Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MANUEL DOMINGOS FERNANDES | ||
Descritores: | ESTADO REPRESENTAÇÃO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
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Nº do Documento: | RP202102221980/19.8T8GDM-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/22/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A Autoridade Tributária e Aduaneira é um serviço público não personalizado integrado na pessoa colectiva pública que é o Estado Português e, por isso, não dispõe de personalidade jurídica nem de personalidade judiciária. II - A representação do Estado em juízo incumbe ao Ministério Público [artigo 24.º, n° 1 do CPCivil e artigos 3.º, n° 1, al. a) e 5, n° 1, al. a) do Estatuto do Ministério Público). II I- Não obstante tenha sido admitida a intervenção acessória da Autoridade Tributária e Aduaneira, a falta de personalidade e capacidade judiciárias ficam sanadas se, nesse mesmo despacho, se ordena a citação do Ministério Público para contestar nos termos estatuídos no artigo 323.º, nº 1 do CPCivil. IV - A partir desse momento é ao Ministério Público que incumbe apresentar nos autos, querendo, a respectiva contestação, razão pela qual não pode ele ratificar, dando a mesma como reproduzida para todos os legais efeitos e subscrita pelo mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 48.° do CPCivil, uma exposição articulada subscrita por jurista e dirigida pela Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso da Autoridade Tributária e Aduaneira ao Exmº Srº. Procurador. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1980/19.8T8GDM.P1-Apelação Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Gondomar-J3 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge Seabra 5ª Secção Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * I-RELATÓRIOAcordam no Tribunal da Relação do Porto: B… com os demais sinais nos autos instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra as heranças ilíquidas e indivisas, abertas por óbito de C… e D…, representadas por todos os herdeiros E… e esposa F…, G… e marido H…, I… e marido J… e, em litisconsórcio necessário, contra "K…, Lda.", na qual peticionou: a)-Ser declarado e os RR. condenados a reconhecer que a Autora é dona e legitima proprietária do prédio descrito no artigo 1º do qual faz parte a parcela de terreno a que aludem os artigos 11.° e 33.° deste petitório; b)-Ser declarado caduco o contrato de arrendamento que teve por objecto a parcela de terreno a que aludem os artigos 11.° e 33.° deste petitório, com fundamento na morte dos arrendatários; Porém, para a hipótese da acção não proceder pelo fundamento anteriormente invocado, subsidiariamente, ser decretada a resolução do aludido contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas desde o ano de 2006; c)-Ser declarada nula e de nenhum efeito a venda judicial do prédio identificado em 33.°, realizada no processo de execução fiscal número ……………. e apensos, com todas as consequências legais; d)- Ser declarado nulo o registo efectuado a favor da Ré K…, Lda., do prédio urbano referido em 33.° e ordenado o cancelamento da inscrição lavrada, com base na Ap. 910 de 2018/09/25, bem como as que sejam consequência dos autos de execução fiscal número ……………. e apensos, com referência à descrição n° 5419 da freguesia … e que, por força desses cancelamentos, seja inutilizada a dita descrição; e)-Serem os RR. condenados a restituir à A, livre e desembaraçado de pessoas e bens, a parcela de terreno pertencente à A. e a que aludem os artigos 11e 33.°; f)-Serem os RR. condenados a destruir, a suas expensas, as construções que ali implantadas e a reporem no estado que anteriormente se encontrava a parcela de terreno a que aludem os artigos 11.° e 33.°; g)-Serem os RR., condenados a absterem-se da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte da A. da parcela de terreno identificada no artigo 11e 33 da petição inicial; h)-Serem os RR. condenados no pagamento de quantia nunca inferior a € 250,00 por cada dia de atraso no cumprimento do prescrito na alínea e) e f) que antecedem, a título de sanção pecuniária compulsória, desde a data do trânsito em julgado da sentença, até que estes cumpram o decidido na mesma. * Por despacho proferido a 15.11.2019, foi admitida a intervenção acessória provocada da Autoridade Tributária e Aduaneira e citado o Ministério Público nos termos do artigo 323°, n.° 1 do Código de Processo Civil.* O Ministério Público foi citado a 01.01.2020, conforme consta do termo de citação (referência 410929602).* Foi remetido aos autos no dia 05.02.2020, documento intitulado “contestação” pela Autoridade Tributária e Aduaneira.* Por requerimento datado de 27.02.2020, veio o Ministério Público, em representação do Estado Português, ratificar a “contestação” apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.* Por requerimento datado de 27.02.2020, veio a autora requerer o desentranhamento do documento remetido por correio electrónico remetido pelo Autoridade Tributária e Aduaneira.* Conclusos os autos foi proferido despacho que determinou o desentranhamento da documentação remetida por e-mail datado de 05.02.2020, bem como do requerimento do Ministério Público datado de 27.02.2020.* Não se conformando com o assim decidido veio o Ministério Público interpor o presente recurso, rematando com as seguintes conclusões:……………………………… ……………………………… ……………………………… * Não foram apresentadas contra-alegações.* Corridos os vistos legais cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil. * No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:a)- saber se o Ministério Público podia, ou não, ratificar o documento intitulado “contestação” apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira. * A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOO quadro factual a ter em consideração é o que resulta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzido. * III- O DIREITOComo supra se referiu é apenas uma questão que no recurso vem colocada: a)- saber se o Ministério Público podia, ou não, ratificar o documento intitulado “contestação” apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Na decisão recorrida propendeu-se para o entendimento de que tal ratificação não era legalmente possível. Deste entendimento dissente o Ministério Público ora recorrente. Que dizer? O artigo 11.º do Cód. do Proc. Civil preceitua no seu nº 1 que “a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte” estatuindo depois o nº 2 da mesma disposição que “quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”. A personalidade judiciária consiste na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei. Por outro lado, o critério geral fixado na lei para se saber quem tem personalidade judiciária é o da correspondência (coincidência ou equiparação) entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária, de tal forma que todo o ente juridicamente personalizado tem personalidade judiciária. A Autoridade Tributária e Aduaneira é um organismo do Ministério das Finanças, que administra os impostos, os direitos aduaneiros e os demais tributos em Portugal, bem como exerce o controlo da fronteira externa da União Europeia e do território aduaneiro nacional.[1] Daqui resulta que a referida Autoridade não dispõe de personalidade jurídica, pelo que deve ser encarado como um simples serviço administrativo integrado na pessoa colectiva pública que é o Estado Português. Ora, o Ministério das Finanças, nos termos do Decreto-Lei n.° 117/2011, de 15 de Dezembro, é um departamento governamental, sendo a AT, de acordo com o Decreto-Lei n.° 118/2011, de 15 de Dezembro, um serviço da administração central directa do Estado. Portanto, o Ministério das Finanças e a AT não têm personalidade e capacidade judiciária, não podendo, por isso, ser parte em juízo. Como assim, em bom rigor, não devia ter sido admitida a intervenção acessória da Autoridade Tributária e Aduaneira como o foi por despacho exarado nos autos em 15/11/2019, ou seja, o pedido da intervenção acessória devia ter sido do Estado e não da referida Autoridade. Todavia, não obstante tenha sido admitida a intervenção acessória da AT, o certo é que quem foi citado para os termos do artigo 323.º, nº 1 do CPCivil, isto é, para contestar, foi o Ministério Público, que é quem representado em juízo o Estado de acordo com o preceituado no artigo 24.º do CPCivil [cfr. também artigos 3.º, nº 1, al. a) e 5.º, nº 1, al. a) da Lei nº 47/86, de 15.10–Estatuto do Ministério Público], ou seja, se vícios havia da falta dos referidos pressuposto processuais (personalidade e capacidade judiciárias) os mesmos ficaram sanados a partir de então. Acontece que, citado que foi o Ministério Público, em representação do Estado, era a ele que incumbia, no prazo de 30 dias, apresentar contestação nos presentes autos (cfr. artigo 569.°, n.° 1 do Código de Processo Civil), o que não fez. Daí que não pode a exposição articulada subscrita por jurista e dirigida pela Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso da Autoridade Tributária e Aduaneira ao Exmº Srº. Procurador, em 04/02/2020 configurar uma qualquer contestação. Efectivamente, desde logo porque apresentada por um serviço não personalizado integrado na pessoa colectiva pública que é o Estado Português, que não possuiu personalidade jurídica e judiciária, estando já assegurada nos autos a representação do Estado em juízo pelo Ministério Público, em virtude da sua citação efectuada em 08/01/2020. Aliás, diga-se, que se mostra inequívoco do seu teor, que tal peça não pretende assumir-se como o articulado de contestação da presente acção, mas, tão somente, facultar a quem é dirigido (Ministério Público) elementos com vista à contestação da acção em causa, sendo irrelevante, sob este conspecto o fato da secretaria ter promovido a notificação das demais partes de tal ato, classificando-o como “Contestação com documentos”. Desta forma, torna-se evidente, não poder o Ministério Público ratificá-la dando a mesma como reproduzida para todos os legais efeitos e subscrita pelo mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 48.° do CPCivil, já que tal normativo versa sobre facti species que aqui não se verifica, pois que, está previsto para a ratificação do processado pela própria parte em virtude da falta, insuficiência ou irregularidade do mandato. É que em termos processuais, parte é o autor ou o réu, o requerente ou o requerido, o exequente ou o executado. O Ministério Público não é parte, essa qualidade cabe à entidade por ele representada, e, portanto, o Ministério Público sendo representante não pode ele próprio ratificar acto praticado pela parte que nem sequer o é, como já acima se referiu. * Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pelo recorrente e, com elas, o respectivo recurso.* IV- DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar improcedente por não provada a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida. * Custas da apelação a cargo do Reclamante (artigo 527.º do CPCivil). * Porto, 22 de Fevereiro de 2021. Manuel Domingos Fernandes Miguel Baldaia de Morais Jorge Seabra __________ [1] Cfr. Decreto-Lei n.° 118/2011 de 15/12. |