Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2331/21.7T8LOU.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Nº do Documento: RP202503282331/21.7T8LOU.P1
Data do Acordão: 04/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O tribunal da Relação, na reapreciação da decisão da matéria de facto, vai, no confronto da prova produzida, formar a sua própria convicção, controlando, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância, expressa nos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto e apenas a altera a formar diversa convicção probatória.
II - Fundando-se o sucesso da pretensão recursória no deferimento da alteração da factualidade objeto da impugnação da decisão da matéria de facto e não havendo lugar a alteração de decisão de facto, na falta fundamentos aduzidos para revogação da decisão recorrida e não se verificando motivos, para tal, de conhecimento oficioso, dada a vinculação deste tribunal, em matéria de objeto do recurso, à delimitação objetiva resultante das conclusões do mesmo, deve concluir-se, na improcedência do recurso, pela confirmação de decisão que reconheceu que o caminho, utilizado livremente por todas as pessoas desde tempos imemoriais, é público.
III - Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa-fé - cfr. art. 8º, do CPC -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual, estando associada à responsabilidade por litigância de má-fé (cfr arts 542º e segs, do CPC) - tipo central de responsabilidade processual - a prática de um ilícito meramente processual.
IV - Com tipificação das situações objetivas de má-fé - nº2, do art. 542º, do CPC -, a figura da litigância de má-fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave (elemento subjetivo), põe em causa os princípios da cooperação, da boa-fé processual, da probidade e da adequação formal, que estão subjacentes à boa administração da justiça, sendo, para a sua aplicabilidade, exigido que resulte demonstrado nos autos que a parte agiu de forma reprovável e conscientemente ao pôr em causa a boa administração da justiça.
V - Incorrem em litigância de má-fé os Réus/Reconvintes demonstrada a prática de ilícito processual consciente, de dedução de pretensão infundada e contrária à verdade dos factos (cfr. a) e b), do nº2, do art. 542º, do CPC), traduzindo a sua condenação um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando-se com ela o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2331/21.7T8LOU.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Lousada

Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Carla Torres
2º Adjunto: Des. Carlos Gil

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

………………………………

………………………………

………………………………


*
I. RELATÓRIO

Recorrentes, os Réus: AA e esposa.

Recorridos, o Autor, BB, e outros, herdeiros habilitados da falecida Autora.

BB e esposa CC propuseram a presente ação declarativa de condenação contra AA e esposa, DD, formulando os seguintes pedidos:

i) - Ser declarado e reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio supra identificado no artigo 1.º e serem os RR. condenados a reconhecer tal direito e a absterem-se da prática de atos que atentem contra aquele direito;

ii) - Ser declarado e reconhecido que o caminho identificado sob os artigos 13.º a 22.º é uma via pública, cuja dominialidade pertence à Autarquia Local – Freguesia ..., do concelho de Lousada, e serem os RR. condenados a reconhecerem-no e a absterem-se da prática de quaisquer atos que atentem contra tal caminho público e a procederem à reposição do seu leito no estado anterior, retirando as pedras, os pilares, o portão, a rede e do muro de blocos de cimento que nele colocaram, supra descritos nos artigos 23.º a 25.º, sob cominação de sanção pecuniária compulsória à razão de €500,00 por cada dia de atraso, contada desde o trânsito em julgado da sentença;

iii) - Serem os Réus condenados a absterem-se de impedir ou por qualquer forma obstaculizar a utilização do aludido caminho pelos AA., para acederem aos seus prédios supra descritos no artigo 1.º, a pé, com animais e com veículos, sob cominação de sanção pecuniária compulsória à razão de €500,00 por cada acto de incumprimento”.

Alegam, para tanto e resumidamente, o seu direito de propriedade sobre o prédio que referem, que compraram e registaram tal aquisição na Conservatória de Registo Predial a seu favor, e terem os réus ocupado um espaço de terreno por onde passa um caminho, denominado “Rua ...”, assim classificado pela Junta de Freguesia ..., que colocou no seu início, a sul, uma placa com a toponímia daquela rua, que serve terrenos de sua propriedade e faz a ligação de todos os moradores do local, inclusive dos Réus, à Rua ..., colocando pilares e um portão, invocando ser tal caminho do domínio público e de uso público desde tempos que escapam à memória dos vivos, e que, com a atuação dos Réus, ficaram impedidos de aceder com veículos à sua casa e terreno.

Citados, os Réus apresentaram contestação a defender-se por impugnação, negando os factos alegados pelos autores, referindo integrar o espaço em causa o prédio de sua propriedade e pugnando pela sua absolvição do pedido e requerem se julgue procedente a reconvenção e se condenem os Autores reconvindos a reconhecer o direito de propriedade dos Réus reconvintes sobre a área pavimentada em paralelo, que se encontra para além do portão e respetivos pilares e a absterem-se da prática de atos violadores de tal direito”, invocando terem-no adquirido por usucapião.

Mais requerem a condenação dos Autores como litigantes de má-fé em indemnização a favor dos Réus por se apresentarem a formular pretensão alegando factos falsos.

Os autores, na réplica, reiteram a posição que assumiram na petição inicial, impugnam os factos alegados pelos réus e pedem que a reconvenção e o pedido da sua condenação como litigantes de má-fé sejam julgados improcedentes, por não provados, e que os Réus sejam condenados, como litigantes de má-fé, por alegarem factos que bem sabiam ser falsos, com o objetivo de lhes ser reconhecido um direito que lhes não assiste, em multa exemplar e a pagarem uma indemnização aos Autores nunca inferior a 5.000,00€.

Notificados de tal articulado, os Réus nada disseram.

Requerida, na sequência de convite dirigido aos Réus para praticar o ato e sanar a falta (cfr. fls 56, verso), a intervenção principal da Junta de Freguesia ... e admitida a mesma (cfr. fls 56), veio esta declarar fazer seus os articulados dos autores, pedindo que a ação seja julgada procedente, nos termos peticionados pelos Autores, com todas as inerentes consequências (cfr. fls 59).

Foi, em audiência prévia, concedida a palavra aos ilustres mandatários para se pronunciarem sobre o litígio, tendo, de seguida, sido proferido despacho saneador, admitida a reconvenção, identificado o objeto do litígio, indicada como questão a discutir a “Da litigância de má-fé” e enunciados os temas da prova, conforme resulta da ata (cfr. fls 70 e segs), sendo:

- o “Objeto do litígio:” “Do reconhecimento da natureza de caminho público do espaço alegadamente ocupado pelos réus”, “Do reconhecimento pelos autores do direito de propriedade dos réus sobre o espaço em disputa”, e mais sendo indicadas como “Questões a discutir” “Da natureza de caminho público do espaço alegadamente ocupado pelos réus descrito na petição”; “Do direito de propriedade dos réus sobre esse espaço” e “Da litigância de má-fé”;

- e os Temas da prova: “Da utilização dada ao terreno em disputa há mais de 20 anos: identidade dos utilizadores, modo de uso (e infraestruturas ali implantadas e existentes), eventual oposição de terceiros, e respetiva convicção subjacente a tal uso”.


*

Notificados dos antecedentes despachos, os ilustres mandatários das partes declararam “não terem reclamações a apresentar” (cfr. fls 71).

*

Falecida a Autora foram habilitados os herdeiros da mesma (cfr. fls 112).

*

Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.

*

Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

“Pelo acima exposto, julga-se a presente ação procedente, e reconhecendo-se o direito de propriedade dos autores sobre os prédios referidos em 1, determina-se também o reconhecimento de que o caminho identificado em 10 a 16 é uma via pública cuja dominialidade pertence à Autarquia Local – Freguesia ..., do concelho de Lousada, condenando-se os réus a reconhecer o sobredito e a absterem-se da prática de quaisquer atos que atentem contra o caminho público ali existente, sendo ainda condenados a repor o leito do caminho referido no seu estado anterior, retirando as pedras, os pilares, o portão, a rede e do muro de blocos de cimento que nele colocaram, sob cominação de sanção pecuniária compulsória à razão de 100,00€ (cem euros) por cada dia de atraso, contada decorridos 10 (dez) dias desde o trânsito em julgado da sentença, absolvendo-os do demais peticionado.

Condena-se ainda os réus ao pagamento de uma multa de 8 (oito) UC’s por litigância de má-fé, à luz do previsto no art.º º 542.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Mais se julga o pedido reconvencional improcedente, dele absolvendo os autores e a interveniente.

Notifique os autores para se pronunciarem em 10 dias sobre o teor da indemnização a fixar à luz do previsto no art.º 542.º, n.º 1 e 543.º do CPC.

Custas pelos réus, sem prejuízo do apoio judiciário”.


*
Apresentaram os Réus recurso de apelação pretendendo que a “decisão recorrida seja revogada e substituída por outra” a, após alteração da decisão da matéria de facto nos termos que referem, decidir:
i) “SER JULGADA NULA A SENTENÇA PROFERIDA, PELA SUA AMBIGUIDADE E OBSCURIDADE NO QUE TANGE AO “ESPAÇO EM DISPUTA”;
ii) “SER JULGADO IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADA, EM VIRTUDE DO NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS EXIGIDOS NO ASSENTO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 19 DE ABRIL DE 1989, PARA SER ATRIBUÍDO A DOMINIALIDADE PÚBLICA AO CAMINHO EM LITÍGIO.”;
iii) SER DECLARADO NULO A CONDENAÇÃO COMO LITIGANTES DE MÁ-FÉ OS RÉUS, POR VIOLAÇÃO PROCEDIMENTAL, NOMEADAMENTE A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.”;
iv) SER JULGADO PROCEDENTE, O PEDIDO RECONVENCIONAL O RECONHECIMENTO DO ESPAÇO EM DISPUTA COMO SENDO DE PROPRIEDADE DOS AQUI RECORRENTES, DA AQUISIÇÃO DERIVADA E POR VIA DA USUCAPIÃO”,

formulando as seguintes

CONCLUSÕES:

(…)


*
Apresentaram-se os Autores a responder, pugnando pela improcedência do recurso de Apelação interposto pelos Réus e por que seja mantida inalterada a decisão quanto aos factos e ao direito postos em causa, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:

(…)


*

Pronunciou-se o Tribunal a quo, no despacho que admitiu o recurso, no sentido da inexistir a arguida nulidade da sentença.

*

Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

*

II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

1. Se a sentença é obscura e ambígua, padecendo do vício de nulidade previsto na al. c), do nº1, do art. 615º, do CPC, por não delimitar o espaço em litígio.

2. Da impugnação da decisão da matéria de facto e das alterações à decisão quanto aos itens considerados provados e não provados referidos nas conclusões da apelação (pontos 2, 4, 5, 7, 14, 16, 20, 21, 22, 23 e 27, dos factos provados, que os apelantes pretendem passem para os factos não provados, e B., C., D. e E., dos não provados, que os apelantes entendem provados).

3. Da, consequente, reapreciação da decisão de mérito no que concerne ao caminho (se público - com dominialidade da Autarquia Local – Freguesia ..., do concelho de Lousada - ou se propriedade dos Réus reconvintes).

4. Da litigância de má-fé dos Réus:

4.1. Se procede a arguida nulidade processual por preterição do contraditório, constituindo a decisão condenatória dos Réus, por litigância de má-fé, uma decisão surpresa;

4.2. Da falta de fundamento da condenação por responsabilidade processual.


*

II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. FACTOS PROVADOS

Foram os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão:
1. O conjunto predial denominado “...”, situado no Lugar ..., Freguesia ..., do concelho de Lousada, composto pelos seguintes prédios:
a. Prédio urbano, casa de rés do chão e logradouro, descrito na conservatória do registo predial de Lousada sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ...; e
b. Prédio rústico denominado “...”, cultura e videiras, descrito na conservatória do registo predial de Lousada sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ...;
foi adquirido pelos autores por escritura pública de compra e venda outorgada a fls. 71 a 74 verso do Livro n.º ...-A, em 17 de julho de 2008, no cartório notarial da notária EE.
2. Há mais de 15 e 20 anos que os autores, por si e antecessores, usaram o urbano habitando a casa, nela recebendo familiares e amigos, confecionando refeições, comendo, repousando, dormindo, e vêm cultivando o logradouro com produtos próprios da região e dele retirando os respetivos frutos.
3. E no mesmo tempo e da mesma forma o fazem no rústico, semeando erva, plantando vinha, sulfatando, vindimando, colhendo os respetivos frutos e retirando dele as demais utilidades que lhe são inerentes.
4. Em ambos fazendo obras e suportando os respetivos custos.
5. Dando-os de arrendamento e recebendo as rendas.
6. Pagando os impostos que sobre eles incidem.
7. O que tudo sempre têm feito à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tais prédios.
8. Tais prédios encontram-se descritos na conservatória do registo predial de Lousada sob os n.ºs ... e ... e aí registada a sua aquisição pelos autores pelas apresentações 23 e 24 de 2008/08/08.
9. Existe um outro acesso para o campo referido em 1.b., para uma outra via pública, por um portão com os dizeres “...”.
10. Aqueles prédios confrontam do nascente com um caminho “Rua ...”.
11. A Junta de Freguesia ... colocou no seu início, a sul, uma placa com a toponímia daquela rua.
12. Naquele caminho existem infraestruturas, designadamente, rede de distribuição de eletricidade e postes de iluminação pública;
13. Aquele caminho, denominado Rua ..., faz a ligação dos ali moradores do local à Rua ....
14. Sendo que tal caminho existe naquele local desde tempos que escapam à memória dos vivos, sempre disponível, todos os dias do ano e a qualquer hora do dia e da noite para a referida finalidade.
15. Inicialmente em terra, com largura variável entre 2 e 3 metros, permitindo a passagem de pessoas, animais e carros de bois.
16. E atualmente pavimentado em paralelo com largura variável entre 4 e 6 metros, após cedência de terreno dos prédios confinantes, dentre estes o descrito em 24, permitindo a passagem de pessoas, animais e veículos ligeiros e pesados.
17. O seu alargamento e calcetamento foi realizado pela Junta de Freguesia ..., tendo sido cedido terreno para esse alargamento pelos réus.
18. Sendo igualmente os funcionários da Junta de Freguesia ... que limpam e conservam o referido caminho.
19. Os moradores da Rua ... têm os acessos e as suas casas direcionados para o mencionado caminho, sendo este uma forma de acederem às suas casas, a pé e com veículos.
20. Os réus colocaram no aludido caminho público dois pilares de pedra e neles instalaram portões fixos, com chapa de ferro, a ocupar toda a largura do seu leito.
21. E ainda colocaram uma rede de arame suportado por ferros e construíram um muro em blocos de cimento a ocupar o espaço inserido no referido caminho.
22. E junto dessa rede depositaram pedras de grande porte, com a finalidade de construírem outro muro.
23. Impedindo a passagem desimpedida à casa a que se alude em 1.a e 2.
24. Em 25 de outubro de 1999 os réus adquiriram por Escritura Pública de Contrato de Compra e Venda o prédio urbano sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ... – Freguesia ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º ... (com origem no artigo ...) a FF e GG.
25. Este prédio tem sido utilizado pelos réus e pelos seus ante-possuidores, de forma ininterrupta, cuidando do mesmo e pagando os respetivos impostos durante mais de vinte anos, à vista de todos e sem a oposição de quem quer que seja, na convicção de serem os legítimos proprietários do prédio.
26. E a aquisição do mencionado prédio encontra-se registada a favor dos réus.
27. Os réus sabiam que haviam cedido o espaço em disputa ao domínio público antes da apresentação desta ação.

*

2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não considerou o tribunal de 1ª instância provado:
A. Que no caminho referido em 10 e seguintes existe rede de distribuição de telecomunicações.
B. Que quer os réus, quer os seus ante-possuidores, têm utilizado a zona atualmente pavimentada em paralelo a norte de onde foram colocados os pilares, o portão e a rede de vedação) de forma ininterrupta – durante mais de 20 (vinte) anos.
C. Que o fazem à vista de todos e sem a oposição de quem quer que seja.
D. Que vão limpando o local onde foi colocado o portão até ao término da área, assim como cortam as ervas, estacionam os seus carros, na convicção de que aquela concreta área lhes pertence.
E. Que o vão fazendo à vista de todas as pessoas da freguesia, inclusive dos autores, sem a interrupção de quem quer que seja, na convicção de serem os legítimos proprietários de toda a área delimitada pelos pilares em pedra, a vedação e respetivo portão por si colocados.

*

II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1º- Da nulidade da sentença.

Arguem os Apelantes, no recurso que apresentaram, a nulidade da sentença que consideram obscura e ambígua, padecendo do vício previsto na al. c), do nº1, do art.º 615.º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, por não delimitar, de forma precisa, o espaço em litígio, nomeadamente a localização, área e confrontações do alegado caminho público.
Analisemos, em primeiro lugar, da invocada nulidade, pois que a mesma contende com a própria validade da decisão.
Começa por se referir que as “Causas de nulidade da sentença”, vêm taxativamente consagradas no referido preceito que estabelece na al. c) que é nula a sentença quando “c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
As nulidades da sentença são tipificados, vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, reportando-se à estrutura, à inteligibilidade e aos limites, sendo vícios do silogismo judiciário inerentes à sua formação e à harmonia formal entre as premissas e a conclusão, que não podem ser confundidas com erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito[1]. Trata-se de um error in procedendo, nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in judicando).
E, como vícios intrínsecos daquela peça processual, as nulidades da sentença são apreciadas em função do texto da sentença e do discurso lógico que nela é desenvolvido, não podendo ser confundidas com erros de julgamento de facto nem com erros de aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito. Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, antes o mérito da relação material controvertida, nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso[2].
Os vícios da sentença são, portanto, aqueles que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[3] ou condenar ultra petitum, tendo o julgador de limitar a condenação ao que, concretamente, vem peticionado, em obediência ao princípio do dispositivo.
Os referidos vícios respeitam à “estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)”[4].

Analisemos o invocado vício, que se reporta à estrutura, exarando-se, desde já, que, a mesma não contém ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.
Quanto ao vício consagrado na al. c), os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, cumpre referir que “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b)”[5].
Verificando-se contradição entre os fundamentos e a decisão quando no raciocínio do julgador existe vício tal que apontando a fundamentação num sentido a decisão segue em sentido oposto, pelo menos diferente, constata-se que, no caso, a decisão se orienta no mesmo sentido da fundamentação.
A apontada nulidade não se verifica no caso pois que nenhuma oposição entre os fundamentos e a decisão se verifica, antes os fundamentos aduzidos conduzem, necessariamente, à decisão, que de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível não padece, antes a mesma tem um só sentido e é clara, evidente e bem percetível, prendendo-se a questão suscitada, antes com o mérito que, adiante, será objeto de reapreciação.
Conclui a apelante ser a sentença recorrida obscura e ambígua, na medida em que não delimita, de forma precisa, o espaço em litígio, nomeadamente a localização, área e confrontações do alegado caminho público e a falta de delimitação exata do espaço impede os Recorrentes de saber onde termina a sua propriedade e onde começa o alegado caminho público, tornando impossível o cumprimento do decidido pelo Tribunal, sendo que tal obscuridade ainda subsiste apesar da prova documental produzida nos autos, nomeadamente o documento emitido pelo Município ... em 06 de abril de 2023, que especifica, com medições concretas, as dimensões e características do caminho em questão.
Ora, quanto ao caminho público bem resulta do dispositivo da sentença recorrida ser ele “o caminho identificado em 10 a 16e destes itens da sentença decorre, com rigor:
“10. Aqueles prédios confrontam do nascente com um caminho “Rua ...”.
11. A Junta de Freguesia ... colocou no seu início, a sul, uma placa com a toponímia daquela rua.
12. Naquele caminho existem infraestruturas, designadamente, rede de distribuição de eletricidade e postes de iluminação pública;
(… )14. Sendo que tal caminho existe naquele local
(…) “16. … atualmente pavimentado em paralelo com largura variável entre 4 e 6 metros…”
Não se verifica a apontada nulidade, pois que a decisão é consequente com o exarado na fundamentação de direito, inteligível e consequentes são as suas razões, sendo bem percetível que o caminho público abarca toda a Rua ..., tal como a mesma se encontra configurada e tem existência no local, a qual faz a ligação à Rua ..., estando pavimentada em paralelos, e tem uma largura variável, entre 4 e 6 metros, englobado estando, assim, todo o espaço pavimentado.
Não padece, pois, a decisão do apontado vício formal, que improcede.


*
2º. Da impugnação da decisão de facto efetuada pelos Réus.
Analisemos a impugnação da decisão da matéria de facto para que, ante a definitiva definição dos contornos fácticos do caso, possamos entrar na reapreciação da decisão de mérito.
Verifica-se, para tanto, que os Réus apresentaram alegações, observando os ónus de alegar e de formular conclusões, consagrados no nº 1, do artigo 639º, e deram cumprimento aos ónus impostos pelo nº1 e 2, do artigo 640.º, referindo os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados (e tal é efetuado nas conclusões das alegações, assim delimitado estando o âmbito do recurso na vertente da impugnação da matéria de facto), indicando elementos probatórios a conduzirem à alteração dos pontos impugnados nos termos si propugnados e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e exarando, ainda, as passagens da gravação em que fundamentados vêm os recursos, preenchidos se mostrando os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão de facto, os requisitos habilitadores a tal conhecimento.
Pacífico vem a ser, mesmo na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso, podendo os demais ónus impostos vir cumpridos apenas no corpo das alegações[6].
Tem de se entender que os Recorrentes, ao cumprirem esses ónus, circunscreveram o objeto do recurso no que concerne à matéria de facto, nos termos exigidos pelo legislador e interpretados pelos Tribunais Superiores, sendo, por isso, de apreciar, o recurso, na vertente de mérito, da impugnação, estando ele balizado pelas conclusões.
*
Insurgem-se os Rés Apelantes contra a decisão da matéria de facto pretendendo que os factos julgados provados nos itens 2, 4, 5, 7, 14, 16, 20 a 23 e 27, sejam considerados não provados e que os factos julgados não provados constantes nos pontos B. a E. passem a factos provados.
Concluem ter o Tribunal a quo incorrido em erro ao julgar provados os factos 2, 4, 5 e 7 a considerar que os Autores usaram o prédio urbano de forma contínua nos últimos 15 a 20 anos, em contrariedade com a prova testemunhal e documental carreada para os autos, pretendendo passem para os não provados dado ter ficado demonstrado que desde 1984, a casa não é habitada, arrendada ou frequentada, conforme os depoimentos de HH, II, JJ e outras testemunhas consideradas credíveis pelo Tribunal, que a última ocupação efetiva do prédio pelos Autores ou seus antecessores ocorreu há mais de 40 anos, sendo que, durante este período, o imóvel permaneceu abandonado e em ruína, não tendo, também, sido valorizada adequadamente a prova documental apresentada, nomeadamente a escritura pública de compra e venda de 2008, que comprova que os Autores adquiriram o imóvel há apenas 13 anos e as fotografias e inspeções ao local demonstram o estado de ruína do prédio urbano, confirmando a inexistência de utilização contínua nos últimos 40 anos. Mais sustentam que a prova produzida nos autos, designadamente o depoimento da testemunha KK, evidencia que o prédio estava coberto por silvas e arames na altura da aquisição pelos Réus, o que contraria a narrativa de uso contínuo e habitabilidade apresentada pelos Autores. Quanto a esta matéria, refere o Tribunal a quo “… revelando-se o seu estado atual em ruína, considerou o tribunal inexistir uma utilização presente daquele espaço como habitação, mas essa utilização existiu no passado, como também se conclui da visualização da ruína em causa e foi referido pelas testemunhas que residiram nas cercanias e conheceram o local e a sua designação prevalecente, a “Quinta ...”, nomeadamente LL, MM e II, cujos depoimentos foram aferidos como credíveis”.
Ora, de nenhum interesse ou utilidade reveste a apreciação da impugnação quanto a estes itens (2, 4, 5 e 7), pois que a pretendida alteração da decisão da matéria de facto a diversa decisão do caso não pode conduzir dado que a compra efetuada pelos Autores do referido imóvel se mostra registada na Conservatória de Registo Predial, presumindo-se, por isso, o direito de propriedade dos Autores (v. art. 7º, do Código de Registo Predial[7]), o que sequer faz parte do objeto do recurso, circunscrevendo-se a pretensão recursória, quanto à decisão de mérito, à questão do caminho (público ou particular, dos Réus).

E, como bem se decidiu no proc. nº 1756/20.0T8MAI.P1, que não vimos publicado, “A Relação deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”[8].

Mostra-se inútil proceder à reapreciação da decisão de facto, quando não se extrai qualquer consequência jurídica da reapreciação dos factos impugnados”[9] ou quando resulte evidente não se poder extrair.

Ora, resultando provada a aquisição pelos Autores levada ao registo, o que pacífico é, presumindo-se o direito de propriedade dos Autores, nenhum outro facto se mostra necessário à decisão, sendo os referidos, que os Réus pretendem ver retirados dos provados e que passem para os não provados, irrelevantes.

Na verdade, “O recurso da sentença destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido no que concerne ao mérito da causa, estando a impugnação da matéria de facto teleológica e funcionalmente ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter, na sua procedência, a alteração da decisão de mérito proferida na sentença recorrida. Propósito funcional da impugnação da decisão da matéria de facto que faz circunscrever a sua justificação às situações em que os factos impugnados possam ter interferência na solução do caso, ou seja, aos casos em que a solução do pleito esteja dependente da modificação que o recorrente pretende ver introduzida nos factos a considerar na decisão a proferir.

Se a matéria impugnada pelo recorrente não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia e indiferente à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito[10] ), não deverá a Relação conhecer da pretendida alteração, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril – se os factos impugnados não forem relevantes, considerando as soluções plausíveis de direito da causa, é de todo inútil a reponderação da correspondente decisão da 1ª instância, como sucederá nas situações em que, mesmo com a substituição pretendida pelo impugnante, a solução e enquadramento jurídico do objecto da lide permaneçam inalterados[11]””[12].

Por isso, tal como decidido nos referidos Acórdãos, deve este tribunal de recurso abster-se de apreciar a impugnação da matéria de facto em causa, segundo o pretendido pelos apelantes, atenta a manifesta irrelevância e indiferença de tal matéria para a decisão da causa.
Improcede, pois, esta parte da impugnação da decisão da matéria de facto.

*

Impugnam, ainda, os Réus a decisão da matéria de facto quanto aos pontos 14, 16, 20 a 23 e 27, dos factos provados, que pretendem sejam alterados para não provados e pretendem que os factos não provados das alíneas B) a E) passem a provados.
Sustentam que o Tribunal de Primeira Instância considerou provado que o caminho denominado "Rua ..." constitui um espaço público, disponível desde tempos imemoriais para a passagem de pessoas, animais e veículos, sem interrupções no seu uso, sendo mantido e ampliado pela Junta de Freguesia ..., mas que os factos dos pontos 14. e 16. dados como provados se fundamentam, essencialmente, em depoimentos de testemunhas que não frequentam ou visitam o local há várias décadas, quatro ou mais, e que, por essa razão, carecem de conhecimento direto e atual sobre a utilização efetiva e contínua do referido caminho ao longo do tempo, sendo que as mesmas se limitaram a relatar memórias pessoais e circunstâncias vivenciadas na sua juventude, sem qualquer referência concreta ou consistente a informações transmitidas por gerações anteriores. Concluem que o Tribunal Recorrido desconsiderou a interrupção do uso do caminho, a alteração da sua configuração e dimensão, bem como os atos materiais de posse praticados pelos Recorrentes, como a instalação de portões, a construção de muros e a colocação de uma rede metálica, os quais evidenciam a exclusividade do domínio sobre o espaço em litígio e que a prova testemunhal carreada pelos Autores se revelou insuficiente para demonstrar a continuidade do uso público do caminho. Consideram que, relativamente à atuação dos Réus, resultou provado que quer os réus, quer os seus ante-possuidores, têm utilizado a zona atualmente pavimentada em paralelo a norte de onde foram colocados os pilares, o portão e a rede de vedação, de forma ininterrupta, durante mais de 20 (vinte) anos, que o fazem à vista de todos e sem a oposição de quem quer que seja, que vão limpando o local onde foi colocado o portão até ao término da área, assim como cortam as ervas, estacionam os seus carros, na convicção de que aquela concreta área lhes pertence, que o vão fazendo à vista de todas as pessoas da freguesia, inclusive dos autores, sem a interrupção de quem quer que seja, na convicção de serem os legítimos proprietários de toda a área delimitada pelos pilares em pedra, a vedação e respetivo portão por si colocados, devendo os itens B) a E) dos factos não provados passar a provados.

Assim não entendem os recorridos, como acima se expôs, nem o pode decidir este Tribunal, bem tendo considerado o Tribunal a quo, que detalhada e de modo esclarecedor, analisa:
“… no sentido da sua utilização conforme se reporta em 14 a 18, puderam pronunciar-se as testemunhas LL, de 66 anos de idade, saindo daquele local há cerca de 40 anos, descrevendo um movimento constante de pessoas pelo caminho então em terra, e que servia, entre outros, o prédio mencionado em 1.a., terminando no portão da casa, junto ao poste ali existente.
MM, também morador naquele local que conhece desde os seus 14 anos (tem 79 anos de idade), apesar de dali ter saído com cerca de 20 anos, explicou a morfologia e o trânsito de pessoas pelo caminho em termos similares aos recebidos da testemunha anterior, aludindo ao uso da casa mencionada em 1.a. do mesmo modo.
II, conhecedor da área há mais de 60 anos trouxe também relato similar quanto ao uso do espaço como caminho, aludindo ao papel da junta no alargamento e calcetamento do caminho “até lá baixo”, obtido com a cedência de terreno por vizinhos, especialmente pelos autores e pelos réus.
HH, vizinho naquele local onde reside há 60 anos, produziu um relato similar ao das citadas testemunhas, coincidindo na sua descrição do ocorrido no local ao longo dos tempos, passando dantes mais gente pelo local.
NN, de 76 anos de idade, tendo nascido ali, fez refletir nas suas palavras uma versão muito coincidente com o que as demais testemunhas haviam declarado, servindo o caminho as duas casas, de autores e de réus.
A junta teria intervindo, alargando e empedrando o espaço.
E JJ, primo dos autores, conhece o sítio porque o seu pai ali trabalhou, dali saindo quando tinha 18 anos, apresentou também declarações corroborantes.
E para resolver as dúvidas do tribunal sobre a utilização daquele caminho os próprios réus deram o seu contributo, porquanto a declaração da junta de freguesia aportada aos autos relata que o réu cedeu 120,2 m2 ao domínio público no ano de 2010 para alargamento daquele espaço, “para alargamento da via pública”, como se reporta nos autos, existindo uma declaração original, emitida em 2014, que referencia essa cedência por referência a uma planta.
E trazida essa planta aos autos, pertencente a um processo de licenciamento de habitação prosseguido pelos réus e datada de agosto de 2012, dela se extrai a cedência pelos réus ao domínio público de parte da área em disputa, pois a restante faria parte do caminho primitivo, secundando assim a versão trazida pelos autores e pela interveniente, revelando-se o conhecimento pelos réus da extensão do caminho nos termos invocados pelos autores antes de levantarem os pilares, vedação e portão em causa.
Note-se que apesar de ter sido esta a trazer esta documentação, não se suscitou qualquer dúvida quanto à sua veracidade.
E muito estranhou o tribunal a presença de um poste de iluminação pública num espaço alegadamente privado. Conforme se conclui da informação camarária recebida nos autos, das plantas juntas e dos testemunhos ouvidos, este poste, visível, por exemplo, na fotografia 7 e 9 da inspeção ao local produzida na providência apensada, posiciona-se assim no término do caminho.
Assim como seria surpreendente o calcetamento do espaço pela junta de freguesia, que não ocorreria se o solo não respeitasse a uma via de uso público.
Por conseguinte, solidificou-se não só a convicção da veracidade do mencionado em 14 a 16, como se aferindo plenamente o descrito em 27, rejeitando-se o referido em B a E”
esclarecendo, ainda: “…o relato de OO, genro dos réus, que conhece o espaço como pertencendo aos seus sogros, ali não passando mais ninguém, e de KK, cunhado dos réus, portador de relato muito similar, atribuindo aos réus o uso exclusivo do espaço, embora refira a existência anterior de um caminho estreito em terra batida e um portão ao fundo, foram desconsiderados” e “Os testemunhos de PP, conhecedor do local há mais de 30 anos, referindo a existência do caminho até um “larguinho”, divergiu na descrição do local, na frequência do caminho (“não passava lá ninguém”) e na localização do acesso ao prédio mencionado em 1.a., apesar de aludir a um portão de madeira, e de QQ, frequentador do local desde 2000, ali passando de trator, em nada contribuíram para a formação da convicção do tribunal, ponderadas as dúvidas que manifestaram e as contradições dos seus testemunhos perante os que atrás se indicam como tendo sido relevantes para essa constituição”.
A auxiliar na formação da convicção refere, ainda, o tribunal a quo “… as fotografias juntas e plantas apresentadas, sem que estas tenham revelado algo mais do que aquilo que se ouviu das pessoas presentes em audiência”, “No que respeita à informação camarária, não extrai o tribunal do seu conteúdo nada mais nesta sede do que a referência à inserção no espaço de um poste de iluminação públicae A atual presidente da junta de freguesia, RR, e o antigo presidente, SS foram ouvidos unicamente pela circunstância de serem os subscritores das informações recebidas da junta quanto às declarações de cedência de espaço ao domínio público pelos réus, com vista à obtenção da planta que ali recebe alusão, junta aos autos posteriormente” (negrito nosso). E mais deixa claro não existir prova para os factos que considerou não provados.
Na reapreciação da decisão de facto, o tribunal de recurso vai, perante a prova produzida, formar a sua própria convicção e controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância, expressa nos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto.
Ora, revisitada toda a prova e vista a decisão da matéria de facto, supra, ficou-nos a convicção de não existir o erro de julgamento que os recorrentes apontam, ao invés a matéria de facto foi, objetiva, livremente e bem decidida, sendo que cada elemento de prova de livre apreciação, não pode ser considerado de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum e na normalidade não pode este Tribunal divergir do juízo probatório do Tribunal a quo. Efetuou este Tribunal a análise da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham ou justifiquem decisão diversa – como exige o nº1, do artigo 662.º, para que o Tribunal da Relação deva proceder à alteração da decisão da matéria de facto. O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a referida factualidade, de acordo com a livre convicção que formou de toda a prova produzida nos termos que bem refere.
Com efeito, bem resulta da análise crítica de toda a prova produzida que o caminho em causa nos autos não estava integrado no imóvel dos Réus, que os Réus bem sabiam tratar-se de um caminho público, sendo que, reconhecendo o referido, cederam, mesmo, à Junta de Freguesia interveniente nos autos área de terreno para que procedesse a alargamento. Tal resultou do credível, convincente e desinteressado depoimento das testemunhas:
- RR, presidente da Junta de Freguesia ..., que bem explicou o teor da “Declaração” nº1/2014, que foi passada pela referida Junta - afirmando tê-lo sido por SS que, no ano de 2014, era o Presidente da Junta de Freguesia ... -, a pedido do Réu, a declarar que este
cedeu ao domínio público no ano de 2010 a área de 120.29m2, conforme se demonstra na planta anexa à presente declaração, sito em Rua ..., da Freguesia ..., Concelho de Lousada, para alargamento da via pública” (conforme doc. de fls 77, esclarecendo estar tudo arquivado na Junta), (negrito e sublinhado nossos) e
- SS, que foi presidente da referida Junta (já o não sendo há 10 anos), que bem revelou conhecer as partes e nenhum interesse ter no que aqui se discute, conseguindo recordar-se que a planta que vem referida na mencionada declaração, que passou, enquanto presidente da Junta de Freguesia ..., a pedido do Réu, lhe foi levada pelo próprio Réu para a Junta confirmar, referindo que tal planta é a que foi apresentada na Câmara Municipal ..., com o pedido de viabilidade da construção de casa para a filha do Réu. Bem explicou a referida testemunha a cedência, pelos Réus, de terreno à Junta, para o domínio público, para ela alargar o referido caminho e as obras levadas a cabo pela Junta no referido caminho. Esclareceu que o Réu pretendia a referida declaração da Junta, a dizer que ele já havia cedido o terreno para alargar o caminho, para prosseguimento do referido pedido de viabilidade.

Que tal caminho, onde se encontram instalados postes de iluminação pública, como informado pelo Município ... (cfr. fls 78), existe naquele local desde tempos que escapam à memória dos vivos, sempre disponível, todos os dias do ano e a qualquer hora do dia e da noite para a referida finalidade, que, atualmente, é pavimentado em paralelo com largura variável entre 4 e 6 metros, permitindo a passagem de pessoas, animais e veículos ligeiros e pesados, que os Réus colocaram uma rede de arame suportado por ferros e construíram um muro em blocos de cimento a ocupar o espaço inserido no referido caminho e junto dessa rede depositaram pedras de grande porte, com a finalidade de construírem outro muro, impedindo a passagem desimpedida à casa a que se alude em 1.a e 2 e, ainda, que os réus sabiam que haviam cedido espaço em disputa ao domínio público antes da apresentação desta ação e, como tal, que os itens 14, 16, 20 a 23 e 27 bem foram julgados provados decorre, além do já referido, da conjugação dos depoimento das seguintes testemunhas, todos eles pormenorizados, espontâneos, desinteressados e reveladores de traduzirem a verdade, por todos eles conhecida desde tenra idade, que já vinha de trás e se prolongou até ao presente:

- LL que, bem conhecendo ambas as partes, morou, durante 12 anos, na quinta, na casa do Réu (na altura velha) tendo trabalhado os campos (incluindo os que agora são dos Autores), bem conhecendo o local e mostrando conhecimento dos factos, sendo que revelou ter deixado de aí morar há 26 anos, continuando, contudo, a lá passar, o que fez, pela última vez, nem há um ano. Revelou saber que o caminho já lá está há muitos anos (sabendo estar lá há mais de 50 anos), era em terra batida, mas passava lá todos os dias muita gente, além de ser a passagem para o imóvel que é dos Autores e para o que agora é dos Réus, era a passagem para outros lados, por lá indo pessoas para a missa e aí passavam, também, carros de bois. Esclareceu que o caminho acabava na casa dos Réus e daí para baixo continuava a dar passagem por um carreiro. Sabe que o caminho foi alargado e passou a ser em paralelos e que, se o portão que os Réus colocaram no caminho estiver fechado, os Autores não têm passagem para o seu imóvel;

- MM, que, sendo o Autor segundo primo da sua esposa, conhece os Réus há muitos anos, bem conhecendo as partes e o local, tendo trabalhado na ... quando tinha 14 anos, contando agora 79 anos de idade, e referindo que o acesso às quintas vinha sendo, já então, por aquele espaço e que passava lá muita gente da freguesia, que tal caminho, que dava acesso às três casas ali existentes, era em terra batida, passavam lá carros de bois, sendo que o caminho, que começava na estrada, acabava na casa do Réu e que, sem o caminho, não há passagem para a casa dos Autores;

- II que referiu ser da terra e conhecer, há mais de cinquenta anos, e, mesmo, há mais de sessenta anos, a quinta que é dos Autores e bem saber que a passagem para a mesma sempre se fez pelo caminho acima referido, que por lá passavam pessoas para as casas, a igreja, a costureira e que sempre conheceu este caminho, e os carreiros de missa que se lhe seguem, como usado por toda a gente. Afirma que era em terra batida e lá passavam, também, carros de bois, sendo um caminho público e que tal caminho foi objeto de obras, tendo sido cedido terreno para o alargamento e a Junta de Freguesia efetuou tais obras, calcetou até lá abaixo e foi colocada uma placa com o nome da rua. Esclareceu que depois de se casar, em 1974, nunca mais frequentou o local, mas passa lá de vez em quando. Esclareceu, ainda, que o sobrinho dele, SS, lhe disse que a Junta ia alargar o caminho, que as partes cederam, para esse efeito, terreno e que a Junta ia pôr aquilo bonito.

- HH, que referiu conhecer as partes e morar no local há 61 anos, conhecendo tudo há mais de 60 anos, sendo que trabalhou 3 anos na quinta que agora é do Autor quando se casou. Referiu ter lá trabalhado e morado, até cerca de 1983, mas que também lá haviam trabalhado os pais e os avós. Referiu que o caminho, único, que havia era aquele, utilizado por quem queria passar, iam por ali abaixo para a igreja, que ele e os pais passavam pelo dito caminho e que por lá passavam muitas pessoas, que o mesmo era em terra batida, tendo largura para passarem, como passavam, carros de bois e tratores. Afirma que, agora, está em paralelos tendo sido a Junta a colocá-los.

- NN, que revelou conhecer as partes, ter nascido na freguesia há 76 anos e por ali ter vivido, perto do terreno em questão. Afirmou que o caminho, que dava acesso às duas casas referidas nos autos, ia até à esquina da casa dos Réus e ter sido a Junta a mandar calcetá-lo. Afirmou ter continuado a frequentar aquele sítio, sendo que ainda lá esteve há pouco tempo (janeiro ou fevereiro).

- JJ, primo do Autor e que conhece os Réus desde que eles vieram para aquele local que bem mostrou conhecer o caminho em terra e o, posterior, carreiro de missa, que passavam lá, com frequência, as pessoas da freguesia, que há 20 anos o caminho estava como era antigamente e sempre foi sendo - em terra batida, passando pessoas e com largura para passarem carros de bois, como passavam -, tendo as modificações verificadas (alargamento e colocação de paralelos) sido posteriores.

Os depoimentos das referidas testemunhas, bem conhecedoras do local e dos factos, septuagenários, foram convincentes e reveladores do que elas mesmas presenciaram ao longo das suas vidas e desde o tempo que conservam memória, lembrando-se, até onde as suas memórias permitem, de, sempre, toda a gente passar no caminho.

E, com efeito, as testemunhas dos Réus, OO, genro dos Réus, e PP, também familiar dos mesmos, pelo modo inverosímil e inseguro, como depuseram, mostraram ser parciais, bem deixando transparecer o seu interesse no desfecho da causa, residindo o primeiro no local e pretendendo, aí, levar a cabo construção, não mereceram credibilidade, bem resultando, do modo como depuseram, serem os seus depoimentos direcionados a um resultado favorável aos Réus. Os depoimentos de KK, cunhado dos Réus, e de QQ, que realizaram, no local, trabalhos a pedido dos Réus, não se revestiram de relevância para a formação da convicção do Tribunal nada revelando saber com rigor e precisão acerca do caminho em discussão. Não houve, pois, elementos de prova suficientemente credíveis e convincentes que permitam dar resposta diversa aos factos não provados B. a E., não resultando prova de, quer os réus quer os seus ante-possuidores, terem utilizado a zona atualmente pavimentada, em paralelos, a norte de onde foram colocados os pilares, o portão e a rede de vedação, de forma ininterrupta, durante mais de vinte anos, à vista de todos e sem a oposição de ninguém e de irem limpando e cortando as ervas e estacionando os seus carros, na convicção de aquela área pavimentada em paralelo lhes pertencer, resultando, ao invés, provado que se trata de um caminho utilizado, livremente, por décadas e décadas (mais de sete), por toda a gente, à vista de todos e ser a Junta de Freguesia ... a tratar do melhoramento, manutenção e conservação, e a nele colocar infraestruturas, incluindo uma placa com a toponímia, para uma livre passagem e utilização pública.
Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém na íntegra.
E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pelos Recorrentes, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Tendo a convicção do julgador para as referidas respostas negativas, apoio nos ditos meios de prova produzidos e na ausência de prova que permita fundar resposta diversa, é de manter a factualidade tal como decidido pelo tribunal recorrido, não sendo de aderir à posição dos Réus Apelantes.
Não resultando erros de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador (ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação), que também é, como vimos, a nossa, havendo concordância entre a apreciação probatória do Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
Não estamos perante erro de julgamento, mas, sim, ante livre convicção do julgador de 1ª instância que, também, é a nossa, não tendo este Tribunal ficado convencido das razões apresentadas pelos apelantes.

*
Improcede, pois, o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto.

*

3. Da modificabilidade da decisão de mérito.
Impugnando a decisão da matéria de facto nos termos expostos, insurgem-se os Apelantes contra a sentença, pretendendo seja a ação julgada improcedente, por não provada, em virtude do não preenchimento dos requisitos exigidos no assento do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de abril de 1989, para que o caminho em litígio possa ser considerado do domínio público. Funda-se o sucesso da pretensão recursória na procedência da pretendida alteração da factualidade objeto da impugnação da decisão da matéria de facto.
Ora, não tendo havido lugar a alteração de decisão de facto, na falta de fundamentos aduzidos para revogação da decisão recorrida independentes daquela alteração e não se verificando motivos, para tal, de conhecimento oficioso, dada a vinculação deste tribunal na sua esfera de cognição à delimitação objetiva resultante das conclusões do recurso, deve concluir-se pela improcedência do recurso, também, quanto à decisão de mérito.
Com efeito, conhecendo da natureza de caminho público do espaço ocupado pelos réus descrito na petição e da pretensão de reivindicação dos Réus em relação a tal espaço, considerou, o Tribunal a quo nos termos do “…Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/04/89, (in Diário da República - I Série, de 02/06/89), hoje com força de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência: "São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público", e “(…) entende-se, que, quando a dominialidade de certas coisas não está definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão públicas se estiverem afectadas de forma direta e imediata ao fim de utilidade pública que lhe está inerente.(…) Assim, um caminho é público desde que seja utilizado livremente por todas as pessoas, sendo irrelevante a qualidade da pessoa que o construiu e prove a sua manutenção.”
E mais analisa:
“… no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 21-01-2014 (processo 6662/09.6TBVFR.P1.S2, in www.dgsi.pt):
“I - Quanto à caracterização de um caminho como público, desde há muito se dividiu a jurisprudência: a) para uns, seria sempre necessário demonstrar que o caminho foi construído ou apropriado por uma pessoa colectiva de direito público; b) para outros, bastaria provar-se o uso directo e imediato pelo público em geral, desde que imemorial; c) finalmente, para uma terceira corrente, seria de aceitar o critério da construção ou apropriação do caminho pela entidade pública, mas o uso imemorial (directo e imediato) pelo público em geral constituiria uma presunção (ilidível) da dominialidade, prescindindo-se, nestes casos, da prova directa da construção ou apropriação pela entidade pública.
II - No sentido de pôr termo à referida divergência jurisprudencial, o Assento do STJ, de 19-04-1989, hoje com valor de jurisprudência uniformizada, firmou a seguinte jurisprudência: “São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”.
III - Não pode interpretar-se aquele Assento no sentido de excluir a dominialidade de um caminho que, tendo sido construído ou legitimamente apropriado, em data recente por pessoa colectiva de direito público, foi por ela afectado ao uso público, servindo o interesse colectivo que lhe é inerente. Nestes casos, desde que se prove que o caminho foi construído ou foi legitimamente apropriado por uma autarquia, que exerce sobre ele jurisdição, administrando-o, melhorando-o e conservando-o, não pode duvidar-se que se trata de um caminho público pertencente àquela entidade pública.
IV - A suficiência do uso imemorial a que se refere o Assento, de modo algum exclui outras vias de aquisição da dominialidade, como acontecerá quando a lei directamente integra determinada coisa na categoria do domínio público, ou quando uma pessoa de direito público, depois de a construir, produzir ou dela se apropriar, a afecta à utilidade pública.
V - Noutra perspectiva, o Assento deverá ser restritivamente interpretado de modo a evitar atribuir a qualificação de caminho público a simples atravessadouros. O atravessadouro não deixa de ser um caminho, embora alternativo e destinado a encurtar distâncias (atalho), ligando, normalmente, caminhos públicos através de prédio(s) particular(es), cujo leito faz parte integrante do prédio atravessado.
VI - O uso directo e imediato do público em geral, quando imemorial, bastará para caracterizar um caminho como público, mas é ainda necessário acrescentar que esse uso público deve reflectir a sua afectação à utilidade pública, ou seja, à satisfação de interesses colectivos de significativo grau ou relevância.”
E no seu corpo de fundamentação, assim se escreveu: “No sentido de pôr cobro à referida divergência jurisprudencial, surgiu, entretanto, o Assento deste S.T.J. de 19/04/89, que, considerando revogado o Artº 380º do C.C. de 1867 e que, determinadas vias de comunicação terrestre, como as estradas municipais e os caminhos públicos, não fazem parte do domínio público do Estado (D.L. 477/80 de 15/10 – Artº 4, e)), entendem que, “quando a dominialidade de certas coisas não está definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão públicas se estiverem afectadas de forma directa e imediata ao fim de utilidade pública que lhes está inerente”.
Daí que, diz-se na fundamentação:
“É suficiente para que uma coisa seja pública, o seu uso directo e imediato pelo público, não sendo necessário a sua apropriação, produção, administração ou jurisdição por pessoa colectiva de direito público.
Assim um caminho é público desde que seja utilizado livremente por todas as pessoas, sendo irrelevante a qualidade da pessoa que o construiu e prova a sua manutenção”.
E optou-se por essa orientação porquanto, segundo o Assento, ser a que melhor se adapta à realidade da vida “visto ser com frequência impossível encontrar registos ou documentos comprovativos da construção, aquisição ou mesmo administração e conservação dos caminhos e assim se obstar à apropriação de coisas públicas por particulares, com a sobreposição do interesse público por interesses privados”.
Na sequência desta fundamentação firmou-se o seguinte Assento, hoje com simples valor de jurisprudência uniformizada:
“São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”.
Ora, interpretando o mencionado Assento, tendo em conta a sua fundamentação, não será difícil (ou pelo menos será perfeitamente legítimo) entender que optou pela terceira orientação doutrinal acima explicitada, tanto que foi elemento essencial da decisão, a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de provar quem construiu, adquiriu ou mesmo administra e conserva o caminho, daí que o uso directo e imediato do público, desde que imemorial, seja “suficiente” para lhe atribuir a qualidade de coisa pública.
Isto é, aquele uso imemorial faz presumir a dominialidade do caminho, assim se salvaguardando a prevalência de interesse público sobre o interesse privado.
O que não pode é interpretar-se o Assento no sentido de excluir a dominialidade de um caminho que, tendo sido construído ou legitimamente apropriado, em data recente (portanto estando ausente o requisito da imemorialidade) por pessoa colectiva de direito público (por ex. pelo Município ou Junta de Freguesia), foi por ela afectado ao uso público, servindo o interesse colectivo que lhe é inerente.
Nestes casos, desde que se prove que o caminho foi construído ou foi legitimamente apropriado por uma autarquia, que exerce sobre ele, jurisdição, administrando-o, melhorando-o e conservando-o, não pode duvidar-se que se trata de um caminho público pertencente aquela entidade pública, ou seja, que estamos em presença de um bem dominial possuído pela autarquia, como tal insusceptível de apropriação particular, inalienável e imprescritível, independentemente da sua afectação ao uso directo e imediato do público nada ter de imemorial.
Como ensina Marcello Caetano (obra citada – pág. 920 e seg.) a respeito da aquisição do carácter dominial, existem bens que nascem “da actividade da Administração e por vontade dela ingressam no domínio público; ou são adquiridos por uma pessoa colectiva de direito público e só depois tornadas dominiais”.
A atribuição de carácter dominial depende de vários requisitos, designadamente (e é o que nos interessa), da afectação da coisa à utilidade pública, traduzida esta na aptidão da coisa para satisfazer necessidades colectivas.
Tal afectação “pode resultar de um acto administrativo (decreto ou ordem que determina a abertura, utilização ou inauguração) ou traduzir-se num mero facto (a inauguração) ou mesmo numa prática consentida pela Administração em termos de manifestar a intenção de consagração ao uso público. Quer dizer que não há afectação, propriamente dita, mesmo táctica, senão onde se exerça a jurisdição administrativa e portanto se possa provar o destino ao uso público com o consentimento do Poder”.
Portanto, “A afectação é o acto ou prática que consagra a coisa à produção efectiva de utilidade pública”.
Vê-se, assim, que não pode interpretar-se o Assento de 1989, no sentido de que apenas consente, como única via para caracterizar um caminho como público, o seu uso directo e imediato do público desde tempos imemoriais, como parece ter sido o entendimento das instâncias.
Não pode ser assim, nem tal resulta do aresto.
A suficiência de uso imemorial a que se refere o Assento, de modo algum exclui outras vias de aquisição da dominialidade, como acontecerá quando a lei directamente integra determinada coisa na categoria do domínio público, ou quando uma pessoa colectiva de direito público, depois de a construir, produzir ou dela se apropriar, a afecta à utilidade pública.
O uso directo e imediato pelo público é apenas um índice que evidência a publicidade da coisa, no caso, do caminho, e quando imemorial, faz presumir (presunção ilidível) a sua dominialidade, e por isso, a sua pertença a uma pessoa de direito público, uma vez que não se concebe sequer, a dominialidade em relação a coisas pertencentes a particulares”.
Ora, no caso, resulta provado que a Junta de Freguesia ..., que colocou, no início do caminho, a sul, uma placa com a toponímia da rua, no dito caminho realizou obras, nele existindo infraestruturas (designadamente, rede de distribuição de eletricidade e postes de iluminação pública), o caminho, denominado Rua ..., faz a ligação dos ali moradores do local à Rua ..., tendo os moradores da Rua ... os acessos e as suas casas direcionados para o mencionado caminho, sendo este uma forma de acederem às suas casas, a pé e com veículos, tal caminho existe naquele local desde tempos que escapam à memória dos vivos, sempre disponível, todos os dias do ano e a qualquer hora do dia e da noite para a referida finalidade e, sendo inicialmente em terra, com largura variável entre 2 e 3 metros, permitindo a passagem de pessoas, animais e carros de bois, encontra-se atualmente pavimentado em paralelos e com largura variável entre 4 e 6 metros, após cedência de terreno dos prédios confinantes, permitindo a livre passagem de pessoas, animais e veículos ligeiros e pesados, tendo o seu alargamento e calcetamento sido realizado pela Junta de Freguesia ... e são, igualmente, os funcionários da Junta de Freguesia ... que limpam e conservam o referido caminho.
Tendo-se provado que o caminho é do domínio público, por estar no uso direto e imediato de todas as pessoas, desde tempos imemoriais, sendo livremente utilizado por todos (moradores do local e não moradores) e, ainda, que a Junta de Freguesia ... dele vem cuidando, realizando obras, calcetando-o e tratando da sua manutenção e do seu alargamento, bem foi a ação julgada procedente, não podendo deixar de se considerar preenchidos os requisitos a tal atinentes. Face aos factos que resultaram provados, como bem decidiu o Tribunal a quo, o caminho em causa, todo o espaço calcetado, é público, não podendo deixar de proceder a pretensão dos Autores, de condenação dos Réus a reconhecer esse caráter público, e tem de soçobrar a pretensão dos Réus reconvintes, de reivindicação, por falta de observância, por estes, do ónus da prova dos factos constitutivos do direito que, via reconvencional, pretendem fazer valer (nº1, do art. 342º, do Código Civil).
*
4. Da litigância de má-fé dos Réus:
4.1. Da preterição do contraditório e da decisão-surpresa em matéria de responsabilidade processual.

Insurgem-se os Réus contra a decisão que os condenou como litigantes de má-fé, que consideram uma decisão-surpresa.
Ora, como resulta do relatório supra, foram os Réus notificados do articulado onde foi suscitada a questão da litigância de má-fé dos Réus e formulada a pretensão indemnizatória por responsabilidade processual (Réplica), tendo, por isso, tido, os mesmos conhecimento do referido e oportunidade de se pronunciarem quanto a tal, querendo.
E a decisão da responsabilidade processual não constitui decisão-surpresa - vedada pelo nº3, do artigo 3º -, pois que o Tribunal, em audiência prévia, deu a conhecer às partes a sua intenção de conhecer a questão da litigância de má-fé, tendo as partes, presentes, oportunidade de se pronunciarem, querendo, quanto a tal.
Não se verificou, pois, preterição do contraditório, tendo aos Réus sido conferida possibilidade de se pronunciarem, para influenciarem a decisão, quer ao nível dos factos quer ao da prova quer quanto à solução jurídica, não se estando perante uma decisão-surpresa, certo sendo, mesmo, que os Réus, depois de notificados do articulado de Réplica e de notificados de que o tribunal ia apreciar “da litigância de má-fé”, vieram, repetidamente, reafirmar as posições que assumiram nos seus articulados (cfr. fls 70 e 87), bem cientes que estavam da pretensão que havia sido formulada e da posição do Tribunal no sentido de ir conhecer da questão da litigância de má-fé e nada mais pretenderam acrescentar ao que já haviam manifestado.
Assim, não houve preterição do contraditório, a decisão não constitui decisão surpresa e resulta não verificada a arguida nulidade processual, que improcede.
*
4.2. Da responsabilidade processual dos Réus.

Condenou o Tribunal a quo os Réus, por litigância de má-fé, na multa de oito UCs, por os mesmos terem alterado a verdade dos factos, negando factos que resultaram provados, que bem conheciam, insurgindo-se os Réus quanto a tal.

A condenação de uma parte como litigante de má-fé traduz um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando alcançar o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça.

Entendeu o Tribunal a quo que a conduta dos Réus se enquadra no n.º 2, do artigo 542.º, pois que vieram apresentar defesa infundada e, mesmo, deduzir pretensão sabendo não serem os factos que alegam para a fundamentar verdadeiros.

Segundo o dever da boa-fé processual estabelecido no artigo 8.º, as partes têm a obrigação de, conscientemente não articular factos contrários à verdade.

A violação deste dever dá lugar a sanção pecuniária: indemnização e multa.

O instituto da má-fé processual, regulado nos artigos 542º a 545º visa sancionar a parte que preencha, com a sua atuação processual, a respetiva previsão.

O atual Código de Processo Civil, com a nova filosofia de colaboração que lhe está ínsita, consagrou expressamente o dever de boa-fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé, não apenas a parte que com dolo, mas também a que, com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundada, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos. Na reforma processual houve uma substancial ampliação do dever de boa-fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má-fé processual - quer a substancial quer a instrumental -, tanto na vertente subjetiva como na objetiva. A condenação por litigância de má-fé pode agora fundar-se em negligência grave, para além da situação já anteriormente prevista, a de dolo.
Na verdade, de acordo com o nº2, do art. 542º, “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
“Segundo o nº2, constituem atuações ilícitas da parte: a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da exceção (alínea a)); a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d))”[13].
Destarte, a lei tipifica as situações objetivas de má-fé, exigindo-se, simultaneamente, um elemento subjetivo (dolo ou negligência grave) - cfr. referido nº2 - já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico.
O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa-fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo”, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil. Litiga de má-fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão[14] ou em que sustenta a defesa.
Distingue-se entre má-fé material ou substancial e má-fé processual ou instrumental. A primeira tem a ver com o mérito da causa, a segunda com a conduta processual. Na primeira “a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má-fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo portanto o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé” [15].
A má-fé a se reportam as supra referidas als. a) e b) é a má-fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material[16]; as restantes alíneas contendem com a má-fé instrumental[17].

A litigância de má-fé surge como um instituto processual, de tipo público, com um sistema sancionatório próprio, especialmente regulado, não se tratando de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem através de atuações processuais. A responsabilidade por litigância de má-fé está sempre associada à verificação de um ilícito puramente processual e constitui o “tipo central da responsabilidade processual”[18].
Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes[19].
À litigância de má-fé não se basta a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, que soubesse da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição e que se encontrasse numa situação em que se lhe impusesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele. A aplicação do instituto da litigância de má-fé, à semelhança do instituto do abuso do direito, traduz uma aplicação do princípio da boa-fé no domínio processual civil, tendo de se ter em conta a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente, através da análise global dos factos provados e não provados, e não apenas de um segmento dessas factos[20].
Ora, vista a Doutrina e a Jurisprudência tendo-se em atenção a lição assim colhida, que em nosso entender plasma a interpretação mais avisada da figura jurídica do litigante de má-fé, e analisando a conduta processual dos Réus não podemos deixar de considerar que os mesmos atuaram com dolo, pondo em causa os seus deveres como litigantes, pelo que se justifica plenamente, como bem se decidiu, a sua condenação como litigantes de má-fé.
Incorrem em litigância de má-fé os Réus/Reconvintes demonstrada a prática de ilícito processual consciente, de dedução de pretensão infundada e contrária à verdade dos factos (cfr. a) e b), do nº2, do art. 542º, do CPC), traduzindo a sua condenação um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando-se com ela o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça.
Com efeito, resulta que os Réus, na contestação, onde deduziram a sua defesa, impugnaram factos verdadeiros, alterando, desse modo, a verdade dos factos. E resultou, mesmo, provado que os Réus cederam terreno à Junta de Freguesia para alargamento do caminho. Agiram, pois, contra a verdade dos factos e formularam pretensão tendente a fazerem seu um espaço que resultou constituir um caminho público.
Destarte, resultando verificar-se a referida atuação dos Réus como litigantes de má-fé, bem foi proferida condenação dos mesmos como tal. E, como se referiu, a violação dos referidos deveres dá lugar a sanção pecuniária, a multa, e, ainda, a indemnização, pedida pela parte lesada.
Litigando os Réus de má-fé, bem foram, nos termos do nº1, do art. 542º, condenados em multa à parte contrária, sendo que a multa aplicada foi no montante de 8 UCs, e estabelecendo o art. 27º, nº3, do RCP, a moldura legal entre 2 a 100 UC, a multa fixada, não excessiva, é de manter.

*

Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelos apelantes, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.

*
As custas do recurso são da responsabilidade dos recorrentes já que improcederam, totalmente, as suas pretensões recursórias (nº1 e 2, do artigo 527º).

*

III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.


*

Custas pelos apelantes.


Porto, 28 de abril de 2025

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Carla Fraga Torres
Carlos Gil
________________
[1] Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Proc. 360/09: Sumários, Abril /2014, e Ac. da RE de 3/11/2016, Proc. 1070/13, in dgsi.Net.
[2] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in dgsi.net.
[3] Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., Janeiro/2014, pág. 734.
[4] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág. 735.
[5] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág. 736-737.
[6]Com efeito, fixada foi, até, já, jurisprudência no sentido de “Nos termos da alínea c), do nº1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, nas alegações” - AUJ de 17/10/2023, proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 e v., ainda, Decisão do STJ de 27/9/2023, proferida no proc. nº2702/15.8T8VNG-C.S1.
[7] Assim rezando o referido preceito: “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
[8] Ac. RP, proferido no proc. nº 1756/20.0T8MAI.P1(Relator: Ramos Lopes).
[9] Ac. RP de 11/12/2024, proc. 84196/20.3YIPRT.P1 (Relatora: Ana Paula Amorim), acessível in dgsi.pt
[10] Critério que se reporta às soluções aventadas na doutrina e/ou na jurisprudência, ou que, em todo o caso, o juiz tenha como dignas de ser consideradas (como admissíveis a uma discussão séria) - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 188, nota 1.
[11] Acórdão da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes), no sítio www.dgsi.pt. No mesmo sentido, por mais recentes, os acórdãos do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Batista), no sítio www.dgsi.pt.
[12] Ac. RP de 30/5/2023, Proc. nº 697/22.0T8GDM.P1 (Relator: Rui Moreira).
[13] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª Edição, Almedina, pág 457
[14] Ac. RC de 16/12/2015, proc. 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net, onde se escreve “O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo“, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil.
O âmbito da má fé abrange hoje não apenas o dolo, como a “negligência grave“, introduzida com a alteração ao CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12 /12, concebida como erro grosseiro ou culpa grave, sem que seja exigível a prova da consciência da ilicitude da actuação do agente.
Por conseguinte, a lei tipifica as situações objectivas de má fé, exigindo-se simultaneamente um elemento subjectivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico. (…) Importa ter presente que actua de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado. Além disso, o dever de verdade processual (alínea b)) pressupõe que a parte tem a obrigação de indagar a realidade em que funda a sua pretensão (dever de pré-indagação)”.
[15] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 457
[16] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, 3ª ed., Coimbra Editora, p. 264.
[17] Ac. RC de 16/12/2015, proc. 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net
[18] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 461
[19] Ac. RG de 15/10/2015, proc. 3030/11.3TJVNF.G1, in dgsi.net
[20] Ac. do STJ de 10/12/2015, Proc. 551/06: Sumários, 2015, pág 692, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 706