Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12308/21.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO DO MEDIADOR
EXCLUSIVIDADE
RESOLUÇÃO DO CONTRATO-PROMESSA
CAUSA IMPUTÁVEL AO CLIENTE
Nº do Documento: RP2022063012308/21.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No contrato de mediação imobiliária, em princípio a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado (artigo 19.º/1 da Lei n.º 15/2013).
II - Se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária assim estiver previsto, é devida uma remuneração ao mediador logo que o contrato-promessa seja celebrado, mas, mesmo nessa situação, se o negócio prometido não chegar a ser concretizado pode haver lugar à restituição dessa remuneração.
III - Excepcionalmente a remuneração é devida, apesar de o negócio visado não se ter concretizado, se as partes tiverem acordado a exclusividade e o negócio visado no contrato de mediação não se concretizar por causa imputável ao cliente, desde que o cliente seja o proprietário ou o arrendatário trespassante (artigo 19.º/2 da Lei n.º 15/2013).
IV - Deve entender-se que é por causa imputável ao cliente que o contrato não se concretiza quando isso resulta da circunstância de os promitentes-compradores terem resolvido o contrato-promessa por incumprimento das obrigações do promitente-vendedor e este renuncia à impugnação da resolução e pratica actos que traduzem a aceitação e conformação com a extinção do contrato-promessa (celebra um acordo sobre os efeitos da extinção do contrato e restitui o sinal).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2022:12308.21.7T8PRT.P1
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
P..., Unipessoal Lda., pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede em ..., instaurou acção judicial contra J..., Lda., pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede no Porto, pedindo a condenação da ré a pagar à autora a quantia de €10.455,00 acrescida de juros de mora à taxa legal, desde 15 de Março de 2021 até integral pagamento.
Para fundamentar o seu pedido alegou, em súmula, que celebrou com a ré um contrato de mediação imobiliária para venda de uma fracção urbana de que é proprietária; que a ré encontrou interessados no negócio com os quais foi celebrado contrato-promessa de compra e venda e na sequência disso foi paga à ré a comissão prevista naquele contrato; que por diversas vicissitudes relacionadas designadamente com a pandemia não foi possível reunir as condições para a celebração do contrato de compra e venda prometido, tendo os promitente-compradores comunicado que resolviam o contrato, na sequência do que a autora acordou com eles a devolução do sinal recebido a troco da entrega do imóvel prometido que os promitentes-compradores vinham ocupando; que os promitentes-compradores não tinham fundamento para resolver o contrato-promessa; que com a resolução do contrato-promessa deixou de existir causa para o pagamento da comissão à ré, cuja restituição reclama.
A ré foi citada e apresentou contestação defendendo a improcedência da acção, impugnando os factos alegados pela autora para justificar a extinção do contrato-promessa e alegando para o efeito que cumpriu integralmente o contrato celebrado com a autora em regime de exclusividade, nos termos do qual o direito à remuneração se constituiu com a celebração do contrato promessa e não é afectado pela resolução deste por mútuo acordo.
Realizada audiência prévia, foi proferida decisão de mérito, tendo a acção sido julgada improcedente e a ré absolvida do pedido.
Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso impugnar a sentença proferida nos presentes autos que, em suma, julgou “a presente acção totalmente improcedente e, em consequência [absolveu] a ré… do pedido formulado pela autora…”;
2. Isto porque, o Tribunal a quo, em nosso entender erradamente, considerou que “a realização ou não do contrato definitivo do contrato de compra não tem influência na relação contratual estabelecida entre o proprietário e o mediador imobiliário, constituindo-se a obrigação de pagamento da remuneração no momento da celebração do contrato promessa de compra e venda…”
3. E ainda que, toda a factualidade alegada pela ora recorrente “reporta-se à relação contratual que estabeleceu com os promitentes compradores…e não relação contratual que estabeleceu com a [recorrida]”;
4. Sendo certo que, tendo fundamentado a sua decisão na excepção prevista na parte final do n.º 1 do artigo 19º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro e no contrato de mediação outorgado entre as partes - que, atendendo o valor do sinal, previa que o pagamento da remuneração à Recorrida fosse pago antecipadamente, no momento da outorga da promessa de compra e venda - julgou a presente acção totalmente improcedente;
5. Porém, importa esclarecer que independentemente do momento em que as partes intervenientes num qualquer contrato de mediação imobiliária estipulam ser devida a remuneração à mediadora, a prestação a que a última se obriga com a outorga do contrato só se concretiza com a celebração do negócio visado;
6. O que, inclusive, resulta expressamente da parte inicial da cláusula 5ª do próprio contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes, sendo ali referido que “a remuneração será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato…”;
7. In casu, a recorrida obrigou-se a diligenciar por encontrar um interessado para a compra do imóvel da recorrente;
8. E, ainda que os clientes angariados pela recorrida tenham efectivamente celebrado o contrato promessa de compra e venda, o certo é que, o contrato definitivo de compra e venda não veio a ser outorgado;
9. Pelo que, nessa medida, além da conclusão e da perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação não terem ocorrido, a ora recorrida também não cumpriu a prestação a que estava vinculada, em concreto, a angariação de cliente para a compra do imóvel;
10. De facto, bastará que se considere o próprio teor das cláusulas do contrato celebrado entre as partes para que rapidamente se conclua que o pagamento da remuneração acordada no momento da outorga do contrato promessa de compra e venda mais não é do que uma antecipação do momento de vencimento daquela obrigação;
11. Sendo certo que a própria decisão em crise acaba por referir que “…só no momento da concretização do negócio com o interessado é que o mediador cumpre o fim previsto com a mediação, motivo pelo qual somente nesse momento terá direito à remuneração”;
12. Na verdade, dada a própria “natureza” dos contratos de mediação imobiliária, só com a conclusão do negócio visado é que o mediador cumpre a prestação a que se obrigou e, em consequência disso mesmo, tem o direito à remuneração acordada;
13. Nestes termos, para que a remuneração – enquanto contrapartida da conclusão do negócio visado – seja devida à mediadora, impõe-se naturalmente que exista uma relação causal/nexo de causalidade entre a actividade desenvolvida por aquela e a realização do negócio visado pelo contrato de mediação;
14. Ora, no caso dos presentes autos ainda que a recorrida tenha encontrado potenciais compradores do imóvel da Recorrente, aqueles acabaram por se recusar a celebrar o contrato de compra e venda definitivo;
15. Pelo que, ao abrigo do estabelecido no n.º 2 do artigo 19º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro a remuneração só seria devida à recorrida se o negócio visado “não se [concretizar] por causa imputável ao cliente proprietário…do bem imóvel”;
16. E, quanto a isso, o tribunal a quo ignorou toda a factualidade alegada pela recorrente, tendo pura e simplesmente desconsiderado a matéria alegada quanto à culpa das partes intervenientes na promessa de compra e venda para que o contrato prometido não se tivesse realizado;
17. Com efeito, ao contrário do que é dito na sentença de que se recorre, a relação entre a recorrente e os promitentes compradores angariados pela recorrida, não é, nem pode ser estranha à relação contratual entre a recorrente e a recorrida;
18. Já que, conforme resulta da lei, o eventual direito à remuneração contratualmente estabelecido na relação entre a recorrente e a recorrida através do contrato de mediação imobiliária, depende da relação da primeira com os clientes angariados pela última e da concretização do negócio visado;
19. Posto isto, perante a recusa dos promitentes compradores em celebrar o contrato de compra e venda, cabia ao tribunal a quo aferir pela eventual “culpa” da recorrente para a não celebração do contrato visado;
20. O que não fez;
21. Sendo certo que, ao invés do que é dito na sentença, se a recorrente lograsse provar que o contrato de compra e venda não foi celebrado por causa que não lhe é imputável, obviamente que existia fundamento para a restituição da remuneração que pagou à recorrida;
22. Desta forma, tendo em conta as razões invocadas, deverá a sentença em crise ser substituída por outra que faça um juízo de culpa e assim concretize o conceito legalmente previsto de “causa imputável ao cliente proprietário”, de forma a, com base nisso mesmo, conhecer a presente causa.
As razões invocadas, e as doutamente supridas por V. Exas., conduzirão ao provimento do presente recurso, como acto de inteira e sã Justiça.
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se a remuneração devida à mediadora imobiliária que obteve interessados na aquisição do imóvel da autora deixou de ser devida por aqueles interessados terem resolvido o contrato-promessa e não se ter concretizado o negócio prometido e objecto do contrato de mediação imobiliária.

III. Os factos:
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1- A autora é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “B”, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito à Rua ..., da freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o número ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo nº. ....
2- O objecto social da ré consiste na prestação de serviços de mediação imobiliária e administração de imóveis por conta de outrem.
3- No âmbito das suas actividades, no dia 1 de Março de 2019, autora e ré celebraram um contrato, ao qual denominaram “Mediação Imobiliária”, por via do qual a ré ficou obrigada a diligenciar no sentido de conseguir interessados para a compra da fracção da autora identificada em 1, e a autora, como contrapartida, obrigou-se a pagar à R. a quantia de 5% do preço da venda, conforme documento 3, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4- Em finais do ano de 2019 a Ré acabou por “encontrar” os interessados na aquisição da identificada fracção.
5- Nesse seguimento foi outorgado no dia 18 de Janeiro de 2020 contrato promessa de compra e venda da referida fracção.
6- O contrato promessa foi outorgado entre a autora e os interessados angariados pela ré, no qual a fracção foi prometida vender pelo valor de € 170.000,00, tendo os últimos, na data da outorga do referido contrato, entregado à autora a título de sinal a quantia de € 20.000,00.
7- Tendo sido celebrado contrato promessa e tendo sido pago à autora, a título de sinal, um valor superior “a 10% do valor pelo qual o negócio é efectivamente concretizado”, em 22 de Janeiro de 2020 a Ré emitiu a factura n.º ..., no montante de € 10.455,00;
8- Valor da qual foi pago pela autora no 23/01/2020, através do cheque n.º ..., sacado sobre o Banco 1....
9- O contrato descrito em 3) foi celebrado entre as partes em regime de exclusividade.
10- Nos termos da cláusula 5ª do contrato descrito em 3):
“1. A remuneração será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e ou, em qualquer caso, atento o regime de exclusividade acordado, sempre que o interessado que venha a concretizar o negócio tenha, por qualquer meio, sido angariado, contactado, tomado conhecimento ou contacto com o imóvel, ainda que através de terceiros, do próprio proprietário ou até por sua iniciativa, no período de vigência do presente contrato de mediação, ainda que os contratos relativos ao imóvel, nomeadamente o contrato promessa de compra e venda e o contrato de compra e venda, venham a ser celebrados após o termo da vigência do presente contrato de mediação. 2. O segundo Contraente obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: × a quantia 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, nunca podendo este valor ser inferior a 5.000 € (cinco mil euros) excluindo-se aqui o arrendamento, acrescida de IVA à taxa legal em vigor. a quantia de __ Euros (_), acrescida de IVA à taxa legal em vigor. 3. O pagamento da remuneração será efectuado nas seguintes condições: 3.1. A remuneração referida no número anterior será devida, na sua totalidade, no momento da celebração do contrato promessa, se o sinal recebido pelo vendedor for superior ou igual a 10% do valor pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, caso contrário a remuneração será devida no momento da celebração da escritura. 3.2. Se o negócio visado não se concretizar por desistência do comprador e houver sinais recebidos pelo vendedor, independentemente de o vendedor os devolver ou não, a mediadora por ser alheia a essa situação e ter realizado o seu trabalho, terá sempre direito a receber a remuneração devida até ao limite do valor do sinal do dito contrato promessa. 3.3. Se o negócio visado não se concretizar por causa imputável ao vendedor, a Mediadora terá sempre direito a receber a remuneração. 3.4. O direito à remuneração não é afastado pelo exercício de direito legal ou contratual de preferência sobre o imóvel.”
11- A autora no dia 15 de Março de 2021 endereçou carta à ré, dando-lhe conta da resolução do contrato promessa de compra e venda e da consequente anulação do negócio, tendo em virtude disso solicitado a devolução da comissão paga por si por conta da mediação.
12- A ré respondeu à carta da autora nos seguintes termos:
“Assunto: CMI celebrado a 01.03.2019 com P..., Unipessoal Lda. (fracção B, Rua ..., nº ..., 1º andar, Porto) V/ comunicação de 15.03.2021 Exmos. Senhores: Acusamos a recepção da V/comunicação, a qual mereceu a n/melhor atenção, mas, de igual modo, nos causou muita estranheza e com cuja conclusão não podemos, de modo algum, concordar e aceitar. Na verdade, a J..., Lda. cumpriu, na íntegra, todas as obrigações a que se vinculou pelo contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, celebrado com a V/Cliente, em 1 de Março de 2019, designadamente com o estipulado na cláusula segunda do CMI, diligenciando e obtendo interessado para o negócio relativo ao imóvel acima identificado, o que culminou – como muito bem referem no ponto 2 da V/comunicação – com a celebração do respectivo contrato promessa de compra e venda do imóvel, a 18.01.2020. Ora, nos termos do expressamente estipulado no nº 3 da cláusula quinta do CMI em causa, o pagamento da remuneração foi efectuado nas seguintes condições: “ (…) 3.1- A remuneração referida no número anterior será devida, na sua totalidade, no momento da celebração do contrato promessa, se o sinal recebido pelo vendedor for superior ou igual a 10% do valor pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, caso contrário a remuneração será devida no momento da celebração da escritura. 3.2- Se o negócio visado não se concretizar por desistência do comprador e houver sinais recebidos pelo vendedor, independentemente de o vendedor os devolver ou não, a Mediadora por ser alheia a essa situação e ter realizado o seu trabalho, terá sempre o direito a receber a remuneração devido até ao limite do valor do sinal do dito contrato promessa. 3.3- Se o negócio visado não se concretizar por causa imputável ao vendedor, a Mediadora terá sempre direito a receber a remuneração. 3.4 (…)” Assim, face ao exposto e ao estipulado no nº 1, 2ª parte, do artigo 19º da Lei 15/2013, a remuneração paga pela V/cliente à J... no âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado em regime de exclusividade foi legal e contratualmente devida, não existindo qualquer fundamento para o pedido da sua restituição, nem nos podendo ser assacada qualquer responsabilidade pela não celebração do contrato definitivo de compra e venda da fracção, motivada pela desistência do negócio por parte dos promitentes compradores, por razões de diferendo directo e prolongado com a V/Cliente, quanto a elementos técnicos da fracção, nomeadamente alegadas “patologias" de estrutura e segurança do imóvel que consideram constituir incumprimento do CPCV por parte dos proprietários. Deste modo e em conclusão, reafirma-se que: a) a J..., Lda. cumpriu na íntegra, com diligência, responsabilidade e eficiência, a sua prestação contratual; b) o contrato definitivo de compra e venda do imóvel não chegou a ser celebrado por força da rescisão operada pelos promitentes compradores, por alegadas anomalias e desconformidades que entendem existir no imóvel prometido vender e cuja responsabilidade imputam aos V/clientes; c) apesar de estarem reunidas todas as condições para a marcação de escritura, nomeadamente com a obtenção da licença de utilização do imóvel, em 11 de Dezembro de 2020, a Promitente Vendedora, V/Cliente não se opôs a essa resolução, nem promoveu, sequer, a intimação para o cumprimento, com interpelação admonitória, dos promitentes compradores, prescindindo, designadamente, do direito que lhe assistia de fazer suas as quantias recebidas a título de sinal, pelo incumprimento definitivo do contrato promessa por parte daqueles. Resulta, assim, que o pedido formulado, de devolução da comissão recebida no âmbito do processo identificado em epígrafe carece de fundamento, não sendo devido.»
13- A autora recebeu a carta referida em 12).
14- A autora aceitou a resolução do contrato promessa descrito em 6) celebrado com os promitentes compradores e celebrou com os mesmos acordo no qual aceitou a devolução do montante do sinal que recebeu.

IV. O mérito do recurso:
Conforme já se assinalou a questão jurídica que somos chamados a decidir relaciona-se com o direito à remuneração do mediador imobiliário e consiste em saber se esse direito se constitui logo que o interessado angariado pelo mediador celebre com o proprietário um contrato-promessa de celebração do contrato objecto da mediação ou apenas se constitui se e quando o negócio desejado for concretizado, caso em que assim que se tornar certo que o negócio desejado não será concretizado deve ser restituída pelo mediador a remuneração que lhe tiver sido paga antes.
No enquadramento teórico da questão seguiremos de perto aquilo que já escrevemos no Acórdão desta Relação de 27-01-2022 (ECLI:PT:TRP:2022:14716.20.1T8PRT.P1) no processo n.º 14716/20.1T8PRT.P1, in www.dgsi.pt, e que aqui se aplica ipsis verbis.
A qualificação da relação contratual a que respeita o direito à remuneração cuja restituição a autora reclama da ré como contrato de mediação imobiliária parece incontroversa.
O contrato de mediação é aquele em que alguém (o mediador) se obriga perante outrem (o comitente ou solicitador) a promover, mediante remuneração, a aproximação de duas ou mais pessoas (o comitente e terceiros), com vista à conclusão entre elas de determinado negócio, ou seja, a preparar e estabelecer uma relação de negociação entre o interessado na celebração do negócio e os terceiros.
Para Vaz Serra, na Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 1967, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100º, n.º 3355, pág. pág. 343, o contrato de mediação é o «contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte».
Segundo Lacerda Barata, in Contrato de Mediação, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, pág. 192, «o contrato de mediação pode definir-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição».
Para Fernando Baptista Oliveira[1], o contrato de mediação é aquele em que «uma parte (o mediador) se vincula para com a outra (o comitente ou solicitante) a, de modo independente e mediante retribuição, preparar e estabelecer uma relação de negociação entre este último e terceiros (os solicitados) com vista à eventual conclusão definitiva de negócio jurídico. Assim, para que exista essa mediação, tem o mediador que ter recebido uma incumbência, expressa ou tácita, para certo negócio. Ou seja, tem que haver um acordo entre mediador e solicitante no sentido do primeiro servir de intermediário num ou mais contratos a celebrar pelo último com terceiros, preparando e aproximando as respectivas partes, devendo a conclusão do negócio entre o comitente e o terceiro ser consequência da actividade do mediador/intermediário».
Este autor assinala ainda que os elementos caracterizadores deste contrato são: «obrigação de aproximação de sujeitos; actividade tendente à celebração do negócio; imparcialidade; ocasionalidade; retribuição». E a propósito da imparcialidade sublinha que «o mediador não age por conta do comitente, nem no interesse deste. A imparcialidade impõe ao mediador o dever de se comportar, perante os potenciais contraentes, em termos não discriminatórios e de modo a evitar danos para qualquer deles; nomeadamente deverá avisar ambas as partes quando conheça alguma circunstância, relativa ao negócio, capaz de influenciar a decisão de contratar (ou não).
Para Maria de Fátima Ribeiro, in Contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, Revista de direito comercial[2], 2017, pág. 227, «o mediador apenas adquire o direito a ser remunerado se exercer a sua actividade; mas, a menos que tal resulte expressamente do contrato de mediação, dificilmente se pode determinar, em termos muito exactos, em que actos deve ela consistir, sendo apenas relevante que essa actividade (material) tenha sido causal do negócio que o comitente veio a celebrar com terceiro(..). Por outras palavras, não se exige nenhum grau de esforço específico, nem é necessário que o mediador intervenha em todas as fases do negócio. Porém, deve ter agido de modo a proporcionar a aproximação entre o comitente e o terceiro especificamente interessado no negócio que o comitente quer celebrar
No caso está demonstrado que no contrato celebrado a ré se obrigou perante a autora a angariar um interessado na compra de um imóvel pertencente a esta, pelo preço de €150.000,00, a troco da remuneração de 5% do preço pelo qual o negócio fosse concretizado.
Estamos, pois, perante um contrato de mediação imobiliária regido pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, conforme aliás o texto do próprio contrato faz questão de mencionar, o que é consentâneo com o facto de a ré ser, segundo o contrato, detentora de uma licença AMI ..., emitida pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P., o qual tem competência legal para atribuir as licenças para o exercício dessa actividade e para a validação dos contratos de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais.
No caso, é aceite por ambas as partes que a ré diligenciou para encontrar e encontrou um interessado em comprar o imóvel para cuja venda a autora celebrou o contrato de mediação imobiliária, isto é, não se discute que a ré realizou a actividade de mediação imobiliária nem que em resultado dessa sua actividade se obteve um interessado disposto a pagar o preço pretendido pela autora para vender o imóvel, tendo mesmo obtido um interessado que se dispôs a pagar preço superior ao fixado no contrato de mediação imobiliária.
O que se pergunta nos autos é se a autora pode exigir a devolução da remuneração que, nos termos previstos no contrato de mediação, pagou à ré quando foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda com o interessado obtido por esta uma vez que o contrato de compra e venda visado pela mediação não foi celebrado por o interessado ter resolvido o contrato-promessa.
Sobre a matéria da remuneração do mediador rege o artigo 19.º da Lei n.º 15/2013.
A sua redacção, na parte que aqui interessa, é a seguinte:
1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. […]
Como se vê, a norma estabelece no seu n.º 1 uma regra: em princípio, a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado; quando muito, se o contrato de mediação o estipular, pode haver lugar ao pagamento de remuneração quando estiver celebrado contrato-promessa do negócio visado.
No caso, o contrato de mediação estipula de facto que se o vendedor e o interessado na compra celebrassem um contrato-promessa com entrega de um sinal igual ou superior a 10% do preço do bem, a remuneração do mediador seria «devida, na sua totalidade, no momento da celebração do contrato promessa». Foi isso que se passou e que as partes cumpriram, tendo a autora pago aquela remuneração á mediadora.
Muito embora a norma e a cláusula do contrato que a reproduz usem a expressão «ser devido», em bom rigor o pagamento da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa não significa que baste a celebração desse contrato para que se preencham os pressupostos do direito à remuneração.
Em qualquer caso, a constituição desse direito continua dependente da conclusão e perfeição do negócio visado e só se esta circunstância se verificar é que a remuneração se torna juridicamente exigível (devida). Se o negócio visado não chegar a ser concluído de forma eficaz (perfeita), a remuneração não é devida, independentemente das razões desse desfecho, ou seja, mesmo que o cliente haja decidido desistir do negócio ou sejam as suas exigências a fazer frustrar as negociações com o interessado proporcionado pelo mediador. Mesmo que a empresa de mediação se tenha empenhado activamente na busca de interessados na conclusão do negócio, se o negócio não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando, então, o mediador o risco da sua actividade comercial.
O que a norma em causa e a cláusula do contrato em causa estabelecem por referência a um momento em que o negócio ainda não se concretizou é apenas o vencimento antecipado da remuneração no caso de o vendedor e o interessado celebrarem um contrato-promessa (um contrato cujo efeito jurídico é a constituição da obrigação de celebração do negócio visado) e o contrato de mediação prever o pagamento da remuneração logo nessa fase.
Na expectativa de que em condições normais e com grande probabilidade ao contrato-promessa se seguirá a celebração do contrato prometido, as partes no contrato de mediação imobiliária podem indexar o pagamento da remuneração (o vencimento) ao momento da celebração do contrato-promessa, apesar do que, se o contrato prometido não vier a ser celebrado, haver casos em que o direito à remuneração se constitui e casos em que ele não chega sequer a constituir-se, daí resultando que o pagamento antecipado se torna supervenientemente inexigível e dever ser repetido.
Isto leva-nos assim ao disposto no n.º 2 da norma, o qual estabelece uma excepção a regra assinalada, isto é, uma situação em que a remuneração é devida apesar de o negócio visado não se ter concretizado. Nos termos da norma, a remuneração é devida ao mediador (i) se as partes tiverem acordado a exclusividade e (ii) o negócio visado no contrato de mediação não se concretizar por causa imputável ao cliente, desde que (iii) o cliente seja o proprietário ou o arrendatário trespassante.
Como afirma Higina Castelo, in Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, Revista de direito comercial[3], Julho de 2020, pág. 1415, «a conclusão do contrato visado não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo, mais do que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para a mediadora o direito à remuneração (..). Não sendo celebrado o contrato visado (ou o contrato-promessa quando a remuneração nesse momento esteja prevista no contrato de mediação), a mediadora não tem direito a ser remunerada. Isto torna-se claro com a leitura do n.º 2 do art. 19, que introduz uma excepção nesta regra, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: ter sido convencionada a exclusividade da mediadora; tratar-se de contrato de mediação celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel; e não se concretizar o negócio visado por causa imputável ao cliente (..). Fora deste circunstancialismo, o direito à remuneração apenas nasce com a conclusão e perfeição do contrato visado (ou do liminar, quando assim acordado)
A norma em questão prevê os contratos celebrados com a chamada cláusula de exclusividade. Existem dois preceitos no diploma que se referem a essa cláusula.
Por um lado, o artigo 16.º, n.º 2, alínea g), que obriga que seja celebrado por escrito e que seja mencionado no texto do contrato «a referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente».
No caso, tal menção consta do contrato, cuja cláusula 4.ª assinala que a autora foi contratada «em regime de exclusividade», e que isso «implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária, durante o respectivo período de vigência». Esta explicitação do sentido da cláusula corresponde, aliás, ao que consta do Modelo de contrato de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais aprovado pela Portaria n.º 228/2018, de 13 de Agosto, onde consta cuja cláusula 4.ª, n.º 2, assinala que «o regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência».
Não se trata, contudo, da única acepção de exclusividade possível. Com efeito é comum distinguirem-se as situações em que a exclusividade significa que as partes estabeleceram que o comitente não poderá celebrar com outro mediador um contrato que tenha por objecto o mesmo negócio (a chamada exclusividade simples) e as situações em que significa que o comitente não poderá ele próprio procurar um terceiro interessado no negócio (a chamada exclusividade reforçada).
Por outro lado, o artigo 19.º, n.º 2, relativo à remuneração, cuja redacção já vimos. Apesar de a sua redacção ser algo confusa, o que ela dispõe é que a empresa mediadora tem direito à remuneração desde que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade com o proprietário do bem ou com o arrendatário trespassante e o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente.
A autora citada por último, loc. cit., pág. 1433, assinala que em resultado destas normas a «cláusula de exclusividade introduz alterações na disciplina da remuneração em dois grupos de situações: - quando é cliente da mediadora o proprietário do bem imóvel ou o arrendatário trespassante, e o contrato visado não se concretiza por causa imputável ao cliente da mediadora, esta tem direito à remuneração independentemente da concretização do contrato visado; - quando o cliente da mediadora infringe a cláusula de exclusividade e celebra o contrato visado com interessado que chegou até si por intermédio de outra mediadora, a mediadora exclusiva tem direito à remuneração, mesmo não tendo contribuído para a realização do contrato, ou seja, mesmo não havendo nexo causal entre a sua actividade e o contrato efectivamente celebrado
Mais à frente a autora assinala que enquanto no regime geral do contrato de mediação, a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação e, portanto, não se celebrando o contrato visado, ainda que por causa imputável ao cliente, não nasce o direito à remuneração, pois o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar (balizada apenas, nos termos gerais, perante o terceiro, pelo dever de boa fé nas negociações), nos contratos celebrados com o proprietário ou com o arrendatário trespassante em que foi «estipulada uma cláusula de exclusividade … o panorama altera-se. Nestes casos, a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente (..). A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar interessado) e do sucesso desta (apresentação de interessado)». A autora enfatiza ainda que «a aplicação da norma contida no n.º 2 do art. 19 implica a prova da efectiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. Provando a mediadora que efectuou com sucesso a sua prestação, o cliente poderá eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio)
Também Fernando Baptista Oliveira, loc. cit., pág. 50, assinala que a regra segundo a qual se o negócio não se concretizar não há lugar ao pagamento da remuneração ao mediador, vale «também para a situação em que o contrato de mediação é celebrado em regime de exclusividade (…): exige-se, também aqui, a conclusão e perfeição do negócio, a não ser que (caso, portanto, em que a remuneração é devida sem a concretização do negócio...) o mesmo se “não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel” (nº 2, fine)».
Mais à frente o mesmo autor coloca as questões de saber se «havendo cláusula de exclusividade, pode o cliente, durante a vigência do contrato, desistir do contrato/negócio visado com o interessado que a mediadora lhe encontrou nesse período, ou recusá-lo? Ou está obrigado a aceitar esse interessado, assim se vinculando à celebração desse contrato (desde, claro, que o interessado encontrado esteja genuinamente interessado a celebrá-lo nas condições previstas no contrato)? E se desistir, há lugar à remuneração?» e responde nos seguintes termos: «Em causa, assim, está, agora, não apenas a questão da exclusividade, mas antes de... revogabilidade do contrato. Não se estipulando cláusula de exclusividade, o cliente pode, obviamente, sempre desistir do negócio a qualquer momento, sem que haja lugar a remuneração da mediadora contratada, a não ser que no contrato se tenha estipulado, de forma expressa, coisa diferente. Já, porém, havendo exclusividade, também pode desistir do negócio, é certo, mas então o direito da mediadora à remuneração mantém-se intacto se a previsão ínsita no artº 19º/2 RJAMI se preencher – isto é, se o negócio visado no contrato se não concretize por causa imputável ao cliente. Exemplificando: 1. Há lugar à remuneração à mediadora (acordada), v.g., no caso da recusa ou desistência do negócio pelo cliente dela serem meros artifícios para este não lhe pagar a remuneração acordada (como é o caso daquele dilatar a celebração do negócio com o cliente arranjado pela mediadora para mais tarde (já... depois do período do contrato), a fim de não “parecer” que foi por acção dela que o negócio se veio a concretizar)! 2. Também há lugar à remuneração acordada quando, tendo sido celebrado um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, a proprietária do imóvel, objecto do negócio, se recusa, a celebrar contrato promessa com interessada angariada pela mediadora, sem fazer qualquer outra prova, capaz de afastar a sua culpa – por aplicação do artº 19º/2 da lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro (anteriormente, o artº 18º/2/a) do DL 21/2004, de 20 de Agosto), em conjugação com os artigos 798º (“responsabilidade do devedor”84) e 799º (“presunção de culpa e apreciação desta”), do Cód. Civil.»
Resulta assim que nas situações previstas no artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, a remuneração é devida ainda que o negócio visado não se concretize. Para que esse efeito jurídico seja alcançado basta que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade, que o cliente tenha a qualidade de proprietário ou de arrendatário com intenção de trespassar o imóvel, que o mediador tenha efectivamente realizado a actividade de procura e obtenção de um interessado com o qual o negócio visado podia ser concretizado e que a concretização deste se deva a causa imputável ao cliente.
No caso, a causa da não concretização do negócio é imputável à ré?
A nosso ver, a resposta é positiva.
A causa da não concretização do negócio foi o facto de os promitentes-compradores terem procedido à resolução do contrato-promessa com fundamento no incumprimento da promitente-vendedora. Não se tratou, portanto, de uma simples desistência do negócio por parte daqueles; tratou-se de uma resolução do contrato-promessa fundado no incumprimento das obrigações desta.
A autora e promitente-vendedora não estava impedida de procurar demonstrar que não houve incumprimento da sua parte e impugnar a validade de resolução. E, na verdade, na petição inicial da acção a autora sustentou a falta de fundamento da resolução e alegou factos para o tentar demonstrar.
Esses factos encontram-se impugnados e não foi produzida prova sobre os mesmos, uma vez que a decisão recorrida foi proferida logo após o fim dos articulados, sem deixar o processo avançar para a fase da produção de prova e o julgamento da matéria de facto alegada.
Nas alegações de recurso, a dado trecho, a autora refere que esses factos necessitam de serem demonstrados, mas não chega a sustentar que a decisão de mérito só podia ser proferida depois do julgamento desses factos uma vez que na audiência prévia foi confrontada com o entendimento do tribunal de que o processo continha já todos os elementos necessários à decisão e manifestou que não se opunha a esse conhecimento.
Como quer que seja, cremos que efectivamente é já possível decidir se a não concretização da compra e venda do imóvel é imputável à autora.
Com efeito, de acordo com a sua própria alegação, a promitente-vendedora não se opôs à resolução operada pelos promitentes-compradores, o que apenas poderia fazer através de acção judicial instaurada contra eles pedindo o reconhecimento judicial da invalidade da resolução e a condenação dos promitentes-compradores no perdimento do sinal por serem eles a faltar ao cumprimento do contrato ao porem-lhe termo sem fundamento legal.
Não só não se opôs à resolução como inclusivamente celebrou com estes um acordo que consubstancia uma fonte de regularização voluntária e consensual dos efeitos da resolução do contrato-promessa. De facto, nesse acordo a autora, a troco da recuperação da disponibilidade do bem que havia entregue aos promitentes-compradores, obrigou-se a restituir o sinal recebido ao abrigo do contrato-promessa.
Este acordo representa inequivocamente uma renúncia à impugnação da resolução operada pelos promitentes-compradores (a qual, repete-se, necessitava de ser fundamentada e, no caso, tinha como fundamento o incumprimento do contrato pela autora) e uma conformação com a resolução do contrato-promessa e com os respectivos efeitos jurídicos (respeitados e cumpridos através desse acordo). Tal acordo, independentemente da motivação que lhe subjaz, é um acto voluntário, fruto de uma vontade e decisão da própria autora, sendo-lhe por isso estritamente imputável.
O que não pode ser consentido à autora é ela ter estabelecido esse acordo com os promitentes-compradores, ter aceite voluntariamente a extinção do contrato por resolução da parte contrária fundada no seu incumprimento, ter desistido de impugnar os fundamentos dessa resolução perante a parte que a decretou, e pretender agora discutir com a mediadora imobiliária, em resultado de cuja actividade os promitentes-compradores se interessaram pelo negócio para cuja concretização celebraram o contrato-promessa, os fundamentos da resolução que voluntariamente aceitou para efeitos de demonstrar que as causas da frustração do negócio não lhe são imputáveis.
Nesse contexto, entendemos que estão preenchidos os requisitos do direito à remuneração da mediadora consagrados no n.º 2 do artigo 19.º 19.º da Lei n.º 15/2013 e, por conseguinte, a autora não pode reclamar da ré a restituição da remuneração que lhe pagou.
Improcede por isso o recurso, devendo a decisão recorrida ser confirmada.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas do recurso pela autora, a qual vai condenado a pagar à recorrida, a título de custas de parte, o valor da taxa de justiça que suportou e eventuais encargos.
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Porto, 30 de Junho de 2022.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 695)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]
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[1] in Direito dos Contratos - O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial [em Linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016, Disponível na internet:<URL: http://www.cej.mj.pt/cej/ recursos/ebooks/civil/eb_Direito_dos_Contratos_O_Contrato_de_Mediacao_Imobiliaria.pdf. ISBN: 978-989-8815-41-5.
[2] Consultada no sitio www.revistadedireitocomercial.com.
[3] Consultada no sitio www.revistadedireitocomercial.com. Em nota, esta autora cita Lacerda Barata, Contrato de Mediação, in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185-231 (pp. 202-3): «[e]stá em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata».