Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
277/23.3T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RP20240710277/23.3T8VCD.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A mediadora imobiliária em regime de exclusividade que apresenta interessado na aquisição do imóvel ao vendedor, chegando estes a acordo quanto aos termos da compra e venda, em vindo o vendedor a impedir o negócio, tem direito a perceber a quantia equivalente à remuneração.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 277/23.3T8VCD.P1

Sumário
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Relatora: Teresa Fonseca
1.º adjunto: Miguel Baldaia de Morais
2.º adjunto: Carlos Gil

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
“A..., S.A.” intentou a presente ação declarativa de condenação contra AA e BB. Pede que os RR. sejam condenados a pagar-lhe € 16.974,00, acrescidos de juros à taxa legal desde a data da interpelação até pagamento.
Alega:
- que se dedica à atividade de mediação imobiliária;
- que entre as partes foi celebrado um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, em que comprometeu a conseguir interessados na compra de prédio dos RR.;
- que foi acordada uma remuneração de 6% sobre o valor pelo qual o negócio fosse concretizado, acrescida de IVA à taxa legal;
- que o contrato vigoraria até 28-11-2020;
- que desenvolveu as atividades de promoção;
- que conseguiu um interessado na aquisição pelo preço de € 233.000,00;
- que os RR. aceitaram a proposta;
- que os RR. não mais permitiram o acesso ao imóvel para visitas e para avaliação bancária;
- que os RR. resolveram o contrato de mediação imobiliária;
- que em 25-11-2020 os RR. prometeram vender o imóvel a terceiros, o que veio a ocorrer;
- que os RR. foram instados a pagar a quantia peticionada, o que não se verificou.
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Os RR. contestaram, dizendo;
- que a A. se obrigou a diligenciar por encontrar interessado na compra do imóvel pelo valor de € 240.000,00;
- que não aceitaram vender pelo valor de € 230.000,00, antes tendo feito uma contraproposta de € 233.000,00, que não obteve resposta;
- que denunciaram o contrato, tendo este deixado de produzir efeitos em 24-11-2020.
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Foi identificado o objeto do litígio e houve lugar à fixação de temas da prova.
Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente, condenando os RR. no pagamento de € 16.974,00, acrescidos de juros de mora desde 24-2-2022 até pagamento.
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Inconformados, os RR. interpuseram o presente recurso. Remataram com as conclusões que em seguida se transcrevem.
A- A recorrida intentou ação de condenação sob a forma de processo comum contra os recorrentes peticionando a remuneração do valor acordado de 16.974,00€ (dezasseis mil novecentos e setenta e quatro euros) referente ao contrato de mediação imobiliária outorgado entre as partes.
B- A ação foi julgada procedente e, em consequência, foram os recorrentes condenados a pagar à recorrida a quantia de 16.974,00€ (dezasseis mil novecentos e setenta e quatro euros) acrescida de juros de mora desde 24.02.2022 e até efetivo e integral pagamento.
C- Por não concordarem com a decisão, vêm os recorrentes dela interpor recurso de apelação, expondo aos Exmos. Desembargadores as razões pelas consideram que alguns factos que foram dados como provados não deveriam ter sido, bem como a interpretação das normas jurídicas aplicadas.
D- Os recorrentes, salvo melhor opinião, consideram que os factos que foram dados como provados, nomeadamente 5) 6) e 8), não deveriam ter sido.
E- Não concordando ainda que o facto a) dado como não provado, não tenha sido dado como provado.
F- Tendo em conta os factos dados como provados, os recorrentes irão dividir as suas motivações em 3 itens, a aceitação da proposta da interessada angariada pela recorrida, a não celebração do negócio como causa imputável aos recorrentes e vigência do contrato de mediação imobiliária celebrado com a recorrida.
G- Na douta sentença foi dado como provado que a proposta de preço de 233.000€ (duzentos e trinta e três mil euros) foi aceite pelo interessado encontrado pela autora, tendo por base os depoimentos de CC e DD.
H- Contudo, salvo melhor entendimento, tal facto não deveria ter sido dado como provado, na medida em que o depoimento de CC não foi conclusivo na questão da aceitação ou não da contraproposta efetuada pela interessada EE, conforme declarações prestadas pela testemunha CC na sessão de julgamento do dia 13/12/2023 gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 33:00 minutos, mais concretamente ao minuto (05: 18):
Mandatária da Autora. E informaram os Srs. vendedores, o Sr. AA dessa situação?
Testemunha: creio que sim, sim. (...)
Mandatária da Autora: E essa informação foi feita como? Sabe-me dizer, lembra-se disso?
Testemunha: é assim, eu, há uma parte que este negócio, esqueci-me de dizer, foi mediado por mim e por a minha companheira de negócio e há partes que, pronto, foi ela que efetivamente falou com eles mais do que eu. Isto porque eu também tenho uma segunda atividade e não estou nisto a 100%, mas eu não lhe quero mentir, mas creio que eu próprio lhes mandei e-mails (..)
I- Pelo que o mesmo admite que não só já não tem conhecimento se deu ou como deu a informação da aceitação da contraproposta por parte da interessada EE aos recorrentes, como também admite que a sua parceira de negócio FF o possa ter feito.
J- Não foi feita prova de que a comunicação da aceitação tivesse sido efetivamente comunicada aos recorrentes.
K- O depoimento da testemunha CC mostra-se pouco preciso relativamente à comunicação ou não da alegada aceitação da contraproposta dos 233.000€ por parte da interessada EE, conforme declarações prestadas pela testemunha CC na sessão de julgamento do dia 13/12/2023 gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 33:00 minutos, mais concretamente aos minutos (14:19); (15:20); (27:30); (14:19). Mandatária dos réus: Disse aqui, a instâncias da minha ilustre colega, que achava que proposta tinha sido aceite, como é que transmitiram, como é que transmitiu ao Sr. AA que a proposta foi aceite? (...) o Sr. AA tinha-lhe feito na altura uma contraproposta de 233.000 €, essa contraproposta foi aceite na altura pelas pessoas interessadas na casa?
Testemunha; sim, tanto foi aceite que eles trataram do crédito.
Mandatária dos réus: Mas como é que transmitiram isso ao Sr. AA e à esposa?
Testemunha: Eu creio que, da minha parte via telefónica, seguramente, depois não sei, tivemos uma visita porque isto também já passou algum tempo, mas não sei se houve trocas de emails (...)
(15:20) Mandatária dos réus: Mas faço-lhe a pergunta no mesmo sentido que a Sr.ª doutor a fez, é recorrente, num negócio destes, facilitarem assim, dizerem só pelo telefone “olha está aprovada, realmente está aceite a proposta”?
Testemunha: Como eu lhe disse, há uma parte que é da minha parte e já tenho umas certas dúvidas pois já passou bastante tempo, não é, creio e a bem da verdade para não estar a mentir, eu falei com ele por telefone agora, depois, como há um papel assinado, deduzo que a minha parceira de negócio tenha falado com ele.
(27:30) Mmª Juiz: Sim, mas como vê pede contrato-promessa a uma semana. Pronto e estes 233.000€ a 60 dias só foram comunicados verbalmente não é? e foi por si?
Testemunha: Não, depois estivemos lá em casa, se não estou em erro e comunicamos-lhe isso precisamente.
Mmª Juiz: Quando é que essa proposta foi aceite, tendo por referência a data que ali está, 6 de outubro, quanto tempo é que a senhora, a proponente (...)
Testemunha: É assim, como houve tantas propostas, houve três, houve negociações, essas coisas todas, a bem da verdade, não lhe vou dizer com certeza absoluta...
Mmª juiz: Mas sabe quanto tempo demorou a proposta a ser aceite?
Testemunha: A proposta, depois desta situação, acho que foi no próprio dia que ligámos para a dona DD, ela fez a contraproposta, aliás, a contraproposta foi pelos meus clientes vendedores, foram os tais 233 000 a 60 dias.
L- A testemunha CC não consegue precisar se foi ele ou a sua parceira FF que comunicaram a aceitação da proposta aos recorrentes.
M- A testemunha DD referiu que nunca tinha comunicado tal aceitação aos recorrentes, conforme declarações prestadas pela testemunha DD na sessão de julgamento do dia 13/12/2023 gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 31:41 minutos, mais concretamente aos minutos (17:49):
MMª juiz (17:49): Isto são conversas entre a senhora e o CC. Testemunha: Certo e o CC é que me transmite.
Mmª Juiz: Claro que se a Sr.ª nunca fala com o Sr. AA...
Testemunha: Nunca.
Mmª Juiz: Nunca fala com eles?
Testemunha: Nunca, só com o CC.
N- Não ficou demonstrado por prova documental, nem por prova testemunhal que a aceitação da proposta foi comunicada aos recorrentes.
O- Relativamente à formalidade da aceitação, ficou demonstrado não haver nenhum documento no qual as partes formalizam a aceitação de proposta e os trâmites quanto ao sinal, assinatura do contrato promessa de compra e venda e outorga da escritura pública.
P- Conforme a prova documental junta, não ficou demonstrado a efetivação da aceitação por escrito da contraproposta dos 233.000€ feita pelos recorrentes à interessada EE.
Q- Não ficou devidamente esclarecido, pelos depoimentos das Testemunhas CC e DD, como é que a contraproposta foi aceite e a razão pela qual a mesma não foi reduzida a escrito.
R- As testemunhas CC e DD admitiram que as visitas ao imóvel continuaram após, explicando que ainda não tinha sido formalizada a aceitação de proposta, havendo alguns aspetos que se encontravam em negociação.
S- O tribunal a quo não deveria ter considerado que uma proposta foi aceite se ambas as partes ainda se encontravam em negociação.
T- A testemunha DD admite que as partes ainda se encontravam em negociações, conforme declarações prestadas pela testemunha DD na sessão de julgamento do dia 13/12/2023 gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 31:41 minutos, mais concretamente aos minutos (10: 13); (17:49):
Testemunha (10:13): Mas a B..., neste caso, não parou de mostrar a mais ninguém, porque as coisas só são válidas quando estão realmente tomadas, quando há um contrato e um sinal.
Mandatária dos réus (10:47) Bom dia, a questão que se levanta aqui é porque é que não fizeram um contrato-promessa?
Testemunha: Doutora, estávamos a discutir preços, entretanto houve férias da parte dos promitente-vendedores, houve COVID, nós procedemos à avaliação e nós já íamos fazer, até que o sinal que a EE ia dar era de 5.000€ e ninguém nos disse que não.
Mandatária dos Réus (11:10): Mas de qualquer forma, nunca o fizeram, esse contrato-promessa?
Testemunha: Não, não, não
U- A testemunha DD admite que se encontravam em negociações e demonstrou ter um discurso pouco coerente e livre de interesses, na medida que a mesma também iria ganhar a sua comissão com a conclusão do negócio entre os recorrentes e a interessada EE (por si angariada), conforme declarações prestadas pela testemunha DD na sessão de julgamento do dia 13/12/2023 gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 31:41 minutos, mais concretamente aos minutos (13: 32):
Mandatária dos réus (13:32): E eu faço-lhe esta pergunta e se pedissem à Dona Sra. para fazer um contrato de promessa no dia em que ela foi com o Sr. GG e gostou da casa, acha que ela o faria?
Testemunha: sim, por que eles gostaram da casa.
Mandatária dos réus: e acha que ela o faria naquele dia em que foram lá ver e que daria os 5.000€ de sinal?
Testemunha: sim, só que houve...havia negociação de valores.
V- A Testemunha CC refere que as negociações ainda se encontravam a decorrer, pelo que ainda não estava tudo acertado entre os recorrentes e a possível interessada, motivo pelo qual as visitas ao imóvel continuaram, conforme depoimento prestado pela testemunha CC na sessão de julgamento do dia 13/12/2023 gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 33:00 minutos, mais concretamente aos minutos (08: 09); (16:24), (17:35); (23:43), (29:07):
Mandatária da Autora: mas diga-me uma coisa, mas estava-me a dizer que iam continuar com visitas, mesmo existindo esta proposta aceite?
Testemunha: Sim, há negócios que caem às vezes, não é, e mesmo caindo, o meu interesse e foco é a realização do que os meus clientes pretendem, neste caso é a venda.
(16:24) Mandatária dos Réus: Mas continuaram com visitas?
Testemunha: Continuámos com as visitas sim.
Mandatária dos réus: Então (...) não acha que isso poderia criar alguma dúvida no estado de espírito dos vendedores, o facto de lhes dizerem temos uma proposta, está aprovado, está tudo decidido, temos comprador?
Testemunha: Não
Mandatária dos réus: Temos compradores e vamos continuar com visitas?
Testemunha: Não. Sabe, porque não pode haver dúvidas? Eu, por norma e por princípio falo tudo como deve ser ...
Mandatária dos réus: Pois, mas parece que aqui não foi o caso.
Testemunha: Pois, mas no caso dos compradores, dos clientes compradores que me estava a perguntar, todo o processo falei com eles e acima de tudo e disse-lhes que estava em questão defender os meus clientes vendedores e como tal, e como havia coisas que ainda não estavam no preto no branco, não havia sinais, não havia nada disso, continuaram-se as visitas, apesar de termos em conta a proposta deles. Se as coisas assim se concluíssem, finalizava assim o processo, caso houvesse qualquer situação teríamos sempre um dito backup, digamos assim.
(17:35) Mandatária dos réus: posso deduzir das suas palavras que não é uma proposta definitiva, digamos assim. Porque se não avançariam para o contrato-promessa, para o encerramento das negociações e para o sinal?
Testemunha: A proposta é definitiva ou não consoante as partes se comportarem, não é das minhas palavras é da...
Mmª Juiz: marcou uma reunião na altura ou não?
Testemunha: não, na altura não houve necessidade, estávamos à espera de eles tratarem da situação do crédito. E como tal, foi o que eu estava a dizer, apesar de já termos mais do que claro que tínhamos o negócio quase concluído, iríamos continuar com visitas, não fosse acontecer alguma situação de cair o negócio por qualquer motivo e funcionava como uma situação recorrente que também é prática de vários colegas meus no imobiliário, que enquanto que as coisas não estiverem preto no branco, ou seja, até fazerem escritura...
(23:43) Mmª Juiz: Olhe, foi aceite e então não é normal, até porque o contrato de mediação assim o prevê. Não falaram sobre o contrato-promessa, isto não foi falado? Quer dizer, os Srs. têm direito a receber a metade da comissão logo à data do contrato-promessa, não é falada a celebração do contrato-promessa, não é reduzido a escrito um contrato-promessa, isto não é falado?
Testemunha: foi falado.
Mmª juiz: Sim...
Testemunha: Da parte do contrato-promessa de compra e venda, não se avançou porque eles estavam à espera da situação do crédito...
Mmª juiz: Mas o que é que isso tem a ver, (...) isso não é para o contrato-promessa. Para o contrato-promessa eles dizem “eu comprometo-me a comprar isto, por este preço, em x tempo (...)
Testemunha (24:30): Sim, mas nós pedimos que assim o fizessem e do outro lado entenderam que não seria assim, enquanto não tivessem esclarecida a situação do crédito.
(29:07) Mmª Juiz: E quando é que a cliente da D DD aceita?
Testemunha: Aceita, era aquilo que pretendiam mas estavam a aguardar a situação da avaliação bancária, para andarem para a frente com o negócio
W- Face ao depoimento da testemunha CC, deveria ter sido dado como provado que não havia nenhum negócio formalizado entre as partes, recorrentes e interessada compradora, uma vez que a mesma se encontrava numa fase inicial da aprovação do crédito habitação, podendo o mesmo nem ter sido aprovado.
X- As partes não formalizaram o contrato-promessa de compra e venda, pois ainda se encontravam em negociações, sendo certo que as visitas ao imóvel continuaram por parte da recorrida, mostrando assim que se encontravam disponíveis a novos interessados, não havendo qualquer vinculação com a interessada EE.
Y- Na douta sentença não deveria ter sido dado como provado que o facto de os recorrentes terem impedido o acesso do avaliador do banco ao imóvel foi causa para a não concretização do negócio.
Z- Conforme os depoimentos prestados pelas Testemunhas CC e DD, os recorrentes não autorizaram o acesso ao imóvel, pois estiveram de férias e posteriormente em isolamento profilático durante 15 dias.
AA- Não havia um contrato-promessa de compra e venda assinado, nem qualquer documento escrito que comprovasse que o negócio ia ser celebrado e quais os seus trâmites, como resulta de toda a prova produzida nos autos, os recorrentes não tinham nenhuma vinculação com a interessada EE.
BB- Os recorrentes tinham autonomia para se oporem à renovação do contrato de mediação imobiliária celebrado com a recorrida.
CC- Não havia nenhum compromisso com a interessada, nem celebração de contrato-promessa de compra e venda, nem tão pouco um documento escrito nos quais as partes acordassem como iam ser os trâmites, datas, valores do sinal, assinatura de contrato de promessa de compra e venda e outorga da escritura.
DD- Os recorrentes não tinham nenhuma ligação contratual para com a mesma, não estando assim obrigados a permitir a entrada de pessoas estranhas à relação contratual que tinham com a recorrida.
EE- Os recorrentes nunca tiveram real conhecimento de que a contraproposta apresentada tinha sido aceite pela interessada compradora, pelo que mantinham a convicção de que não tinham qualquer obrigação para com a mesma, nem sequer para com a testemunha DD, a qual nunca foi contratada pelos recorrentes.
FF- Os recorrentes permitiram outras visitas de possíveis interessados ao imóvel, não impedindo que houvesse a celebração de algum possível negócio com algum interessado angariado pela recorrida, conforme depoimento da testemunha CC na sessão de julgamento do dia 13/12/2023, gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 33:00 minutos, mais concretamente aos minutos (16:24), (19:24) (16:24).
Mandatária dos Réus: mas continuaram com visitas?
Testemunha: continuámos com as visitas sim.
(19:24) Mmª Juiz: marcou uma reunião na altura ou não?
Testemunha: não, na altura não houve necessidade, estávamos à espera de eles tratarem da situação do crédito. E como tal, foi o que eu estava a dizer, apesar de já termos mais do que claro que tínhamos o negócio quase concluído, iríamos continuar com visitas, não fosse acontecer alguma situação de cair o negócio por qualquer motivo e funcionava como uma situação recorrente que também é prática de vários colegas meus no imobiliário, que enquanto que as coisas não estiverem preto no branco, ou seja, até fazerem escritura...
Mandatária dos réus: e como é que explicaram ao sr. AA e à esposa a continuação dessas visitas? Explicaram-lhes se eram...
Testemunha: Eu tive várias reuniões com eles em casa e fui-lhes dado sempre conhecimento das coisas e o porquê das coisas, inclusive essa situação, porque é que íamos continuar com visitas. GG- A testemunha CC admitiu que as visitas ao imóvel continuaram, demonstrando a não seriedade das negociações levadas a cabo com a suposta interessada compradora EE.
HH- Não podia o tribunal a quo ter condenado os recorrentes ao pagamento da comissão à recorrida, uma vez que não foi por culpa destes que o negócio com a interessada EE não se realizou. II- Não houve uma formalização da aceitação da contraproposta, não houve outorga do contrato-promessa de compra e venda.
JJ- As partes ainda se encontravam em negociações e a interessada ainda não tinha a certeza de que o seu crédito iria ser aprovado.
KK- Um dos requisitos da contraproposta dos recorrentes, era a celebração de um contrato promessa no prazo de uma semana e o pagamento de 10% do valor a título de sinal, o que nunca se concretizou.
LL- Não existem factos que demonstrem que a não realização do negócio foi por facto imputável aos recorrentes, uma vez que os mesmos não tinham nenhuma ligação contratual com a interessada EE.
MM- Conforme acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido a 16/12/2021, no processo 600/20.2T8FAF.G1 pelo desembargador SANDRA MELO: Quanto aos ónus da prova, há que considerar que quem quiser beneficiar desta norma tem que provar os seus factos constitutivos ou pressupostos, entre os quais aqueles que permitam determinar a quem é imputável a não concretização do negócio. 1- A remuneração do contrato de mediação imobiliária encontra-se prevista de forma imperativa no nº 1 do artigo 19º do DL 15/2013: constitui-se com a celebração do contrato visado ou, nos casos em que foi expressamente acordado que independentemente da concretização do negócio visado a mesma seria devida pela celebração do contrato promessa, nesse momento. 2- São três os requisitos para que a mediadora possa exigir o pagamento da remuneração, nos termos do nº 2 do artigo 19º do DL 15/2013: 1 - que o contrato de mediação tenha sido celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel; 2 - que tenha sido acordado o regime de exclusividade; 3 - e que a não concretização do negócio visado tenha causa imputável ao cliente. 3 - Porque com esta norma não se pretende transferir o risco do negócio de mediação para a contraparte (o cliente da mediadora), mas defender a mesma dos comportamentos desta que violem o contrato celebrado entre ambos, também aqui, para se verificar o dever de remunerar apesar da falta de celebração do contrato definitivo, se exige a culpa da contraparte (o cliente devedor), nos termos gerais previstos no artigo 798º do Código Civil. 4- Quanto aos ónus da prova, há que considerar que quem quiser beneficiar desta norma tem que provar os seus factos constitutivos ou pressupostos, entre os quais aqueles que permitam determinar a quem é imputável a não concretização do negócio.
NN- A recorrida tinha o ónus da prova de demonstrar que o negócio não se concretizou por culpa dos recorrentes, e que tal não veio a acontecer, pois tanto a testemunha CC, como a testemunha DD referiram que as partes ainda se encontravam em negociações, tendo as visitas ao imóvel prosseguido com outros possíveis interessados, demonstrando, assim, que as suas negociações não eram sérias o suficiente para vincular as partes.
OO- O tribunal a quo não deveria ter dado como provados os factos 5), 6) e 8) e como provado o facto a) “a última contraproposta feita pelo réu AA, no valor de € 233.000, referida em 5) não obteve nenhuma resposta por parte do interessado comprador, nem por parte da autora”, uma vez que a recorrida não fez prova cabal de que tenha transmitido de modo efetivo e sério aos recorrentes a aceitação da contraproposta destes pela interessada compradora EE, bem como não foi junta prova documental que indiciasse sequer que os recorrentes tinham conhecimento do interesse sério na compra da suposta interessada compradora.
PP- Após a data da contraproposta dos recorrentes, não obtiveram mais nenhum contacto, muito menos escrito, conforme era devido e esperado, atendendo à seriedade do negócio da parte da recorrida ou da suposta interessada compradora, para formalizar contrato promessa, ou sequer a proceder a avaliações do imóvel.
QQ- As testemunhas CC e DD, promotores imobiliários, esclareceram que as escassas negociações não se revelavam sérias o suficiente para terminar com a publicitação e visitas ao imóvel, razão pela qual não foi celebrado contrato promessa de compra e venda pelos recorrentes, aliás, nem um simples e-mail com uma formalização de proposta existiu.
RR- Razão pela qual não podia o tribunal a quo ter considerado que o negócio não se celebrou por culpa dos recorrentes, pelo facto de os mesmos impedirem o acesso por parte do avaliador ao imóvel, uma vez que não existia relação contratual entre recorrentes e interessada compradora, não estando os mesmo obrigados a permitirem a entrada a terceiros, estranhos ao negócio e à relação contratual com a recorrida, sendo certo que os recorrentes nunca impediram quaisquer visitas aos compradores angariados pela recorrida, com a exceção do período em que se encontravam em isolamento profilático com o menor, por questões de saúde pública.
SS- Os recorrentes, após esta apresentação de propostas e contrapropostas com a recorrida, mantiveram a disponibilidade e interesse, atendendo ao fracasso daquela suposta negociação, sempre se mantiveram colaborantes e recetivos a visitas por outros possíveis interessados, angariados pela recorrida - como resulta do depoimento da testemunha CC - promotor imobiliário.
TT- O tribunal a quo não deveria ter aplicado o regime previsto no artigo 279º do C.C., pois, nos termos do artigo 296º do C.C., as regras constantes no artigo 279º do C.C. são aplicáveis na falta de disposição especial em contrário, o que não acontece no caso, pois o contrato de mediação refere especificamente, na cláusula 8ª, que “Tem uma validade de 180 dias /MESES contados a partir da data da sua celebração”.
UU- O “a partir da data da sua celebração” deve ser interpretado no sentido que se interpreta um contrato de cláusulas contratuais gerais, nomeadamente através da interpretação/ integração da cláusula duvidosa em harmonia com o sentido que lhes daria um contratante indeterminado, normal, que se limitasse a subscrevê-la ou aceitá-la - artigos 10 e 11 do Dl 446/85 de 25 de outubro.
VV- O tribunal deveria ter decidido, como refere no nº 2 do mencionado artigo 11 “na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente”.
WW- Na dúvida, o primeiro dia do prazo do contrato celebrado entre recorrentes e recorrida, seria o dia da sua celebração 29/05/2020, terminando assim os 180 dias de duração no dia 24 de novembro de 2020.
XX- Foi neste raciocínio, e usando esta contagem de prazo, que a recorrida emitiu as suas faturas (factos provados nº 13 e 14) no dia 24 do 11 de 2021, tentando desse modo respeitar, o prazo de prescrição de 1 ano, para cobrar o seu alegado crédito.
YY- A cláusula 9º do contrato de mediação, refere o dever dos recorrentes entregarem “todos os elementos julgados necessários e úteis” à recorrida, no prazo de 10 dias, relevando-se que esse prazo se inicia “ a contar da data de assinatura do presente contrato”.
ZZ- Se para os recorrentes a vigência do contrato se iniciou com a assinatura do contrato, então todas as outras obrigações e direitos também se teriam de iniciar.
AAA- O contrato prevê expressamente que a duração do mesmo se conta a partir da data da sua celebração, incluindo o dia da assinatura, impondo obrigações imediatas e a contar desse mesmo dia aos recorrentes, então também a contagem para o seu término terá obrigatoriamente que começar e incluir o dia da assinatura.
BBB- O tribunal a quo deveria ter dado como provado que o contrato de mediação imobiliária entre os recorrentes e a recorrida findou a 24/11/2020, deixando de produzir quaisquer efeitos para as partes, a partir das 24:00 do dia 24/11/2020, por denúncia dos recorrentes, por carta datada de 01/11/2020, conforme provado no facto 7.
Nestes termos e nos de melhor de Direito aplicável, devem V. Exas. revogar a douta sentença recorrida, e em sequência ordenar o prosseguimento dos autos, fazendo-se assim inteira justiça.
*
II - Questões a apreciar:
a - da reapreciação da matéria de facto;
b - se impende sobre os RR. a obrigação de pagamento à A. da quantia equivalente à remuneração da mediação.
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III - Fundamentação de facto
Factos provados constantes da sentença
1) A Autora é uma sociedade de mediação imobiliária, que se dedica a esta atividade, sendo detentora da licença AMI ....
2) No âmbito da sua atividade, em 29.05.2020, Autora e Réus celebraram o contrato de mediação imobiliária com o número ..., no qual acordaram, para além do mais, que:
«….Entre:
A..., S.A. (…) designada como Mediadora, e
AA (…) e BB (…) designados como Segundo(s) Contratante (s) na qualidade de proprietários … é celebrado o presente Contrato de Mediação Imobiliária que se rege pelas seguintes cláusulas:
Cláusula 1.ª
O Segundo Contratante é proprietário e legítimo possuidor da fração autónoma/prédio…destinada a habitação, sendo constituído por 5 divisões assoalhadas, … sito na… Rua ..., em Vila do Conde … descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde, sob a ficha ... (…)e inscrito na matriz predial … com o artigo n.º ... da freguesia de Vila do Conde.
Cláusula 2.ª
1 – A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na [x] compra….,pelo preço de 240.000 euros…, desenvolvendo para o efeito, ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis.
2 – Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicada de imediato e por escrito à Mediadora. (…)
Cláusula 4.ª
1 – O Segundo Contratante contrata a Mediadora em Regime de Exclusividade.
2 – O regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária durante o respetivo período de vigência.
Cláusula 5.ª
1 – A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art.º 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro.
2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração:
[x] a quantia 6% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal de 23%. (…)
3 – O pagamento da remuneração será efetuado nas seguintes condições:
[x] 50% após a celebração do contrato-promessa e o remanescente de 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio. (…)
Cláusula 8.ª
O presente contrato tem uma validade de 180 (dias/meses), contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo. (…)
3) No âmbito da sua atividade, a Autora desenvolveu atividades de promoção, nomeadamente, a promoção do imóvel em diversas plataformas online, flyers, montra da loja, apresentação do imóvel em reuniões semanais de loja e mensais de grupo.
4) Em 23.09.2020, a Autora conseguiu um interessado no imóvel que ofereceu € 220.000,00,00, o Réu AA fez uma contraproposta no valor de € 233.000,00 com 10% a título de sinal e contrato-promessa de compra e venda a ser celebrado no prazo de uma semana e a escritura a ser outorgada a 60 dias, à qual o interessado fez outra contraproposta no valor de €.230.000,00, à qual o Réu AA, em 06.10.2020, contrapropõe a venda pelo valor de € 233.000,00.
5) Tal proposta de preço de € 233.000,00 foi aceite pelo interessado encontrado pela Autora, em data não apurada, mas sempre no dia 06.10.2020 ou após tal data, nos dias que se seguiram.
6) Contudo, a partir de data não apurada, mas posterior à aceitação do valor proposto pelo Réu AA no valor de € 233.000,00 referida em 5), os Réus não mais permitiram o acesso ao imóvel para avaliação bancária.
7) Em 01.11.2020, os Réus enviam uma carta para a Autora com o seguinte teor:
«(…) Assunto: Cessação do Contrato de mediação n.º ...
Eu, AA (…) e BB (…), vimos por este meio informar que pretendemos cessar o contrato celebrado em regime de exclusividade a 29 de maio de 2020 com a v/ imobiliária para venda do nosso imóvel, sito na ..., ..., Vila do Conde, passando assim o contrato a aberto a partir de 24 de Novembro de 2020 (…)».
8) Os Réus, com o referido em 6), 11) e 12), não permitiram que o negócio com a pessoa interessada angariada pela Autora se concretizasse.
9) Em data não apurada, mas sempre até dia 25.11.2020, os Réus, na qualidade de promitentes-vendedores, e HH e II, na qualidade de promitentes-compradores, outorgaram «contrato-promessa de compra e venda» no qual acordaram que:
«(…) 1.ª
1. Os Promitentes-Vendedores são donos e legítimos possuidores do imóvel identificado correspondente ao Casa de habitação, rés-do-chão, andar e sótão, situado no ..., Rua ..., identificado na Conservatória do Registo predial de Vila Do Conde sob o número de descrição ..., freguesia de Vila do Conde, com o artigo matricial urbano número ..., da mesma freguesia (…)
2.ª
1. Pelo presente contrato, os Promitentes-Vendedores prometem vender aos Promitentes-Compradores, que, por sua vez, prometem comprar àqueles, o imóvel sito no prédio urbano, identificado na cláusula anterior, livre de ónus, responsabilidade ou encargos, com a cozinha equipada, pelo preço de €230.000,00 (…) que será pago da seguinte forma:
a) Nesta data e a título de sinal, é paga a quantia de €25.000,00 (…), por cheque de que os Promitentes-Vendedores darão quitação após boa cobrança.
b) A parte restante do preço, ou seja, a quantia de €205.000,00 (…) será paga no ato da escritura. (…)
3.ª
1. A escritura pública de compra e venda do imóvel terá lugar entre o dia 01 … de dezembro de 2020 … e o dia 30 … de dezembro de 2020…(…)
7.ª
Este negócio teve a intervenção de C... Lda., número de pessoa coletiva ..., com sede na Av. ... n.º ..., Póvoa de Varzim e com licença AMI n.º ... (…)»
10) Em 25.11.2020, os Réus outorgaram «Contrato de Mediação Imobiliária» com o n.º ..., com a C..., Lda. relativamente ao prédio identificado em 2), mediante o qual aquela empresa se obrigava a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do mesmo pelo preço de € 239.000,00.
11) No dia 10.12.2020, foi outorgada escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, na qual os Réus AA e BB declararam vender e HH e II declararam comprar, o prédio urbano composto por casa de habitação, rés-do-chão, andar e sótão, anexos e pátio, situado em ..., Rua ..., da freguesia e concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o número de descrição ... - Vila do Conde (…) inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ..., pelo preço de € 230.000,00.
12) Mais declararam na escritura referida em 11) que o preço foi pago do seguinte modo:
a) A título de sinal e princípio de pagamento, a parte compradora entregou à parte vendedora na data de 25/11/2020 a quantia de Euros 25.000,00, titulada por cheque com o n.º ..., sacado sobre o Banco 1..., S.A.;
b) Na presente dada a parte compradora faz entrega à parte vendedora da quantia remanescente de Euros 205.000,00, titulada por um cheque bancário do valor de 91.590,28€… e uma transferência bancária do valor de 113.409,72€.
13) A Autora emitiu a fatura n.º ..., datada de 23.11.2021, no valor de €.8.487,00 a título de comissão de venda do imóvel sito na Rua ....
14) A Autora emitiu a fatura n.º ..., datada de 23.11.2021, no valor de €.8.487,00 a título de comissão de venda do imóvel sito na Rua ....
15) Os Réus enviaram à Autora carta datada de 05.04.2022, da qual consta que
«(…) Face às vossas comunicações remetidas via e-mail a 24/02/2022 e 14/03/2022, expomos o seguinte:
Celebramos um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, com V. Exas., a 29 de maio de 2020. (…)
Ou seja, o contrato celebrado iniciou-se a 29 de maio de 2020 e terminava a 24 de novembro de 2020, pelo decurso do prazo de 180 dias.
No entanto, estipulou-se que o dito contrato poderia ser denunciado com um prazo de antecedência de 10 dias, sobre a data do seu término (24 de novembro de 2020). Isto é, a denúncia deveria ser apresentada até 13 de novembro de 2020.
De maneira que, a 1 de outubro de 2020, enviamos carta registada a V. Exas. informando a denúncia do contrato de mediação, tendo sido por vós recebida a 2 de outubro de 2020.
Apenas por mero lapso nosso, o corpo da carta continha a data de 1 de novembro, mas como é do vosso conhecimento, a carta foi enviada a 2 de outubro. Deste modo, o contrato de mediação imobiliária cessou em 24 de novembro de 2020.
E, mesmo que, a denúncia tivesse sido enviada a 1 de novembro, cumpriria os 10 dias de aviso prévio, uma vez que o contrato podia ser denunciado até 13 de novembro de 2020.
Ora, tendo o contrato sido denunciado dentro dos prazos previstos no contrato de mediação imobiliária, não existe nenhuma obrigação contratual a cumprir, nem valores a pagar a V. Exas.
Para nosso espanto, recebemos por parte de V. Exas. um email a 24/02/2022, no qual cobram uma dívida de 13.980,00€, acrescida de IVA à taxa legal de 23%, acrescida de juros e despesas de cobrança, pelo incumprimento contratual. O que, não é verdade.
Afirmam V. Exas, naquele email, que a 6 de outubro conseguiram um interessado para a compra do imóvel, pelo preço de 230.000,00€ e que nós aceitamos a proposta. Contudo, e como V. Exas. bem sabem, tal ato de aceitação nunca ocorreu.
A proposta a que V. Exas. se referem, nunca chegou a acordo uma vez que mantivemos o preço de venda na quantia de 233.000,00€, recusando claramente a proposta de 230.000,00€ do interessado.
Além disso, nunca foi assinado contrato-promessa de compra e venda, nem nenhum documento que confirmasse a aceitação da proposta dos 230.000,00€.
Mais, ficou estipulado no contrato de mediação imobiliária que o pagamento devido a V. Exas., na proporção de 6% do valor de venda, seria pago em duas prestações de 50%, uma aquando da assinatura do contrato de promessa e o remanescente na celebração da escritura ou conclusão do negócio.
Ora, se não a proposta do vosso interessado não foi aceite, assinamos a declaração de recusa de alterar o preço da venda, não celebramos promessas, nem outro tipo de contrato com o vosso interessado, a quantia que exigem não é devida. Não há lugar à remuneração cobrada! Não houve negócio com o vosso interessado, por este não ter concordado com o preço estipulado para a venda do imóvel! Nós cumprimos todas as nossas obrigações e prazos! Nada lhes devemos!
Assim, exigimos a anulação das faturas emitidas a 23/11/2021 por V. Exas., nomeadamente, ... e ..., no montante de 8.487,00 cada. Estas faturas são falsas!
(….)».
*
Factos não provados
Da realização da audiência de julgamento não resultou provado que:
a) a última contraproposta feita pelo Réu AA no valor de € 233.000,00 referida em 5) não obteve nenhuma resposta por parte do interessado comprador, nem por parte da Autora;
b) os Réus, uma vez que tinham urgência na venda do imóvel, a 25 de novembro de 2020, encontraram, por mero acaso, um interessado comprador, através de uns amigos.
*
IV - Fundamentação jurídica
A - Da reapreciação da matéria de facto
Os recorrentes entendem que a matéria de facto dada como assente sob os números 5), 6) e 8) não o deveria ter sido. Alegam que os depoimentos de CC e de DD implicam conclusão diversa da vertida na fundamentação fáctica da sentença.
Recordemos que o teor do ponto 5 que os apelantes pretendem seja eliminado da matéria assente é o seguinte:
5) Tal proposta de preço de € 233.000,00 foi aceite pelo interessado encontrado pela Autora, em data não apurada, mas sempre no dia 06.10.2020, ou após tal data, nos dias que se seguiram.
Os RR. aduzem que a partir do depoimento de CC não é possível concluir que tenham anuído à contraproposta da interessada EE no valor de € 233.000,00, já que CC não se recordava com exatidão sobre se teria ou não comunicado tal aceitação. Atente-se em que os apelantes incluem na sua proposição realidades diversas: de um lado a aceitação pela assim denominada interessada EE da contraproposta dos RR. do preço de € 233.000,00; por outra parte, a comunicação dessa aceitação aos RR.. Os trechos probatórios transcritos ora se referem a uma realidade, ora à outra, o mesmo se verificando quanto às suas apreciações do ocorrido.
Sendo certa a ausência de documento escrito que transmita a aceitação pela interessada EE de que se propunha comprar o imóvel pelo preço de € 233.000,00, CC depõe no sentido de não se recordar dos exatos termos do que ocorreu, mas que lhe parece ter comunicado ao R. a aceitação por via telefónica e numa ulterior ida à casa deste, podendo a comunicação ter tido origem na parceira FF. A testemunha assevera ainda que a comunicação frequente e a par e passo constituía apanágio dos colaboradores da mediadora.
DD, embora confirme a aceitação por EE da celebração da compra e venda pelo preço de € 233 000, 00, a 60 dias, frisa que a comunicação que manteve foi com CC e não com qualquer dos RR..
Em abono da sua tese, os apelantes invocam ainda que as testemunhas CC e DD admitiram que as visitas ao imóvel continuaram, explicando que não tinha sido formalizada a aceitação de proposta, havendo alguns aspetos que se encontravam em negociação.
Os depoimentos prestados não coincidem com esta última asserção. Na verdade, DD depôs no sentido de que as coisas só são válidas, quando estão realmente tomadas, quando há um contrato e um sinal e de que o contrato-promessa não foi celebrado por os promitentes-vendedores terem ido de férias e terem tido COVID, mas que tudo se aprestava para a celebração. CC, no contexto da continuação das visitas ao imóvel, disse que os negócios às vezes caem e que o contrato-promessa não foi celebrado porque se aguardava a concessão de crédito à interessada.
É neste conspecto que os apelantes requerem que seja dado como provado que não havia nenhum negócio formalizado entre as partes, recorrentes e interessada compradora, uma vez que a mesma se encontrava numa fase inicial da aprovação do crédito habitação, podendo o mesmo nem ter sido aprovado.
Não oferece dúvidas que não foi celebrado contrato-promessa entre os RR. a interessada, pelo que nada há a acrescentar a este respeito. Por outro lado, a alusão à fase inicial da aprovação do crédito é meramente genérica. Acresce que não são conhecidos os contornos do pedido de aprovação de crédito. Tampouco há notícia do seu potencial desenlace. As pretensões dos requerentes a este propósito não podem, pois, ser viabilizadas.
Relembre-se, porém, que a questão vertida no ponto 5 dos factos assentes é de diferente teor. Na verdade, o que aí consta é que a proposta de preço de € 233.000,00 foi aceite pelo interessado encontrado pela A., em data não apurada, mas sempre no dia 06.10.2020 ou após tal data, nos dias que se seguiram.
O que importa, pois, ponderar, é se, em face da prova produzida, é possível afirmar que EE aceitou a proposta do R. AA de vender o imóvel pelo preço de € 233.000,00. Analisado o doc. 2 junto com a petição inicial, é seguro que o proponente vendedor já anteriormente havia indicado o valor de € 233.000,00. Apesar da contraproposta de EE, de valor inferior, AA insiste no montante de € 233.000,00. Diga-se que o depoimento do R. é esclarecedor a este propósito. Embora comece por avançar que lhe parece ter feito uma contraproposta de montante superior a € 233.000,00, confrontado com o documento, reconhece não só a sua assinatura, como que a tramitação negocial ocorreu conforme ali se descreve. Do documento, como já se avançou, não se extrai que a segunda contraproposta de AA de € 233.000,00 tenha sido aceite por EE. O depoimento do R., sem embargo, é de molde a podermos concluir que assim foi. Depõe no sentido de ter sido instado pela imobiliária - utiliza a expressão telefonaram quase a ameaçá-lo - para prosseguir com os termos do negócio necessários à venda, assinaladamente facultar o acesso à casa para avaliação bancária.
Ora sabemos que a interessada era EE. Assim, esta insistência só fazia sentido se esta tivesse anuído à pretensão do R. no que respeita ao preço. Veja-se, outrossim, que AA descreve que a interessada se dirigiu a sua casa, não lhe tendo permitido o acesso, invocando estar em isolamento devido às medidas profiláticas associadas à Covid 19. Ainda assim, afirma AA, a interessada comunicou-lhe querer muito comprar a casa.
Cremos, pois, ser possível afirmar, por um lado, que a interessada aceitou a contraproposta do R. e, por outro, que este teve conhecimento dessa aceitação. CC é razoavelmente consistente no seu depoimento. O R. depõe no sentido de estar desagradado com a demora na resposta - passaram duas ou três semanas -. Paradoxalmente, quando sabe, ao menos pela interessada, que esta quer mesmo comprar a casa, fica altamente desagradado com essa circunstância.
A tudo se soma que da conjugação dos depoimentos e da troca documental emerge que a comunicação entre a A. e o R. era frequente, pelo que seria incompreensível que a aceitação de EE não lhe tivesse sido transmitida.
Entende-se que AA depõe de forma contraditória nos seus próprios termos. Diz que que as visitas ao imóvel foram abundantes, mas que pelo modo como a imobiliária conduzia a questão nunca encontraria um comprador. Na realidade, existe pelo menos uma potencial compradora, que, segundo o próprio depoente, visita a casa reiteradamente, o que é indicativo de interesse, e que faz propostas bastante próximas do valor de venda pretendido.
No que se refere ao ponto 6 da matéria de facto impugnada pelos requerentes, repete-se aqui o respetivo teor:
6) Contudo, a partir de data não apurada, mas posterior à aceitação do valor proposto pelo Réu AA no valor de €.233.000,00 referida em 5), os Réus não mais permitiram o acesso ao imóvel para avaliação bancária.
CC disse que os RR. foram de férias. Tendo contactado o R. por força da necessidade de a casa ser vista pelo avaliador bancário, AA teria negado o acesso por força de uma situação de Covid 19.
AA refere que após ter feito a sua contraproposta passaram duas ou três semanas. Como já mencionámos, da parte da imobiliária ter-lhe-ão telefonado quase a ameaçá-lo para fazer o negócio. A imobiliária teria inclusivamente mandado a cliente ir falar com ele a sua casa. Estando o R. do lado de dentro, na varanda, e a interessada do lado de fora, na rua, esta ter-lhe-ia proposto fazerem o negócio sem intervenção da imobiliária. O depoente sugere mesmo que a proposta da depoente teria sido a mando da imobiliária, para o envolverem, para, de alguma forma, lhe arranjarem um problema, o que, salvo melhor esclarecimento, não colhe.
DD depôs também no sentido de o R. não ter aceite que o avaliador fosse lá a casa. Foi ao imóvel tentar falar com os RR. e o R. AA atendeu-a à varanda, dizendo que ainda estava doente, pelo que não conseguiu que se procedesse à avaliação.
Em face do que se vem de referir, firmado que está o impedimento de acesso ao imóvel, é de manter a redação do ponto 6 dos factos assentes.
Pretendem ainda os apelantes pôr em crise o teor do ponto 8 dos factos assentes, a saber, que os RR., com o referido em 6), 11) e 12), não permitiram que o negócio com a pessoa interessada angariada pela A. se concretizasse.
Os pontos 11 e 12 referem-se aos trâmites da venda do imóvel a terceiros. Mantendo-se o ponto 6, é forçoso concluir pelo bem fundado da asserção de que a impossibilidade de acesso ao imóvel para avaliação bancária com vista à concessão de empréstimo hipotecário e a circunstância de o imóvel ter sido vendido a terceiros impossibilitou que o negócio com EE se viesse a concretizar.
Relativamente à alínea a) dos factos não provados - que a última contraproposta feita pelo Réu AA no valor de €.233.000,00 referida em 5) não obteve nenhuma resposta por parte do interessado comprador, nem por parte da Autora -, que os recorrentes querem ver eliminada, da fundamentação supra já se vê ser de manter. É que, ao invés, se apurou que a última contraproposta de AA foi respondida positivamente.
*
b - Do direito da A. a perceber a quantia peticionada
A A. intentou a presente ação propondo-se receber a quantia que lhe teria sido paga pelos RR., acaso a compra e venda com a interessada por si encontrada se tivesse concretizado. Alega que o negócio não chegou a bom termo porque, após ter sido alcançado acordo, os RR. impediram o acesso ao imóvel, assim inviabilizando a avaliação necessária à concessão do empréstimo bancário de que a interessada carecia para levar a aquisição por diante.
Nos termos do art.º 2.º/1 da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro (Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária), a atividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objeto seja um bem imóvel.
De acordo com o n.º 2 do mesmo art.º a atividade de mediação imobiliária consubstancia-se no desenvolvimento de:
a) ações de prospeção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente;
b) ações de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões.
Para que exista mediação, tem o mediador que ter recebido uma incumbência, expressa ou tácita, para certo negócio, tem que haver um acordo entre mediador e solicitante no sentido de o primeiro servir de intermediário num ou mais contratos a celebrar pelo último com terceiros, preparando e aproximando as partes. A conclusão do negócio entre o comitente e o terceiro tem que ser consequência da atividade do mediador/intermediário (cf. Oliveira, Fernando Baptista de, O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial, Centro de Estudos Judiciários, Coleção Formação Contínua, Jurisdição Civil, outubro de 2016, p. 11).
Dispõe o art.º 19.º/1 da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, sob a epígrafe remuneração da empresa, que a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
No contrato de mediação imobiliária o mediador adquire direito à comissão quando a sua atividade contribuiu para a celebração do negócio, determinando a aproximação do comitente com terceiros.
No caso vertente é inequívoco que não existe relação de causalidade entre a atividade da A. e a venda do imóvel, já que este foi vendido a outrem, que não a interessada apresentada pela A. aos RR..
Preceitua, todavia, o n.º 2 do aludido art.º 19.º da lei da mediação imobiliária que é igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
O art.º 19.º que se vem de referir prevê os contratos celebrados com a denominada cláusula de exclusividade, conforme o art.º 16.º/2/g da mesma lei. Aí se consigna a referência ao regime de exclusividade quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa, quer para o cliente.
Esta menção consta do contrato sob apreciação, uma vez que na cláusula 4.ª se estipula que a A. foi contratada em regime de exclusividade. Aí se explicita que tal implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária durante o respetivo período de vigência.
Como se viu, a pretensão da A. consubstancia-se no direito a ver-se indemnizada, por, segundo alega, ter desenvolvido as atividades próprias da mediação, tendo encontrado pessoa interessada pelo preço pelo qual os RR. acordaram vender o imóvel. A remuneração da mediadora depende do cumprimento da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar interessado) e do sucesso desta (apresentação de interessado).
Ora provou-se que a A. desenvolveu atividades de promoção do imóvel em plataformas online, flyers, montra da loja, apresentação do imóvel em reuniões semanais de loja e mensais de grupo. Em 23-9-2020, a A. conseguiu um interessado no imóvel, que ofereceu € 220.000,00. O R. AA fez uma contraproposta no valor de € 233.000,00 com 10% a título de sinal e contrato-promessa de compra e venda a ser celebrado no prazo de uma semana e a escritura a ser outorgada a 60 dias. A interessada fez uma contraproposta no valor de € 230.000,00. O R. AA, em 6-10-2020, contrapropôs a venda pelo valor de € 233.000,00. Esta proposta de preço de € 233.000,00 foi aceite pela interessada encontrada pela A., em 6-10-2020 ou após tal data, nos dias que se seguiram.
Em suma, durante a vigência do contrato de mediação celebrado entre as partes, a A. logrou encontrar interessado na aquisição do prédio dos RR. dentro dos parâmetros por estes aceites.
Sem embargo, da matéria de facto assente resulta que não chegaram a ser celebrados, nem o contrato-promessa de compra e venda, nem o contrato de compra e venda e que essa ausência se ficou a dever à conduta dos RR.. Estes não facultaram o acesso à habitação para que pudesse ser avaliada pelo banco, avaliação necessária à concessão de empréstimo hipotecário. Os RR. remeteram-se ao silêncio, decorrendo, além do mais, dos factos apurados que se aprestaram a celebrar contrato de mediação com mediadora terceira, o que fizeram por contrato datado de 25-11-2020. Com intervenção dessa mediadora, prometeram vender o imóvel a terceiros e em 10-12-2020 venderam o imóvel pelo preço de € 230.000,00, valor, diga-se, inferior ao proposto pelo R. e aceite pela interessada EE, que, recorde-se, era de € 233.000,00.
A respeito da remuneração no contrato de mediação imobiliária escreve Higina Castelo (in O Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, 2.ª ed., revista e aumentada, pp. 148 a 150, em anotação ao art.º 19.º) que tendo sido estipulada uma cláusula de exclusividade num contrato de mediação celebrado com o proprietário (…) a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando esteve evento não se concretize por causa imputável ao cliente. (…) A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar interessado) e do sucesso desta (apresentação de interessado). (…) a remuneração do mediador, não se celebrando o contrato visado por causa imputável ao cliente, depende apenas do cumprimento bem sucedido da sua obrigação. De enfatizar que a aplicação da norma contida nesse n.º 2 implica a prova da efetiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação.
É o que, à semelhança da solução encontrada em 1.ª instância, se nos afigura ter ocorrido no presente caso.
Os clientes da A., ora RR., ao desrespeitarem o direito de exclusividade daquela, celebrando o contrato desejado com interessado angariado por outra mediadora, impossibilitaram o cumprimento do contrato de mediação.
Neste quadro, impende sobre os clientes, ora RR., a obrigação de pagar à mediadora em regime de exclusividade, ora A., quantia equivalente à remuneração acordada.
Com interesse para questão dos autos vejam-se os acórdãos que em seguida enunciaremos:
- ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 12-12-2013 (proc. 135/11.4TVPRT.G1.S1, Granja da Fonseca), em que se sumaria: no âmbito de um contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade em que as partes não fazem depender o pagamento da remuneração da efetiva outorga de qualquer contrato, é a mesma devida ao mediador que tenha desenvolvido atividade que haja influído de forma decisiva para a conclusão do negócio visado, como sucede se um cliente vem a ocupar as lojas visadas, tendo ocorrido a intervenção daquele nas reuniões que ocorreram com o cliente interessado, foram por si apresentadas minutas dos contratos e foi mesmo outorgado contrato promessa, ainda que o contrato prometido se não haja realizado, por razões apenas imputáveis ao cliente;
- ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 19-6-2019 (proc. 7439/16.8T8STB.E1.S1, Hélder Almeida), em cujo sumário consta: concluindo-se que a autora, na sua qualidade de mediadora imobiliária, levou a cabo as diligências tendentes a alcançar a finalidade do contrato, angariando, no período de vigência do mesmo, pessoa genuinamente interessada na aquisição dos imóveis nas condições – designadamente de preço – pretendidas e aceites pela cliente, ora ré, sendo que só por razões exclusivamente imputáveis a esta, o negócio visado no dito contrato não se concretizou, tendo em consideração as cláusulas do contrato e o disposto no art.º 19/2 da Lei 15/2013, de 08/02 (RJAMI), assiste o direito à remuneração acordada;
- ac. da Relação do Porto de 10-1-2022 (proc. 1942/19.5T8MTS.P1, Fátima Andrade), em que se sumaria: no nº 2 [do art.º 19.º] prevê-se um regime especial para os contratos celebrados em regime de exclusividade, não ficando aqui a remuneração da mediadora que cumpriu a sua obrigação, apresentando interessado na celebração do contrato nos termos pretendidos pelo seu cliente, dependente da efetiva celebração do contrato quando a não celebração do contrato seja imputável ao cliente;
- ac. da Relação do Porto de 10-3-2022 (proc. 20554/20.4 T8PRT.P1, Paulo Duarte Teixeira), cujo sumário integra o seguinte: o regime previsto mo art.º 19º, nº 2, da LMI é uma exceção a essa regra e permite a remuneração mesmo sem a celebração do contrato definitivo ou contrato-promessa. Essa norma depende da alegação e prova: a) Da existência de um contrato em regime de exclusividade b) Da existência de atividade da mediadora que seja qualificada como apta a desencadear a conclusão final do negócio c) Da frustração desse resultado expetável d) por ação culposa exclusiva do mediado;
- ac. da Relação do Porto de 14-11-2022 (proc. 395/11.2T8PVZ.P1, Manuel Fernandes) em cujo sumário, assinaladamente, se lê: tendo o contrato de mediação sido celebrado em regime de exclusividade em que as partes não fazem depender o pagamento da remuneração da efetiva outorga de qualquer contrato, é a mesma devida desde que o negócio visado esteja acertado, isto é, que haja um interessado efetivo para o mesmo que aceite as condições do vendedor ainda que aquele não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário;
- ac. da Relação do Porto de 24-1-2023 (proc. n.º 112347/20.9YIPRT.P1, Rodrigues Pires), em que se sustenta que no contrato de mediação imobiliária, caso esteja clausulada a exclusividade e se tenha verificado a violação dessa cláusula pelo cliente da mediadora, que celebrou o negócio através de uma outra mediação, há lugar à atribuição de remuneração à mediadora inicial nos termos do art.º 19.º/2, da Lei nº 15/2003 se esta alegar e provar que apresentou ao vendedor alguém efetivamente interessado na aquisição do imóvel - um concreto comprador por um concreto preço - e que o negócio só não se realizou por causa imputável ao próprio vendedor.
Não se nos afigura, assim, que se ofereçam dúvidas acerca do direito da A. a perceber a quantia por si peticionada. Esta prerrogativa emerge do cumprimento por si demonstrado das obrigações decorrentes da mediação e da obtenção de um interessado consistente. É, pois, irrelevante a circunstância de os RR. terem vindo a celebrar contrato com o mesmo objeto com outra mediadora e, bem assim, que tenham celebrado contrato promessa com terceiro e, na sequência deste, contrato definitivo, isto independentemente das datas em que tal tenha ocorrido.
Improcede, por conseguinte, o recurso.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pelos apelantes, por terem ficado vencidos na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 10-7-2024
Teresa Fonseca
Miguel Baldaia de Morais
Carlos Gil