Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1219/21.6T8AMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
AUTOR
IDENTIFICAÇÃO
ELEMENTOS ESSENCIAIS
HERANÇA JACENTE
Nº do Documento: RP202111221219/21.6T8AMT.P1
Data do Acordão: 11/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O NIF é um elemento de identificação obrigatório do autor da petição inicial, nos termos do art. 552.º, n.º1 al. a) CPC.
II - Sendo a herança jacente a requerente da insolvência deverá a mesma indicar o seu número de identificação fiscal, a fim de que a petição inicial não seja liminarmente indeferida, o que pressupõe que esse elemento de identificação tenha sido obtido perante a AT.
III - Não está em condições de prosseguir o processo de insolvência relativo a herança jacente em que existam bens, quando se alega não ter sido cumprida a obrigação de obtenção de NIF para a mesma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1219/21.5T8AMT.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
A HERANÇA JACENTE ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE B…, representada pela cabeça de casal, C…, com domicílio na Rua … nº .., Hab ., …, ….-… Porto, apresentou-se à insolvência, a 25.8.2021.
A 27.8.2021, foi proferido o seguinte despacho:
“O requerente intenta a presente ação, pedindo a declaração de insolvência da requerida sem que a sua petição inicial venha acompanhada da certidão da habilitação de herdeiros, do comprovativo da concessão do apoio judiciário, a falta do NIF da devedora da herança jacente porquanto o indicado é da AT, violando o disposto no artigo 23.º, n.º 2, alínea d), do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas.
Ocorre, desta forma, uma manifesta insuficiência dos documentos que devem acompanhar a petição inicial, a qual deve ser corrigida pela parte.

Assim, convida-se o requerente para, em cinco dias e sob pena de indeferimento, nos termos previstos no artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, suprir a omissão apontada.

Por requerimento de 9.9.2021, veio a requerente informar não ter sido efetuada escritura de habilitação e, além disso, não ter sido participado o óbito à AT, não dispondo a herança de NIF.

Foi proferido despacho a 10.9.2021, com o seguinte teor:
Compulsados os autos constata-se ter sido feito convite à Requerente, Herança Jacente e Indivisa de B…, representada pela sua cabeça de casal, C…, para suprir insuficiências apontadas, por despacho proferido em 27.08.2021, designadamente a falta de certidão da habilitação de herdeiros, o comprovativo da concessão do apoio judiciário e ainda a indicação do NIF do Devedor porquanto foi indicado o NIF da Autoridade Tributária no formulário CITIUS.
Além do mais, a petição inicial também não vem acompanhada da certidão de nascimento do Autor da herança, documento obrigatório, atento o disposto no artigo 23.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil.
Já após ter solicitado prazo para suprir as insuficiências apontadas veio agora a Requerente insurgir-se quanto à sua obrigação de indicar NIF, entendendo que a Cabeça de Casal não tem de solicitar junto das Finanças NIF para a herança, por nisso não ter interesse e justificando a razão para ter indicado o NIF da Autoridade Tributária no local destinado a indicar o NIF da Requerente, no formulário CITIUS no requerimento que apresentou nos autos em 27.08.2021.
Insurge-se ainda quanto à obrigação de juntar certidão de habilitação de herdeiros, alegando que foram identificados todos os herdeiros e juntas as respetivas certidões de nascimento.
Sem necessidade de grandes considerações, dir-se-á que a presente ação não poderá prosseguir, já que, nem sequer poderia ter sido apresentada a Juízo não fora a prática de uma falsidade, pelo que, constatada a mesma e nem sequer tendo sido regularizada a situação verificada, a petição inicial terá de ser rejeitada, tanto mais que não foi dado cumprimento ao que foi determinado no despacho proferido em 27 de agosto de 2022.
Com efeito, há muito se mostra ultrapassado o prazo de 5 dias concedido para regularizar as apontadas insuficiências/irregularidades da petição inicial, pois que foi solicitado prazo para dar cumprimento ao determinado e não para vir justificar a razão da discordância da Requerente com o entendimento da Sr.ª Juiz que proferiu o despacho de 27.08.2022, não tendo sido cumprido o ali determinado. Mas ainda que se pudesse entender que ao requerer prazo para sanar as apontadas insuficiências igualmente se estava a peticionar prorrogação do prazo para justificar o não cumprimento do despacho, a verdade é que a justificação apresentada para não indicar no formulário CITIUS o NIF da Requerente consubstancia a prática de um facto ilícito, uso ilegítimo de elemento de identificação de terceiro, já que o NIF utilizado no formulário CITIUS apresentado pertence à Autoridade Tributária e não à Requerente, e o sr. Advogado que preencheu e submeteu o Formulário CITIUS na presente ação conscientemente indicou um NIF que sabia ser falso, por não corresponder ao NIF da Requerente, a Herança Jacente e Indivisa de B…, antes sabia que tal NIF pertencia à Autoridade Tributária e, ainda assim, não se absteve de o utilizar para, desse modo, contornar a Lei.
Ora, ao indicar um NIF falso (usou ilegitimamente o NIF da Autoridade Tributária), o Sr. Advogado nomeado Patrono da Requerente sabia o que estava a fazer, não se tratando de um mero lapso de escrita ou de troca involuntária de NIF, já que como confessou, a Herança Jacente e Indivisa de B… não possuía NIF, já que, como alega, os herdeiros não têm interesse e a Cabeça de Casal não cumpriu com as obrigações fiscais a que está obrigada, dever de participar às Finanças o óbito e apresentar Relação de Bens, sendo que ao fazê-lo automaticamente teria sido gerado um NIF para a referida Herança Jacente de B…, o que permitiria ter indicado o correspondente NIF no formulário CITIUS.
Assim, porque ter ou não ter NIF não é uma opção da Cabeça de Casal, antes uma obrigação legal, nomeadamente para apresentar a juízo uma ação, nunca o sr. Advogado poderia “ajudar” a referida Cabeça de casal a contornar a Lei, atentos os deveres que para si decorrem do Estatuto da Ordem dos advogados, pelo que, nunca poderia apresentar esta ação a Juízo sem que existisse previamente um NIF para a Requerente, o qual teria de ter sido indicado no formulário CITIUS, sob pena de a ação não poder ser submetida.
Donde, não tendo sido indicado corretamente o NIF da Requerente desta insolvência (que assumidamente nem sequer existe e em seu lugar foi indicado o NIF da Autoridade Tributária) e também não tendo a Requerente aproveitado a oportunidade que lhe foi dada pelo Tribunal para sanar a irregularidade praticada, forçosamente tem de ser rejeitada a presente ação, já que não pode o tribunal dar cobertura à prática de atos ilícitos, pactuando com eles.
Termos em que rejeito a presente ação.
Custas a cargo da Requerente, reduzindo a taxa de justiça a metade, sem prejuízo do Apoio Judiciário que lhe foi concedido.
Valor da ação: 5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo).

Desde indeferimento, recorre a requerente, visando o prosseguimento dos autos, com base nos argumentos que sintetiza nas seguintes conclusões:
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Os autos correram vistos legais.

Objeto do recurso: da indicação e junção de elementos necessários à petição inicial de insolvência relativa a herança jacente.

FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de facto
Os factos que interessam à decisão final são os que constam do iter processual acima descrito.

Fundamentos de Direito
Dispõe o art. 23.º CIRE o seguinte:
1 - A apresentação à insolvência ou o pedido de declaração desta faz-se por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e se conclui pela formulação do correspondente pedido.
2 - Na petição, o requerente:
a)Sendo o próprio devedor, indica se a situação de insolvência é actual ou apenas iminente, e, quando seja pessoa singular, se pretende a exoneração do passivo restante, nos termos das disposições do capítulo I do título XII;
b) Identifica os administradores, de direito e de facto, do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente;
c) Sendo o devedor casado, identifica o respectivo cônjuge e indica o regime de bens do casamento;
d) Junta certidão do registo civil, do registo comercial ou de outro registo público a que o devedor esteja eventualmente sujeito.
3 - Não sendo possível ao requerente fazer as indicações e junções referidas no número anterior, solicita que sejam prestadas pelo próprio devedor.
Por sua vez, no art. 24.º, prevêem-se os documentos que devem acompanhar a petição inicial.
Sobre a petição inicial e elementos de identificação a designar também dispõe o art. 552.º CPC que, na al. a) do n.º1, obriga à indicação de identificação fiscal no caso do autor e, sempre que possível, relativamente às demais partes.
Sendo a herança jacente um património autónomo, dotado de personalidade judiciária (art. 12.º a) CPC), é possível intervir em processo de insolvência requerendo a sua própria insolvência.
Nesse caso, o art. 24.º, n.º1 al. d), CIRE alude apenas à junção de documento em que se identifica o autor da sucessão.
No caso, foi junta a certidão de óbito do autor da sucessão, o que se nos afigura suficiente para tal efeito, não se impondo a junção da respetiva certidão de assento de nascimento.
Também não foi junta escritura de habilitação de herdeiros o que se nos afigura, de igual modo, desnecessário, uma vez que vêm identificados todos os herdeiros do de cujus e sendo que a habilitação de herdeiros tem em vista a situação em que aqueles visem provar a sua legitimidade substancial, o que não sucede na insolvência que deve ser requerida pela própria herança, representada pela cabeça de casal, devidamente identificada na certidão de assento de casamento junta aos autos.
Não se questiona, igualmente, encontrar-se a requerente em tempo para juntar aos autos os elementos pretendidos, não tendo sido ultrapassado qualquer prazo que, ademais, seria meramente indicativo.
Todavia, a requerente da insolvência, autora da petição inicial, não se acha devidamente identificada, não dispondo sequer de NIF, o que é essencial para se encontrar regular aquela petição.
O número de identificação fiscal é um elemento fundamental na identificação de qualquer pessoa e mesmo das entidades que, não dispondo de personalidade jurídica, pretendam exercer a sua personalidade judiciária, apresentando-se em tribunal. Sendo um elemento de identificação a solicitar à AT, nos termos do art. 16.º do DL 14/2013, de 28.1, para o caso das heranças, decorre da obrigatoriedade de declaração a apresentar pela cabeça de casal à AT quanto aos bens herdados sujeitos a tributação (e no caso existe um prédio rústico), sendo a respetiva omissão punível com coima.
Assim sendo, não poderia a requerente contornar de forma habilidosa, mas ilegítima, a obrigação de identificar corretamente a autora da herança que é requerente da insolvência, fazendo constar um NIF arbitrário, ao invés do NIF que lhe compete e por que deverá providenciar antes de se apresentar à insolvência. Recorde-se que, para os autores, a indicação de NIF é obrigatória, segundo resulta do art. 552.º, n.º1 al. a) CPC, apenas sendo facultativa para as demais partes.
Por este motivo, em função da inexistência de elementos de identificação suficientes quanto à requerente, a saber, do NIF, esteve bem o tribunal a quo quando indeferiu liminarmente a petição inicial.

Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação, julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Porto, 22.11.2021
Fernanda Almeida
Maria José Simões
Abílio Costa