STJ de 15 de Junho de 2004[10] “a utilidade pública que torna imperativa essa celebração conduz a que se conclua que o dispositivo do nº. 2 do art. 1429º do Cód. Civil não impede a legitimidade do administrador do condomínio para, no exercício da sua função de assegurar a execução das disposições legais respeitantes ao condomínio, e sem prejuízo da sua obrigação de prestação de contas à assembleia, providenciar por tal celebração, quando tenha decorrido um prazo razoável para o efeito, mesmo que esse prazo não seja fixado pela assembleia, sem que os condóminos o celebrem.”

Na decisão a proferir sobre esta questão, para além da aludida norma, haverá que ter em consideração o que dispõe o Regulamento do Condomínio do edifício em causa, sobre a questão dos seguros.

O artigo 29.º do Regulamento do Condomínio vigente, sob a epígrafe “Seguros”, dispõe que:

«(…) 1. O seguro coletivo do Edifício é obrigatório e deverá segurar quer as zonas comuns quer as partes privadas.

2. a) O seguro coletivo cobrirá obrigatoriamente os seguintes riscos: incêndio, queda de raios, explosão, tempestades, inundações, furto ou roubo, responsabilidade civil, demolição e remoção de escombros, aluimento de terras, danos por água e pesquisa de avarias.

b) Para além das coberturas referidas na alínea anterior, a Administração poderá constituir apólices adicionais cobrindo outros riscos, caso em que as apólices individuais dos condóminos deverão igualmente contemplar esses mesmas coberturas adicionais. (…)

4. Cada condómino poderá proceder ao reforço dos capitais seguros e/ou riscos seguros na mesma companhia ou noutra.

5. Havendo condóminos que não adiram ao seguro coletivo do prédio, têm a obrigação de celebrar o contrato de seguro de multirriscos relativo à sua fração cobrindo os riscos referidos no ponto 2) supra, e em caso de qualquer sinistro participar o mesmo à companhia respetiva, requerer a vistoria e mandar proceder à sua reparação.

6. No caso de os condóminos optarem pelo seguro individual o capital seguro deverá cobrir a sua fração e ainda a proporção comum que esta tem na totalidade do edifício, devendo a Administração indicar anualmente o valor mínimo a segurar por fração em função do valor global do prédio.

7. Os condóminos que não adiram ao seguro coletivo do prédio, deverão anualmente remeter à Administração cópia das condições gerais e particulares da apólice. Se a cópia da apólice e do respetivo comprovativo de pagamento não for disponibilizada à Administração nos dez dias seguintes ao vencimento da apólice anteriormente válida, ou apesar de disponibilizada não obedecer às condições previstas nos pontos 5) e 6) deste artigo, a Administração deverá incluir no seguro coletivo do prédio as frações destes condóminos, sendo responsabilidade dos condóminos o pagamento do respetivo prémio.(…)

9. O pagamento dos encargos com prémio de seguro será efetuado por cada condómino numa prestação autónoma, devendo após o respetivo pagamento a Administração enviar cópia da respetiva apólice para cada condómino.».

O regulamento do condomínio é um conjunto de regras gerais e abstratas, destinado a disciplinar a ação dos condóminos no gozo e administração do edifício e, tal como o título constitutivo, vincula quer os condóminos, quer todos aqueles que exerçam ou venham a exercer poderes de facto sobre uma fração autónoma, v.g., arrendatários, promitentes-compradores, comodatários.

Destina-se o mesmo a disciplinar a ação dos condóminos no gozo e administração do edifício.

O regulamento de condomínio está previsto nos arts.1418º do C Civil, o qual prevê que o título constitutivo da propriedade horizontal possa conter desde logo o Regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas;  e ainda, no art.1429º-A ,do mesmo normativo, de acordo com o qual, “1 - Havendo mais de quatro condóminos e caso não faça parte do título constitutivo, deve ser elaborado um regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a conservação das partes comuns. 2 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 1418.º, a feitura do regulamento compete à assembleia de condóminos ou ao administrador, se aquela o não houver elaborado.”

Se constar do título constitutivo, e este for submetido a registo predial, passa a ser oponível a terceiros – artigos 2.º, n.º 1, alínea b), e 5.º, n.º 1, do CRP.

Nada impede que no regulamento de condomínio se possa disciplinar o uso a fruição e a conservação , quer das partes comuns , quer das frações autónomas.

Como se pode ler no Ac STJ de 7.11.2019,[11] no P 25192/16.3T8PRT.P1.S1, “O regime jurídico de um edifício constituído em pro­priedade horizontal é regulado por diversas fontes:

Em primeiro o fixado pela lei (o legislador fixa um conjunto de normas inderrogáveis pelos particulares);

Em segundo, pelo título constitutivo da propriedade horizontal;

Em terceiro pelo regulamento do condomínio e,

Em quarto pelas deliberações da assembleia de condóminos.”

No caso em apreço, o regulamento do CONDOMÍNIO ... estende a obrigatoriedade do seguro, à celebração de um contrato de seguro com cobertura dos riscos elencados no artigo 29º nº 2, alínea a) e prevê a possibilidade de poder ser alargado a outras coberturas (alínea b).

Apesar de o não afirmar expressamente, resulta da regulamentação desta questão que consta do art. 29º, que é ao administrador de condomínio quem compete celebrar o contrato de seguro coletivo que abrange as frações autónomas e as partes comuns do edifício, ficando salvaguardada a liberdade dos condóminos para aderir, ou não aderir ao seguro coletivo do prédio, como resulta dos nºs 5 e 6, do art. 29º, que estabelece ainda as regras relativas ao procedimento a adotar relativamente aos condóminos que decidam  não aderir ao seguro coletivo do prédio. Impõe-lhes a obrigação de celebrar o contrato de seguro de multirriscos relativo à sua fração cobrindo os riscos referidos no ponto 2) supra, e em caso de qualquer sinistro participar o mesmo à companhia respetiva, requerer a vistoria e mandar proceder à sua reparação.

No caso dos condóminos optarem pelo seguro individual o capital seguro deverá cobrir a sua fração e ainda a proporção comum que esta tem na totalidade do edifício, devendo a Administração indicar anualmente o valor mínimo a segurar por fração em função do valor global do prédio.

Na primitiva versão[12] do art. 1429º do Código Civil, o nº 1. estabelecia a obrigatoriedade do “seguro do edifício contra o risco de incêndio” e, no nº 2 estabelecia-se o seguinte: “Qualquer dos condóminos pode efetuar o seguro quando o administrador o não tenha feito, ficando com o direito de reaver de cada um dos outros a parte que lhe couber no prémio.”

Esta redação foi alterada pelo DL 267/94 de 25.10, que veio esclarecer que a obrigação de celebrar o contrato de seguro recai nos condóminos e a intervenção do administrador do condomínio é supletiva. Ele intervém, realizando o contrato, quando os condóminos não o hajam feito.

Entendemos porém, ao contrário do tribunal recorrido, que se a lei quis esclarecer que a obrigação de celebração do contrato de seguro é uma obrigação de cada um dos condóminos, reservando a intervenção do administrador do condomínio, às situações em que o condómino não cumpre com a sua obrigação, podendo dessa forma pôr em risco a segurança do prédio, nada impede, a nosso ver que, sendo essa a vontade dos condóminos, por razões de ordem prática ou por mera comodidade dos condóminos, porque de um “seguro coletivo” estamos a falar, aquele administrador possa atuar em representação dos mesmos na celebração de tal contrato, desde que fique salvaguardada a possibilidade dos condóminos que não pretendam, agirem individualmente celebrando o contrato obrigatório.

Ora no caso do edifício dos autos, o regulamento do condomínio, para além de ter tornado obrigatório para os condóminos a celebração de um contrato de seguro coletivo, com cobertura mais ampla do que aquele que resulta do art. 1429º do C.C., previu a possibilidade do contrato ser celebrado pelo administrador de condomínio, regulamentando as situações em que os condóminos pretendam fazê-lo individualmente.

Tal é permitido pelo disposto no artigo 1424º do C.C nº 2 que dispõe o seguinte:

“ Sem prejuízo do disposto no número anterior, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada, sem oposição, por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.”

As despesas com a celebração de um contrato de seguro coletivo que protege as habitações privadas e as partes comuns, correspondem a despesas com “pagamento de serviços de interesse comum”, pelo que a nosso ver nada impede que a deliberação em causa, determinasse que fizesse parte do orçamento as despesas com a celebração do seguro coletivo.

O orçamento é um mero plano financeiro estratégico que compreende a previsão de receitas e despesas futuras para a administração de determinado exercício (período de tempo).

Uma vez salvaguardo o pagamento proporcional a cada fração autónoma, e salvaguardando o regulamento do condomínio, como vimos a possibilidade dos condóminos poderem proceder eles próprios ao seguro obrigatório, não vemos que a deliberação em causa, se mostre contrária á lei, como se entendeu na sentença.

A inclusão de despesas no orçamento resultantes da celebração pela administração do condomínio a celebração de um contrato de seguro coletivo multirriscos, abrangendo as partes frações autónomas e as partes comuns, não se mostra contrária, nem à lei, concretamente ao disposto no art. 1429º do C.C e mostra-se conforme ao regulamento do CONDOMÍNIO ....

Desta forma, impõe-se a revogação da sentença, nesta parte.

5.2.3.Deliberação tomada no ponto 7, relativa à portaria.

Relativamente à deslocalização da portaria, entendeu o Tribunal a quo  que, por se tratar de uma inovação,  de acordo com o conceito  enunciado no n.º 1 do artigo 1425.º do Código Civil, a deliberação em causa carecia de ser aprovada por uma dupla maioria de pessoas e de capital: maioria absoluta de condóminos (50% + 1) e que os mesmos representem, pelo menos, 2/3 do valor total do prédio.

Pelo que, tendo inobservado a deliberação impugnada, a maioria qualificada exigida no n.º 1 do artigo 1425.º do Código Civil, a mesma é anulável ao abrigo do n.º 1 do artigo 1433.º do mesmo diploma, também aqui com os efeitos previstos no artigo 289.º do Código Civil, limitados ao pedido formulado pelo autor, face ao disposto no artigo 609.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

Discorda o Condomínio Apelante desta decisão, pelas seguintes razões:

Contrariamente à conclusão retirada pelo Tribunal a quo, a Recorrente entende que a deslocalização da portaria não consiste numa inovação, uma vez que a  portaria já existia no edifício, pelo que não se trata de uma nova obra.

Alega que a sua deslocação do local onde atualmente mostra-se justificada por questões de segurança dos condóminos, uma vez que se encontra num local em que está “bastante escondida” e os porteiros que se encontram no seu interior, pouco ou nada conseguem controlar.

A deliberação constante no ponto 6 da ata de 2019, onde os condóminos concordaram com a extensão da portaria nunca foi impugnada pelo autor.

O facto deste assunto ter sido novamente levado a Assembleia de Condóminos prendeu-se com uma questão de custos, nos termos em que foi questionado aos condóminos se estes queriam avançar com esta antiga deliberação.

Finalmente a estrutura da portaria é amovível e o arquiteto autor do edifício em questão, foi consultado e, no âmbito das suas declarações, expôs que, no seu entendimento, o projeto de alteração da portaria não consubstancia uma obra nova ou inovação e não implica uma alteração da linha arquitetónica do edifício, conforme foi dado como provado no ponto 47 dos Factos Provados. Ora, se o arquiteto da obra não acredita que estejamos perante uma inovação, e se a portaria em causa só foi alterada de local por questões de segurança e por necessidades meteorológicas, tudo no âmbito de uma deliberação que só tinha como escopo uma mera questão de custos – uma vez que só foi perguntado aos condóminos se queriam avançar com uma deliberação antiga – então não se consegue conceber como é que o Tribunal a quo considerou esta mera deslocalização como uma inovação, anulando, portanto, a deliberação em causa.

Vejamos.

Nesta matéria, com relevância para a decisão, provou-se que[13]:

No âmbito do ponto 7 da ordem de trabalhos, os condóminos discutiram a alteração da portaria, a necessidade de corrigir o projeto inicial e o sentido da portaria passar para junto do portão principal.

O autor informou que o referido ponto necessitava, para ser aprovado, de um quórum qualificado e que, qualquer deliberação tomada teria o seu voto contra, pedindo à mesa que fossem consideradas nulas.

O presidente da mesa da Assembleia informou que “este ponto não é uma inovação, necessitando de 2/3 dos condóminos e ainda de mais de 50% dos condóminos aprovarem, mas sim uma correção ao projeto, com ordem do arquiteto do edifício”.

Colocado à votação, o autor e o titular da fração FJ (correspondentes a 4,35º/oo, 0,32º/oo e 4,07º/oo, respetivamente, do total do edifício) votaram contra, os titulares das frações CU e MG (correspondentes a 6,06º/oo e 0,14º/oo, respetivamente, do total do edifício) abstiveram-se e os demais condóminos presentes ou representados votaram a favor.

O ponto 7 da ordem dos trabalhos, tem o seguinte teor:

7.º) Deliberação sobre alteração da localização da portaria;

Ficou a constar da ata da Assembleia de condóminos a seguinte deliberação:

A deliberação dos condóminos incidiu assim sobre “a necessidade de corrigir o projeto inicial e o sentido da portaria passar para junto do portão principal”.

Os condóminos  votaram a deslocalização da portaria para um local diverso do local onde atualmente se encontra, reconhecendo que a deslocalização importa uma correção do projeto (de arquitetura do edifício) inicial.

A portaria está localizada na extrema Norte do edifício, sendo que a entrada pedonal do edifício se faz pelo portão que se situa a meio do edifício, local para onde os condóminos deliberaram dever a passar a estar situada a portaria.

Provou-se ainda nesta matéria que[14], foi referido por muitos moradores ao longo dos anos, que deveria ser construído um abrigo, no centro do edifício para que os porteiros tivessem acesso a todas as entradas e saídas e, quando aí estivessem, reunissem as condições necessárias para se abrigarem.

 A estrutura que comporta a portaria será amovível e a este respeito foi consultado, pela atual Administração, o arquiteto, autor do edifício, o qual não se opôs à criação desse espaço.

Acontece que uma coisa é a linha arquitetónica do edifício, que se visa salvaguardar; outra, mais ampla, inclui outros interesses que a lei visa proteger, com a exigência de uma maioria qualificada, quando se está  perante uma obra no edifício sujeito a propriedade horizontal, suscetível de constituir uma “inovação”.

Nos termos do n.º 1 do artigo 1425.º do Código Civil, “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.”

Para poder realizar obras nas partes comuns, o condómino tem de obter autorização do condomínio que as pode aprovar por maioria qualificada (desde que representativa de 2/3 do valor total do prédio), conforme artigo 1425.º, n.º 1, do C. C. que dispõe que sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.

Com efeito, a proibição de obras que constituam inovações é imposta por razões de ordem pública – como a segurança e a estabilidade dos edifícios, tendo em vista o fim e a utilidade económica a que se destinam – e também por razões de proteção da propriedade, de interesses privados, porquanto a realização de tais obras projetam-se na esfera dos restantes condóminos.

Segundo o Conselheiro Aragão Seia,[15] o preceito em causa acolhe um conceito amplo de inovação, abrangendo, quer “as alterações introduzidas na substância ou forma das coisas comuns, como modificações relativas ao seu destino ou afetação, sendo apenas as que trazem algo de novo, de criativo em benefício das coisas comuns do edifício já existentes ou que criam outras benéficas coisas comuns e, ainda, as que levam ao desaparecimento de coisas comuns existentes ou a modificações na sua afetação ou destino”.

Cabendo à jurisprudência densificar o conceito de inovação, tal como se decidiu nesta Relação em acórdão de 11.7.2012[16], perfilhamos dum conceito amplo de “inovação”, por ser o que melhor se adequa ao pensamento do legislador, entendendo-se esta como “toda a obra que constitua uma alteração do prédio tal como foi originariamente concebido, licenciado e existia à data da constituição da propriedade horizontal, sendo, assim, inovadoras as obras que modificam as coisas comuns, quer em sentido material, seja na substância ou na forma, quer quanto à sua afetação ou destino, nomeadamente económico. Essa modificação tanto pode ter como fim o de proporcionar a um, a vários ou à totalidade dos condóminos maiores vantagens ou benefícios, ou um uso ou gozo mais cómodo, como traduzir-se na supressão de coisas comuns existentes. O que releva é que seja criado algo de novo ou de diferente nas partes comuns do edifício.”[17]

No caso em apreço, constando da deliberação uma deslocalização dos serviços de portaria para um local diverso do edifício e bem assim, implicando a deslocalização, a alteração do projeto do mesmo (apesar da concordância do arquiteto autor), temos de concordar com a sentença recorrida, no sentido que a deslocalização da portaria que foi deliberada pelos condóminos (independentemente de ser implementada em estrutura amovível), tem de ser qualificada como “inovação”.

Assim sendo, temos de concordar com o segmento da sentença impugnado em que se afirma: “Revertendo estas considerações para o caso em apreço, independentemente de estarmos perante uma relocalização da portaria ou de um acrescento, independentemente de ter ou não natureza amovível, mas tendencialmente estável, cremos que a construção implícita à deliberação impugnada importa a introdução de uma nova estrutura ao prédio que visa a melhoria da segurança e comodidade do prédio, ideia que se ajusta, com precisão, ao conceito enunciado da inovação do n.º 1 do artigo 1425.º do Código Civil.

Nesse sentido, tal deliberação carecia de ser aprovada por uma dupla maioria de pessoas e de capital: maioria absoluta de condóminos (50% + 1) e que os mesmos representem, pelo menos, 2/3 do valor total do prédio.

A ausência desta maioria qualificada, como se viu, não é suscetível de ser suprida por recurso ao artigo 1432.º n.ºs 6 a 12 do Código Civil.

Pelo que, inobservando a deliberação impugnada a maioria qualificada exigida no n.º 1 do artigo 1425.º do Código Civil, a mesma é anulável ao abrigo do n.º 1 do artigo 1433.º do mesmo diploma, também aqui com os efeitos previstos no artigo 289.º do Código Civil, limitados ao pedido formulado pelo autor, face ao disposto no artigo 609.º n.º 1 do Código de Processo Civil.”

Improcede desta forma, o recurso do condomínio nesta parte.

VI - DECISÃO:

Pelo exposto em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso do Autor e em julgar parcialmente procedente o recurso do Réu Condomínio, revogando-se a sentença na parte em que declarou anulada a deliberação tomada no âmbito do ponto 5 da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos realizada a 05/06/2021, na parte em que corresponde à aprovação de uma quota sobre todos os condóminos para pagamento do seguro coletivo do edifício.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.

Porto, 4 de junho de 2024.

Alexandra Pelayo

Fernando Vilares Ferreira [DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO do Exmº Sr. Juiz Desembargador, 1º Adjunto: Confirmaria integralmente a sentença recorrida e, portanto, também no que concerne à deliberação do ponto 5) da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos em causa, respeitante às despesas com o seguro.

Como se deixou bem notado na sentença,"quer do artigo 1429.º n.º 1 do Código Civil, quanto ao seguro obrigatório de incêndio, quer do artigo 29.º do Regulamento do Condomínio, decorre que a obrigação de celebração do seguro em causa é uma obrigação, a título principal, de cada um dos condóminos, sendo, aqui, a obrigação do Condomínio uma obrigação de natureza supletiva (a ratio das normas parece ser a de que o Condomínio deve suprir a inércia dos condóminos inadimplentes – seja dos que não celebraram o contrato de seguro, seja dos que, tendo-o celebrado, não comunicaram tempestivamente a sua celebração à administração do Condomínio –, substituindo-se a estes, já não aos que cumpriram com a sua obrigação legal e regulamentar). Pelo que não nos parece admissível que o Condomínio possa imputar aquela verba, indistintamente, a todos os condóminos – ainda que em razão da respetiva permilagem –, desconsiderando aqueles que cumprem a sua obrigação e que, com aquela solução, se mostram penalizados por suportarem duplamente um mesmo encargo".

Na verdade, a qualificação como "obrigatório" do seguro coletivo do edifício, constante do n.º 1 do artigo 29.º do Regulamento do Condomínio, apresenta-se equívoca, desde logo porque dos nºs 5, 6 e 7 do mesmo artigo resulta a possibilidade de o condómino não aderir ao dito "seguro coletivo", caso em que tem a obrigação de celebrar contrato de seguro respeitante à sua fração nas condições aí estabelecidas. Assim, da conjugação de tais disposições, parece resultar que a adesão de cada condómino ao seguro coletivo não é obrigatória, mas facultativa, como de resto bem se compreende, considerando o regime legal estabelecido para o "seguro obrigatório" na propriedade horizontal.

Por outro lado, sob o n.º 9 do art. 29.º do Regulamento do Condomínio, mostra-se estabelecida a forma de pagamento dos encargos com o prémio de seguro, que se traduz numa "prestação autónoma" por cada condómino, o que parece não ser respeitado pela deliberação impugnada.

Em suma, ao invés da posição que fez vencimento, julgo que a deliberação em questão violou desde logo o artigo 29.º do Regulamento do Condomínio, justificando-se a sua anulação nos termos determinados pela 1.ª Instância.].

Maria Eiró

_________________
[1] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, pg. 175.
[2] Obra citada, pg. 169.
[3]Paulo Pimenta in  Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 69.
[4] Antunes Varela/ Miguel Bezerra/ Sampaio e Nora, ob. cit. p. 106, 128 a 130.
[5] Ver entre outros, o Acórdão do STJ de 6.12.2022 (Relator Isaías Pádua), disponível in www.dgsi.pt.
[6] In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pg 305-306.
[7] Mesmo loc.
[8] in “Direito Processual Civil”, A.A.F.D.L, 1980, III vol. pág. 276.
[9] Factos supra 27 e ss.
[10] Proferido n P 04A1966, disponível in www.dgsi.pt.
[11] Proferido no P 25192/16.3T8PRT.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Na redação dada pelo DL 47344/66 de 25 de Novembro, que aprovou o Código Civil.
[13] Factos 34 e ss.
[14] Factos 45 e ss.
[15] In “Propriedade Horizontal–Condóminos e Condomínios”, Almedina, pgs. 133 e 134.
[16] No P2720/05, (relator Rodrigues Pires) disponível in www.dgsi.pt.
[17] Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, 3ª ed., págs. 282 e 283.