Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2117/23.4T8AVR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUZIA CARVALHO
Descritores: FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CONTRA CRÉDITGO DO EMPREGADOR
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RP202511262117/23.4T8AVR-B.P1
Data do Acordão: 11/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Na ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, o empregador não pode deduzir reconvenção seja no articulado de motivação do despedimento, seja no articulado de resposta à contestação.
II - Nos casos em que na ação declarativa o réu não pode invocar a compensação por não ser admissível reconvenção, pode constituir fundamento da oposição à execução o contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos, ainda que os factos em que tal contra crédito se fundamenta sejam do conhecimento do réu antes da apresentação da defesa naquela ação.
III – A exigibilidade judicial do contra crédito enquanto requisito para a compensação de créditos, não equivale à necessidade de prévio reconhecimento judicial, significando apenas que o crédito esteja em condições de ser judicialmente reconhecido por ação de cumprimento e execução
IV - Não é de considerar como exigível para efeitos de admissão da compensação, o crédito emergente de responsabilidade civil, cuja existência está dependente de prévia declaração judicial que julgue verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar com fundamento na responsabilidade civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2117/23.4T8AVR-B.P1

Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro - J1

Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

A... - Unipessoal, Ld.ª deduziu oposição à execução que lhe foi instaurada por AA, deduzindo simultaneamente oposição à penhora sobre saldos bancários.

Como fundamento da oposição à execução, a embargante alegou que a sentença dada à execução ainda não transitou em julgado e que detém perante o embargado um contra crédito no valor de pelo menos € 951.145,35, que peticionou em ação cível que contra o mesmo instaurou no Juízo Central Cível de Aveiro (Juiz 3), onde corre termos com o n.º ..., encontrando-se em fase de saneamento, pedindo que o crédito do embargado seja compensado com o seu contra crédito, que é superior, com a consequente extinção da execução.

Como fundamento da oposição à penhora, a embargante alegou que a penhora efetuada sobre os saldos das contas bancárias é manifestamente excessiva e desproporcionada, devendo ser substituída por penhora do estabelecimento comercial, pedindo que a penhora efetuada sobre saldos bancários seja substituída pela penhora do estabelecimento comercial da embargante.

As oposições foram liminarmente admitidas e, notificado para contestar o embargado veio alegar, em síntese, quanto à oposição à execução, que não reconhece o alegado contra crédito, que está em discussão noutra sede, tendo sido reclamado com base em argumentos que já tinham sido invocados nesta ação laboral, não se encontrando reconhecido judicialmente, carecendo de ser demonstrado e definido, não se mostrando preenchidos os requisitos previstos no art.º 847º n.º 1 do Cód. Civil e quanto à oposição à penhora, que os saldos bancários penhorados são de valor inferior à quantia exequenda, sendo a penhora legal e legítima, não se justificando a penhora do estabelecimento comercial, pugnando pela improcedência das oposições à execução e à penhora.

Findos os articulados foi proferida sentença que julgou a oposição à penhora improcedente e julgou a oposição à execução parcialmente procedente determinando a suspensão da instância, até que seja proferida decisão final, transitada em julgado, na ação cível n.º ..., do Juízo Central Cível de Aveiro (Juiz 3).

O valor da causa foi fixado em € 127.545,36.


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O embargado veio interpor recurso da decisão respeitante à oposição à execução, com vista à revogação da decisão ou subsidiariamente que se determine que a suspensão da execução apenas abrangerá, por força da suspensão dos embargos, 1/3 dos valores objeto de execução e já penhorados, devendo ser determinada a entrega ao exequente ora recorrente do restante valor penhorado, sintetizando as alegações nas seguintes conclusões:

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A embargante/recorrida apresentou contra-alegações

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O recurso foi regularmente admitido e, recebidos os autos neste tribunal, o Ministério Público emitiu parecer nos termos do disposto pelo art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), acompanhando «a fundamentação da sentença recorrida e as contra-alegações da embargante, para onde se remete» sendo de parecer «que não existe impedimento legal a que seja determinado a suspensão da instância».


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Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

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Delimitação do objeto do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do CPC, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

- questão prévia da junção de documentos;

- alteração da matéria de facto provada;

- se é admissível a invocação da compensação de créditos;

- se ocorreu erro de julgamento na determinação da suspensão da instância;

- subsidiariamente, se a suspensão da execução deve ser reduzida apenas 1/3 dos créditos exequendos.


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Fundamentação de facto

Em 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão relativa à matéria de facto provada:

“Tendo em conta o teor dos autos principais (declarativos e executivos) e a certidão junta pela embargante, extraída do processo comum n.º ..., do Juízo Central Cível de Aveiro (Juiz 3), consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão das oposições:

1. Por sentença proferida em 01/03/2024 nos autos de acção declarativa de impugnação de despedimento instaurada pelo aqui embargado, contra a ora embargante, já transitada em julgado, decidiu-se:

«A) Reconhecer que a antiguidade do A. enquanto trabalhador subordinado da R. remonta, pelo menos, a 01/03/1984, e que o A. tinha direito a auferir, aquando do despedimento, a retribuição base mensal € 3.000,00 (três mil euros), mais € 800,00 (oitocentos euros) por mês de retribuição (correspondente ao valor médio das denominadas ajudas de custo), além de subsídio de alimentação.

B) Condenar a R. a pagar ao A.:

I. Indemnização pelo despedimento ilícito, à razão de 30 dias de retribuição por cada ano ou fracção de antiguidade, até ao transito em julgado da sentença, no valor actual de € 111.000,00 (cento e onze mil euros).

II. As retribuições que o A. deixou de auferir desde 23/05/2023 até ao trânsito em julgado da sentença, deduzidas do subsídio de desemprego (que cabe à R. entregar à Segurança Social) – a liquidar ulteriormente, nos termos do disposto nos arts. 609º n.º 2 e 358º n.º 2 e segs. do Cód. de Processo Civil.

III. € 8.273,51 (oito mil, duzentos e setenta e três euros e cinquenta e um cêntimos), a título de diferenças retributivas respeitantes aos meses de Janeiro a Abril e 23 dias de Maio de 2023.

IV. € 981,82 (novecentos e oitenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), a título de diferenças respeitantes aos proporcionais dos subsídios de férias e Natal do mesmo período.

V. € 1.235.86 (mil duzentos e trinta a cinco euros e oitenta e seis cêntimos), de diferencial respeitante ao subsídio das férias vencidas em 01/01/2023.

VI. € 3.000,00 (três mil euros), a título de retribuição pelas férias vencidas em 01/01/2023 e não gozadas.

VII. € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) de proporcionais das férias correspondentes à duração do contrato de trabalho no ano da cessação.

VIII. € 282,12 (duzentos e oitenta e dois euros e doze cêntimos), por formação profissional não proporcionada.

IX. Juros de mora à taxa legal (actualmente de 4%), até integral pagamento, contados desde a presente data, no que se refere ao valor já quantificado da indemnização, referido em I.; desde a data em que vier a ser liquidado o montante devido a título de retribuições intercalares, quanto ao ponto II; desde o último dia de cada um dos meses a que se reporta o diferencial indemnizatório, sobre o respectivo montante mensal, no que se refere ao ponto III; e desde 23/05/2023, no tocante às prestações referidas em IV, V, VI, VII e VIII.».

2. Com base em tal sentença, o ora embargado instaurou execução contra a embargante, em 07/05/2024, tendo sido efectuada em 15/05/2024 penhora de dois depósitos bancários de contas da embargante, no valor global de € 109.919,51.

3. Na referida data, o Exm.º Agente de Execução calculou em € 133.922,63 o valor da quantia exequenda e das despesas prováveis da execução.

4. Em 12/04/2024, a aqui embargante instaurou contra o ora embargado e a mulher deste, BB, ação declarativa com processo comum, que corre termos no Juízo Central Cível de Aveiro (Juiz 3), com o n.º ..., onde, com os fundamentos constantes da petição inicial que integra a certidão junta aos autos em 23/06/2025 (referência citius 17915176), cujo teor se dá por reproduzido, pede a condenação solidária dos aí réus a pagarem-lhe a quantia total de € 951.145,35, mais juros de mora desde a citação, até integral pagamento. – redação alterada conforme decisão infra.

5. Em 24/06/2024, a embargante, na qualidade de autora na identificada ação cível, formulou requerimento para ampliação do pedido em mais € 31.442,27 e respetivos juros de mora, com os fundamentos que se dão por reproduzidos, constantes do requerimento que integra a certidão junta aos autos 23/06/2025 (referência citius 17915176), encontrando-se o processo em fase de saneamento. – redação alterada conforme decisão infra.

6. Na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento intentada pelo recorrente contra a recorrida, esta apresentou articulado de motivação de despedimento em 23/08/2023, cujo teor se dá por reproduzido, tendo aquele contestado e formulado reconvenção nos termos constantes do requerimento de 05/09/2023, que se dão por reproduzidos. - redação alterada conforme decisão infra.

7. No processo referido em 6., findos os articulados, foi proferido a seguinte decisão:

“Nos termos e pelas razões expostas, não tendo sido junto aos autos o procedimento disciplinar, dentro do prazo legalmente previsto, ao abrigo do disposto no art. 98º-J n.º 3, als. a) e b) do Cód. de Processo do Trabalho:

I. Declaro ilícito o despedimento do A..

II. Condeno a R.:

a) A reintegrar o A. no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade – caso não venha a optar, no prazo de 10 dias a contar da notificação da presente sentença, pela indemnização fixada no art. 391º do Cód. do Trabalho, em substituição dessa reintegração;

b) A pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão – deduzidas, porém, das importâncias que no mesmo período de tempo tenha auferido ou venha a auferir a título de subsídio de desemprego, em resultado do despedimento, cujo valor a R. deverá entregar à Segurança Social.” – redação alterada conforme decisão infra.

8 . E no mesmo momento foi ainda decidido: “O processo prossegue apenas para apreciação dos restantes pedidos formulados pelo A. na contestação/reconvenção e para quantificação das quantias devidas a título de indemnização (se essa vier a ser a opção do A.) e retribuições intercalares ou de tramitação, mantendo-se a data agendada para julgamento.”, vindo a ser proferida a sentença referida em 1. – aditado conforme decisão infra.


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Questão prévia: da admissibilidade dos documentos juntos pelo recorrente.

Com as alegações de recurso, o recorrente requereu a junção aos autos de um documento, designadamente do despacho saneador proferido na ação cível cuja pendência serviu de fundamento à suspensão da instância e que absolveu o recorrente de parte do pedido. Alegou que o documento é superveniente à decisão recorrida e que é essencial porque face a seu teor, a suspensão da instância, já não faz sentido.

A recorrida opôs-se à junção do documento, por entender que não estão verificados os pressupostos para a sua admissibilidade em fase de recurso e, para o caso de ser deferida a pretensão do recorrente, requer por sua vez a junção de documento composto pelas alegações do recurso que interpôs do referido despacho saneador.

Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com os articulados em que se aleguem os factos correspondentes ou, em caso de comprovada impossibilidade de assim fazer, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ou até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, como decorre do disposto no art.º 63.º do CPT e do art.º 423.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC.

Admite-se, porém, por força do estipulado pelos arts. 425.º e 651.º do CPC que, depois daquele último momento, os documentos supervenientes possam, também, ser juntos com as alegações de recurso, mas, ainda assim, apenas, nos casos excecionais em que a sua apresentação não tenha sido possível, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, quando a sua apresentação se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior, ou quando a sua junção apenas se tenha tornado necessária, em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.

Estatui o artigo 651.º, n.º 1 do CPC que “1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. 2 – As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.”

Por seu turno, o art.º 425.º do CPC estabelece: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.

Assim, para além da situação em que a junção do documento se mostra necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância (decisões surpresa), uma vez encerrada a discussão, e sendo interposto recurso, apenas serão admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, hipótese que inclui os casos de superveniência objetiva (aqueles em que o documento é posterior ao encerramento da discussão em 1.ª instância) e de superveniência subjetiva (situações nas quais, pese embora a parte tenha atuado de forma diligente, só posteriormente teve conhecimento da existência do documento).

Como referem Abrantes Geraldes e outros[1], após o momento do encerramento da discussão da causa em primeira instância «apenas se pode congeminar a junção excecional de documentos nos termos previstos no art.º 651º, n.º 1, em sede de recurso de apelação: para além dos documentos que sejam objetiva e subjetivamente supervenientes (…) são admissíveis aqueles cuja necessidade se revelar em função da sentença proferida, o que pode justificar-se perante a imprevisibilidade do resultado (…)».

No que se refere à parte final do citado art.º 651.º, n.º 1, relativa às situações em que a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, pressupõe-se a novidade da questão decisória, sendo a necessidade de junção do documento só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o “thema decidendum”.

Com esta disposição «o legislador quis cingir-se aos casos que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio “apenas”, inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes da decisão da 1ª instância»[2].

Assim, a junção deve ser recusada quando os documentos visem provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não lhe servindo de pretexto invocar a surpresa quanto ao sentido da decisão para juntar documento que já poderia ter apresentado em 1.ª instância[3].

Por outro lado, igual recusa deve ocorrer quando os documentos visem a prova de facto novo somente alegado em recurso, cujo conhecimento está vedado à Relação.

No caso, relembramos que o recorrente requereu a junção aos autos de cópia do despacho saneador que, sendo posterior à sentença recorrida, julgou parcialmente improcedente, absolvendo os réus do pedido na mesma medida, a ação cível cuja pendência serviu de fundamento à decisão recorrida de suspensão da instância, com vista ao aditamento de tal matéria aos factos provados.

Ora, não está em causa uma situação em que a junção se justifique em face da decisão da 1.ª instância, já que a mesma não pode ser considerada uma decisão surpresa, não se tendo baseado em qualquer circunstância não alegada nos articulados e tendo mesmo sido proferido despacho prévio à decisão, datado de 25/02/2025, no qual foi, desde logo invocada a “eventualidade (…) da execução poder vir a ficar suspensa, a aguardar pela decisão final a proferir na acção cível onde se encontra a ser discutido o alegado contra-crédito do embargante”, do qual as partes tiveram conhecimento, tendo tido oportunidade de se pronunciarem.

Mas, o documento que o recorrente pretende juntar aos autos, presume-se ter-lhe sido notificado em 30/06/2025 (a notificação foi elaborada em 27/06/2025) e a sentença recorrida está datada de 28/06/2025, presumindo-se a sua notificação ao recorrente em 03/07/2025 (a notificação foi elaborada em 30/06/2025), configurando-se uma situação de superveniência subjetiva, já que quando o recorrente tomou conhecimento da existência do documento, já tinha sido proferida a sentença recorrida, pelo que não o poderia ter junto aos autos em momento anterior à prolação da sentença.

Acresce que, ainda que com a junção do documento o recorrente não vise a prova de qualquer dos fundamentos, oportunamente alegados na defesa apresentada nos presentes autos de oposição à execução, os quais se reconduzem, no essencial à inadmissibilidade da invocação pela recorrida da compensação de créditos, o objetivo do recorrente é o que está espelhado na conclusão VI das alegações de recurso ao afirmar que “Com a admissão de tal documento, ter-se-á que alterar a matéria de facto da presente decisão e, considerar-se que os Réus e o aqui ora Recorrente consequentemente, foi já parcialmente absolvido, no que respeita ao pedido relacionado com a remuneração no montante de 134.796,06€, facto 8 que deverá ser aditado.”, com base no qual conclui que “não faz qualquer sentido a suspensão da presente ação até decisão daquela, quando quanto a uma parte do pedido aquela ação até já decaiu.”

Ora, desta pretensão do recorrente, a ser acolhida (questão que é atinente ao mérito do recurso), poderá resultar não a revogação do despacho que determinou a suspensão da instância, mas a insubsistência do motivo da suspensão pela verificação do facto a que a mesma ficou condicionada com o consequente prosseguimento da instância, o que implicaria uma eventual inutilidade superveniente do presente recurso.

Porém, nem a questão foi assim enquadrada por qualquer das partes, nem este tribunal poderia extrair tal consequência, sem que fosse proferida em 1.ª instância decisão transitada em julgado que determinasse o prosseguimento da oposição à execução, o que não se verifica no caso.

Por isso, sendo a junção do documento apresentado pelo recorrente totalmente inócua na fase em que os autos se encontram, decide-se não a admitir, ficando prejudicada aa apreciação do requerimento de junção de documento apresentado pela recorrida.


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Apreciação

Entrando na apreciação do mérito do recurso, importa começar por decidir as questões atinentes à matéria de facto.

Na verdade, ainda que o recorrente não o diga expressamente, nem trate separadamente a questão de facto da questão de direito, face ao teor das alegações e conclusões do recurso é evidente que o mesmo deduz pretensão de impugnação da matéria de facto, pretendendo que seja alterada a redação do ponto 7 dos factos provados, bem como o aditamento de matéria de facto.

Não está em causa impugnação fundada em prova gravada, mas apenas em prova documental, e mostram-se cumpridos os ónus a que se refere o art.º 640.º, nº 1 do CPC.

Antes, porém, de nos pronunciarmos sobre a pretensão do recorrente, importa, desde já, oficiosamente nos termos do art.º 662.º, n.º 1 do CPC, introduzir algumas alterações à matéria de facto provada, de modo a que a mesma, traduza com maior rigor, o iter processual e substantivo da ação declarativa e executiva, subjacentes aos presentes autos e de modo a expurgá-la de considerações valorativas e conclusivas.

De facto, dos pontos 4, 5, e 6, consta como provado o seguinte:

4. Em 12/04/2024, a aqui embargante instaurou contra o ora embargado e a mulher deste, BB, acção declarativa com processo comum, que corre termos no Juízo Central Cível de Aveiro (Juiz 3), com o n.º ..., onde pede a condenação solidária dos aí réus a pagarem-lhe a quantia total de € 951.145,35, mais juros de mora desde a citação, até integral pagamento.

5. Em 24/06/2024, a embargante, na qualidade de autora na identificada acção cível, formulou requerimento para ampliação do pedido em mais € 31.442,27 e respectivos juros de mora, encontrando-se o processo em fase de saneamento.

6. Os factos alegados pela ora embargante na referida acção cível, para fundamentar o pedido que nela formulou, já tinham sido no essencial invocados no articulado de motivação de despedimento apresentado em 23/08/2023 na fase declarativa da acção de impugnação de despedimento a que os presentes autos correm por apenso.

Ora, salvo melhor opinião, o ponto 6 não contém qualquer facto (com exceção da data em que o articulado motivador do despedimento foi apresentado), mas um mero juízo comparativo genérico cujos termos não figuram, nem se inferem da restante matéria que foi dada como provada, designadamente dos pontos 4 e 5, e são relevantes para a decisão, motivo pelo qual se impõe, por um lado, eliminar a matéria atinente a tal juízo genérico e, por outro lado, existindo nos autos elementos que o permitem, alterar a redação daquele ponto e dos dois antecedentes pela incorporação dos factos pertinentes que permitam, em sede de apreciação do mérito da causa, sustentar, se necessário as conclusões a retirar da comparação de tais factos.

Por conseguinte a redação do ponto 4 dos factos provados passará a ser a seguinte:

4. Em 12/04/2024, a aqui embargante instaurou contra o ora embargado e a mulher deste, BB, ação declarativa com processo comum, que corre termos no Juízo Central Cível de Aveiro (Juiz 3), com o n.º ..., onde, com os fundamentos constantes da petição inicial que integra a certidão junta aos autos em 23/06/2025 (referência citius 17915176), cujo teor se dá por reproduzido, pede a condenação solidária dos aí réus a pagarem-lhe a quantia total de € 951.145,35, mais juros de mora desde a citação, até integral pagamento.

Por sua vez a redação do ponto 5 passará a ser a seguinte:

5. Em 24/06/2024, a embargante, na qualidade de autora na identificada ação cível, formulou requerimento para ampliação do pedido em mais € 31.442,27 e respetivos juros de mora, com os fundamentos que se dão por reproduzidos, constantes do requerimento que integra a certidão junta aos autos 23/06/2025 (referência citius 17915176), encontrando-se o processo em fase de saneamento.

E ponto 6 passará a ter a seguinte redação:

6. Na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento intentada pelo recorrente contra a recorrida, esta apresentou articulado de motivação de despedimento em 23/08/2023, cujo teor se dá por reproduzido, tendo aquele contestado e formulado reconvenção nos termos constantes do requerimento de 05/09/2023, que se dão por reproduzidos.


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Vejamos agora se deve ser alterada a redação do ponto 7 dos factos provados, como pretendido pelo recorrente.

Foi dado como provado o seguinte:

7. Tais factos não chegaram a ser objecto de julgamento na acção de impugnação de despedimento, porque o despedimento foi declarado ilícito logo em sede de despacho saneador, nos termos do disposto no art. 98º-J n.º 3, als. a) e b) do Cód. de Processo do Trabalho, em virtude de não ter sido junto o procedimento disciplinar, no prazo legalmente previsto.”

Ora, antes de mais, é evidente que a redação do ponto 7, na medida em que se reporta a parte da matéria que deixou de constar do ponto 6 nos termos acima decididos, não se pode manter inalterada.

O recorrente alega que “por ser extremamente redutor e não conforme com a realidade da abrangência do decidido no processo laboral, pelo que esse facto, atento o que consta dos autos, deverá ser alterado, passando a ter a seguinte redação – o despedimento foi declarado ilícito logo em sede de despacho saneador, nos termos do disposto no art.º 98.º-j, n.º3, als. A) e B9 do CPT, em virtude da não junção do procedimento disciplinar, no prazo legalmente previsto sendo que, a ação prosseguiu os termos para apuramento do quantum remuneratório e apuramento da antiguidade do Recorrente, tendo sido dados como provados os factos constantes do título executivo.”

Ora, o primeiro segmento do ponto em análise - “Tais factos não chegaram a ser objecto de julgamento na acção de impugnação de despedimento” - é manifestamente conclusivo, constituindo uma afirmação própria do mérito da causa, que carece de ser expurgada e densificada factualmente.

Decide-se, pois, julgar a impugnação parcialmente procedente, alterando a redação do ponto 7 dos factos provados e aditando-se o ponto 8, nos seguintes termos:

7. No processo referido em 6., findos os articulados, foi proferido a seguinte decisão:

“Nos termos e pelas razões expostas, não tendo sido junto aos autos o procedimento disciplinar, dentro do prazo legalmente previsto, ao abrigo do disposto no art. 98º-J n.º 3, als. a) e b) do Cód. de Processo do Trabalho:

I. Declaro ilícito o despedimento do A..

II. Condeno a R.:

a) A reintegrar o A. no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade – caso não venha a optar, no prazo de 10 dias a contar da notificação da presente sentença, pela indemnização fixada no art. 391º do Cód. do Trabalho, em substituição dessa reintegração;

b) A pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão – deduzidas, porém, das importâncias que no mesmo período de tempo tenha auferido ou venha a auferir a título de subsídio de desemprego, em resultado do despedimento, cujo valor a R. deverá entregar à Segurança Social.”

8 . E no mesmo momento foi ainda decidido: “O processo prossegue apenas para apreciação dos restantes pedidos formulados pelo A. na contestação/reconvenção e para quantificação das quantias devidas a título de indemnização (se essa vier a ser a opção do A.) e retribuições intercalares ou de tramitação, mantendo-se a data agendada para julgamento.”, vindo a ser proferida a sentença referida em 1.


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O recorrente, sustentando-se apenas no documento cuja junção requereu pretende ainda que seja aditado um novo facto com o seguinte teor:

“Os Réus e o aqui ora Recorrente consequentemente, foi já parcialmente absolvido, no que respeita ao pedido relacionado com a remuneração no montante de 134.796,06€”.

Não tendo, contudo, o dito documento sido admitido nos autos, improcede a pretensão do recorrente.


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Fixada a matéria de facto, importa avançar na apreciação do recurso começando pela questão da admissibilidade da invocação da compensação de créditos.

O recorrente alega, em síntese, que o contra crédito invocado pela recorrida é meramente hipotético e que não se encontrando reconhecido judicialmente, não é suscetível de operar compensação em sede de embargos à execução e que o alegado crédito da recorrida já era anteriormente do conhecimento desta, conforme referido no articulado motivador do despedimento, tendo aí sido alegado a título de exceção que a empregadora nada tinha que pagar porque era o trabalhador quem devia à recorrida, alegação que foi julgada improcedente, porque não foi junto o procedimento disciplinar movido, existindo uma decisão de mérito, ficando qualquer direito da recorrida assim precludido, não podendo a mesma vir agora exercer um direito que deveria ter exercido anteriormente, concluindo que apenas se existisse superveniência do contra crédito, é que a recorrida poderia usar os embargos para obter essa compensação.

Importa começar por referir que, nos termos do disposto pelo art.º 98.º-A do CPT, as regras do CPC relativas ao processo de execução são aplicáveis às execuções laborais, como é o caso.

A execução à qual a recorrida se opôs nos presentes autos tem por título executivo sentença proferida na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento intentada pelo recorrente, tendo a recorrida sido condenada a pagar a este os créditos discriminados no ponto 1 dos factos provados que, por brevidade, nos dispensamos aqui de repetir, no valor total de

Como fundamento da oposição a recorrida invocou um contra crédito relativamente ao recorrente no valor de € 951 145,35, que entretanto peticionou em ação cível na qual o recorrido figura como réu juntamente com a esposa, pretendendo efetuar a compensação de tal crédito com o crédito exequendo.

Há, assim, que convocar o disposto pelo art.º 729.º do CPC relativo aos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, em concreto, o disposto pela alínea h), da qual resulta que a oposição à execução pode ter por fundamento contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.

Esta disposição legal não tem sido pacificamente interpretada pela jurisprudência quanto à questão de saber se só é invocável contra crédito posterior ao oferecimento da contestação ou ao encerramento da discussão no âmbito da ação declarativa precedente.

Salvo melhor opinião, o caso dos autos não reclama, contudo, uma tomada de posição sobre tal divergência, pois a mesma não ocorre quanto às situações em que, independentemente da data da constituição do contra crédito, ele não podia ter sido invocado na ação declarativa, como, de resto, resulta do Ac. do STJ de 28/10/2021[4], no qual o recorrente se estriba e em cujo sumário se pode ler: “I. A invocação do fundamento de oposição à execução baseada em sentença previsto na al. h) do artigo 729.º do CPC (“contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos”) pressupõe que o executado estivesse impossibilitado de invocar o contracrédito, por via de reconvenção, no âmbito da acção declarativa precedente.

II. Esta é a interpretação que mais bem se harmoniza com a disciplina imposta no âmbito do processo declarativo comum, mais precisamente com o artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, “incutindo” a regra de que toda a compensação deve ser deduzida em reconvenção.”

Na verdade, no art.º 729.º, al. h) do CPC autonomizou-se, como fundamento da oposição à execução, a defesa por compensação, prevendo-se que pode constituir fundamento da defesa o contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.

Tal autonomização resultou da nova qualificação processual da compensação face à previsão do art.º 266.º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CPC, segundo a qual a compensação apenas pode ser formulada pela via da reconvenção, o que, face ao disposto pelo art.º 729.º, al. g) do CPC, levaria a que, nos casos em que a reconvenção não é admissível o réu nunca pudesse invocar a compensação de créditos como meio de defesa, seja na ação declarativa, seja na ação executiva subsequente.

Assim, nos casos em que na ação declarativa o réu não pode invocar a compensação por não ser admissível reconvenção, deferiu-se tal possibilidade para a oposição à execução.

Ora, no caso dos autos, a recorrida estava impedida de invocar o contra crédito que se arroga na ação declarativa.

De facto, a ação declarativa na qual foi proferida a sentença que serve de título executivo, é uma ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sujeita à tramitação específica e especial prevista nos arts. 98.º-B a 98.º-P do CPT, que apenas comporta a dedução da reconvenção pelo trabalhador e já não pelo empregador, seja no articulado de motivação do despedimento, seja, na resposta à contestação/reconvenção deduzida pelo trabalhador.[5]

Nessa medida, ainda que a recorrida já tivesse conhecimento dos factos constitutivos do crédito que se arroga contra o recorrente, à data da apresentação do articulado motivador do despedimento e da resposta à contestação/reconvenção, a circunstância de não ter em qualquer desses momentos invocado a compensação de créditos (salienta-se que apesar do alegado pelo recorrido, no articulado motivador do despedimento a recorrida/empregadora, não invocou ser titular de qualquer crédito sobre o recorrente/trabalhador, nem tão pouco invocou a compensação de créditos, não o tendo feito também na resposta á contestação/reconvenção), não tem o efeito preclusivo invocado pelo recorrente, nada existindo, por essa via obstáculo a que se fenda nos embargos invocando a compensação de créditos, nos termos do art.º 729.º, al. h) do CPC.

Acresce que, ainda que, no essencial, os factos constitutivos do contra crédito que a recorrida invoca com vista à compensação tenham sido também invocados no articulado motivador o despedimento, tal não tem o efeito pretendido pelo recorrente.

Com efeito, sobre tais factos, que fundamentaram a justa causa de despedimento invocada pela recorrida, o tribunal não chegou a emitir qualquer pronuncia, não tendo, ao contrário do alegado pelo recorrente, sido emitido qualquer juízo de improcedência relativamente aos mesmos, na medida em que, a declaração de ilicitude do despedimento resultou da falta de junção do procedimento disciplinar, e em que, tendo o processo prosseguido para apreciação dos restantes pedidos formulados pelo trabalhador na contestação/reconvenção e para quantificação das quantias devidas a título de indemnização e retribuições intercalares ou de tramitação, o mesmos factos também não foram apreciados na sentença proferida sobre tais questões.

Não se formou, pois, qualquer caso julgado a esse respeito, pois uma decisão apenas constitui caso julgado relativamente às questões que especificamente foram apreciadas pelo julgador[6].

Questão diversa é a de saber se estão preenchidos os requisitos para a invocação da compensação, nomeadamente se o crédito invocado pela recorrida é judicialmente exigível, alegando o recorrente que tal não se verifica porque o crédito invocado é meramente hipotético, não estando judicialmente reconhecido.

Nos termos do n.º 1, do art.º 847.º do Código Civil (CC), quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor. A compensação é, portanto, um meio de o devedor se livrar de determinada obrigação, por via da extinção simultânea do crédito de que disponha sobre o seu credor. Traduz-se num encontro de contas, que tem por finalidade evitar pagamentos recíprocos, ou seja, dispensar o devedor de pagar ao credor que é, ao mesmo tempo, seu devedor. A compensação é, assim, uma causa de extinção de obrigações, quando o devedor também dispõe de um crédito sobre o seu credor.

Mas para que esta causa de extinção possa operar, a lei exige a verificação cumulativa de determinados requisitos. Desde logo, no que aqui interessa, o que resulta do disposto pelo art.º 847.º, n.º 1, al. a) do Código Civil, a saber, ou seja, que o crédito seja exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material.

Também no que respeita ao requisito da exigibilidade do crédito, a jurisprudência não é unânime, sendo, contudo, maioritária a posição segundo a qual a exigibilidade judicial não equivale à necessidade de prévio reconhecimento judicial, significando apenas que o crédito esteja em condições de ser judicialmente reconhecido por ação de cumprimento e execução. Isso mesmo resulta do Ac. do STJ de 10/03/2022[7], invocado na decisão recorrida, não se encontrando motivo para discordar desta posição.

Como se pode ler no Ac. RP de 17/06/2025[8] “Ser exigível judicialmente não é sinónimo de estar judicialmente reconhecido, nem pressupõe a existência de um título executivo que constitua ou ateste a constituição do crédito em causa. Como decorre da conjugação do artigo 847.º com o artigo 817.º, ambos do CC, pressupõe apenas que o crédito decorra de uma obrigação civil, vencida, incumprida e não extinta. Dito de outro modo, pressupõe que seja certo, seguro e não meramente hipotético ou eventual; que não seja uma mera expectativa (cfr. ac. do STJ, de 01.07.2014, proc. n.º 11148/12.9YIPRT-A.L1.S1, rel. Paulo Sá); em suma, que dê direito à ação de cumprimento e à execução do património do devedor.»

Por isso, a circunstância de ainda não ter sido proferida decisão final transitada em julgado na ação cível na qual está em discussão o contra crédito invocado pela recorrida, por si só, não inviabiliza a admissibilidade da compensação fundada no dito crédito.

Contudo, importa ir um pouco mais além, na apreciação do requisito da exigibilidade do contra crédito para efeitos de compensação.

Com efeito, embora a inexistência do reconhecimento judicial não impeça, por regra, a invocação da compensação, esta só será possível se aquele contra crédito for certo e seguro, não podendo ser meramente hipotético ou eventual, como acontece nas situações em que a própria existência desse contra crédito está dependente de uma prévia decisão judicial que a declare. É o que ocorre com os créditos indemnizatórios emergentes de responsabilidade civil extracontratual[9]. Mas a situação não é distinta quando está em causa a obrigação de indemnizar os danos decorrentes da violação de um contrato, pois nestes casos continua a estar em causa uma obrigação de indemnizar que, não sendo reconhecida, dependente de uma prévia decisão judicial, e não uma obrigação contratual de prestar.

Como lapidarmente se escreveu no Ac. RG de 22/09/2022[10] «Por regra nem a inexistência de reconhecimento judicial do contra-crédito, nem a circunstância de o mesmo ser impugnado (sendo por isso controvertido), impedem, a invocação da compensação. E, por conseguinte, a exigibilidade judicial da obrigação como requisito da admissibilidade da compensação não pressupõe, em princípio, a existência de título executivo nem a existência de prévia declaração judicial de reconhecimento do crédito.

Contudo existem situações excecionais em que a própria existência do contra-crédito se mostra dependente de prévia decisão judicial, aqui se incluindo as situações em que o contra-crédito invocado só tem existência com a especifica decisão judicial que o reconheça como tal, declarando a sua existência (e o seu montante), tal como sucede com os créditos indemnizatórios emergentes de responsabilidade civil extracontratual.

Concorda-se a este propósito, com os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, na obra citada, pág. 136, quando afirmam “a necessidade de a divida compensatória ser exigível no momento em que a compensação é invocada afasta, por sua vez, a possibilidade de, em acção de condenação pendente, o demandado alegar como compensação o crédito de indemnização que se arrogue contra o demandante, com base em facto ilícito extracontratual a este imputado, enquanto não houver decisão ou declaração que reconheça a responsabilidade civil do arguido. Embora a divida retroaja neste caso os seus efeitos ao momento da prática do facto, ela não é obviamente exigível enquanto não estiver reconhecida a sua existência.”

Importa assim distinguir os créditos resultantes de contratos cuja existência e o montante resultam das próprias cláusulas dos contratos, (por exemplo um qualquer contrato em que assuma a obrigação do pagamento de determinada quantia pecuniária), do outros créditos cuja existência e montante não resultem expressamente definidos em contratos, bem como situações de responsabilidade civil extracontratual em que nem sequer existe qualquer vinculação contratual geradora de créditos, sendo a fonte do crédito de cariz indemnizatório, resultante de um facto ilícito normalmente, culposo, gerador de danos que devem ser ressarcidos.

Daqui resulta que, quer no campo contratual, quer no extracontratual, podem surgir créditos indemnizatórios, decorrentes de responsabilidade civil, originada pela prática de facto ilícito normalmente culposo causador de dano a outrem, havendo assim de encontra um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Em suma, a responsabilidade civil depende de diversos requisitos, que têm de ser judicialmente verificados com a consequente atribuição do montante indemnizatório adequado que ao caso couber, pelo quem regra é por via de decisão judicial que se determina se o crédito indemnizatório existe e a que montante ascende.

Como se refere no Acórdão da RP de 3-11-2010 (Rel. Maria Catarina), “ao invés do que acontece com qualquer outro crédito e, designadamente, com um crédito proveniente de um contrato – em que a existência do crédito e respectiva obrigação (obrigação de prestar) decorre da mera celebração do contrato, que, uma vez provado, permitirá concluir pela existência do crédito – a existência de um crédito emergente de responsabilidade civil (a que corresponde uma obrigação de indemnizar) pressupõe a apreciação de diversos factos (acto gerador do dano, culpa, nexo de causalidade, etc.) que constituem pressupostos dessa responsabilidade e que terão que ser analisados e apreciados pelo julgador. De facto, a existência de responsabilidade civil não é um facto que exista por si e que seja susceptível de prova directa; a existência de responsabilidade civil pressupõe a análise e apreciação de um conjunto de factos, pelo que não será possível afirmar a existência de um crédito daí emergente sem que exista, previamente, uma decisão que declare a existência de responsabilidade civil”.

E, como se refere mais à frente no mesmo Acórdão, “estando em causa uma obrigação de indemnizar (emergente de responsabilidade civil), essa obrigação e respectivo direito de crédito não tem existência real sem que seja declarada a verificação do facto de que emerge esse crédito (a responsabilidade civil), pelo que, enquanto não existir decisão judicial que reconheça esse facto, o eventual crédito daí emergente não pode ser invocado para efeitos de compensação.”

Ora, o concreto contra crédito invocado pela recorrida tem como causa de pedir a responsabilidade civil do recorrente, estando em causa o ressarcimento de danos que aquela alega ter sofrido em consequência de factos praticados por este enquanto gerente.

Está, pois, em causa é uma obrigação de indemnizar e não uma obrigação contratual de prestar, fundada em responsabilidade civil e poderá até assumir natureza criminal.

Sendo assim, não podemos considerar o que crédito invocado pela recorrida para o compensar com o do recorrente era exigível no momento em que a compensação foi invocada, já que a obrigação de indemnizar naquele momento não existe. Na verdade, tal crédito só existirá quando e se for proferida decisão judicial que, apreciando os diversos factos que constituem o pressuposto da responsabilidade civil do recorrente, a qual no caso será a fonte da obrigação, a reconheça.

Retomando as palavras do Ac. da Relação de Guimarães acima citado «Estamos assim perante um crédito inseguro o incerto, que não pode deixar de ser considerado de mera expectativa ou um crédito hipotético, que não dá direito a quem o invoca de obter a respectiva compensação.

Assim, enquanto não houver decisão ou declaração que reconheça a responsabilidade civil ou criminal da arguida, o crédito não se considera de exigível.»

Daqui decorre que, o contra crédito invocado pela recorrida não é compensável com o crédito exequendo, ao contrário do decidido em 1.ª instância, e consequentemente não há fundamento para a suspensão da instância até que seja proferida decisão final, transitada em julgado, na ação cível n.º ..., do Juízo Central Cível de Aveiro (Juiz 3), ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso (art.º 608.º, n.º 2, 1.ª parte do CPCP).

Conclui-se, pois, pela procedência do recurso, já que sendo a compensação de créditos o único fundamento invocado pela recorrida, a oposição à execução improcede na íntegra, impondo-se a revogação da decisão recorrida e o prosseguimento da execução.


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Nos termos do disposto pelo art.º 527.º do CPC, são da responsabilidade da recorrida as custas em 1.ª instância e as custas do recurso.

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Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção social do Tribunal da Relação do Porto julgar o recurso procedente e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, decide-se julgar a oposição à execução totalmente improcedente, devendo a execução prosseguir os seus termos.

Custas pela recorrida.


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Notifique.

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Porto, 26/11/2025
Maria Luzia Carvalho
Luísa Ferreira
António Luís Carvalhão

(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)
_________________
[1] Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2.º edição, pág. 522/523.
[2] Neste sentido, vd. o Ac. do STJ de 12.01.94 BMJ 433, pág. 467.
[3] Entre outros, vd. Ac. RP de 15/05/2017, processo n.º 594/14.3T8VNG.P1, Ac. PR de 04/06/2024, processo n.º 7619/21.4T8VNG.P1 e Ac. RP de 20/09/2024, processo n.º 2117/23.4T8AVR.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[4] Processo n.º 472/20.7T8VNF-A.G1.S1, acessível em www.dsi.pt.
[5] Vd. Ac. RL de 20/11/2013, processo n.º 454/12.2TTLRS.L1-4, acessível em www.dgsi.pt.
[6] Vd. Ac. STJ de 19/09/2024, processo n.º 26598/18.9T8PRT-B.P2.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Processo n.º 4738/15.0T8MAI-A.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido se pronunciou o STJ no Ac. de 12/12/2023, processo n.º 3255/18.0T8VNG-B.P1.S1, acessível no mesmo site.
[8] Processo n.º 8297/24.4T8PRT-A.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[9] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vil. II, 3.ª ed., Coimbra, 1986, p. 136
[10] Processo n.º 242/22.8T8VCT-A.G1, acessível em www.dgsi.pt.