Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
46/19.5T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: FACTOS NÃO ALEGADOS
NOTA DE CULPA
ESPECIFICAÇÃO
FACTOS IMPUTADOS
DEFICIENTE
DESCRIÇÃO DOS FACTOS
CADUCIDADE DO EXERCICIO DO PODER DISCIPLINAR
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVERES DO TRABALHADOR
DEVER DE LEALDADE
Nº do Documento: RP2021032246/19.5T8VLG.P1
Data do Acordão: 03/22/2021
Votação: UNANIMIDADE, COM DECLARAÇÃO PARA CONSTAR DA PUBLICAÇÃO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - As causas determinantes da nulidade da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente aquela e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, ou seja, são vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário.
II - A consideração de factos não alegados na decisão da matéria de facto, só é possível por via do disposto no art. 72º, nº 1 do CPT, nesse caso, pressupondo que se dê cumprimento ao disposto no nº 2, nomeadamente, possibilitando-se às partes indicarem as respectivas provas, requerendo-as imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
III - Por isso, a segunda instância não pode fazer uso do disposto no art. 72º do CPT, quando estejam em causa factos essenciais, por não poder ser dado cumprimento ao nº2 do mesmo.
IV - O cumprimento dos ónus, estabelecidos no art. 640º do CPC, exige que o recorrente concretize nas conclusões a indicação, com precisão, de quais os pontos da matéria de facto provada e não provada que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
V - Não o fazendo, tal configura a omissão de requisitos legais que, sem que seja admissível convite ao seu aperfeiçoamento, levam à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
VI – Na elaboração de uma nota de culpa não basta uma indicação genérica e imprecisa do comportamento imputado ao trabalhador. É necessário especificar os factos em que esse comportamento se traduziu, bem como as circunstâncias de tempo e lugar em que tais factos ocorreram.
VII - A razão que fundamenta as exigências quanto ao conteúdo da nota de culpa justifica igualmente que as deficiências da nota de culpa se tenham por sanadas sempre que o trabalhador demonstre ter compreendido a acusação.
VIII - Assim, a deficiente descrição dos factos imputados na nota de culpa só constituirá nulidade do processo disciplinar quando se demonstrar que o trabalhador não a compreendeu e assim não teve e viu coarctada a sua oportunidade de se defender.
IX – Contendo a nota de culpa a imputação ao arguido/trabalhador de comportamentos ocorridos antes do período a que alude o art. 329º do CT, - os 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção – tal só afecta essa concreta factualidade.
X – Em relação a comportamentos constantes da nota de culpa – ocorridos antes daquele período - existe caducidade, não podendo os mesmos ser atendidos, para efeitos de apreciação de apuramento dos deveres laborais violados pelo trabalhador, mas, não acarretam a nulidade da nota de culpa.
XI – A justa causa de despedimento pressupõe a existência de uma determinada acção ou omissão imputável ao trabalhador, a título de culpa, violadora de deveres emergentes do vínculo contratual estabelecido entre si e o empregador, que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo.
XII – É lícita a sanção disciplinar de despedimento aplicada à conduta do trabalhador que:
- se recusa a efectuar o registo de assiduidade, quando os trabalhadores da Ré, devem registar, a sua entrada e saída na empresa;
- apenas, regista as horas de saída e entrada, mas não regista a tarefa e o local para onde se deslocou, quando leva a viatura a serviço da empresa, que se destina a ser utilizada para entregar encomendas ou visitar clientes, existindo naquela um livro de registo de saída da viatura, estando todos os trabalhadores, obrigados a registar nesse livro a hora de saída e entrada com a viatura, bem como o local e tarefa que vão efectuar;
- se recusa a utilizar o seu endereço da empresa e ou utiliza o seu email particular ou então pede a alguma funcionária da Ré para enviar tais mensagens electrónicas, quando todos os trabalhadores da Ré que mantêm contactos com o exterior têm um endereço de email dedicado da empresa e que corresponde ao seu nome, seguido do domínio da empresa; e
- disse a outros trabalhadores da Ré, que iria levantar a poeira toda da empresa, ia destruir tudo e que se não fosse para ele, também não era mais ninguém e que ia levantar o lixo da empresa e que quem ia sofrer com isso eram os trabalhadores.
XIII – Os referidos comportamentos integram a violação dos deveres de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho e de realizar o trabalho com zelo e diligência e traduzem uma “ameaça” por parte do trabalhador, dirigida à empresa e aos trabalhadores, o que configura a violação dos deveres de respeito e lealdade.
XIV – Perante estes comportamentos, não é exigível à empresa/empregadora que o mantenha ao seu serviço, já que os mesmos são susceptíveis de criar dúvidas sérias e legítimas quanto à conformidade da conduta futura do trabalhador, no âmbito da relação laboral existente e que decorre da actividade profissional para que foi contratado e desempenha, destruindo a confiança necessária à existência do vínculo estabelecido entre as partes.
XV – De acordo com o dever de lealdade, no âmbito do relacionamento laboral, o trabalhador deve abster-se de qualquer acção contrária aos interesses da empregadora, susceptível de gerar a diminuição de confiança naquele.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 46/19.5T8VLG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto,
Valongo - Juízo do Trabalho - Juiz 1
Recorrente: B…
Recorrida: C…, Unipessoal, Ldª.
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Relatora: - (Rita Romeira)
Adjuntos: - (Teresa Sá Lopes)
- (António Luís Carvalhão)
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
B…, deu início à presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, através da apresentação de requerimento no formulário próprio a que se referem os art.s 98º-C e 98º-D do CPT, (Código de Processo do Trabalho, diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos, sem outra menção de origem) opondo-se à sanção de despedimento que lhe foi aplicada pela entidade empregadora, C…, UNIPESSOAL, Ldª., NIPC nº ………., com sede na Rua …, …, …, Maia.
Designado dia e realizada a audiência de partes a que alude o art. 98º-F, nº 1, não se logrou alcançar o acordo entre as partes, pese embora, tenham requerido e sido deferida a suspensão da instância para esse efeito.
A Ré, notificada para o efeito, apresentou articulado motivador do despedimento, alegando, em síntese, que:
- a C… dedica-se à fabricação e comercialização de etiquetas e prestação e serviços de design e artes gráficas.
- O Autor é trabalhador da C… desde o dia 1 de fevereiro de 2010.
- Tem o horário de trabalho de segunda a quinta-feira, das 09h00 às 18h15 e sextas-feiras das 09h00 às 17h00, com interrupção para almoço das 13h00 às 14h00
- À data da cessação do contrato de trabalho, tinha a categoria profissional de responsável/coordenador do setor de manutenção, competindo-lhe a responsabilidade pela conservação, manutenção e reparação dos equipamentos de produção.
- A empresa está num processo de certificação da qualidade ISSO…. e ISSO….., onde são exigidas várias documentações da área da manutenção, como identificar todos os equipamentos da empresa, que não foram realizadas, fazendo perigar essa certificação que é fundamental para a vida e sucesso da empresa.
- No dia 01/03/2018, a máquina D… 1 precisou de manutenção, e tendo o Autor faltado injustificadamente ao trabalho foi por isso foi necessário parar a laboração de um turno e foi o trabalhador impressor que teve de efetuar a limpeza e lubrificação da máquina para que esta ficasse minimamente funcional.
- Nos dias 14/03/2018, 25/07/2018 e 7/08/2018 o Autor também faltou injustificadamente e não estava na empresa para reparar máquinas (máquina Impressão Offset 2 cores Sormz e guilhotina) que se avariaram, o que obrigou a empresa ter de recorrer a um técnico externo, significando isto um acréscimo de custos para esta.
- O Autor também faltou ao trabalho nas seguintes datas:
- mês de Abril de 2018 – faltou pelo menos 17 dias ao trabalho, nos dias 2 a 6, 9 a 13, 16 a 20, 23 a 27;
- mês de Maio de 2018 – faltou pelo menos 19 dias ao trabalho, nos dias 3, 4, 7 a 11, 14 a 18, 21 a 25 29 a 30;
- mês de Junho de 2018 – faltou pelo menos 19 dias ao trabalho, nos dias 1, 4 a 8, 11, 12, 15, 18 a 22 e 25 a 29;
- desde o dia 6 de Julho até ao dia 29 de Agosto de 2018 (ambos inclusive), faltou ininterruptamente.
- Todos os trabalhadores devem registar a sua presença na empresa em mecanismo específico para tal (registo por impressão digital) e todos os trabalhadores (em exceção dos que têm isenção de horário de trabalho, que não é o caso do Autor), sabem que têm a obrigação de registar a sua entrada, as paragens de trabalho a meio da manhã, almoço e meio da tarde e ainda a sua saída, mas o Autor recusa-se a efetuar o seu registo de assiduidade.
- A empresa é proprietária de duas carrinhas marca Volkswagen, modelo …, matrículas ..-LX-.. e ..-LX-.., estando sempre uma viatura a serviço da empresa, destinando-se a ser utilizada nomeadamente para entregar encomendas ou visitar clientes, sempre e só após estar devidamente organizada e autorizada tal saída.
- Para organização desse serviço, na empresa existe um livro de registo de saída da viatura sendo que todos os trabalhadores, desde 25/06/2018, que sabem, por lhes ter sido comunicado pela gerência, que obrigatoriamente, quando saem com a carrinha devem comunicar às chefias que vão sair e para quê, obtendo a devida autorização para tal; registar no livro a hora de saída; registar no livro a tarefa/local para onde se deslocam e registar no livro a hora de chegada.
- Porém, o Autor pega na carrinha e sai, quando entende, sem nada dizer a ninguém e, quando regressa, regista a hora que saiu e a hora que chegou, nunca indicando a tarefa/local para onde se deslocou.
- No dia 8.10.2018, pelas 11h., o chefe de produção F… precisava de sair para fazer uma entrega de encomenda urgente ao cliente E…, Lda., em … e quando pretendia sair, a carrinha não se encontrava lá por o Autor ter pegado nela e saído sem dizer nada a ninguém, sem se saber onde estava e quando regressaria, já estando até emitida a fatura com a referência àquela viatura que estava destinada para a entrega e que afinal não pôde servir.
- Todos os trabalhadores que fazem contactos com o exterior têm um endereço de email dedicado da empresa e que corresponde ao seu nome, seguido do domínio da empresa (@C1….pt) e que devem usar exclusivamente para fins profissionais sendo que, para esses fins, só devem usar esse endereço de email e não qualquer outro particular que tenham.
- Todos os trabalhadores o sabem e todos os trabalhadores seguem este procedimento.
- Contudo o Autor recusa-se terminantemente a utilizar o seu endereço da empresa (B1…@C1….pt) e antes persiste em usar um email particular (B2…@gmail.com).
- Tal comportamento, além de desrespeitador das regras e ordens superiores, traz inconvenientes à imagem da empresa porquanto se o trabalhador usar o seu email privado transmite uma imagem de pouco profissionalismo, sem imagem corporativa, o que se não pretende.
- Por outro lado, quando realmente se torna imperioso que o contacto de email seja feito institucionalmente, o trabalhador ao invés de tratar dos assuntos da sua área de competência, como não usa o endereço de email da empresa, sistematicamente pede à responsável financeira para que enviem os emails que deveriam ser enviados por ele, importunando e desorganizando o serviço.
- No dia 5 de Julho de 2018 estando avariado um motor do elevador da máquina de cortar papel, a sócia gerente da empresa, Drª G…, que é irmã do Autor, deu ordens para que o motor fosse reparado pela empresa I…, LDA com a supervisão do técnico externo J….
- Contudo, ao arrepio de tais ordens, o Autor tentou interferir para ser ele a tratar do assunto e quando se apercebeu que a sócia gerente tinha dado ordens para ir buscar o motor retificado, confrontou-a telefonicamente referindo-lhe que quem tinha de decidir o que fazer às máquinas era ele e não ela, tendo esta respondido que quem decidia na fábrica era ela, tanto mais que a gestão de custos tinha de ser feita também por ela.
- Em resposta o Autor respondeu-lhe em voz alta e exaltada “tu não mandas nada”, “isso é o que vamos ver, eu desfaço-te a ti e à fábrica”, após o que desligou o telefonema.
- No final desse mesmo dia exigiu falar pessoalmente com a sócia gerente e pretendia fazê-lo numa sala apenas sozinho com ela.
- Esta, por receio das atitudes agressivas e ameaçadoras que vinha assumindo, recusou tal reunião.
- Encontrando-se também na sala o trabalhador K… este apelou à calma, tendo então o Autor referido “B…, diz à G… para vir já falar comigo, senão eu dou cabo da minha vida, mas garanto-te que ela vem comigo”.
- O K… pediu que se acalmasse pois não era assim que os problemas se tratavam e foi possível então haver uma reunião entre a Drª G… e o Autor mas não tendo este obtido satisfações para as suas pretensões, saiu da empresa e não mais regressou até ao dia 30 de Agosto.
- No dia 30 de Agosto, regressou à empresa e junto ao coordenador de produção F… disse-lhe “esta empresa é minha, da minha irmã e da minha mãe”, “a G… está enganada se pensa que fica com isto porque se não me der uma parte, ela também não vai ficar com nada porque vou destruir tudo”, “eu aqui mando tanto como ela”.
- No mesmo dia dirigiu-se à secretária do colega F…, abriu as gavetas e retirou de lá peças (2 botões de comando da máquina de acabamentos, vários rolamentos e outras peças) que tinham sido compradas pela empresa a mando da sua sócia gerente.
- O Autor apoderou-se das ditas peças, levou-as consigo e deu-lhes destino que a empregadora desconhece sendo certo que se não encontram na empresa.
- Isto não obstante o dito colega F… ter referido ao arguido “B… deixa as peças que foi a G… que as mandou comprar e são precisas”, ao que o arguido respondeu “eu é que sei e eu mando tanto como a G…”.
- No dia 3 de setembro, o Autor em reunião havida com a sócia gerente da empresa transmitiu-lhe que queria fazer uma reunião geral com todos os trabalhadores da empresa para que estes trabalhadores referissem se queriam ou não que o arguido se mantivesse na empresa porquanto referiu que “se eles te escolherem a ti, eu vou embora e não quero mais nada.”.
- Nessa sequência, contudo, abordou apenas os trabalhadores L… e M… que terão manifestado opinião de repúdio pela atitude desestabilizadora que o trabalhador vinha assumindo, referindo-lhe que jamais devia pôr em causa a posição da sócia-gerente, que era quem realmente liderava e bem a empresa.
- Durante essa conversa tida com estes dois colegas, o trabalhador arguido, entre outras considerações referiu que “vou levantar o lixo todo e vou destruir isto tudo”, “se isto não é para mim, também não vai ser para mais ninguém”.
- Em vários dias de Setembro de 2018 abordou colegas, nomeadamente, O… (impressor) e P… (impressor), Q… (cozinheira) e S… (comissionista), entre outros, partilhando com estes informações confidenciais que possuía sobre a empresa que se prendem com dívidas da empresa e garantias dessas dívidas e que bem sabia não dever partilhar com ninguém por lhe ter sido especificamente referido que deveria manter segredo por causa da sensibilidade do assunto.
- No dia 6 de Setembro de 2018, referindo-se à sócia gerente Dra. G… comentou com colegas, nomeadamente com T… (coordenador da área offset) que “se ela não fizer o que eu quero, eu vou levantar o tapete e vou destruir tudo e quem vai pagar são vocês, trabalhadores”.
- O Autor no dia 13 de setembro, abordou a responsável pela área administrativa U… e disse-lhe para lhe dar vária documentação, nomeadamente IES, o modelo 22 da empresa e o relatório de gestão da empresa.
- Esta trabalhadora referiu-lhe que estes documentos pertencem à sociedade e que como tal só lhos poderia facultar caso a sócia gerente, Dra. G…, lhe desse expressa indicação para isso.
- Não obstante isso, aproveitando o período de pausa dessa trabalhadora para lanchar, foi mexer nas capas onde estariam arquivados esses documentos, sendo que a dita responsável pela área administrativa, no regresso ao seu posto de trabalho, surpreendeu o Autor a mexer nas capas, tendo-as na sua mão, abertas e folheando-as.
- Face a isto, U… disse-lhe “B… não vais mexer nas capas enquanto não estiver aqui a G…, não vais pôr em causa o meu trabalho”.
- O Autor parou de mexer nas capas mas exigiu que lhe fosse dado o contacto de telemóvel do técnico oficial de contas Dr. V… o que a Dra. U… fez na tentativa que ele parasse a sua conduta.
- Contudo, dias mais tarde, esta trabalhadora e a sócia gerente, ao manusearem vários documentos, aperceberam-se que as capas onde estavam arquivados os pretendidos documentos tinham sido mexidas, estando vários documentos fora de ordem e com marcas de terem sido desagrafados e novamente agrafados, tendo sido o Autor que, por ter livre acesso às instalações, fez acesso e obteve documentos internos da empresa e cópias destes.
- O Autor não obstante lhe terem sido dadas ordens para montar um corpo de impressão da máquina D… (a máquina tem 7 corpos de impressão, que muitas vezes são usados na sua totalidade) e ser sua função fazê-lo, há mais de um ano que tem esse desmontado, pousado numa palete em plena área fabril sempre vindo a adiar esse trabalho.
- O corpo de impressão é um equipamento indispensável para o bom funcionamento da máquina, existindo duas máquinas na empresa que utilizam este corpo de impressão, e os impressores numa maneira de solucionar são forçados a proceder a troca de corpos de impressão de uma máquina para outra prejudicando e atrasando o bom desenvolvimento do trabalho.
- O Autor excedendo largamente as suas competências, encomendou à revelia da empregadora peças destinadas à máquina D… em Setembro/Outubro de 2018 à empresa suíça W… AG, no valor de 1.182,55€, acrescendo a este valor, os custos de transporte internacional efetuado pela X…, no montante de €308,08
- E entregou diretamente à responsável financeira, U…, uma fatura para que esta o reembolsasse, no montante de 779,21€, com data de Maio de 2018 (mas entregue tempos depois) relativo à empresa Y…, Lda. que se referia a assistência prestada ao veículo pessoal do arguido (ainda que este tivesse pedido para na fatura constar a matrícula de viatura da empresa) e tudo sem qualquer conhecimento ou consentimento por parte da sócia gerente, sendo que as viaturas de empresa são assistida noutra oficina (Z…, Lda.)
Mais, requereu ainda nos termos do disposto no art. 98ºJ, nº 2 do Cód. Proc. Trabalho e 392º do Código do Trabalho, que se exclua a possibilidade de reintegração do trabalhador para a hipótese de vir a ser considerado ilícito o despedimento levado a cabo. Alegando que o eventual regresso à empresa seria gravemente prejudicial e perturbador para o funcionamento da empresa e que a sua sócia gerente e os colegas de trabalho do Autor receiam a presença deste, revelando-se incapazes de trabalhar caso regressasse à empresa, dado que com a conduta mantida criou cisões na empresa que não são ultrapassáveis.
Termina, dizendo que deverá ser reconhecida a regularidade e ilicitude do despedimento do Autor promovido pela Ré e, consequentemente, julgar improcedente a presente acção de impugnação e regularidade e licitude do despedimento.
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O A. apresentou contestação e deduziu pedido reconvencional. Por excepção, defende-se, alegando que foi confrontado com uma Nota de Culpa constituída por 67 artigos, dos quais alguns nada acusavam, outros estavam descontextualizados (v.g. 1, 3, 5, 8,11,14,15, 22, 25, 26, 28, 29, 33, 43, 47, 49, 50,...) outros eram falsos (v.g. 2, 4, 6, 7, 9, 18, 21, 31, 32, 44, 45, 46, 52...), outros contendo factologia prescrita nos termos do art. 329.º, n.º 2, do CT (v.g. 10, 12, 13, 16, 17, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42 ...), e outros ainda, contendo uma factologia tão vaga e imprecisa que o arguido, mesmo esforçando-se não conseguiu alcançar (v.g. 19, 20, 34, 35, 48, 59...)
Mais, defende que a Nota de Culpa não continha os factos devidamente descritos e circunstanciados, tendo visto cerceado o seu direito de defesa e sendo a mesma ilegal, deverá ser declarada a nulidade do processo.
E, ainda, que foram considerados factos que estariam prescritos para efeitos de apreciação disciplinar, pois já seriam conhecidos pela entidade empregadora muito para lá do prazo consignado no art. 329.º, n.º 2, do Código do Trabalho, como era o caso dos alegados artigos 10, 12, 13, 16, 17, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, da Nota de Culpa.
Considera que sendo conhecidos há mais de 60 dias pela entidade empregadora, à data que foi instaurado o procedimento disciplinar, já o prazo para eventual censura disciplinar desses factos tinha prescrito, o que no seu entender acarreta que a decisão final do processo disciplinar terá de ser considerada nula e nula, igualmente, a pena de despedimento que aí lhe foi aplicada ao trabalhador.
Por impugnação alega, em síntese, que:
- transitou da empresa AB… para a C… em 01 de Fevereiro de 2010.
- Até á existência da Nota de Culpa, nunca foi confrontado com o facto de não cumprir horário; dado gozar do regime de isenção de horário, que já possuía na AB…, sem nunca sobre tal facto ter sido, em todo este tempo, minimamente interpelado.
- Em matéria de assiduidade, também nenhuma censurabilidade lhe foi apontada ao longo de todos estes anos, em que a gestão foi sempre assumida pela sua mãe.
- Já antes da sua mãe falecer em Março de 2018 era assim e continuou assim depois desse acontecimento, mesmo quando a gerência passou a ser protagonizada pela sua irmã, gerente G….
- Na empresa, os únicos que nunca marcaram ponto eram os três membros da família; mais precisamente, ele, a sua irmã G… e a mãe de ambos.
- Refere que não deu as faltas injustificadas que lhe são apontadas e que nos meses de Abril, Maio e Junho até lhe foram pagas ajudas de custo.
- Salienta que foi pai, e que esteve de licença de paternidade entre os dias 13 de Julho a 17 de Agosto, tal como foi comunicado à empregadora e à Segurança Social.
- Refere que a limpeza dos equipamentos necessários para a manutenção preventiva é da responsabilidade dos impressores.
- Apenas tem conhecimento da intenção da Ré na obtenção da certificação, não tendo sido administrada qualquer formação com esse objetivo, pese embora tenha efetuado um levantamento das máquinas provenientes da AB…, a nível de número de série, modelo e ano.
- Relativamente às ausências que levaram à alegada necessidade de recorrer a especialistas externos para reparação das máquinas, não reconhece ter faltado em 14/03/2018 e nas restantes datas efetivamente estava indisponível por se encontrar em pleno gozo de licença parental.
- Aceita que advertia para o facto de não serem dadas autorizações para que outros funcionários tentassem reparar uma ou outra máquina, por falta de formação destes, por um lado, e dada a tecnicidade destas, por outro.
- Refere no que respeita ao uso das viaturas desconhecer se existiu alguma necessidade que não foi cumprida, no entanto, de acordo com o Anexo A, verifica-se que a viatura ..-..-PV estaria disponível para efetuar esse transporte, tendo o Autor naquela data usado a viatura para proceder com uma reparação de emergência numa máquina D….
- Relativamente ao uso do seu e-mail pessoal, salienta que a própria empregadora endereçava os emails para esse mesmo email pessoal.
- No que respeita à ausência na feira Internacional AC… (alegado episódio ocorrido em Outubro de 2017), o trabalhador adoeceu, tendo comunicado a impossibilidade da sua deslocação a Bruxelas, diretamente à sua mãe (então gerente de facto).
- Aceita que tenha havida uma reunião com a empregadora, sendo porém que o tema da mesma prendia-se com o falecimento da mãe de ambos (trabalhador e gerente da empresa) e com a necessidade de reduzir a escrito o que efetivamente sucedia: regularizar a situação da empresa e serem atribuídos os 50% da mesma ao trabalhador, como sempre tinha sido definido pela mãe de ambos.
- Considera ser falso que se tenha apoderado de peças da empresa, tendo estas sido utilizadas na manutenção da máquina AD….
- Refere que requereu documentação à responsável pela área administrativa, o seu contrato de trabalho, o contrato de aquisição da máquina D… de que foi fiador e cópia da escritura da hipoteca que cauciona essa mesma máquina, sendo que relativamente ao modelo 22 e IES entende que os mesmos são documentos públicos.
Nunca mexeu em qualquer documento do arquivo (nem disso tinha necessidade) nos últimos meses em que prestou trabalho efetivo na empresa.
- Salienta que desde sempre efetuou encomendas necessárias à manutenção das máquinas, sendo este quem melhor conhece os preços e fornecedores, optando muitas vezes, para economizar milhares de euros à empresa por desenhar as peças que eram posteriormente feitas em torneiros – tudo isto, sempre no exclusivo benefício da empresa.
Em sede de reconvenção alega que:
- desde 2010 que presta trabalho para a empresa AB…, para onde transitou, com as mesmas condições de trabalho, nomeadamente, isenção de horário, a qual nunca foi devidamente paga nos termos da lei.
- Assim, a Ré deve ser condenada ao reconhecimento e pagamento desta isenção, que levou por diversas vezes, o trabalhador a deslocar-se em horário noturno à empresa e a estar por diversas vezes disponível para ser contatado, interrompendo, deste modo, a sua vivência familiar ou mesmo o seu descanso.
- O Autor sempre desempenhou as suas funções, independentemente das horas das ocorrências onde era necessário intervir, sem observância de eventual período normal de trabalho.
- Contudo, a empregadora nunca pagou ao trabalhador a retribuição devida, peticionando assim a quantia de €20.942,63 (2.343 dias x 8,92€) pela referida isenção.
- A título de indemnização por danos não patrimoniais alega que foi suspenso preventivamente, desde o dia 15 de Outubro de 2018, que violou o seu direito à ocupação efetiva.
- A suspensão preventiva e o ulterior despedimento causaram-lhe profunda indignação, bem sabendo que não eram verdadeiras as acusações que lhe eram dirigidas, tendo os seus dias foram passados com grande angústia, perdendo o interesse em ultrapassar a questão, alheando-se mesmo das suas obrigações familiares, vivendo em profunda dor e tristeza.
- Sentiu-se profundamente vexado perante os outros trabalhadores e demais pessoas com quem se relacionava diariamente. Por isso isolou-se socialmente e deixou de frequentar os lugares habituais para não ser interpelado acerca da sua situação.
- Deixou mesmo de dormir noites tranquilas e ter apetite, emagreceu e a sua cara não ocultava a sua revolta e frustração interior pelo que a empresa lhe estava a fazer.
- Passou mesmo a sofrer de ansiedade e depressão, com insónias frequentes, que o obrigaram a procurar auxílio médico e medicamentoso.
- Não conseguiu auxiliar a sua esposa que se encontrava numa fase difícil, depois de ter passado por uma cesariana que muito a debilitou. impugnando todos os artigos alegados no articulado do R., contrapondo, em síntese, a existência de contrato de trabalho e a ilicitude do procedimento de seu despedimento.
Termina com o pedido de que deve:
- ser julgada procedente, por provada a presente acção de impugnação de regularidade e licitude do despedimento e, consequentemente,
- ser declarada a ilicitude do seu despedimento,
- ser a Ré condenada a reintegrá-lo, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade,
- ser condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde Março de 2019, até ao trânsito em julgado da decisão.
- Ser julgada procedente por provada a reconvenção e, consequentemente, ser a empregadora condenada a pagar-lhe:
- a quantia de 20.942.63 a título de retribuições vencidas por isenção de horário de trabalho, acrescida de juros de mora à taxa legal, sem prejuízo das vincendas;
- a quantia de €25.000.00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
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A R. respondeu a este requerimento do A., nos termos que constam a fls. 281 e ss, além de invocar a extemporaneidade daquele, refuta o alegado pelo A. e, considera que:
- deve ser rejeitada, por manifestamente extemporânea, a contestação apresentada pelo trabalhador, ou caso tal não suceda,
- serem julgadas improcedentes por não provadas as excepções de nulidade da nota de culpa (nulidade do processo) e prescrição invocadas e,
- ser julgado improcedente por não provado o pedido reconvencional.
Concluindo como na petição inicial.
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Notificado desta veio o trabalhador propugnar pelo indeferimento do defendido pela ré.
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No despacho proferido em 12.08.2019, foi julgado tempestivo o articulado apresentado pelo trabalhador.
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Em sede de audiência prévia, nos termos documentados na acta datada de 30.09.2019, foi proferido despacho saneador e procedeu-se à identificação do objecto do processo e dos temas de prova.
Os autos seguiram para julgamento e realizada a audiência foi proferida sentença, em 07.10.2020, que terminou com a seguinte decisão:
Pelo exposto, julgo totalmente improcedente a presente ação, absolvendo a ré de todos os pedidos.
Custas pelo Autor.
Notifique.”.
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Inconformado com a sentença o Autor apresentou recurso, nos termos das alegações juntas a fls. 405 e ss., que finalizou com as seguintes “CONCLUSÕES:
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A R. contra-alegou nos termos que constam a fls. 436 vº e ss., terminando com as seguintes Conclusões:
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O recurso foi admitido e remetido a este Tribunal, tendo no mesmo momento o Mº Juiz “a quo” se pronunciado quanto à arguida nulidade da sentença, nos seguintes termos: “Vem a recorrente arguir a nulidade da sentença.
Salvo o devido e muito respeito pelo ilustre advogado do Autor entendo que a sentença não padece de tal vício, porquanto não foram considerados factos que não constassem da “Nota de Culpa”, ou relativamente aos quais o Autor não tivesse exercido o princípio do contraditório.”.
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O Ministério Público emitiu parecer nos termos do art. 87º nº 3, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, na consideração, essencialmente, de que deverá manter-se inalterada a matéria de facto e improcedendo esta, deverá manter-se a decisão recorrida, a qual efectuou correcta análise dos factos e aplicação do direito.
As partes não responderam a este parecer.
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Cumpridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, as questões suscitadas e a apreciar consistem em saber se:
- ocorre a nulidade da sentença;
- ocorre a nulidade da nota de culpa;
- deve ser alterada a matéria de facto impugnada;
- ocorre a ilicitude do despedimento, com as consequências legais daí decorrentes, como defende o recorrente, ou o seu comportamento é justa causa de despedimento, como se considerou na decisão recorrida.
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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco dos factos nos termos que se transcrevem:
«Matéria de facto provada
A)
A Ré “C…” é uma sociedade comercial por quotas unipessoal que se dedica à fabricação e comercialização de etiquetas e prestação e serviços de design e artes gráficas.
B)
O Autor, B… é trabalhador da Ré desde o dia 1 de fevereiro de 2010.
C)
À data da cessação do contrato de trabalho, o Autor tinha a categoria profissional de responsável/coordenador do setor de manutenção da Ré, competindo-lhe a responsabilidade pela conservação, manutenção e reparação dos equipamentos de produção. Nessa linha o trabalhador deveria: proceder à deteção e investigação de avarias e à execução do plano de manutenção das máquinas e equipamentos, de forma a assegurar o seu contínuo funcionamento; elaborar a ficha técnica e manual de instruções operacionais de cada máquina e equipamentos; organizar os serviços de manutenção de forma a prevenir e a resolver as ocorrências que possam ocorrer nas instalações e equipamentos produtivos; proceder à lubrificação e limpeza dos equipamentos necessários à manutenção preventiva; proceder ao registo de todas as intervenções das máquinas e equipamentos; coordenar o armazém de peças, registando as entradas e saídas de peças, mantendo o inventário atualizado.
D)
O Autor é irmão da sócia gerente da Ré, G….
E)
A Ré instaurou um procedimento disciplinar ao Autor, tendo-lhe entregue no dia 15 de
outubro de 2018 a “Nota de Culpa”, tendo na mesma data comunicado-lhe ser sua intenção proceder ao seu despedimento e que ficava suspenso preventivamente do exercício das suas funções, sem perda de retribuição.
F)
A “Nota de Culpa” tem o seguinte teor:
NOTA DE CULPA
C… UNIPESSOAL, LDA. (doravante apenas designada por C…), com sede na Rua …, ….-… Maia
contra
B…, casado, responsável/coordenador setor manutenção, residente Rua …, .., …, …. - … …,
deduz a seguinte
NOTA DE CULPA
TERMOS E FUNDAMENTOS:
1) O trabalhador arguido é trabalhador de C… desde 01/02/2010.
2) O trabalhador deve cumprir um horário de trabalho de segunda a quinta-feira, das 09h00 às
18h15 e sextas-feiras das 09h00 às 17h00, com interrupção para almoço das 13h00 às 14h00.
3) Tem a categoria profissional de responsável/coordenador do setor de manutenção, competindo-lhe a responsabilidade pela conservação, manutenção e reparação dos equipamentos de produção. Nessa linha o trabalhador deveria: proceder à deteção e investigação de avarias e à execução do plano de manutenção das máquinas e equipamentos, de forma a assegurar o seu contínuo funcionamento; elaborar a ficha técnica e manual de instruções operacionais de cada máquina e equipamentos; organizar os serviços de manutenção de forma a prevenir e a resolver as ocorrências que possam ocorrer nas instalações e equipamentos produtivos; proceder à lubrificação e limpeza dos equipamentos necessários à manutenção preventiva; proceder ao registo de todas as intervenções das máquinas e equipamentos; coordenar o armazém de peças, registando as entradas e saídas de peças, mantendo o inventário atualizado.
4) Ora, não obstante estas serem as tarefas que o trabalhador deveria realizar, e não obstante o trabalhador saber dessas suas obrigações, a verdade é que o trabalhador não realiza essas tarefas. Concretamente, o trabalhador, não procede à deteção e investigação de avarias, nem executa plano de manutenção das máquinas e equipamentos, de forma a assegurar o seu contínuo funcionamento; não elabora a ficha técnica e manual de instruções operacionais de cada máquina e equipamentos; não faz qualquer trabalho preventivo e como tal não organiza os serviços de manutenção de forma a prevenir e a resolver as ocorrências que possam ocorrer nas instalações e equipamentos produtivos; não procede à lubrificação e limpeza dos equipamentos necessários à manutenção preventiva; não procede ao registo de todas as intervenções das máquinas e equipamentos; não coordena o armazém de peças, não registando as entradas e saídas de peças, pelo que o inventário atualizado.
5) Aliás por culpa exclusiva da falta de cumprimento destas obrigações por parte do trabalhador, o principal ponto negativo que os trabalhadores da empresa colocam é precisamente a falta de manutenção das máquinas, sendo pois um problema crónico da empresa, que prejudica a produtividade e o controlo de qualidade.
6) Assim, basicamente o trabalhador na empresa apenas repara as máquinas que se avariarem e, mesmo assim, com muitos atrasos e nem sempre de forma eficiente, como infra se descreverá.
7) O incumprimento das obrigações por parte do trabalhador traz inúmeros inconvenientes à empresa, nomeadamente desvalorização e inoperacionalidade do seu parque de máquinas, originando, por vezes, quebras e paragens na produção que deve ser contínua.
8) Por outro lado, a empresa está num processo de certificação da qualidade ISSO…. e ISSO……, onde são exigidas várias documentações da área da manutenção, como identificar todos os equipamentos da empresa, como já referido em cima fichas técnicas e manuais, que até ao momento não foram realizadas, o que pode fazer perigar essa certificação que é fundamental para a vida e sucesso da empresa.
AF…:
9) Para realização das tarefas que o trabalhador deveria realizar, o trabalhador deve estar presente nas instalações da C… no seu horário de trabalho supra referido, já que as suas funções aí devem ser desempenhadas.
10) Contudo, o trabalhador arguido, desde março de 2018 que vem assumindo uma postura de incumprimento das suas obrigações, desestabilização e afronta dos seus superiores hierárquicos, que se torna absolutamente insuportável para a estabilidade que a empresa necessita para trabalhar e manter a sua actividade e postos de trabalho.
DE FACTO
11) O trabalhador cujas funções é ser técnico de manutenção, e abusando do facto de ser irmão da sócia gerente, passa longos períodos sem comparecer na empresa, sem qualquer justificação.
12) Assim, o trabalhador não compareceu, de todo, ao trabalho e nem para tal deu qualquer justificação nos seguintes períodos:
- mês de Abril de 2018 – faltou pelo menos 17 dias ao trabalho;
- mês de Maio de 2018 – faltou pelo menos 19 dias ao trabalho;
- mês de Junho de 2018 – faltou pelo menos 19 dias ao trabalho;
- desde o dia 6 de Julho até ao dia 29 de Agosto de 2018 (ambos inclusive), ininterruptamente.
13) A empregadora não consegue de momento identificar exatamente que dias o trabalhador faltou em Abril, Maio e Junho pois, como infra se referirá, o trabalhador recusa a marcação de registo de assiduidade.
14) E nos poucos dias que compareceu, nunca cumpre o seu horário, chegando mais tarde e/ou saindo mais cedo e/ou excedendo largamente o seu período de interrupção para almoço,
15) não sendo possível, também a este nível, concretizar exatamente as horas de trabalho que faz porquanto, como infra se refere, o trabalhador recusa terminantemente fazer o registo de ponto, ao arrepio do que os outros trabalhadores fazem.
16) Para além da gravidade da situação já relatada, as faltas sistemáticas e injustificadas do trabalhador originaram já situações de grandes dificuldades para a empresa pois, por exemplo, a 01/03/2018, a máquina D… 1 precisou de manutenção, o trabalhador não faltou injustificadamente ao trabalho e por isso foi necessário parar a laboração de um turno e foi o trabalhador impressor que teve de efetuar a limpeza e lubrificação da máquina para que esta ficasse minimamente funcional.
17) Nos dias 14/03/2018, 27/07/2018 e 7/08/2018 o trabalhador faltou injustificadamente e não estava na empresa para reparar máquinas que se avariaram, o que obrigou a recorrer a um técnico externo, significando isto um acréscimo de custos para a empresa.
18) AF…, o trabalhador expressou várias vezes aos outros trabalhadores que não autorizava que procedessem à manutenção das máquinas, nem a substituição de partes e, como tal, associando essa postura com a ausência sistemática mas irregular do trabalhador arguido, origina várias reclamações dos impressores em relação a manutenção e funcionamento da máquina, e são eles que algumas vezes fazem as intervenções de manutenção nas máquinas. O mesmo sucede em relação às estufas.
POR OUTRO LADO
19) o trabalhador recusa sistematicamente o cumprimento de regras gerais da empresa, aplicáveis a todos os trabalhadores, que conhece, sabe que deve cumprir e, não obstante insistentemente alertado para as cumprir, não o faz ostensivamente,
20) criando uma situação de elevado desconforto para a empresa já que os restantes trabalhadores se apercebem que o trabalhador não cumpre quando os restantes têm de cumprir.
Assim, e nomeadamente
21) Todos os trabalhadores devem registar a sua presença na empresa em mecanismo específico para tal (registo por impressão digital). Todos os trabalhadores (em exceção dos que têm isenção de horário de trabalho, que não é o caso do arguido), incluindo o arguido, sabem que têm a obrigação de registar a sua entrada, as paragens de trabalho a meio da manhã, almoço e meio da tarde e ainda a sua saída.
22) Contudo o trabalhador recusa o seu registo de assiduidade (tal como supra já se referiu).
Por outro lado,
23) A empresa é proprietária de duas carrinhas marca Volkswagen, modelo …, matrícula ..-LX-.. / ..-LX-.., estando sempre uma viatura a serviço da empresa, destinando-se a ser utilizada nomeadamente para entregar encomendas ou visitar clientes, sempre e só após estar devidamente organizada e autorizada tal saída.
24) Para organização desse serviço, na empresa existe um livro de registo de saída da viatura sendo que todos os trabalhadores, desde 25/06/2018 que sabem que obrigatoriamente, quando saem com a carrinha devem
a) Comunicar às chefias que vão sair e para quê, obtendo a devida autorização para tal;
b) Registar no livro a hora de saída;
c) Registar no livro a tarefa/local para onde se deslocam;
d) Registar no livro a hora de chegada.
25) Todos os trabalhadores, com exceção do arguido, cumprem tais instruções.
26) Ora, o trabalhador, pega na carrinha e sai, quando entende, sem nada dizer a ninguém e, quando regressa, regista a hora que saiu e a hora que chegou, mas nunca indicando a tarefa/local para onde se deslocou.
27) Tal conduta, além de acintosa com a sua chefia, causa muita perturbação na empresa pois desorganiza o serviço e por vezes impede que o serviço da empresa seja feito convenientemente.
28) Assim, por exemplo, no passado dia 8.10.2018, pelas 11h., o chefe de produção F… precisava de sair para fazer uma entrega de encomenda urgente ao cliente E…, Lda., em … e quando pretendia sair, surpreendentemente, a carrinha não se encontrava lá por o trabalhador ter pegado nela e
saído sem dizer nada a ninguém, sem se saber onde estava e quando regressaria.
AF…
29) Todos os trabalhadores que fazem contactos com o exterior têm um endereço de email dedicado da empresa e que corresponde ao seu nome, seguido do domínio da empresa (@C1….pt) e que devem usar exclusivamente para fins profissionais sendo que, para esses fins, só devem usar esse endereço de email e não qualquer outro particular que tenham.
30) Todos os trabalhadores o sabem e todos os trabalhadores seguem este procedimento.
31) Contudo o trabalhador arguido recusa-se terminantemente a utilizar o seu endereço da empresa (B1…@C1….pt) e antes persiste em usar um email particular (B2…@gmail.com).
32) Tal comportamento, além de desrespeitador das regras e ordens superiores, traz inconvenientes à imagem da empresa porquanto se o trabalhador usar o seu email privado transmite uma imagem de pouco profissionalismo, sem imagem corporativa, o que se não pretende.
33) Por outro lado, quando realmente se torna imperioso que o contacto de email seja feito institucionalmente, o trabalhador ao invés de tratar dos assuntos da sua área de competência, como não usa o endereço de email da empresa, sistematicamente pede à responsável financeira (U…) para que seja ela a enviar os emails que deveriam ser enviados pelo trabalhador, importunando esta, desorganizando o serviço, ocupando a esta tempo que deveria dedicar às suas tarefas e causando mau estar pois, de facto, a responsável financeira não é secretária particular do trabalhador e é assim que este a trata, a este nível.
34) Aliás, por causa de tal circunstância, já uma vez o trabalhador recusou estar presente numa feira internacional (AC…), em Bruxelas, já quando estava paga a sua viagem e estadia, precisamente porque não aceitou que nos seus cartões de visita constasse o endereço dedicado da empresa.
AF…:
35) São várias e graves as situações recentes em que o trabalhador vem assumindo postura de agressividade e desrespeito para com a empregadora, particularmente para com a Diretora Geral e sócia gerente da C…, Dra. G….
DE FACTO:
36) No dia 5 de Julho de 2018 estando avariado um motor do elevador da máquina de cortar papel, a Diretora Geral deu ordens para que o motor fosse reparado pela empresa I…, LDA com a supervisão do técnico externo J….
37) Contudo, ao arrepio de tais ordens, o trabalhador sobrepôs-se às ordens da sócia-gerente e tentou interferir para ser ele a tratar do assunto.
38) O trabalhador quando se apercebeu que a sócia gerente tinha dado ordens para ir buscar o motor retificado, confrontou a sócia-gerente telefonicamente referindo-lhe que quem tinha de decidir o que fazer às máquinas era ele e não a sócia-gerente e que naquele caso a máquina não era para retificar mas para comprar outra nova.
39) A sócia-gerente respondeu que quem decidia na fábrica era ela tanto mais que a gestão de custos tinha de ser feita também por ela.
40) O trabalhador, em voz alta e exaltada de tal forma que se ouvia por fora do telefone, respondeu “tu não mandas nada”, “isso é o que vamos ver, eu desfaço-te a ti e à fábrica”, após o que o arguido desligou a comunicação.
41) No final desse mesmo dia o trabalhador exigiu falar pessoalmente com a sócia gerente, mas pretendia fazê-lo numa sala apenas sozinho com ela. Esta, por receio das atitudes agressivas e ameaçadoras que o trabalhador vinha assumindo, recusou tal reunião. Por tal a Diretora Geral, pediu a B1… que transmitisse ao arguido que não reuniria nessas condições. O arguido respondeu “B…, diz à G… para vir já falar comigo, senão eu dou cabo da minha vida, mas garanto-te que ela vem comigo”.
42) O K… pediu que se acalmasse pois não era assim que os problemas se tratavam e foi possível reunião entre a Diretora Geral e o trabalhador mas, não tendo o arguido obtido satisfações para as suas pretensões (alheias ao trabalho que deveria desempenhar e que se prendem com exigências ilegítimas do trabalhador relativamente à titularidade da empresa), o trabalhador saiu da empresa e não mais regressou até dia 30 de Agosto.
43) No dia 30 de Agosto, o trabalhador regressou à empresa e junto ao coordenador de produção (F…) disse-lhe “esta empresa é minha, da minha irmã e da minha mãe”, “a G… está enganada se pensa que fica com isto porque se não me der uma parte, ela também não vai ficar com nada porque vou destruir tudo”, “eu aqui mando tanto como ela”.
44) No mesmo dia, o trabalhador arguido dirigiu-se à secretária do colega F…, abriu as gavetas e retirou de lá peças (2 botões de comando da máquina de acabamentos, vários rolamentos e outras peças destinadas a resolver problemas de manutenção já comunicadas ao trabalhador mas que este não solucionou). As ditas peças tinham sido compradas pela empresa com o fim sobredito e a mando da sócia-gerente.
45) O arguido apoderou-se das ditas peças, levou-as consigo e deu-lhes destino que a empregadora desconhece.
46) Isto não obstante o dito colega F… ter referido ao arguido “B… deixa as peças que foi a G… que as mandou comprar e são precisas”, ao que o arguido respondeu “eu é que sei e eu mando tanto como a G…”.
47) No dia 3 de Setembro, o trabalhador, em reunião havida com a sócia-gerente e tendente a resolver o crescente clima de agressividade e desestabilização laboral levado a cabo pelo trabalhador arguido, o trabalhador transmitiu que queria fazer uma reunião geral com todos os trabalhadores da empresa para que estes trabalhadores referissem se queriam ou não que o arguido se mantivesse na empresa porquanto referiu que “se eles te escolherem a ti, eu vou embora e não quero mais nada.”. Nessa sequência, contudo, abordou apenas os trabalhadores L… e M… que terão manifestado opinião de repúdio pela atitude desestabilizadora que o trabalhador vinha assumindo, referindo-lhe que jamais devia pôr em causa a posição da sócia-gerente, que era quem realmente liderava e bem a empresa.
48) Durante essa conversa tida com estes dois colegas, o trabalhador arguido, entre outras considerações referiu que “vou levantar o lixo todo e vou destruir isto tudo”, “se isto não é para mim, também não vai ser para mais ninguém”.
49) Em vários dias de Setembro de 2018 (que já não se consegue precisar exatamente quais), o trabalhador arguido abordou colegas, nomeadamente, O… (impressor) e P… (impressor), Q… (cozinheira) e S… (comissionista), entre outros, partilhando com estes informações confidenciais que possuía sobre a empresa e que bem sabia não dever partilhar com ninguém por lhe ter sido especificamente referido que deveria manter segredo por causa da sensibilidade do assunto, bem como ameaças a sócia-gerente e à empresa.
50) O trabalhador partilhou com os trabalhadores informações que conhece (por ser irmão da sócia-gerente) e que se prendem com dívidas da empresa e garantias dessas dívidas.
51) AF…, no dia 6 de Setembro de 2018, referindo-se à sócia gerente Dra. G…, comentou com colegas, nomeadamente com T… (coordenador da área offset) que “se ela não fizer o que eu quero, eu vou levantar o tapete e vou destruir tudo e quem vai pagar são vocês, trabalhadores”.
52) Todas estas atitudes, além de traduzirem uma quebra grave de confiança para com a sua empregadora, são atitudes que prejudicam gravemente a estabilidade e tranquilidade dos trabalhadores que receiam pela estabilidade económica da empresa e consequentemente pela manutenção dos seus postos de trabalho, podendo consequentemente reduzir a sua motivação no trabalho. Além de que esta constante atitude, desconcentra os trabalhadores das suas normais funções, alimentando temas sem qualquer fundamento de verdade só para servir os intentos terroristas do trabalhador arguido.
A ACRESCER,
53) o trabalhador, aproveitando-se da confiança que em si a sócia-gerente depositava (por ser seu irmão), tem feito acesso a documentos internos da empresa, que lhe não dizem respeito e que sabe lhe estão vedados.
54) Assim, concretamente, no dia 13 de setembro, o trabalhador abordou a responsável pela área administrativa (U…) e disse-lhe para lhe dar vária documentação, nomeadamente IES, o modelo … da empresa e o relatório de gestão da empresa).
55) Esta trabalhadora referiu ao arguido que estes documentos pertencem à sociedade e que como tal só lhos poderia facultar caso a sócia gerente, Dra. G…, lhe desse expressa indicação para isso.
56) Não obstante isso, aproveitando o período de pausa dessa trabalhadora para lanchar, o arguido foi mexer nas capas onde estariam arquivados esses documentos, sendo que a dita responsável pela área administrativa, no regresso ao seu posto de trabalho, surpreendeu o arguido a mexer nas capas, tendo-as na sua mão, abertas, e folheando-as.
57) Face a isto, U… disse ao arguido “B… não vais mexer nas capas enquanto não estiver aqui a G…, não vais pôr em causa o meu trabalho”.
58) O arguido parou de mexer nas capas mas exigiu que lhe fosse dado o contacto de telemóvel do técnico oficial de contas (Dr. V…) o que a Dra. U… fez na tentativa que o arguido parasse a sua atitude, e o trabalhador parou.
59) Contudo, dias mais tarde, esta trabalhadora e a sócia-gerente, ao manusearem vários
documentos, aperceberam-se que as capas onde estavam arquivados os pretendidos documentos tinham sido mexidas, estando vários documentos fora de ordem e com marcas de terem sido desagrafados e novamente agrafados, tendo sido o arguido que, por ter livre acesso às instalações, fez acesso e obteve documentos internos da empresa e cópias destes.
60) Ainda, na noite de 11 para 12 de outubro, concretamente no dia 12, às 00h.30m., o arguido, aproveitando-se do facto de não se encontrar ninguém nos escritórios, introduziu-se abusivamente no escritório da área comercial e fez acesso a documentos dessa área, nomeadamente orçamentos e plano de produção, a que sabe bem não poder ter acesso,
61) conduta perfeitamente abusiva e que não pode, de forma alguma, praticar.
AF…
62) O trabalhador arguido não cumpre sistematicamente as suas funções pois, como já se disse, ausenta-se sistematicamente da empresa, não estando e não cumprindo as suas obrigações e, mesmo quando está, não realiza as suas tarefas.
63) Assim, concretamente, não obstante já lhe terem sido dadas concretas ordens para montar um corpo de impressão da máquina D… (a máquina tem 7 corpos de impressão, que muitas vezes são usados na sua totalidade), há mais de um ano que o tem desmontado, sempre adiando esse trabalho, não o fazendo e causando com isso inconveniente à empresa pois o corpo foi desmontado para manutenção, para retificação dos rolos e rolamentos. O trabalhador iniciou a manutenção em novembro de 2017, desmontando-o e deixou por montar até à data de hoje, não esclarecendo o motivo.
O corpo de impressão é um equipamento indispensável para o bom funcionamento da máquina, existindo duas máquinas na empresa que utilizam este corpo de impressão, e os impressores numa maneira de solucionar são forçados a proceder a troca de corpos de impressão de uma máquina para outra prejudicando e atrasando o bom desenvolvimento do trabalho.
A ACRESCER
64) O arguido sistematicamente ignora as instruções que forem recebidas da sócia-gerente e quando estas ordens são transmitidas aos restantes colegas, o arguido seguidamente vai ter com esses colegas, desdiz as ordens que foram dadas e ordena que seja feito de outra forma, como alterar a entrada de trabalhos em máquina, já programada pelo coordenador de produção (F…).
65) Por outro lado, o arguido, excedendo largamente as suas competências, procede diretamente a diversas encomendas em nome da empresa, com o seu e-mail pessoal, quando bem sabe que só o pode fazer depois de ter recebido autorização por parte da Diretora Geral pois, por si só não tem autoridade para isso.
AF… tal já lhe foi por diversas vezes dito.
66) Face aos factos descritos, o trabalhador violou de forma grave, culposa e reiterada as suas obrigações, maxime os seus deveres de respeito, assiduidade e pontualidade, zelo e diligência, obediência, e lealdade, a que está obrigado (art. 128º do Cód. Trabalho), constituindo os factos descritos, justa causa de despedimento (art. 351º, nºs 1 e 2 do Código do Trabalho).
67) A violação destes deveres, sendo grave em si mesma, trouxe e traz graves consequências para a empregadora.
Face à gravidade do comportamento do trabalhador e consequências do mesmo, e a considerarem-se provados os factos de que o trabalhador vem acusado, torna-se imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral, pelo que é intenção da entidade patronal proceder ao despedimento, com justa causa, do trabalhador.
Maia, 15 de Outubro de 2018
A SÓCIA- GERENTE
G)
No culminar desse procedimento disciplinar, a Ré em 12 de dezembro de 2018 decidiu aplicar ao B… a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização.
H)
O horário de trabalho do Autor era das 9,00 horas às 18,15 horas de segunda-feira a quinta- feira e das 9,00 horas às 17,00 horas, na sexta-feira, com uma hora para almoço.
I)
A Ré em 2018 encontrava-se num processo de certificação da qualidade ISSO…. onde era exigido vários documentos da área da manutenção, não tendo o Autor identificado os equipamentos da empresa, fazendo perigar a obtenção dessa certificação fundamental para o sucesso da empresa, pela possibilidade de abertura a novos mercados.
J)
Dado o Autor nos dias 14 de março de 2018 e 25 de julho de 2018 ter faltado e ser necessário proceder à reparação de uma máquina de impressão a cores e de uma guilhotina, respetivamente, a Ré teve de se socorrer de empresas externas para as reparar, tendo-lhes pago o preço pelo serviço prestado.
K)
Os trabalhadores da Ré, incluindo o Autor, devem registar a sua entrada e saída na empresa, mas o Autor recusa-se a efetuar tal registo de assiduidade.
L)
A Ré é proprietária de duas carrinhas marca Volkswagen, modelo …, de matrículas ..-LX-.. e ..-LX-.., estando sempre uma viatura a serviço da empresa, destinando-se a ser utilizada nomeadamente para entregar encomendas ou visitar clientes, existindo na empresa um livro de registo de saída da viatura, estando todos os trabalhadores, obrigados a registar nesse livro a hora de saída e entrada com a viatura, bem como o local e tarefa que vão efetuar.
M)
O Autor quando leva essa carrinha apenas regista as horas de saída e entrada, mas não
regista a tarefa e o local para onde se deslocou.
N)
Todos os trabalhadores da Ré que mantêm contactos com o exterior têm um endereço de
email dedicado da empresa e que corresponde ao seu nome, seguido do domínio da empresa (@C….pt) mas o Autor recusa-se a utilizar o seu endereço da empresa (B1…@C1….pt) e ou utiliza o seu email particular ou então pede a alguma funcionária da Ré para enviar tais mensagens eletrónicas.
O)
No final do mês de Agosto de 2018, disse ao coordenador de produção da Ré, F… que “esta empresa é minha, da minha irmã e da minha mãe”.
P)
No princípio de Setembro de 2018, o Autor disse aos trabalhadores da Ré, L… e M…, que iria levantar a poeira toda da empresa, ia destruir tudo e que se não fosse para ele, também não era mais ninguém.
Q)
Ainda nesse mês disse ao também trabalhador da empresa T…, que ia levantar o lixo da empresa e que quem ia sofrer com isso eram os trabalhadores.
R)
O Autor em Setembro de 2018, abordou a responsável pela área administrativa da Ré, U… e pediu para que esta lhe entregasse o IES relativo ao ano de 2017, bem como o modelo 22 da empresa, tendo esta respondido que só não o podia fazer sem ter a autorização da Drª G….
S)
Após a U… viu o Autor a mexer nas pastas que continham tais documentos e disse-lhe para parar.
T)
Dias mais tarde, a U… e a Drª G… verificaram que nas pastas de contabilidade estavam documentos fora de ordem e outros com sinal de terem sido desagrafados e tornados a agrafar.
U)
O Autor, não obstante, lhe caber montar um corpo de impressão da máquina D…, tinha há mais de seis meses, esse corpo desmontado em plena área fabril, sendo o mesmo importante para o bom funcionamento da máquina, atrasando com essa conduta o trabalho que tinha de ser efetuado.
V)
O Autor resolveu encomendar em outubro de 2018 à empresa suíça “W…”, através do seu email pessoal e sem o conhecimento da Ré, uma peça “AG…” para a máquina D…, no valor de €1.182,55, acrescido de despesas de transporte internacional efetuado pela X…, no montante de cerca de trezentos euros.
W)
O Autor, sem o consentimento da Ré, entregou à responsável financeira desta, uma fatura para que fosse paga, no montante de € 779,21, com data de 18 de Maio de 2018 relativo à empresa “Y…, Lda” que se referia a assistência prestada a um veículo automóvel, constando porém nessa fatura a matrícula de uma das viaturas da Ré e estando esta factura emitida em nome da “C… Unipessoal, Ldª”.
X)
Em consequência de lhe ter sido movido um procedimento disciplinar e de ter sido despedido, o Autor ficou triste e deprimido.
Matéria de facto não provada:
1)
No dia 1 de março de 2018, a máquina D… precisou de manutenção, e tendo o Autor faltado injustificadamente ao trabalho foi necessário parar a laboração de um turno e foi o trabalhador impressor quem teve de efetuar a limpeza e lubrificação da máquina para que esta ficasse minimamente funcional.
2)
O Autor faltou ao trabalho desde o dia 6 de Julho até ao dia 29 de Agosto de 2018.
3)
No dia 8 de outubro de 2018, pelas 11h., o chefe de produção F… precisava de sair para fazer uma entrega de encomenda urgente ao cliente E…, Lda., em … e quando pretendia sair, a carrinha não se encontrava lá por o Autor ter pegado nela e saído sem dizer nada a ninguém, sem se saber onde estava e quando regressaria, já estando até emitida a fatura com a referência àquela viatura que estava destinada para a entrega e que afinal não pôde servir.
4)
O Autor no final do mês de agosto de 2018 tenha dito ao coordenador de produção F… que “a G… está enganada se pensa que fica com isto porque se não me der uma parte, ela também não vai ficar com nada porque vou destruir tudo”, “eu aqui mando tanto como ela”.
5)
Também nessa altura tenha retirado e levado consigo dois botões de comando da máquina de acabamentos, vários rolamentos e outras peças que tinham sido compradas pela Ré.
6)
O Autor tenha retirado das pastas e obtido documentos internos da empresa e cópia destes.
7)
O Autor gozasse do regime de isenção do horário de trabalho.».
*
B) O DIREITO
1- Nulidade da sentença
O recorrente, como decorre das sua alegações e das conclusões supra transcritas veio arguir a nulidade da sentença, alegadamente, por esta ter tomado em consideração a matéria de facto provada (facto J), entende que “há manifesto erro de julgamento, erro esse que conduz, inevitavelmente, à nulidade do decidido,...” e por, “considerar factos nunca apresentados na nota de culpa, deles se servindo para motivar a decisão”, o que considera “acaba por fulminar a legalidade da sentença”.
Concluindo que “Questões como as referidas nos factos dados como provados V) e W), nunca constaram da nota de culpa. Surgem “ex novo”, apenas em sede judicial – factos esses que o Tribunal considerou, analisou e julgou, dando-os como provados. Contudo, desta factologia não podia o tribunal socorrer-se para motivar, como motivou, a decisão que proferiu (cfr. art. 387.º, n.º 3 do CT).”.
O Mº Juiz “a quo” refutou que ocorresse o invocado vício.
Vejamos.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art. 615º, do CPC, (Código de Processo Civil, diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos, sem outra menção de origem).
Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”.
Ora, sendo deste modo e face à argumentação do recorrente há, desde já, que dizer que, é nosso entendimento, que existe por parte do mesmo nítida confusão quanto ao vício que imputa à sentença recorrida defendendo, por isso, que deve ser declarada nula e, eventual, existência de erro de julgamento de que, a mesma possa padecer que, não é gerador da nulidade daquela, nos termos expressamente previstos nas diversas alíneas do nº 1, do referido art. 615º, ao qual, aliás, o recorrente não faz qualquer alusão.
Efectivamente, não indica o recorrente, onde se enquadra a alegada nulidade da sentença naquele dispositivo que, em nosso entender, não existe. Eventualmente, o referido poderá configurar erro de julgamento, caso se venha a concluir, como o mesmo pugna, que nela se consideraram factos nunca apresentados na nota de culpa, deles se servindo para motivar a decisão. Aliás, quanto ao argumento de, alegadamente, a sentença ter tomado em consideração a matéria de facto provada, do facto J), é o próprio recorrente a entender, como diz que “há manifesto erro de julgamento”.
Ora, a verificar-se que assim é, quanto ao demais, é óbvio que o apontado vício constitui erro de julgamento e não nulidade da sentença, em particular nos termos a que aludem aquelas alíneas do art. 615º, supra referidas, que o recorrente nem invoca.
Cremos, assim, não assistir qualquer razão ao recorrente e, consequentemente, improcede, esta primeira questão da nulidade da sentença.
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2 - Nulidade da nota de culpa.
O A./apelante, reiterando os argumentos invocados na 1ª instância, sustenta que o seu despedimento é ilícito, por invalidade do processo disciplinar, devido à nulidade da nota de culpa, nos termos do art. 353º e 329º, nº 2, do CT, decorrente da mesma, como alega “se fundar em factos não concretizados, genéricos e abstratos; e outros caducados para efeito disciplinar (tendo prescrito para esses o procedimento disciplinar)”.
Defende que: “Conforme vem sufragado no art. 353.º, do CT, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/2, a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, em termos de modo, tempo e de lugar, de modo a permitir que aquele organize, de forma adequada, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar. No caso em apreço, o trabalhador invocou, desde logo, na resposta à nota de culpa, a invalidade da mesma e do procedimento disciplinar, pelo facto da factologia narrada na nota de culpa não conter tais elementos (de tempo, modo e lugar) apresentando uma factologia vaga e imprecisa, impedindo o inalienável direito de defesa do trabalhador em sede de processo disciplinar.
Para além disso, aqueles poucos que continham tais elementos encontravam-se prescritos para efeitos de apreciação disciplinar, não observando o prazo consignado no art. 329.º, n.º 2, do CT. E assim andou o processo disciplinar, concluindo-se, a final, que tais vícios foram desconsiderados, passando a integrar o relatório final que sustentou a decisão de despedimento do trabalhador, ora Recorrente.
O trabalhador não se pôde defender desse segmento factológico! Não o compreendeu, nem vislumbrou o alcance ao mesmo. Denunciou esta questão logo na defesa apresentada. Todavia, não foi a mesma acolhida, e pior, foi a mesma tomada em conta no juízo final que conduziu ao seu despedimento. Na sua defesa o trabalhador não demonstrou conhecimento dos factos cuja falta de objectividade tem vindo a denunciar (entre outros, os artigos da nota de culpa com o número 65), 64), 59), 35), 34), 12), 11), etc..). Cerceado ficou assim o seu inalienável e constitucional direito de defesa. Deve por isso ser a materialidade da Nota de Culpa ser julgada ilegal, por não observar os requisitos impostos pelo art. 353.º, do CT, e, supletivamente, pelo princípio contido no art. 32.º, n.º 8, da CRP. Deve ser considerada assim a invalidade do procedimento disciplinar e a consequente ilicitude do despedimento. A tese de que bastará retirar do elenco dos factos considerados tal segmento factológico, não pode ser acolhida. Sobretudo, quando esse mesmo segmento foi tomado em conta na decisão que levou ao despedimento do Trabalhador. Nunca o peso (a influência) de tal matéria na decisão final se poderá isolar!”.
E, prossegue: “Foram igualmente considerados no segmento da matéria de facto provada, factos que estariam prescritos para efeitos de apreciação disciplinar, uma vez que já eram conhecidos pela entidade empregadora muito para lá do prazo consignado no art. 329.º, n.º 2, do CT. É o caso dos factos narrados nos artigos 10, 12, 13, 16, 17, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42..., da NC.
E aqui surge o segundo momento de discordância com a douta sentença, quando considera que tais factos estavam prescritos para efeitos de procedimento disciplinar, mas não ajuíza (nem pode) o grau de influência que os mesmos tiveram, no peso da decisão de despedimento. Sustentada a decisão de despedimento nesta factologia prescrita ou em factologia vaga e imprecisa, sempre a decisão final do processo disciplinar terá de ser considerada nula e nula, igualmente, a sanção de despedimento.”.
Que fosse desse modo não o considerou o Mº Juiz “a quo”, fundamentando a sua decisão, nos seguintes termos que se transcrevem:
«Considera o Autor que a mesma é nula dado ser marcadamente genérica, contendo uma factologia vaga e imprecisa nos seus artigos 19, 20, 34, 35, 48 e 49.
Nos artigos 19º e 20º é dito que “o trabalhador recusa sistematicamente o cumprimento de regras gerais da empresa, aplicáveis a todos os trabalhadores, que conhece, sabe que deve cumprir e, não obstante insistentemente alertado para as cumprir, não o faz ostensivamente, criando uma situação de elevado desconforto para a empresa já que os restantes trabalhadores se apercebem que o trabalhador não cumpre quando os restantes têm de cumprir”.
No artigo 35º é dito que “são várias e graves as situações recentes em que o trabalhador vem assumindo postura de agressividade e desrespeito para com a empregadora, particularmente para com a Diretora Geral e sócia gerente da C…, Dra. G…”.
A matéria constante destes artigos é efetivamente genérica e conclusiva, sendo, porém, que se trata de meros introitos aos factos que depois são melhor discriminados nessa peça acusatória.
Não pode ser atendida separada e autonomamente, pelo que o que releva é a restante matéria na qual são concretizados os ilícitos que integram tal conduta.
No artigo 34º é acusado de pelo facto de se recusar a utilizar o endereço de email institucional da empresa “já uma vez o trabalhador recusou estar presente numa feira internacional (AC…), em Bruxelas, já quando estava paga a sua viagem e estadia, precisamente porque não aceitou que nos seus cartões de visita constasse o endereço dedicado da empresa”.
Neste artigo falta enquadrar temporalmente a conduta do trabalhador e como tal essa matéria não pode ser apreciada.
O mesmo sucede com a matéria constante do artigo 49º em que é acusado de “Em vários dias de Setembro de 2018 (que já não se consegue precisar exatamente quais), o trabalhador arguido abordou colegas, nomeadamente, O… (impressor) e P… (impressor), Q… (cozinheira) e S… (comissionista), entre outros, partilhando com estes informações confidenciais que possuía sobre a empresa e que bem sabia não dever partilhar com ninguém por lhe ter sido especificamente referido que deveria manter segredo por causa da sensibilidade do assunto, bem como ameaças a sócia-gerente e à empresa”.
Aqui, não se encontra concretizado quais as informações confidenciais que foram por ele transmitidas àqueles trabalhadores da “C…”, nem também estão concretizadas quais as ameaças que foram proferidas contra a sócia gerente e contra a própria empresa.
E assim sendo, também esta matéria não pode ser considerada.
Por fim, no artigo 48º é acusado de no dia 3 de setembro após reunião com a sócia gerente ter abordado os trabalhadores L… e M… e ter-lhes referido “vou levantar o lixo todo e vou destruir isto tudo”, “se isto não é para mim, também não vai ser para mais ninguém”.
Aqui, pelo contrário, já se encontra devidamente concretizada a matéria de que o trabalhador é acusado e como tal tem de ser considerada.
Porém, ao contrário do que entende o Autor, a circunstância de existir na “Nota de Culpa” matéria conclusiva ou não enquadrada temporalmente não acarreta a “declaração da nulidade de todo o processo” mas apenas que a mesma não pode ser apreciada, sendo apenas tida em consideração a matéria constante da “Nota de Culpa” que não padeça de tais vícios.
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Há agora que apreciar a questão da prescrição arguida pelo Autor, dado a entidade empregadora alegadamente já ter conhecimento há mais de 60 dias contados à data da instauração do procedimento disciplinar, da matéria constante dos artigos 10, 12, 13, 16, 17, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, da Nota de Culpa e que traduziria na sua ótica que a decisão final do processo disciplinar fosse considerada nula e nula, igualmente, a pena de despedimento que aí lhe foi aplicada ao trabalhador.
Antes de mais diga-se que a questão suscitada pelo Autor não se trata de uma situação de prescrição do procedimento disciplinar mas sim de eventual caducidade de algum dos ilícitos de que vem acusado.
No artigo 10º é referido que o trabalhador arguido, desde março de 2018 que vem assumindo uma postura de incumprimento das suas obrigações, desestabilização e afronta dos seus superiores hierárquicos, que se torna absolutamente insuportável para a estabilidade que a empresa necessita para trabalhar e manter a sua atividade e postos de trabalho.
Não existe aqui nenhuma acusação concreta ao Autor, a qual é antes explanada nos artigos seguintes, pelo que não está sequer em causa uma eventual situação de caducidade.
Relativamente à matéria dos artigos 12) a 17) da Nota de Culpa, tratam-se de faltas ao trabalho do Autor nos dias 1 e 14 de março de 2018, em Abril, Maio e Junho de 2018 e ininterruptamente desde o dia 6 de julho de 2018 até ao dia 29 de agosto de 2018.
Essas ausências ao trabalho reportam-se ao mesmo ano civil (2018) pelo que só no fim desse ano se iniciava o prazo de 60 dias para efeitos de caducidade do procedimento disciplinar motivado nas mesmas.
Porém, consta na “Nota de Culpa” relativamente às alegadas faltas nos meses de Abril, Maio e Junho que o Autor no “mês de Abril de 2018 – faltou pelo menos 17 dias ao trabalho; mês de Maio de 2018 – faltou pelo menos 19 dias ao trabalho; mês de Junho de 2018 – faltou pelo menos 19 dias ao trabalho” acrescentando-se ainda que “A empregadora não consegue de momento identificar exatamente que dias o trabalhador faltou em Abril, Maio e Junho”.
Ora, se em tal “Nota de Culpa” e diga-se que também na decisão final, não constam os dias em que o trabalhador faltou nesses três meses, tal matéria por falta de concretização das datas não pode ser considerada, sendo que tal omissão não pode naturalmente ser suprida no articulado motivador de despedimento apresentado pela empregadora já em sede desta ação judicial.
Relativamente à matéria constante dos artigos 36) a 42) respeitante à conduta do Autor para com a sua irmã e sócia gerente da Ré e a resposta desta, tal teria ocorrido no dia 5 de julho de 2018, pelo que aquando da dedução da Nota de Culpa e início do procedimento disciplinar – 15 de outubro de 2018, já estava esgotado o prazo de 60 dias para instauração do procedimento disciplinar relativamente a esta matéria, tendo-se ainda em consideração que a Ré na pessoa da sua sócia gerente teve intervenção direta nesses factos, pelo que não podia deixar de conhecer o alegado ilícito disciplinar praticado pelo trabalhador.
Assim sendo, por existir caducidade, tal matéria não pode ser considerada na apreciação da licitude do despedimento.
Porém, o facto de existir essa situação de caducidade não acarreta naturalmente qualquer nulidade da decisão final que aplicou a sanção disciplinar ao Autor.»(sublinhados nossos).
Vejamos.
Começando por dizer que não assiste qualquer razão ao apelante.
Como o assinalámos supra, subscrevemos os argumentos e decidido na 1ª instância, de que não ocorre nem se verifica qualquer invalidade da nota de culpa, susceptível de invalidar o processo disciplinar. Podemos afirmar, desde já, que a decisão recorrida, no que a este propósito decidiu, pela sua fundamentação, sustentação e acerto, merece o nosso inteiro acolhimento e, consequentemente, concorda-se sem dúvida com a mesma, não nos suscitando qualquer reserva a declaração de licitude do despedimento do Autor, em concreto, por não se verificar qualquer invalidade do procedimento disciplinar.
Acrescendo, como imediatamente se apreende, que a fundamentação dá a resposta suficiente e acertada aos argumentos do autor acima enunciados, não resultando das conclusões, nem sequer das alegações, que tenham sido invocados fundamentos diversos e idóneos para a pôr em causa, nesta sede.
Com efeito, tal como ali se considerou, também o nosso entendimento é que ao contrário do que entende o Autor, a circunstância de existir na “Nota de Culpa” matéria conclusiva ou não enquadrada temporalmente não acarreta a “declaração da nulidade de todo o processo” mas apenas que a mesma não pode ser apreciada, sendo apenas tida em consideração a matéria constante da “Nota de Culpa” que não padeça de tais vícios.
Assim, como consideramos que a eventual caducidade de algum dos ilícitos de que venha acusado o trabalhador arguido, apenas, importa que tal matéria não possa ser considerada na apreciação da licitude do despedimento, por existir caducidade da mesma. Mas, o facto de existir essa situação de caducidade não acarreta naturalmente qualquer nulidade da decisão final que aplicou a sanção disciplinar ao Autor.
Como bem se conclui na decisão recorrida não se verifica qualquer invalidade do procedimento disciplinar, susceptível de gerar a ilicitude do despedimento.
Nem em concreto, as invocadas pelo recorrente.
Senão, vejamos.
O art. 353º, nº1 do CT/2009 determina o seguinte: “No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”.
Já assim era na vigência do C. do Trabalho de 2003 (art.s 430º, nº2, al. a) e 411º), na vigência da LCCT (art. 10º, nº1) e do DL 372-A/75 de 16.7.
E quando a lei fala em “descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador”, quer dizer que a nota de culpa não pode se limitar a indicar comportamentos genéricos, obscuros e abstractos do trabalhador. É certo que a nota de culpa não é propriamente uma acusação penal, mas a mesma deve conter factos concretos, nomeadamente a sua localização no tempo e no espaço, para que seja possível ao trabalhador ponderar e organizar correctamente a sua defesa.
Sobre o assunto, e em comentário ao art. 353º, nº1, parte final, do CT/2009 refere (Maria do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho Parte II – situações laborais individuais, 3ªedição, pág. 921) o seguinte: (…) “deste preceito resulta que a estrutura da nota de culpa deve obrigatoriamente integrar as seguintes indicações: - a descrição completa e detalhada (i.e., circunstanciada) dos factos concretos que consubstanciam a violação do dever do trabalhador, não bastando, pois, uma simples referência ao dever violado pelo trabalhador, nem muito menos, a remissão para a norma legal que comina tal dever”.
A propósito dos requisitos de descrição dos factos imputados na nota de culpa, afirma (Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, 2007, pág. 585) que a “jurisprudência tem formado, a este respeito, exigências correspondentes a critérios de graduação notoriamente diversos: é necessário que na nota de culpa figurem todas as circunstâncias de modo, tempo e lugar dos factos imputados ao arguido, que ela enuncie “precisa e concretamente” esses factos, não bastando a “reprodução abstracta e genérica das disposições legais” ou uma descrição em termos vagos da conduta infractora (desinteresse das obrigações de trabalho, recusa de tarefas que competiam ao trabalhador), nem a formulação de “simples juízos conclusivos.” (…) Compreende-se, decerto, a necessidade de formulação de um critério de adequação funcional que se contraponha à pretensão de colocar minúcias bizantinas como penhor da validade do processo disciplinar; mas o certo é que a lei exige a “descrição circunstanciada dos factos” que um enunciado obscuro e lacunoso jamais poderá preencher; e deve recordar-se, enfim, que o conteúdo da nota de culpa recorta o substrato factual da decisão – esta não poderá dirigir-se a factos não especificados na acusação – e, bem assim, da apreciação judicial que mais tarde venha a recair sobre ela.”.
Também, (Júlio Gomes in Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, vol. I, Coimbra, 2007, pág. 1003) afirma que é “necessário, por um lado, proceder a uma acusação circunstanciada porque uma acusação genérica – como seria afirmar-se simplesmente que ‘o trabalhador x violou gravemente o dever de lealdade’ – não permite uma defesa eficaz”, circunscrevendo a nota de culpa, “assim, em alguma medida, o objecto do procedimento, uma vez que apenas os factos que nela constam – e os factos que constem da defesa escrita do trabalhador – podem ser fundamento da decisão de despedir e, mais tarde, discutidos na eventual acção de impugnação do despedimento.”.
Por seu turno, refere (Pedro Furtado Martins in Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 4.ª edição, 2017, págs. 208 e 209) que se “exige que a nota de culpa contenha uma “descrição circunstanciada dos factos” de cuja prática o trabalhador é acusado. Significa isto que não basta uma indicação genérica e imprecisa do comportamento imputado ao trabalhador. É necessário especificar os factos em que esse comportamento se traduziu, bem como as circunstâncias de tempo e lugar em que tais factos ocorreram.
Contudo, importa não sobrevalorizar esta exigência, sob pena de a mesma se poder tornar inultrapassável, a ponto de ser mais difícil elaborar uma nota de culpa do que deduzir uma a acusação em processo penal. A razão que fundamenta as exigências quanto ao conteúdo da nota de culpa justifica igualmente que as deficiências da nota de culpa se tenham por sanadas sempre que o trabalhador demonstre ter compreendido a acusação.”.
De igual modo, a jurisprudência, veja-se, por todos, o (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.12.2007 (Proc. 07S3422), in www.dgsi.pt), vem afirmando que a nota de culpa desempenha a função própria da acusação em processo-crime, pelo que deve conter a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extraia a imputação de uma infracção ao trabalhador.
Embora também adiante que a deficiente descrição dos factos imputados na nota de culpa só constituirá nulidade do processo disciplinar quando se demonstrar que o trabalhador não a compreendeu e assim não teve a oportunidade de se defender, neste sentido, o (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2007 (Proc. 06S3854), no mesmo local da internet). É o chamado critério da “aptidão funcional da nota de culpa”.
Em suma, seguimos o entendimento de que a deficiente descrição dos factos imputados na nota de culpa só constituirá nulidade do processo disciplinar quando se demonstrar que a mesma é incompreensível para quem use de um mínimo de diligência e que o trabalhador não a compreendeu, prejudicando assim o seu direito de defesa – critério da “aptidão funcional da nota de culpa” e, desse modo, só podemos concordar, como já dissemos, com a decisão recorrida, no sentido de que não se pode concluir que, no caso, a nota de culpa elaborada pela empregadora viole o dever de descrição circunstanciada dos factos exigido pelo art. 353º nº 1 do CT.
Por outro lado, o art. 329º do CT, intitulado “Procedimento disciplinar e prescrição”, no seu nº 2, dispõe que: “O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”.
No entanto, também, a este respeito, não assiste razão ao recorrente.
Pois, se é certo, tal como se considerou na decisão proferida a este propósito pelo Mº Juiz “a quo”, que em relação a comportamentos constantes da nota de culpa existia caducidade, tal só afecta essa concreta factualidade que não pode, consequentemente, ser atendida, para efeitos de apreciação de apuramento dos deveres laborais violados pelo trabalhador, mas, não acarreta a nulidade da nota de culpa.
Cremos, assim, que as falhas e deficiências que se notaram e foram correctamente apreciadas na decisão recorrida, pese embora, possam ser consideradas temerárias, não configuram nenhuma nulidade, susceptível de invalidar o processo disciplinar, nos termos previstos no art. 382, nº 2, do CT, determinada pela inexistência da nota de culpa.
Nem, em concreto, as arguidas pelo recorrente.
Aquele art 382º do CT, sob a epígrafe “Ilicitude do despedimento por facto imputável ao trabalhador” dispõe:
“1 - O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respectivo procedimento for inválido.
2 - O procedimento é inválido se:
a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º”
Resulta, assim, daquele nº 2 do artº 382º, que as causas ou fundamentos da invalidade do procedimento disciplinar são, apenas, os aí expressamente previstos, ou seja, falta de nota de culpa escrita com descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, falta de comunicação da intenção de despedir anexa à nota de culpa,; obstaculização à consulta do processo pelo trabalhador, ao direito de resposta à nota de culpa ou desrespeito do prazo para resposta à nota de culpa e falta de comunicação escrita da decisão do despedimento e dos seus fundamentos ou em desrespeito dos comandos dos arts. 357.º, n.º 4 e 358.º, n.º 2 do mesmo diploma.
Ora, os vícios invocados pelo recorrente não se reconduzem integralmente a nenhum desses.
Não são por isso idóneos a determinar a invalidade do procedimento disciplinar porque não invalidam os interesses que a norma pretende tutelar, pelo que igualmente não é susceptível de a fazer operar.
Cremos, assim, que a actuação da empregadora, ainda que como dissemos, se possa considerar de “temerária”, já que não acautelou que a nota de culpa não contivesse matéria genérica e conclusiva e a imputação de comportamentos ao arguido já caducados, como bem o considerou o Mº Juiz “a quo”, tal não configura nenhuma nulidade, apenas, a não consideração da matéria que desses vícios padeça.
Em suma, atenta a interpretação a fazer das invalidades insanáveis do procedimento disciplinar previstas no nº 2 daquele art. 382º, que se deixa exposta, o processo disciplinar, que foi instaurado pela Ré ao Autor, pese embora as deficiências verificadas na nota de culpa, nunca constituiria uma nulidade insanável do processo disciplinar, que implique, por arrastamento, a ilicitude do correspondente despedimento com justa causa.
Acrescendo e só para finalizar que não se vislumbra que o arguido/recorrente não tenha compreendido o que lhe era imputado ou tenha sido prejudicado na sua defesa como, infundadamente, invoca.
Não se verifica, assim, a invalidade do procedimento disciplinar, ficando afastada por esta via a ilicitude do despedimento do Autor.
E, não se verifica a violação de quaisquer dispositivos legais, nomeadamente, os referidos pelo recorrente, em particular como acabámos de referir o art. 32º, nº 8, da CRP.
Improcede, assim, a invocada nulidade da nota de culpa.
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3 – Impugnação da matéria de facto
O recorrente manifesta, também, a sua discordância contra a sentença recorrida, quer na motivação quer nas conclusões do seu recurso, pugnando pela modificação da matéria de facto, pretendendo que se proceda à reapreciação da prova produzida, por entender que, estão incorrectamente julgados, o ponto (al. 7)) da matéria de facto dada como não provada, as alíneas H), a N) e U), P), Q), V) e W), da matéria de facto provada.
Pugna, “pela alteração de um ponto (al. 7)) da matéria de facto dada como não provada, na medida em que perante a basta prova produzida deveria ser considerado provado. Pela alteração das alíneas H), a N) e U); pela contextualização (e alteração) dos factos constantes das alíneas P) e Q) e da não consideração dos factos das alíneas V) e W), devendo os mesmos ser retirados do segmento da matéria de facto provada”.
De que, assim deva ser, discorda a Ré/recorrida e discorda a Ex.ma Procuradora por entenderem, que deverá manter-se inalterada a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Vejamos, então.
Dispõe o nº 1 do art. 662º que, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
A apreciação desta questão, da impugnação da decisão proferida, pelo Tribunal “a quo” relativa à matéria de facto por este Tribunal “ad quem” pressupõe que os recorrentes cumpram determinados ónus, sobre os quais dispõe o art. 640º, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Diz (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de, como refere o mesmo autor (na obra citada, pág. 245), “... a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter” .
Resulta da análise daquele dispositivo que, o legislador concretizou a forma como se processa a impugnação da decisão, sobre a matéria de facto, tendo reforçado, neste novo regime, os ónus de alegação a cargo dos recorrentes, impondo-lhes que deixem expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação após a reapreciação dos concretos meios de prova que, consideram, impõem decisão diversa da recorrida.
Novamente nas palavras de (Abrantes Geraldes, na mesma obra, pág. 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço dos ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição (cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt, sítio da internet onde se encontrarão os demais acórdãos citados sem outra indicação) –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, art. 607º, nº 5, (cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009).
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe ao recorrente que concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.
Ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso.
Além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”, conforme (Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º 824/11.3TTLRS.L1.S1).
E, a propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, já que estas não são, apenas, a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações mas, sobretudo atendendo à sua função definidora do objecto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico (conforme decorre dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.02.2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, de 04.03.2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, de 19.02.2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, de 12.05.2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, de 27.10.2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1 e de 03.11.2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1), que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações, das quais conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração.
Como se observa no (Ac. do mesmo Tribunal de 07.07.2016, Proc.º 220/13.8TTBCL.G1.S1), “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”
Ainda, no mesmo sentido, conclui-se naquele, já referido, (Ac. de 27.10.2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1), – proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada –, que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.”. Em conformidade com esse entendimento, aí se concluiu, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.” (sublinhado nosso).
Analisando.
Transpondo para o caso, o que se deixou exposto, verifica-se, desde logo, que nas conclusões o recorrente não indica, quanto a parte da matéria de facto dada como provada que impugna, em concreto, os factos das alíneas I), J), K), M), N), Q), U), V) e W), qual a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre os mesmos, nem o faz nas alegações, apenas, o fazendo quanto às alíneas H), L) e P) e ao ponto 7 da matéria de facto dada como não provada.
Sendo deste modo, o que se verifica é que ocorre motivo para rejeitar a impugnação quanto àquelas concretas alíneas da decisão de facto, ao abrigo do disposto na al. c), do nº 1, do art. 640º.
Pois, com o devido respeito, da análise das conclusões e até da motivação da alegação do recorrente, não se consegue perceber qual a decisão que, no seu entender, devia ser proferida quanto àqueles referidos factos que estão a ser impugnados. Quanto a eles, o recorrente mais não faz, sem dúvida, que tecer considerações gerais e conclusivas, que traduzem a sua, alegada, convicção sobre o que deles devia ou não ter sido retirado em termos de censura disciplinar e tomado em consideração pelo Tribunal “a quo” para formular a decisão que tomou, entrando até em considerações de direito, mas sem especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida quanto a eles.
No fundo, ainda que desse modo a apelide, a impugnação deduzida quanto àquelas alíneas, não configura uma verdadeira impugnação da decisão de facto.
É, assim, manifesto que o apelante não observou os requisitos previstos na al. c) do nº1 do art. 640º. O mesmo omite, totalmente nas conclusões, pelo que, muito longe da indicação com precisão a que a jurisprudência alude deve ocorrer, qual a decisão a proferir quanto aos factos das alíneas I), J), K), M), N), Q), U), V) e W) que, alegadamente, impugna o que determina a rejeição do recurso em sede de apreciação da decisão quanto àquela matéria de facto, o que aqui se declara.
Pois, aquela falta, como bem se refere no já citado (Ac. de 27.10.2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1), “não se trata de qualquer deficiência das conclusões, mas de omissão de um requisito legal.
E se a deficiência conduz ao aperfeiçoamento, a omissão dos requisitos conduz à rejeição do recurso nessa parte, como se prescreve no art. 640º, nº 1 do CPC., certo como é, e consta da respetiva epígrafe, que este preceito regula, expressamente, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.”.
É este o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, além dos já referidos, também, o (Ac. de 07.07.2016, Proc. nº 220/13.8TTBCL.G1.S1) quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art. 640º não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito.
Consideramos, assim, que o apelante omitiu o cumprimento do ónus fixado na al. c) do nº 1 do art. 640º, quanto à, alegada, impugnação da decisão de facto no que toca àquelas referidas alíneas o que, como já dissemos, impõe a rejeição do recurso nessa parte.
E, assim sendo, ao atentarmos nas alegações e conclusões do recorrente, não se suscitam dúvidas que, quanto aos factos objecto de impugnação, só em relação aos factos referidos, nas alíneas H), L) e P) dos factos dados como provados e a alínea 7) dos factos dados como não provados na sentença, se mostram cumpridos, nas conclusões, os ónus para que se proceda à sua apreciação.
Vejamos, então.
Facto da alínea 7)
Neste foi dado como não provado que: “7) O Autor gozasse do regime de isenção do horário de trabalho”.
Defende o apelante que, esta matéria dada como não provada, deveria integrar o capítulo da matéria de facto provada, segundo alega, porque, “Não obstante surgir uma cópia do mapa de horário de trabalho, e alguns depoimentos começarem por referir que o Recorrente tinha um horário de trabalho igual ao dos outros trabalhadores, acabavam por contrariar as suas declarações e não ter explicações para o facto de tal horário nunca ter sido cumprido pelo trabalhador, bem como este ir, recorrentemente, trabalhar para lá desse horário. Ficou provado que o trabalhador nunca cumpriu esse horário e, muito para lá dele, vai à fábrica assistir máquinas e proceder a reparações, sempre que a situação o exige, ou quando é directamente solicitada a sua intervenção. Provado ficou também que a fábrica trabalha ininterruptamente, durante as 24 horas do dia e que este trabalhador, ora Recorrente, era o único técnico que a empresa tinha, para dar assistência e proceder às reparações que urgia fazer na fábrica.”.
E, prossegue, “Naturalmente, não se esperava que a entidade empregadora admitisse que havia um horário afixado apenas “para inglês ver” e outra fosse a realidade praticada. Mas na prática era isso que acontecia, da mesma forma que acontecia (e acontece ainda) com outros trabalhadores”, continuando com a transcrição de excertos de depoimentos que considera, prova que implica decisão diferente, entre eles de AH…, AI… e AJ….
Por fim, argumenta e conclui que: “O Recorrente, era o único trabalhador da empresa a reparar avarias e a efectuar a manutenção das máquinas com muito uso (vieram da anterior empresa, AB…) a trabalharem 24 horas por dia – é facto notório que o horário afixado não poderia ser cumprido! As funções que lhe estavam cometidas obrigavam a uma disponibilidade constante, a uma isenção de horário marcado pela urgência de reparações quando as máquinas paravam (por avaria ou não) e era necessário recoloca-las em funcionamento. O certo é que o trabalhador não assinava a sua entrada e saída da fábrica (nunca o fez desde que aí trabalhou). Era o único trabalhador da empresa a desempenhar tais tarefas com tais tarefas. As máquinas funcionavam ininterruptamente, 24h sobre 24h. As avarias aconteciam imprevisivelmente. Ele era chamado a qualquer hora, fosse noite ou dia, para reparações de urgência ou afinações momentâneas. Deslocava-se ao exterior á hora e dia que queria (utilizando uma das carrinhas) para arranjar peças ou proceder a determinadas reparações especializadas que não podiam decorrer na fábrica (torneiro ou serralharia), etc. – na prática, uma absoluta isenção de horário. Evidentemente que a empresa não tinha assinado qualquer contrato consignando a isenção de horário. Mas tal ausência não deixa de apurar na prática, o que se passava de facto. O trabalhador por vezes não estava nas instalações, outras vezes era chamado de noite, fora das horas de expediente, etc.. Qual era então, o horário praticado pelo trabalhador? Não seria nenhum pré-determinado, mas sim o da permanente disponibilidade para responder às chamadas que lhe eram feitas, independentemente das horas que fossem – e eram várias, as urgências a que tinha de dar resposta. O trabalhador nunca praticou o horário afixado que lhe estava definido. Desempenhava as suas funções (desde sempre) sem controlo de assiduidade ou pontualidade. Por outras palavras, num registo de completa isenção de horário. Regalia que lhe deve se reconhecida e dada como provada, para todos os efeitos.”.
Ora, desse modo, não o considerou, nem se convenceu o Mº Juiz “a quo”, como se lê na motivação da decisão recorrida, em concreto, quanto a este facto 7, que deu como não provado, dada: “7) – A ausência de qualquer tipo de prova documental ou testemunhal credível que levasse a concluir que tivesse sido acordado com o Autor, trabalhar no regime de isenção de horário, sendo que o facto dele por vezes trabalhar fora do horário do trabalho, nomeadamente em vida da sua mãe, naturalmente não implica que tivesse sido clausulado a existência da isenção de horário.”.
O que, diga-se, sem dúvida subscrevemos.
Pois, ouvidos os depoimentos das testemunhas indicadas pelo recorrente, conjugados com os demais meios de prova juntos aos autos e a demais factualidade que resultou provada, a nossa convicção não é diversa. Nada do que foi referido e dito pelas testemunhas, como bem o demonstram, desde logo, as transcrições feitas pelo recorrente, em especial AJ…, quando diz: "Sim. Eu creio que a expectativa é que ele lá estivesse na fábrica regularmente. Também percebo que ele fizesse horas fora muitas vezes, por conveniência da empresa ou por conveniência própria, não sei, horas fora do normal, portanto, e depois também teriam de ser compensadas, se não tinha fins-de-semana, a trabalhar, e passou muitos, muitos fins de semana a trabalhar, porque eu lá estive e vi, era verdade que depois noutras alturas também tivesse um período de descanso, eventualmente...., Mas não tinha um horário, não creio que tivesse o horário normal", não permitem convencer, nos termos pelo mesmo pretendidos de que tivesse um regime de isenção de horário. A prova documental junta, (o contrato de trabalho e o horário de trabalho, juntos a fls. 98 e 98 vº) mostra o contrário e o facto de as testemunhas dizerem que o A. não cumpria o horário em causa e ia fora daquele horário à empresa, não significa nem permite convencer que tinha ele isenção de horário.
Efectivamente, não conseguimos partilhar da convicção do recorrente, apesar do que disseram as testemunhas, na ausência de outras provas credíveis, nomeadamente, documentais. Pois, ao contrário do que o recorrente entende, dos depoimentos ouvidos outro convencimento não decorre que não seja que o mesmo não cumpria um horário “normal”, como disse a testemunha AJ…, nem isso decorre dos argumentos que invoca de que: “era o único trabalhador da empresa a reparar avarias e a efectuar a manutenção das máquinas, trabalhando estas ininterruptamente. As funções que lhe estavam cometidas obrigavam a uma disponibilidade constante, a uma isenção de horário marcado pela urgência das intervenções na fábrica, de que não assinava a sua entrada e saída da mesma (nunca o fez desde que aí trabalhou). Era o único trabalhador da empresa a desempenhar tais tarefas com tais tarefas. Deslocava-se ao exterior à hora e dia que era necessário (utilizando uma das carrinhas) para arranjar peças ou efectuar reparações especializadas (torneiro ou serralharia)”.
Além de que, como bem refere o recorrente “Não existia qualquer contrato consignando a isenção de horário” e, sempre com o devido respeito, em nosso entender, o que se apurou, na prática, no sentido de o que se passava de facto: “o trabalhador estava em permanente disponibilidade. O trabalhador desempenhava as suas funções (desde sempre) sem controlo de assiduidade ou pontualidade...”, não permite concluir que isso, se devesse a outra razão, que não fosse usando as suas palavras, devido à “regalia” que se reconhece sempre teve na empresa. Mas que ficou, plenamente, demonstrado, devido à relação familiar existente e não porque o mesmo gozasse do regime de isenção de trabalho.
Reiterando o devido respeito, cremos e não podemos deixar de dizê-lo que, o recorrente suporta a sua, alegada, convicção, erradamente, naquilo que foi a sua prática na empresa em vida da sua, falecida, mãe e enquanto irmão da legal representante daquela.
E dizemos, erradamente, porque o recorrente parece esquecer que intentou esta acção, enquanto trabalhador da Ré, como o demonstra o contrato já referido junto a fls. 98 dos autos, por não aceitar a decisão do seu despedimento que lhe foi comunicada pela sua empregadora.
Tudo isto que se referiu decorre, plenamente, da audição dos depoimentos prestados em audiência e que o recorrente não contrariou minimamente.
Além de que, diga-se, “Isenção de Horário de Trabalho” não deixa de ser uma conclusão. E o gozar de isenção de horário de trabalho, não dispensa o trabalhador de cumprir uma carga horária diária e semanal mínima que, o recorrente nunca alegou.
Improcede, assim, a pretendida alteração do ponto 7 dado como não provado.
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Facto da alínea H)
Refere-se este facto, também, como o anterior ao horário de trabalho do A., onde foi dado como matéria de facto provada que: “H) O horário de trabalho do Autor era das 9,00 horas às 18,15 horas de segunda-feira a quinta-feira e das 9,00 horas às 17,00 horas, na sexta-feira, com uma hora para almoço”.
Insurge-se o recorrente contra o mesmo, considerando que, “Nesta parte, é dado como provado ter o trabalhador um horário afixado. Porém, pelo motivos referidos anteriormente, para responder às diversas solicitações da fábrica, não poderia o trabalhador, ora Recorrente, praticar tal horário que nada previa para lá das 18,15h, nem contemplava trabalho aos fins de semana – quando é certo ser o único com essas funções e a fábrica, com máquinas desgastadas, trabalhar ininterruptamente, as 24 horas do dia. Serviu-se o Tribunal, para dar este facto como provado, do mapa de horário de trabalho e do depoimento de L…. Salvo o devido respeito, tal conclusão não poderia ter sido daí extraída. Primeiro, o depoimento de L… vem noutro sentido e, segundo, outros depoimentos houve que vieram concretizar precisamente o contrário: que havia um horário afixado, mas que o mesmo, nunca foi praticado pelo Recorrente (como acontecia com a sua mãe, D. AK…, e com a sua irmã, G…).”
Defende a sua alteração, alegando que “não poderá manter-se o facto dado como provado da alínea H)”. Ou deve, no mínimo, ser alterado, uma vez que o horário atribuído ao Recorrente nunca foi por ele praticado, sem disso ter resultado qualquer incumprimento administrativo ou ilícito disciplinar (“foi sempre assim, foi sempre assim”, como salientou a testemunha da Ré, AL…).
E, continua “Não se dando tal alínea como não provada, deve, no mínimo, ser a mesma completada com o esclarecimento de que, apesar de estar atribuído um horário ao Recorrente, nunca foi o mesmo praticado, sem daí alguma vez ter resultado qualquer censura disciplinar, ou outra.”.
Desse entendimento, discorda a recorrida, alegando, a este propósito, que “Entende o recorrente que o facto vindo de descrever não poderia ter sido considerado provado, pasme-se, porque nunca foi por ele praticado! Ou seja, para o recorrente, basta um trabalhador não cumprir o horário de trabalho para legitimar tal incumprimento e se dar como não escrita a obrigação laboral de cumprimento do horário de trabalho. Olvida o recorrente que existe um contrato de trabalho junto aos autos, a fls. 98 verso. E que tal contrato era para cumprir!”.
Que dizer?
Comecemos, por ver como o Mº Juiz “a quo”, na motivação da decisão de facto considerou aquela matéria da al. H) provada, “H) – o teor da cópia do mapa de horário de trabalho junto a folhas 98 verso, conjugado com o depoimento da testemunha L… que confirmou ser esse o horário de trabalho.”.
Ora, sempre com o devido respeito pelas considerações do recorrente, não podemos deixar de afirmar, desde já e, tendo em conta, tudo o que deixámos exposto, supra, na apreciação da alínea 7), que a nossa convicção não é diversa daquela que firmou o Mº Juiz “a quo”, basta atentar naquele documento, já referido.
Razões suficientes para que não possamos partilhar da convicção do recorrente e dar aquele como não provado. E de igual modo, sem necessidade de outras considerações, improcede, também, a pretensão do recorrente, no aspecto em que pugna que devia aquele facto ser completado com o esclarecimento que refere, já que a apreciação, a este propósito, mostra-se prejudicada tendo em atenção o que deixámos exposto, supra, na apreciação da alínea 7).
Improcede assim, também, a impugnação deduzida quanto à al. H).
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Facto da alínea L)
Nesta deu-se por provado que: “L) A Ré é proprietária de duas carrinhas de marca Volkswagen, modelo …, de matrículas ..-LX-.. e ..-LX-.., estando sempre uma viatura da empresa, destinando-se a ser utilizada nomeadamente para entregar encomendas ou visitar clientes, existindo na empresa um registo de saída da viatura, estando todos os trabalhadores, obrigados a registar nesse livro a hora de saída e entrada com a viatura, bem como o local e tarefa que vão efectuar.”
Fundamentou o Mª Juiz “a quo” a sua convicção, no seguinte “ L) e M) – o depoimento da testemunha AH… que trabalha para a Ré, operando com diversas máquinas, referiu que existem duas carrinhas VW e um livro de registo das viaturas, incluindo o motivo para saírem com a viatura.
A testemunha F… também referiu que a empresa tem duas viaturas VW esclarecendo que a partir de junho de 2018 foi criado um livro de registo, com hora de saída, nome do funcionário, locais onde iam mas que o B… só punha a hora de saída e de chegada e assinava, não dizia onde ia, não dava satisfação onde ia, a testemunha L… também disse que, o Autor não preenchia o campo do documento que registava o motivo que levava a ter de sair com a viatura da empresa, conjugado com a cópia do livro de registo junto aos autos a fls. 124 verso a 130 verso.”.
Defende o recorrente, a sua alteração, argumentando que, “O facto L) da matéria provada. Não é verdade. A Ré é proprietária de três carrinhas, e não apenas daquelas duas. Não se percebe esta falta de verdade da Ré, compreensível apenas no quadro de perseguição que implementou contra o trabalhador, ora Recorrente. Parecendo despiciendo, o número de carrinhas interessa na medida em que estavam ao serviço da empresa duas, e não uma, não podendo por isso ser imputado ao trabalhador a falta de veículo destinado à empresa, quando este pontualmente utilizava uma delas. Aprecie-se o depoimento de L… (testemunha indicada pela Ré) na parte em que confirmou a existência de três carrinhas (excertos de prova que impõem decisão diferente)”.
Concluindo que: “Este facto deve assim ser alterado e dele ficar a constar que a Ré possuía três carrinhas, não duas e, bem assim, que ao serviço da empresa havia duas carrinhas e não apenas uma.”.
Por sua vez, defende a recorrida que, “que deverá ser mantida a factualidade provada sob a alínea L)”, porque alega, “Efectivamente a recorrida tinha duas carrinhas de marca Volkswagen, não tendo faltado à verdade ao Tribunal” e, ainda, porque considera que, “O recorrente insurge-se contra o facto vindo de descrever sob a alínea L), alegando que deveria ter sido provado que a ré é proprietária de três carrinhas, e não de duas, e que estavam ao serviço daquela duas carrinhas e não uma. S.m.o., não se vislumbra a razão pela qual o recorrente se sente tão injustiçado com o facto provado supra descrito uma vez que, o que releva para efeitos do procedimento disciplinar que deu origem aos presentes autos, não é o número de veículos mas sim o facto de o recorrente não cumprir com a sua obrigação de indicar a tarefa que realizava quando saía com uma das viaturas (facto provado M)).
Que dizer?
Importaria, então, apreciar se deve o facto em questão ser alterado, como defende o recorrente por não ser verdade ou deve o mesmo manter-se, por a recorrida, não ter faltado à verdade do Tribunal, como alega e se convenceu o Mº Juiz “a quo”.
No entanto, tendo em conta a redacção, proposta pelo recorrente, a dar àquele facto, a primeira observação a fazer é que, verifica-se que a mesma corresponde, a um novo facto que, não foi alegado pelas partes.
E quando, assim é, verificando-se que a pretensão daquele, atenta a redacção daquela alínea impugnada e a proposta, consiste não em que se dê por provado ou não provado o que consta da alínea L), mas sim que se dê por provado, um novo facto com diferente redacção daquele, previamente à pretendida reapreciação, impõe-se considerar o seguinte.
Uma vez que, em rigor, como decorre do que dissemos, o que o recorrente pretende é que se altere o teor daquele facto, (que corresponde ao que foi alegado nos art.ºs 30 e 31 do articulado motivador do despedimento) completando-o com uma nova e diferente redacção, sem que indique quem a alegou e percorrido aquele articulado e a contestação, não se encontra onde a, agora, pretendida redacção tenha sido alegada, nem o recorrente o diz, apenas, visando que se altere aquele, dando como provado o facto da alínea L), com diversa redacção que, sem dúvida, se traduz num novo facto que não foi alegado, nem por ele, nem pela Ré. Aliás, na 1ª instância o A. limitou-se, quanto ao mesmo, a dizer desconhecer (veja-se o art. 17 da contestação), dizendo nesta sede que, “Aprecie-se o depoimento de L… (testemunha indicada pela Ré) na parte em que confirmou a existência de três carrinhas”.
No entanto, a consideração de factos não alegados para integrarem a base instrutória, ou não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, só é possível por via do disposto no art. 72º, nº 1 do CPT, nesse caso, pressupondo que se dê cumprimento ao disposto no nº 2, nomeadamente, possibilitando-se às partes indicarem as respectivas provas, requerendo-as imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
Como se lê naquele art. 72º do CPT:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
(...)”.
Precisamente por isso, como é entendimento pacífico da jurisprudência, desta secção social, entre muitos os (Ac.s de 11.06.2012, proc. nº 2/10.9TTMTS.P1. e de 05.10.2015, proc. nº 2673/15.0T8MAI-A.P19, ambos relatados pela Exma. Desembargadora M. Fernanda Soares, ao que supomos, inéditos), a segunda instância não pode, fazer uso do disposto no art. 72º do CPT, visto que não pode ser dado cumprimento ao nº2 do mesmo - (nº 2, cuja redacção que, quanto ao que, aqui importa, não sofreu alteração, com a entrada em vigor da Lei nº 107/2019, de 9 de Setembro) quando estejamos, perante factos essenciais, como é o caso, já que está directamente relacionado com as excepções invocadas pelo recorrente, pelo que nem por esta via seria admissível ser atendido nesta instância.
Assim, é óbvia, a improcedência da impugnação da decisão deduzida, quanto a este facto.
Porque não compete a este Tribunal, aqui e agora, em sede de recurso, tomar qualquer novo facto em consideração e, deste modo, dar o mesmo, eventualmente, como provado, com a redacção pretendida pelo recorrente, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do citado artigo), ou seja, só ao Tribunal “a quo”, no uso do poder/dever conferido por aquele art. 72º, tendo ocorrido discussão sobre a mesma, se fosse esse o caso, competia considerar provada tal factualidade.
Assim, sendo certo que a pretensão do recorrente pressuporia que este Tribunal “ad quem” interviesse nos termos previstos no nº1, daquele artigo, na medida em que pressuporia dar por provado, um facto, com uma redacção diferente, considerando factos não alegados para se considerarem como provados, não sendo tal permitido sucumbe, assim, por esta via, como dissemos, a impugnação deduzida quanto à matéria de facto da al. L).
*
Facto da alínea P)
Na sentença o Tribunal “a quo” considerou provado que: “P) No princípio de Setembro de 2018, o Autor disse aos trabalhadores da Ré, L… e M…, que iria levantar a poeira toda da empresa, ia destruir tudo e que se não fosse para ele, também não era para mais ninguém.”.
Fundamentou a sua convicção, no seguinte: “P) – O depoimento da testemunha L… que disse que o Autor em início de setembro de 2018 disse “que ia levantar a poeira toda” que ia destruir tudo e se não fosse para ele não era para mais ninguém, esclarecendo a testemunha que todos temiam pela perda do posto de trabalho, tendo criado um ambiente muito mau na empresa e que o Autor dizia que queria 50 % da empresa. Também a testemunha M… confirmou que o Autor lhe disse referindo-se à empresa “Não vai ser para mim, não é para ninguém”.
Discorda o recorrente, defendendo que, “Deverá, neste facto P), passar a constar a seguinte alteração: “P) No princípio de Setembro de 2018, à saída de uma acesa discussão com a sua irmã, gerente da empresa, o Autor disse aos trabalhadores da Ré, L… e M…, que iria levantar a poeira toda da empresa, ia destruir tudo e que se não fosse para ele, também não era mais ninguém.”
Alega, quanto a este facto P) e, também, quanto ao facto Q), da matéria provada que: “Estes factos obrigam a um cuidadoso enquadramento, sob pena de saírem desvirtualizados e criarem a percepção errada, quando interpretados fora do contexto do acontecimento. Tratam-se de desabafos e não de ameaças veladas, sem qualquer motivo que as fizesse levar a sério. Tais desabafos trocados entre colaboradores da mesma empresa, nunca foram corroborados por qualquer gesto (um sequer) para poderem valer, alguma vez, como efectivas ameaças. A valoração da factologia contida nas alíneas P) e Q), da matéria provada, como acima se referiu, terá de ser contextualizada; foram desabafos de revolta, proferidos depois de um desentendimento com a sua irmã, no caso gerente de direito, depois deste se ter sentido literalmente “corrido”, daquilo que sempre julgou pertencer-lhe: a empresa que a mãe tinha criado e mantido para eles, filhos. Nenhum outro episódio semelhante aconteceu, ao longo de todos os anos de trabalho na empresa. Para além do que foi verbalizado – em momento colérico e entre pares – (altamente aproveitado e amplificado, para criar ambiente de despedimento!) nada houve que legitimasse uma suspeita sequer, de algo negativo ou prejudicial, que tivesse sido ser perpetrado pelo trabalhador, ora Recorrente. Nunca houve. Nem antes, nem mesmo depois de ter sido despedido. Daí que a valoração do facto só faça sentido no contexto em que as palavras foram proferidas, sem nunca as mesmas terem encontrado qualquer correspondência fáctica – mas nunca legitimar o corte de confiança ou a relação de lealdade do trabalhador para com a empresa.”.
Que dizer?
Com o devido respeito, face ao acabado de transcrever, pelas considerações do recorrente, eventualmente, com relevo para a decisão de direito, previamente, a apreciar se deve ele ser alterado nos termos que defende, tendo em conta a redacção que, agora, propõe, a primeira observação a fazer é que, verifica-se que a mesma corresponde, a um novo facto que, não foi alegado pelas partes.
O teor daquele facto, (corresponde ao que foi alegado no art.º 54 do articulado motivador do despedimento) tendo o A. dito quanto ao mesmo, apenas, ser falso (veja-se o art. 16 da contestação).
Ora, sendo deste modo, esta constatação, sem necessidade de outras considerações, com base nos mesmos fundamentos, supra invocados, aquando da apreciação da impugnação deduzida quanto à alínea L), determina a sucumbência, também, por aquela via, da impugnação deduzida quanto a esta alínea P). Acrescendo, neste estarmos, perante um facto essencial, novamente, relacionado com as excepções invocadas pelo recorrente, pelo que nem por esta via seria admissível ser atendido nesta instância.
Assim, é óbvia, a total improcedência da impugnação da decisão deduzida quanto à matéria de facto mantendo-se, definitivamente, assente a factualidade que ficou supra transcrita.
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4 - Da decisão de direito
Aqui chegados, pese embora, não ter ocorrido qualquer alteração na factualidade que foi considerada pelo Tribunal “a quo”, há que analisar se o comportamento do A., que se apurou, é justa causa de despedimento, como se considerou na decisão recorrida, ou tal não acontece e ocorre a ilicitude do despedimento, ou ao invés, como defende o mesmo, deve “haver outra sanção inferior (cfr. art. 328.º, do CT) de maior e mais justo equilíbrio com os episódios apurados e contextualizados – e apenas esses, expolindo todo os outros ilegais (genéricos ou caducados) bem como os que apenas surgiram na fase judicial – cumprindo a justiça de punição e protegendo o posto de trabalho.”.
Analisando.
Da fundamentação da sentença, após a enunciação do essencial sobre o conceito de justa causa, aplicando-o ao caso concreto, consta o seguinte: «No caso em apreço temos que o Autor com sua conduta reiterada de desobedecer às ordens impostas pela Ré, cuja sócia gerente é a sua irmã, consubstanciadas no facto de se recusar a registar a sua assiduidade, não colaborar no processo de certificação de qualidade da empresa, recusar-se a registar o motivo que tinha para levar a viatura da empresa, recusar-se a utilizar o endereço de email dedicado da empresa a que acresce a situação de ter efetuado uma encomenda de uma peça, com valor já significativo, sem ter autorização da Ré, mexer em pastas contendo documentos internos da empresa, solicitar o pagamento de uma fatura de reparação da sua viatura pessoal, não proceder por largos meses à reparação de uma peça de uma máquina importante para o bom funcionamento da empresa, violou gravemente os seus deveres de zelo e de lealdade. Se o Autor entende que também tem direito a ser sócio da Ré, deverá discutir essa questão em sede própria e não querendo impor essa sua realidade no seio da empresa numa política de “facto consumado” ou de “terra queimada”. Ao dizer que ia destruir tudo, levantar o lixo da empresa, se a empresa não fosse para ele, não era para mais ninguém e que quem iria sofrer eram os trabalhadores da empresa, criou naturalmente um clima de grande hostilidade e angústia, impeditivos da manutenção da sua relação laboral, pelo que não é exigível que a Ré mantivesse o seu contrato de trabalho, mostrando-se assim a sanção de despedimento proporcional à gravidade dos factos por ele praticados.».
Alega o apelante, a sustentar a sua discordância o seguinte: “Em matéria de direito, entende o Tribunal que o grupo de factos, apesar de “desenquadrados” e “não concretizáveis” (e por isso desconsiderados em sede judicial) não contribuem para anular a decisão da entidade empregadora, que conduziu ao despedimento do trabalhador. Com tal entendimento não concorda o Recorrente. A partir do momento que uma decisão foi conseguida com factologia indevida, reconhecidamente viciada, fica a oportunidade e o mérito da mesma completamente comprometido, não restando outra situação, que não o reconhecimento da nulidade da mesma, devendo (no mínimo) ser proferida uma outra, sem tomar em linha de conta a matéria viciada. Interpretar de forma diferente esta questão, é desde logo ir ao arrepio do direito constitucional que assiste ao trabalhador Recorrente, consignado no art. 32.º, n.º 8, da Constituição da República. Como se salientou no capítulo “questão prévia”, o Tribunal baseou a sua decisão em factos e fundamentos, apresentados apenas em sede judicial, que jamais constaram da nota de culpa. O Tribunal não deixou de os analisar e julgar, acabando por integrá-los na matéria de facto provada, tendo-os tomado em conta na sentença proferida. Por fim a conclusão final da sentença (a fls. 35) que motiva a decisão não pode obter acolhimento. Ela integra factologia que se censurou ao longo deste recurso. Factologia essa que se não pode manter face à prova produzida. Factologia que foi apresentada apenas em sede judicial – nunca constante da nota de culpa. Enfim, um “melting pot” que trouxe para apreciação questões que estariam vedadas, ilegalidades onde foi sustentada a decisão final proferida. Viciados que estão os componentes de tal decisão, viciada está igualmente a decisão que os toma como válidos. Não pode manter-se assim a sentença que elaborou neste propósito e decidiu com estes fundamentos.”.
Não tem razão.
Justificando.
Cumprindo dizer, desde já que, pese embora, o anteriormente decidido, mantendo na íntegra a factualidade dada como provada na sentença recorrida, na apreciação da justa causa do despedimento não serão atendidos os factos I), J) e U), de conteúdo genérico e os factos V) e W), por não constarem da nota de culpa.
Para o efeito, restam os factos K), L), M), N), O), P), Q), R), S) e T).
No entanto, pese embora isso, podemos afirmar, desde já, que pela sua fundamentação, sustentação e acerto, merece o nosso inteiro acolhimento e, consequentemente, concorda-se sem dúvida com a decisão final, não nos suscitando qualquer reserva a declaração de licitude do despedimento do Autor.
Acrescendo, como imediatamente se apreende, que a fundamentação dá a resposta suficiente e acertada aos argumentos do autor acima enunciados, não resultando das conclusões, nem sequer das alegações, que tenham sido invocados fundamentos diversos e idóneos para a pôr em causa, atenta a factualidade que ficou assente.
Para que tudo fique bem claro, o tribunal pronunciou-se sobre todos os argumentos, agora, esgrimidos, a gravidade da conduta do trabalhador para com a empregadora, como referido no trecho supra transcrito, o que abalou a confiança daquela em relação ao mesmo, impedindo a manutenção da sua relação laboral, atenta a afirmada violação dos deveres de zelo, de lealdade e, em nosso entender, também, de respeito e obrigação.
Pois, como bem se refere no (Ac. do STJ de 15.09.2016, Proc. nº 14633/14.4T2SNT.L1.S1 in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontram os demais acórdãos a seguir citados)), “a quebra de confiança” pode existir, ainda que a conduta do trabalhador não tenha causado prejuízos patrimoniais ao empregador.
As questões, agora, suscitadas pelo trabalhador, o Tribunal “a quo” deu-lhes, em nosso entender, resposta acertada e devidamente justificada com fundamentação criteriosa. Ao contrário, sempre com o devido respeito, entendemos que o Autor, nesta sede, não faz mais do que replicar os argumentos que já usou, sem trazer seja o que for de novo para pôr em causa a fundamentação que alicerça aquela decisão. Reitera a sua discordância invocando considerações, sem suporte factual.
Diremos, assim, que além das constantes da decisão recorrida, não se justificariam outras considerações nossas. Pese embora, tentando não incorrer numa repetição inútil da fundamentação do Tribunal “a quo”, deixaremos algumas considerações para justificar a nossa concordância.
Como é sabido, através da celebração do contrato de trabalho o trabalhador assume uma obrigação principal, a de prestar a sua actividade ao empregador, executando o trabalho de harmonia com as instruções daquele a quem compete o poder de direcção, ou seja, de harmonia com o enunciado no art. 97º do CT/2009 (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem), “Compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem.”.
Mas, para além dessa obrigação principal, sobre o trabalhador recaem ainda outras obrigações, nas palavras de (Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 14ª ed., Almedina, 2009, pág. 23), “conexas à sua integração no complexo de meios pré-ordenados pelo empregador”.
Esses deveres acessórios estão, a título exemplificativo, enumerados nas várias alíneas do art. 128º, entre eles constando, no que aqui relevam, as alíneas que dispõem que é dever do trabalhador, “a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade”, “c) Realizar o trabalho com zelo e diligência”, “e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias” e “f), que dispõe que é dever do trabalhador, “Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente ...”, uma decorrência, sem dúvida do princípio orientador geral da boa fé no cumprimento dos contratos, consagrado no Código do Trabalho no art. 126º nº1, que dispõe o seguinte: “O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações”.
Por sua vez, dispõe o nº 1 do art. 351º que, “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Segundo este dispositivo continua a entender-se, quer na doutrina quer na jurisprudência, tal como era defendido nos anteriores regimes perante idênticas normas, nomeadamente, no Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) o art. 9º nº1 e no Código do Trabalho de 2003 o art. 396º nº1, que a noção de justa causa de despedimento, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, por acção ou omissão, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências (elemento subjectivo da justa causa);
b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (elemento objectivo da justa causa);
c) a verificação de um nexo de causalidade entre aquele comportamento ilícito, culposo e grave e a impossibilidade prática e imediata da manutenção da relação laboral, na medida em que esta tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador.
À semelhança das normas anteriores, no nº2, do art. 351º, o legislador complementa o conceito de justa causa com a enunciação, meramente exemplificativa, de comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa de despedimento. O que significa que os comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento não se esgotam naquela enunciação, mas abrangem, qualquer outro comportamento do trabalhador, desde que ilícito, culposo e violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências.
Apesar de, como decorre do nº 3, do mesmo dispositivo, não bastar a verificação de um ou mais comportamentos assim qualificáveis para se concluir que há justa causa, havendo necessidade de apreciá-los, à luz do conceito de justa causa, para determinar a sua gravidade e consequências, atendendo “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão do interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus trabalhadores e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bónus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto, (cfr. Ac. STJ de 12.3.2009).
No que respeita ao comportamento culposo do trabalhador, o mesmo pressupõe um comportamento (por acção ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral, estabelecido entre si e o empregador, que (como se disse) pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo.
Refere (Abílio Neto, in “Despedimentos e contratação a termo”, 1989, pág. 45) que o procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo; se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá verificados os demais requisitos, dar causa a despedimento com justa causa.
Mas, como já referido, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador, é necessário que o mesmo, em si e nas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, justificando a aplicação da sanção mais gravosa.
Sendo, também, necessário, que a conduta seja de tal modo grave que não permita a subsistência do vínculo laboral, avaliação essa que deverá ser feita, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjectivamente como tal.
Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, refere o (Ac. desta Relação de 14.11.2011) “a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de protecção do emprego, não sendo no caso concreto objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.”.
Nas palavras de (Monteiro Fernandes in “Manual do Direito do Trabalho”, 12ª ed. pág. 557), “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.
Ou, como refere mais adiante (pág. 575), “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória”.
Deste modo, o vêm afirmando a doutrina e a jurisprudência e a propósito do carácter genérico e amplo que decorre daquele art. 351º, que só poderá ser densificado atentas as relações concretas, no (Ac. do STJ, de 15.09.2016, já citado), lê-se o seguinte:
“Subsumível no conceito de justa causa serão as situações que, em concreto, – isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiam tais situações – tornem inexigível ao empregador o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo.
E a referência legal à “impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho” significa que, nas circunstâncias concretas aferidas, a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
É Jurisprudência uniforme deste STJ que “a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou”.
E, continua, “haverá justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes – intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes –, se conclua pela premência da desvinculação.
Premência justificada, em nosso entender, quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador que seja susceptível de criar no espírito daquele a dúvida objectiva sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador no âmbito das relações laborais existentes e que decorrem do exercício da actividade profissional para que foi contratado.
Sendo certo que a quebra da confiança entre empregador e trabalhador não se afere pela existência de prejuízos, podendo existir sem estes. Basta que o comportamento do trabalhador seja suficientemente grave para que o empregador legitimamente duvide da conduta futura do trabalhador.”.
No balanço das posições do A./recorrente e da R./recorrida, deverá ter-se presente que o despedimento, face à tutela constitucional do princípio da segurança no emprego, só é juridicamente aceitável quando nenhuma outra medida sancionatória não expulsiva se mostre adequada a salvaguardar a preservação e o equilíbrio da relação contratual. Ou seja, como é dito entre outros nos (AC. do STJ de 29.4.2009, Procº 08S2589; Ac. desta Relação de 29.11.2010, Procº 379/09.9TTMAI.P1 e Ac. da RL de 21.05.2014, Procº 665/12.0TTBRR.L1-4), terá de concluir-se que se está perante uma crise contratual irremediável, isto é, pela impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho em concreto, reconduzida à ideia de “inexigibilidade da manutenção vinculística”, no sentido de comprometer, desde logo, e sem mais o futuro do contrato.
Não devendo esquecer-se que, o despedimento sem indemnização ou compensação é a derradeira sanção disciplinar, encimando um leque prévio de sanções disciplinares conservatórias, com crescente gravidade, nomeadamente, art. 328º nº 1, as seguintes: “Repreensão; Repreensão registada; Sanção pecuniária; Perda de dias de férias; Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade.”.
A par de parte da doutrina nacional, como assinala, (Maria do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho, Parte II, 3ª ed., Almedina, 2010, pág. 412) distingue entre os “deveres acessórios integrantes da prestação principal e os deveres acessórios independentes da prestação principal”, nesta última categoria, que também designa por “deveres acessórios autónomos”, por não dependerem da prestação de trabalho, incluindo os deveres de lealdade, em geral, e de respeito e urbanidade.
A mesma autora prossegue, assinalando que em sede de apresentação geral dos deveres acessórios do trabalhador deve ter-se em conta a dimensão pessoal de alguns desses deveres, bem como a dimensão organizacional, o que se aplica, entre outros, aos deveres de lealdade e de respeito e urbanidade, para depois explicar que “A dimensão pessoal de alguns deveres dos trabalhadores decorre do envolvimento integral da sua personalidade no contrato de trabalho e explica também a imposição ou limitação de condutas pessoais ao trabalhador, em determinados parâmetros, bem como o relevo geral da confiança pessoal entre as partes no contrato de trabalho”.
Debruçando-se, em concreto, sobre o dever de lealdade, mais adiante, faz notar que, “Embora seja referido na lei sem particular destaque (art.º 128.º n.º 1 al. f), o dever de lealdade é, a par do dever de obediência, o mais importante dos deveres acessórios do trabalhador. E, prossegue na análise deste dever, (Obra. Cit. págs. 420/424) escrevendo que, “Em sentido amplo, o dever de lealdade é o dever geral de conduta do trabalhador no cumprimento do contrato. (…) O dever de lealdade do trabalhador entronca, em primeiro lugar, no dever geral de cumprimento pontual dos contratos. Nesta perspectiva, o dever de lealdade do trabalhador tem como destinatário o empregador, contraparte no contrato de trabalho, e não é mais do que a concretização laboral do princípio da boa-fé, na sua aplicação ao cumprimento dos negócios jurídicos, tal como está vertido no art.º 762.º n.º 2 do CC. É também neste sentido que deve ser compreendida a referência ao dever de comportamento do trabalhador e do empregador segundo as regras da boa fé no cumprimento dos seus deveres e no exercício dos seus direitos, que consta do art.º 126.º, n.º 1 do CT. Assinalando, ainda, que para além dessa dimensão obrigacional, o dever de lealdade tem uma outra “(..) que decorre dos dois elementos do contrato de trabalho que o tornam singular no panorama dos contratos obrigacionais: o elemento do envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo; e a componente organizacional do contrato”, para concluir que “(..) a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização (..) para além da lealdade ao empregador, enquanto contraparte num negócio jurídico, releva também a lealdade à empresa ou à organização do empregador.”.
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Transpondo o que se deixa exposto para o caso, é para nós seguro que a decisão recorrida não merece censura.
Sem dúvida, sempre com o devido respeito, os argumentos invocados pelo recorrente, não têm a virtualidade de alterar o que foi decidido pelo Tribunal “a quo”, acertadamente, após a correcta subsunção jurídica, que efectuou, da factualidade que ficou provada na decisão recorrida.
Pois, como refere e conclui a Ré/recorrida, “Em face da prova produzida a e da factualidade provada é claramente irrazoável exigir à recorrida a manutenção do vínculo laboral com o recorrente. Não existe mais confiança no recorrente. O recorrente não é leal à recorrida e incumpre diariamente as suas obrigações laborais sob a desculpa de ser irmão da legal representante. O recorrente já se encontra num estado hostil e de agressividade que amedronta os seus colegas de trabalho com as expressões que chama de meros “desabafos”. Razões pelas quais deverá ser mantida na íntegra a sentença proferida pelo Tribunal a quo.”.
Efectivamente, analisando, em concreto, os factos apurados, verifica-se que:
Os factos K), L), M) e N) – Os trabalhadores da Ré, incluindo o Autor, devem registar a sua entrada e saída na empresa, mas o Autor recusa-se a efetuar tal registo de assiduidade. A Ré é proprietária de duas carrinhas marca Volkswagen, modelo …, de matrículas ..-LX-.. e ..-LX-.., estando sempre uma viatura a serviço da empresa, destinando-se a ser utilizada nomeadamente para entregar encomendas ou visitar clientes, existindo na empresa um livro de registo de saída da viatura, estando todos os trabalhadores, obrigados a registar nesse livro a hora de saída e entrada com a viatura, bem como o local e tarefa que vão efetuar. O Autor quando leva essa carrinha apenas regista as horas de saída e entrada, mas não regista a tarefa e o local para onde se deslocou. Todos os trabalhadores da Ré que mantêm contactos com o exterior têm um endereço de email dedicado da empresa e que corresponde ao seu nome, seguido do domínio da empresa (@C1….pt) mas o Autor recusa-se a utilizar o seu endereço da empresa (B1…@C1....pt) e ou utiliza o seu email particular ou então pede a alguma funcionária da Ré para enviar tais mensagens eletrónicas – integram a violação dos deveres de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho e de realizar o trabalho com zelo e diligência previstos nas als. e) e c) do nº1 do art. 128º.
O facto O) - No final do mês de Agosto de 2018, disse ao coordenador de produção da Ré, F… que “esta empresa é minha, da minha irmã e da minha mãe” - por si só,é irrelevante, em termos disciplinares, na medida em que não se alcança, quanto ao seu conteúdo, qualquer violação de um qualquer dever laboral imposto ao trabalhador, sabendo nós que o mesmo era irmão da sócia gerente da Ré. Por isso, o mesmo não integra a violação de um dever laboral por parte do trabalhador.
Os factos P) e Q) - No princípio de Setembro de 2018, o Autor disse aos trabalhadores da Ré, L… e M…, que iria levantar a poeira toda da empresa, ia destruir tudo e que se não fosse para ele, também não era mais ninguém. Ainda nesse mês disse ao também trabalhador da empresa T…, que ia levantar o lixo da empresa e que quem ia sofrer com isso eram os trabalhadores – traduzem uma “ameaça” por parte do trabalhador, dirigida à empresa e aos trabalhadores, o que configura a violação do dever de respeito e lealdade previsto nas al.s a) e f) do nº1 do art. 128º.
Os factos R), S) e T) - O Autor em Setembro de 2018, abordou a responsável pela área administrativa da Ré, U… e pediu para que esta lhe entregasse o IES relativo ao ano de 2017, bem como o modelo 22 da empresa, tendo esta respondido que só não o podia fazer sem ter a autorização da Drª G…. Após a U… viu o Autor a mexer nas pastas que continham tais documentos e disse-lhe para parar. Dias mais tarde, a U… e a Drª G… verificaram que nas pastas de contabilidade estavam documentos fora de ordem e outros com sinal de terem sido desagrafados e tornados a agrafar – desacompanhados de outros elementos de facto, nomeadamente se o trabalhador estava proibido de aceder a esses documentos e se foi o trabalhador o autor do facto referido em Q), não traduzem a violação de um qualquer dever laboral.
Assim sendo, resta averiguar a existência de justa causa relativamente aos factos que traduzem a violação dos deveres previstos nas als. a), c), e) e f) do nº1 do art. 128º, ex vi do art. 351º, nº1 e nº2 alíneas a), d) e i).
E a resposta só pode ser pela existência de justa causa.
Tal como se concluiu na sentença recorrida.
Com efeito, os factos acima descritos revelam um alto grau de conflito existente entre o trabalhador e a Ré, em especial com a sua sócia gerente, irmã daquele, conflito que o trabalhador não se inibe de o evidenciar perante alguns trabalhadores da empresa, o que, como decorre das regras de experiência, causa algum desconforto a estes. E se existe “algo” a resolver entre o trabalhador e a sócia gerente da Ré, certamente que a empresa não é o lugar próprio para tal. Ou seja, os descritos comportamentos do trabalhador, conduz, necessariamente, à impossibilidade da manutenção da relação laboral.
Em suma, a apreciação dos factos assentes, que não coincidem nem demonstram o que o recorrente alega, naquelas suas conclusões, é bem demonstrativa de um comportamento culposo e grave, da sua parte, violador dos seus deveres enquanto trabalhador, (art. 128º) susceptível de abalar seriamente a confiança que deve existir entre as partes e a criar no espírito da R./empregadora dúvidas e reservas sobre a idoneidade da sua conduta futura, de molde a, considerarmos, não lhe ser exigível a manutenção do vínculo laboral estabelecido entre si, sendo, sem dúvida, o despedimento proporcional à gravidade da situação e como bem o considerou, a decisão recorrida, lícito.
Pois, como bem se refere no (Ac. do STJ de 15.09.2016), supra citado, “a quebra de confiança” pode existir, ainda que a conduta do trabalhador não tenha causado prejuízos patrimoniais ao empregador.
Estão, sem dúvida, em causa a quebra dos deveres de respeito, zelo, obrigação e lealdade do trabalhador, bem como a confiança da empregadora no trabalhador, co-relação que não pode deixar de estar presente em qualquer relação laboral. Ou seja, aqueles deveres e o dever geral de lealdade que impende sobre o trabalhador, decorrente da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (elementos essenciais subjacentes à celebração do contrato e à continuidade das relações que nele se fundam), pressupõe que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança do empregador.
O que, seguramente, cremos não foi acautelado pelo recorrente, com a conduta que se demonstrou nos autos.
Nas palavras de (Paula Quintas e Hélder Quintas in “Código do Trabalho Anotado”, 2ª ed., pág. 34) “há violação do dever de lealdade, quando o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, afecta a relação de confiança estabelecida com o empregador, causando, ainda que, potencialmente, uma violação dos interesses da empresa”.
E, sendo deste modo, verificando-se que, no caso, a R./empregadora logrou provar, como lhe competia, que o comportamento que imputou ao A./trabalhador integra o conceito de justa causa de despedimento, ou seja, provou que aquele praticou factos culposos que pela sua gravidade e consequências tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, resta concluir pela licitude do despedimento atento o comportamento do recorrente, que se concluiu destruiu a confiança necessária à manutenção da relação laboral.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se nesta secção em julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente, sem prejuízo da isenção de que goza.
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Porto, 22 de Março de 2021
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SUMÁRIO (nos termos do disposto no art. 663º, nº 7, do CPC):
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*** (Rita Romeira) ***
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A 1ª Adjunta votou a decisão, com a seguinte explicitação:
«Proc. Nº 46/19.5T8VLG.P1
Votei a decisão, justificando-se a seguinte explicitação:
A propósito da impugnação da matéria de facto, quanto às alíneas L) e P) dos factos provados, como referido no texto do acórdão, o Apelante pretende o aditamento de matéria que não foi alegada nos articulados.
Tratando-se, em concreto, de matéria essencial – como ficou a constar do acórdão - não é possível sindicar, a propósito de tal matéria, em sede de impugnação da matéria de facto, a decisão recorrida.
Porém não acompanho duas afirmações na fundamentação do acórdão que realço e sublinho nos parágrafos onde se lê: “No entanto, a consideração de factos não alegados para integrarem a base instrutória, ou não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, só é possível por via do disposto no art. 72º, nº 1 do CPT, nesse caso, pressupondo que se dê cumprimento ao disposto no nº 2, nomeadamente, possibilitando-se às partes indicarem as respectivas provas, requerendo-as imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
Como se lê naquele art. 72º do CPT:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
(...)”.
Precisamente por isso, como é entendimento pacífico da jurisprudência, desta secção social, entre muitos os (Ac.s de 11.06.2012, proc. nº 2/10.9TTMTS.P1. e de 05.10.2015, proc. nº 2673/15.0T8MAI-A.P19, ambos relatados pela Exma. Desembargadora M. Fernanda Soares, ao que supomos, inéditos), a segunda instância não pode, fazer uso do disposto no art. 72º do CPT, visto que não pode ser dado cumprimento ao nº2 do mesmo - (nº 2, cuja redacção que, quanto ao que, aqui importa, não sofreu alteração, com a entrada em vigor da Lei nº 107/2019, de 9 de Setembro) quando estejamos, perante factos essenciais, como é o caso, já que está directamente relacionado com as excepções invocadas pelo recorrente, pelo que nem por esta via seria admissível ser atendido nesta instância.
Assim, é óbvia, a improcedência da impugnação da decisão deduzida, quanto a este facto.
Porque não compete a este Tribunal, aqui e agora, em sede de recurso, tomar qualquer novo facto em consideração e, deste modo, dar o mesmo, eventualmente, como provado, com a redacção pretendida pelo recorrente, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do citado artigo), ou seja, só ao Tribunal “a quo”, no uso do poder/dever conferido por aquele art. 72º, tendo ocorrido discussão sobre a mesma, se fosse esse o caso, competia considerar provada tal factualidade.
Assim, sendo certo que a pretensão do recorrente pressuporia que este Tribunal “ad quem” interviesse nos termos previstos no nº1, daquele artigo, na medida em que pressuporia dar por provado, um facto, com uma redacção diferente, considerando factos não alegados para se considerarem como provados, não sendo tal permitido sucumbe, assim, por esta via, como dissemos, a impugnação deduzida quanto à matéria de facto da al. L).
Assim, sendo certo que a pretensão do recorrente pressuporia que este Tribunal “ad quem” interviesse nos termos previstos no nº1, daquele artigo, na medida em que pressuporia dar por provado, um facto, com uma redacção diferente, considerando factos não alegados para se considerarem como provados, não sendo tal permitido sucumbe, assim, por esta via, como dissemos, a impugnação deduzida quanto à matéria de facto da al. L).” (págs. 62 a 63), (realce, sublinhadoe alteração do tamanho da letra meus).
A razão da minha discordância reside no seguinte:
O artigo 72º do CPT (na atual redação introduzida pela Lei nº 107/2019 de 09.09.) dispõe:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão." (realce meu).
A redação anterior à Lei nº 107/2019 de 09.09.do mesmo artigo era outra:
"1 - Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão" (realce meu).
A jurisprudência desta secção a que é feita referência, a este propósito, no projeto, foi proferida no âmbito da redação anterior à Lei nº 107/2019 de 09.09.
Atualmente, o quadro legal é outro, sendo que o artigo 72º, nº1 do CPT se reporta apenas aos factos essenciais.
O regime do artigo 72º do CPT (na atual redação introduzida pela Lei nº 107/2019 de 09.09.), reportando-se tão só aos factos essenciais, é apenas aplicável na 1ª instância.
Os factos essenciais só poderão ser tidos em consideração pela 1ª instância, face à possibilidade de prova a que se reporta o nº2 do artigo do CPT.
Relativamente aos factos instrumentais e complementares, com a referida Lei, passou a aplicar-se o artigo 5º, nº2 do CPC, por remissão do artigo 72º, nº1 (1ª parte) do CPT “Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil (…)“.
Quanto aos factos instrumentais, a Relação pode de os mesmos conhecer, apenas se exigindo que tenham resultado da instrução da causa – artigo 5º, nº2, alínea a) do CPC.
Quanto aos factos complementares, o artigo 5º, nº2, alínea b) do CPC exige que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar. Se os factos em causa foram discutidos em sede de audiência de julgamento e se é invocado no recurso pelo Recorrente (que os pretenda aditar), tendo, tal como aquela, a parte contrária tido igualmente a possibilidade de se pronunciar, desde logo na mesma audiência, neste caso, a Relação poderá conhecer uma vez que as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar.
Teresa Sá Lopes».