Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
19382/24.2YIPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO
RECONVENÇÃO
VALOR PROCESSUAL
Nº do Documento: RP2024101019382/24.2YIPRT-A.P1
Data do Acordão: 10/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Quando na oposição à injunção o requerido deduz reconvenção, o valor processual a atender para efeitos de determinação da forma de processo a seguir (que pode interferir com a decisão de admitir a reconvenção) é o resultante da soma do pedido do requerente com o pedido reconvencional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2024:19382.24.2YIPRT.A.P1

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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:



I. Relatório:


A..., Unipessoal, Lda., sociedade comercial com o número de identificação de pessoa colectiva ...84 e sede na ..., ..., ..., instaurou procedimento de injunção contra B..., Lda., sociedade comercial com o número de identificação de pessoa colectiva ...30 e sede em ..., para obter o pagamento da quantia de € 756,75 e juros de mora vincendos.
Alegou para o efeito que após a apresentação de orçamento aceite pela requerida, esta lhe solicitou a criação, concepção e design de 4 rótulos e contra-rótulos para impressão, serviços que a requerente prestou e a requerida aceitou, mas por conta de cujo preço pagou apenas metade do valor contratado, tendo-se recusado a pagar a segunda factura emitida correspondente à outra metade do preço, no valor de €553,50, vencida em 23/03/2023, devendo à requerente esse montante, juros de mora, €51,00 da taxa de justiça e € 100,00 de custos de cobrança da dívida.
A requerida foi notificada e deduziu oposição, impugnando os factos alegados pela requerente, defendendo que foi a requerente que incumpriu o contrato celebrado recusando-se a realizar a prestação a que se vinculou e concluindo pela improcedência da injunção.
Na oportunidade deduziu reconvenção pedindo que se declare resolvido o contrato celebrado entre as partes e se condene a reconvinda a restituir à reconvinte o montante de €553,50 e a pagar-lhe €45.100,00 de indemnização dos danos causado pelo incumprimento do contrato.
Para o efeito, alegou que apesar das insistência da reconvinte, a reconvinda não realizou a prestação a que se vinculou, tendo entregue à reconvinte um produto sem as características e as qualidades contratadas e inaproveitável para a finalidade a que se destinava, o que lhe faculta o direito de resolver o contrato; que por virtude desse comportamento a reconvinte teve de contratar novos serviços para a criação do logótipo, rótulos e contra-rótulos, no que despendeu €5.100,00, e incorreu em atrasos no cumprimento dos seus compromissos com clientes, o que deteriorou a sua imagem no mercado, dano que deverá ser indemnizado em €40.000.
Aberta conclusão foi proferido o seguinte despacho:
«Nos presentes autos de acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, a A. pediu a condenação da R. no pagamento de €553,50, correspondente a metade do preço acordado para a prestação de serviços de design gráfico, com os acréscimos indicados no requerimento de injunção a título de juros, taxa de justiça e custos de cobrança.
Na oposição, entre o mais, a R. deduziu reconvenção, requerendo fosse declarado resolvido o contrato de empreitada celebrado entre Reconvinte e Reconvinda, condenando-se a Reconvinda na restituição à Reconvinte do montante de €553,50 e a pagar à Reconvinte a quantia de €45.100,00, por conta dos prejuízos sofridos e custos suportados pela reconvinte.
Todavia, segundo pensamos, a reconvenção não é admissível.
Primeiro, porque não se coaduna com a forma de processo aplicável, pois não vem prevista no Regime aprovado pelo DL nº269/98, de 1-9.
Depois, tendo em conta que os pedidos da R. não merecem enquadramento no referido regime, que visa apenas exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15 000,00 (art. 1.º), sendo certo que a obrigação afirmada pela R. para sustentar os seus pedidos não emerge do contrato, nem respeita aquele valor.
Em terceiro e último lugar, porque o objecto do processo cinge-se à prestação dos serviços de design gráfico afirmados pela A., pelo que, o seu alargamento aos supostos prejuízos da R. e à averiguação de fundamentos para resolução do contrato, implicaria graves inconvenientes para a devida instrução da causa.
Assim, segundo pensamos e salvo o devido respeito, se a R. pretende demandar a A., deverá fazê-los nos meios comuns.
Pelo exposto, não admito a reconvenção.
Custas da reconvenção pela R., fixando-se o valor da causa, nessa parte, em € 45.653,50 (arts. 297.º/1 e 306.º do CPC).»
Do assim decidido, a reconvinte interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I. A decisão proferida nos autos de inadmissibilidade da reconvenção deduzida pela Recorrente, viola os artigos 266.º, 299.º, 6.º e 547.º, todos do CPC, o artigo 7.º do Regime do Procedimento a que se refere o Artigo 1.º do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro, e o artigo 10.º do DL n.º 62/2013, de 10 de Maio.
II. Estando em causa nos autos, o pagamento de dívida proveniente de transacção comercial, aplica-se o regime previsto no DL n.º 62/2013, de 10 de Maio, por remissão expressa do artigo o artigo 7.º do Regime do Procedimento a que se refere o Artigo 1.º do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro, não sendo aplicável o limite imposto pelo artigo 1.º do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro.
III. Pelo que, o entendimento propalado pelo Tribunal recorrido, de que a pretensão da Recorrente deduzida em sede de reconvenção, não será de admitir por ultrapassar metade da alçada da Relação, aplicando apenas o regime do DL n.º 8 269/98 de 1 de Setembro, viola o artigo 10.º n.º 1 do DL n.º 62/2013, de 10 de Maio.
IV. Deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção, este assume natureza jurisdicional, sendo-lhe aplicáveis as regras do artigo 299.º n.º 2 e 3 do CPC, pelo que estando em causa um pedido inicial e um pedido reconvencional distintos, haverá que adicionar ambos os valores e, sendo o total superior a metade do valor da alçada da Relação, o processo seguirá os trâmites da forma de processo comum, nos termos do artigo 10.º n.º 2 do DL n.º 62/2013, de 10 de Maio.
V. O pedido reconvencional da Recorrente é distinto do pedido formulado pela Autora em sede de Injunção, pois que aquela não pretende o mesmo efeito jurídico a que a Autora se propõe obter, e não pretende obter a mera compensação de créditos (vide artigo 530.º n.º 3 do CPC), o que determina que os valores de cada um dos pedidos deverão ser somados, obtendo-se, como resultado, o valor da causa, nos termos e para os efeitos do artigo 299.º n.º 2 do CPC.
VI. Concluindo-se pela aplicação da forma do processo comum aos presentes autos, caberá aferir do preenchimento dos pressupostos de admissibilidade da reconvenção, nos termos do artigo 266.º do CPC.
VII. A Autora/reconvinda, alega a falta de pagamento de factura, emitida no âmbito do contrato de prestação de serviços (empreitada) de design gráfico que celebrou com a Recorrente, e esta peticiona, em sede de reconvenção, o pagamento de uma indemnização por conta dos prejuízos sofridos em virtude do incumprimento do contrato por parte da Autora/reconvinda, o que equivale dizer que os pedidos formulados pela Autora e pela Recorrente, emergem do mesmo facto jurídico, a saber, o contrato celebrado entre as partes, o que determina, com a devida vénia, o preenchimento da situação prevista na al. a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC.
VIII. O Tribunal a quo, ao entender que os pedidos da Recorrente não emergem do contrato, incorreu em erro na interpretação e aplicação da lei, violando o artigo 266.º n.º 2 al. a) do CPC.
IX. Tendo em conta que aos presentes autos se deverá aplicar a forma de processo comum, não colhe razão o entendimento de que a admissão de reconvenção causará graves inconvenientes para a instrução da causa.
X. Não obstante, e sem prescindir, é de admitir a dedução de reconvenção numa AECOPEC, apesar de possível a instauração de uma acção própria, por se evitar um desperdício de recursos, em violação da imprescindível economia de custos, evitando-se a apreciação simultânea de toda a problemática derivada do mesmo negócio jurídico em autos distintos.
XI. Esta solução surge compaginada com os princípios processuais que resultam do actual regime processual civil, que impõe ao julgador fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal, previstos nos artigos 6.º e 547.º do CPC, com vista a salvaguardar a justiça material.
XII. O Tribunal recorrido, ao julgar inadmissível a reconvenção por entender que a mesma causaria graves inconvenientes para a instrução da causa, preteriu no cumprimento dos princípios de economia processual, violando os artigos 6.º e 547.º do CPC, que impunham a adequação do processo à salvaguarda dos interesses juridicamente relevantes das partes.
Nestes termos e nos melhores de direito, que os doutos suprimentos de Vs. Exas. acolherão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho que não admitiu a Reconvenção e substituído por outro que a admita.
A recorrida não respondeu a estas alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.


II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se a reconvenção deve ser admitida.


III. Fundamentação de facto:
Os factos que importam para a decisão são os que constam do relatório.


IV. Matéria de Direito:
Conforme já se assinalou, a única questão a decidir consiste em saber se a reconvenção deve ser admitida, relevando para o efeito a circunstância de a instância corresponder originariamente a um procedimento de injunção instaurado ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, e no artigo 7.º e seguintes do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
Na origem do conflito encontra-se um contrato celebrado entre a requerente e a requerida nos termos do qual aquela se obrigou criar, conceber e desenhar quatro rótulos e contra-rótulos para impressão destinados à colocação em garrafas de bebidas comercializadas pela requerida.
A requerida obrigou-se a pagar o preço desse serviço em duas prestações iguais, pagou a primeira prestação, mas não pagou a segunda. A requerente considera que realizou o serviço contratado e que a requerida aceitou esse serviço, pelo que emitiu a correspondente factura e reclama agora o seu pagamento, acrescido de juros de mora.
A requerida deduziu oposição dizendo que o produto que a requerente lhe apresentou não possui as características acordadas e apresenta defeitos, pelo que não cumpriu pontualmente o contrato, e, por isso, pretende a resolução do contrato, ser dispensada do pagamento do remanescente do preço e recuperar a parte desse preço que já pagou.
Em reconvenção pede a restituição da parte do preço que pagou e uma indemnização que alega ter sofrido por causa desse incumprimento (danos patrimoniais no montante do valor que pagou a uma terceira entidade para obter o serviço que havia contratado à requerente; danos não patrimoniais decorrentes da lesão da sua imagem no mercado).
Sendo esta a configuração da acção e da reconvenção, pode afirmar-se que no âmbito de uma acção declarativa com processo comum a reconvenção é admissível. Com efeito, a acção e a reconvenção têm ambas por objecto o mesmo contrato, colocam ambas a questão de saber se a autora cumpriu a prestação a que se vinculou, e a reconvenção emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, mais precisamente o não cumprimento do contrato por parte da requerente (cf. exemplo de Paulo Pimenta, in Processo Civil Declarativo, 3.ª edição, pá. 210).
A reconvenção tem de observar um requisito de natureza processual atinente à forma do processo. Nos termos do n.º 3 do artigo 266.º do Código de Processo Civil a reconvenção não é admissível «quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações».
A reconvenção exige, pois, que a forma do processo correspondente ao pedido do autor e a forma adequada para o pedido reconvencional sejam compatíveis entre si, rectius, não sejam diferentes. Se o forem, o juiz pode, ainda assim, autorizar a dedução da reconvenção se as formas de processo envolvidas não possuírem uma tramitação manifestamente incompatível e haja interesse relevante na cumulação das pretensões ou a sua apreciação em conjunto for indispensável para a justa composição do litígio.
Como refere Paulo Pimenta, loc. cit., pág. 90, a exigência da unidade da forma do processo «visa impedir que o enxerto da acção reconvencional no processo pendente possa causar perturbações e embaraços à sua normal e previsível tramitação», daí que «se estivermos numa acção comum, é admissível reconvenção se a esta couber igualmente a forma comum de processo. E se a acção for especial, a reconvenção só é admitida se lhe corresponder a mesma forma especial, e não outra forma especial ou a forma comum».
O autor formulou a sua pretensão através de um procedimento de injunção.
A escolha dessa forma foi correcta porque a sua pretensão de exigir o cumprimento de uma obrigação de natureza pecuniária emergente de um contrato se adequa aos fins do Regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000, aprovado em anexo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
Este regime compreende uma acção declarativa (artigos 1.º a 6.º) e o procedimento de injunção (artigos 7.º a 21.º), sendo a utilização deste meramente facultativa (o autor pode escolher a injunção ou a acção) e a tramitação daquela igualmente aplicável a este no caso de ser apresentada oposição ao procedimento e este se convolar em acção judicial.
De referir que a acção declarativa destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 apenas compreende dois articulados, a petição inicial e a contestação, razão pela qual esta forma de processo especial (não comum) não parece compatível com a dedução da reconvenção, a qual exigirá sempre que o reconvindo disponha de um articulado para contestar a pretensão que lhe é dirigida.
A escolha do procedimento de injunção também estava justificado pelo regime do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais. Com efeito, este diploma, aplicável a qualquer falta de pagamento do montante devido no prazo contratual, tendo o credor cumprido as respectivas obrigações, desde que essa obrigação advenha de uma transacção entre empresas cujo objecto seja o fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração [artigo 1.º, 2.º, n.º 1, e 3.º, alíneas a) e b)], dispõe no seu artigo 10.º, n.º 1, que o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
Deve, por isso, perguntar-se qual é a tramitação processual a observar no caso uma vez deduzida pela requerida oposição ao procedimento de injunção: a acção declarativa destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 (do Decreto-Lei n.º 269/98) ou a acção com forma de processo comum?
O artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 62/2013, estabelece que «para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum».
Importa por isso saber como se determina esse valor. Nos termos do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 269/98, o valor processual da injunção e da acção declarativa que se lhe seguir é o do pedido, atendendo-se, quanto aos juros, apenas aos vencidos até à data da apresentação do requerimento. Mas de que pedido estamos a falar, quando na oposição o requerimento deduz reconvenção?
A questão foi apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 06-06-2017, proc. n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2, in www.dgsi.pt, onde se decidiu não haver «razão para concluir da leitura do artigo 10.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 62/2013 que o mesmo quis afastar as regras processuais gerais sobre o cálculo do valor de uma acção. É natural que primeiro se tenha em conta o valor do pedido – aliás nesse momento não há sequer uma acção – mas com a dedução de oposição, e convertendo-se então a medida em procedimento jurisdicional, haverá que aplicar as regras dos artigos 299.º e seguintes do CPC. Assim, atende-se ao momento em que o procedimento se converte em jurisdicional (porque na injunção não se começa por propor uma acção) “excepto quando haja reconvenção” (n.º 1 do artigo 299.º do CPC), sendo que, então, o valor do pedido formulado pelo Réu é somado ao valor do pedido formulado pelo Autor quando os pedidos sejam distintos (n.º 2 do artigo 299.º)» (seguem esta solução, por exemplo, os Acórdãos desta Relação de 10-09-2024, proc. n.º 80995/23.2YIPRT-A.P1, e de 10-07-2024, proc. n.º 27994/21.0YIPRT-A.P1, ambos in www.dgsi.pt).
No caso, aliás, o despacho recorrido fixou o «valor da causa» em € 45.653,50 na parte relativa à reconvenção, pelo que é forçoso concluir que também para o despacho recorrido a totalidade do valor da causa resultará da soma do valor do pedido com o valor da reconvenção, ou seja, é de [€45.653,50 + €756,75] €46.410,25.
Sendo esse o valor da acção, esta deve seguir a forma de processo comum (artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 62/2013) e, em consequência, não existe obstáculo de natureza processual à admissibilidade da reconvenção (cf., dos mais recentes, o Acórdão da Relação de Lisboa de 16-06-2020, proc. n.º 77375/19.8YIPRT-A.L1-7, o Acórdão da Relação do Porto de 10-07-2024, antes citado, e a decisão singular do Vice-presidente da Relação de Lisboa de 22-03-2024, proc. n.º 1858/23.0T8SXL.L1-1, in www.dgsi.pt).
A grande discussão a este nível tem-se colocado apenas em relação às acções que por não excederem metade da alçada da Relação não seguem a forma do processo comum, mas antes a forma da acção declarativa regulada no Decreto-Lei n.º 269/98 e destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 (cf. Acórdão da Relação do Porto de 10-09-2024, antes citado). Não é o caso dos autos.
Sendo assim, só resta concluir que o despacho recorrido não pode subsistir. Os demais argumentos usados para fundamentar a recusa da reconvenção são, aliás, ilegais.
Em regra, a dedução da reconvenção é um direito potestativo de natureza processual do réu. Desde que se verifiquem os requisitos substanciais (ser um dos casos do elenco do n.º 2) e processuais (não haver diferença da forma de processo), o réu pode decidir livremente deduzir reconvenção, sem que o juiz possa opor a essa escolha as dificuldades decorrentes do julgamento conjunto da acção e da reconvenção. O contrário é que é verdadeiro, mas apenas quando o obstáculo se prende exclusivamente com a forma do processo e o juiz entende que existem vantagens nesse julgamento conjunto.
Só nos casos em que o pedido reconvencional envolver outros sujeitos, cuja intervenção o reconvinte pretenda para dirigir a reconvenção também contra eles, e desde que não se trate de litisconsórcio necessário, é que o tribunal, se entender que, apesar de se verificarem os requisitos da reconvenção, há inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento conjuntos, pode decidir absolver os chamados da instância quanto ao pedido reconvencional (n.os 4 e 5 do artigo 266.º do Código de Processo Civil). Note-se, absolver da instância os chamados, não a parte primitiva, pelo que em relação a estes, mesmo nessa circunstância, a reconvenção é admitida.
Procede, por isso, o recurso.



V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam o despacho recorrido e admitem a reconvenção da ré.

Não há lugar ao pagamento de outras custas para além da taxa de justiça paga pela recorrente.
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Porto, 10 de Outubro de 2024.


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Os Juízes Desembargadores
Relator: Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 854)
1.º Adjunto: Isabel Rebelo Ferreira
2.º Adjunto: Paulo Duarte Mesquita Teixeira







[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]