Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA PAULA AMORIM | ||
Descritores: | DECLARAÇÕES DE PARTE CÓDIGO DE PROCESSO CÍVIL PRESUNÇÕES JUDICIAIS CÓDIGO CÍVIL | ||
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Nº do Documento: | RP201809241636/14.8TBVLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/24/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º680, FLS.585-599) | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | ART.º 466º, N.º3 C.P.C. E O ART.º 349º C.C. | ||
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Sumário: | I - O valor probatório das declarações de parte, avaliado livremente pelo tribunal, estará sempre dependente do confronto com os demais elementos de prova (art. 466º/3 CPC). II - Quando o declarante não confessou os factos e limitou-se a transmitir a versão que consta dos articulados, a qual não foi confirmada pela restante prova produzida, não constitui meio de prova que fundamente a alteração da decisão de facto. III - O uso de presunções judiciais - art. 349º CC -, partindo dos factos apurados justifica-se dada a dificuldade de prova dos factos que têm a ver com a intenção ou o conhecimento das pessoas envolvidas, pelo que se afigura correta a utilização das regras de experiência e juízos correntes de probabilidade para a prova de um facto que, de outra forma, seria praticamente impossível. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ImpgPaul-1636/14.8TBVLG.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível do Porto - Juiz 5 * Juiz Desembargador Relator: Ana Paula AmorimJuízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes Miguel Baldaia de Morais * Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] ( 5ª secção judicial – 3ª Secção Cível )I. Relatório Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum em que figuram como:- AUTOR: Estado Português; e - RÉUS: B…, C…, D…, e E…, todos indicados como residentes na Rua…, n.º .., Valongo, pede o autor que se declare: - nula e sem nenhum efeito doação celebrada pelos 1ºs e 2ºs. Réus aos 3ºs. e 4ºs. Réus; subsidiariamente, - tal doação ser declarada ineficaz, sendo ainda os 3ºs. e 4ºs. Réus condenados a não se oporem a que o Autor execute o imóvel objeto de tal doação. Alega para o efeito e em síntese que a alegada transferência de propriedade de imóvel pertencente aos 1ºs. e 2ºs. Réus (pais) para os 3ºs. e 4ºs. Réus (filhos) ocorre por estar iminente a necessidade de tal bem responder por dívidas do 1.º Autor. * Os Réus contestaram a ação negando a pretensão do Autor, afirmando existirem outros bens passíveis de pagarem a dívida ao Estado além de inexistir intenção de diminuir a garantia patrimonial do 1.º Réu e que a doação foi celebrada no âmbito de um acordo de partilha tendo em vista o divórcio entre os primeiros e segundos réus.* Elaborou-se o despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e determinaram-se os temas de prova.* Realizou-se audiência de julgamento, com gravação da prova, mantendo-se válida e regular a instância.* Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, declara-se a ineficácia do ato de doação referido em 8) dos factos provados em relação ao Autor, podendo assim este executar o imóvel objeto da mesma em sede de cobrança coerciva do seu crédito. Absolvem-se os Réus do pedido de nulidade dessa mesma doação. Custas a cargo de Autor e Réus, na proporção de ½ para cada”. * Os réus vieram interpor recurso da sentença.* Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões:I. A douta sentença deve ser revogada por violar lei adjetiva e substantiva; II.O tribunal deu como provados os factos que antecedem fundando-se na análise critica e conjugada dos depoimentos das testemunhas. III. Ora, os réus entendem que o tribunal a quo fez uma incorreta interpretação da prova produzida, porquanto deu como provado que os 1ºs e 2ºs réus quiserem doar o imóvel aos 3ºs e 4ºs réus e que com a aludida doação pretenderam frustrar os créditos da Autoridade Aduaneira. IV. Por conseguinte, este recurso visará a reapreciação e alteração da decisão acerca da matéria de facto dada como provada. V. Os recorrentes não ignoram que no tocante à apreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação plasmado no art. 655º do CPC. VI. Por isso, estão conscientes das dificuldades inerentes à tarefa que se propõem concretizar. VII. No entanto, perfilhamos o douto entendimento emanado no Ac. Tribunal da Relação do Porto in www.dgsi.pt, Proc. 51/08.7 GAMCD, segundo o qual “ Na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, por referência ao homem médio suposto pela ordem jurídica (homo normativus). VIII. Aliás, “No recurso sobre matéria de facto, ao tribunal de 2ª instância cumpre analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciada, com base na prova gravada, demais elementos de prova constantes dos autos e tendo em conta as limitações derivadas da não imediação, se as respostas dadas se apresentam corretas e se têm suporte razoável na prova e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns, in www.dgsi.pt, Proc. 651/07.5TTPRT.P1”. IX. Prova da matéria de facto essa que consta dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo autor e ré. D…, com depoimento gravado em CD, com a duração de 00.15.14, com inicio da gravação entre 11.03.33 e fim de gravação às 11.18.48; F…, com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h13m e 53 s, com inicio da gravação entre 10h 43m e 05s e fim da gravação às 10h 56m 00s; G…, com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 12m e 44s, com inicio da gravação entre 10 h 29m e 19 s e fim da gravação às 10 h 42 m e 04s; X. Passando à análise crítica da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, o Tribunal não deveria ter dado como provados os seguintes pontos: -7) Antecipando uma possível penhora no âmbito das citadas execuções fiscais, os 1ºs. e 2ºs. Réus, à data ainda casados entre si sob o regime de comunhão de bens adquiridos, resolveram transferir da sua esfera patrimonial para a dos 3ºs. e 4ºs. Réus um bem. - 12) Com a doação acima referida, os 1ºs. e 2ºs. Réus pretenderam impedir o Autor de obter a satisfação coerciva e pelo menos parcial dos créditos referidos em 10). XI. Bem como deveria ter dado como provado que os 1ºs e 2ºs réus quiseram doar aos 3ºs e 4ºs Réus o direito acima referido na sequência do seu divórcio. XII. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, desde já adiantaremos que estamos convencidos que o Tribunal os deveria ter dado como não provados e provados nos termos lá elencados, originando por esta via a improcedência total da ação. Transcrição de excertos das declarações prestadas por: D… […], F… […] e G… […]. XIII. Ora, do depoimento de parte do réu B… decorre que o mesmo nunca teve intenção de frustrar os créditos do aqui autor. Aliás, de todo o depoimento do aqui recorrente decorre que o mesmo apenas teve de proceder à doação do imóvel dos presentes autos na sequência da dissolução do seu matrimónio com a aqui recorrente C…. XIV. Ademais, atento plano de recuperação da sua empresa o réu sempre acreditou que a mesma iria conseguir cumprir o plano de recuperação, sendo as dividas pagas pela mesma. XV.O recorrente sempre acreditou que quer o património da empresa seria suficiente para assegurar o pagamento a todos os credores daquela. XVI. Mais, o aqui 1º recorrente, aquando da aludida doação nunca equacionou que estaria a frustrar o crédito do autor pois ainda tinha no seu património uma fração autónoma, um terreno rústico, a sua quota na H…, o que sempre reputou como suficiente para pagar a eventuais credores, após a alienação de todo o património da empresa entretanto insolvente. XVII. Ora, do depoimento da testemunha F… ficou provado que o 1º réu nunca teve intenção de dissipar património, que a doação apenas ocorreu na sequência do seu divórcio e que por imposição da 2ª ré é que doaram o imóvel aos 3º e 4ºs réus, os quais ficaram a residir na habitação com a 2ª ré. XVIII. Mais ficou provado que o primeiro réu sempre acreditou na reabilitação da empresa que era sócio e que esta pagaria as dívidas ao estado. XIX. O primeiro réu acreditava à data da doação ter património suficiente, uma vez que para além do imóvel doado, tinha um apartamento e um terreno rústico, que reputava como suficiente para pagar ao estado na sequência das reversões, contra si operadas. XX. Pelo que, perante a conjugação dos depoimentos acima, resulta mais do que evidente que os réus com a doação discutida nos presentes autos nunca tiveram o intuito de frustrar ou sequer lesar os seus credores, mormente, a autoridade tributária. XXI. A doação, infelizmente, ocorre atento o fim do casamento do 1º e 2º réu o qual não aguentou o desgaste da relação atenta a insolvência da empresa do casal. XXII. E nessa sequência a 2ª Ré exigiu ao 1º Réu a partilha dos bens em comum, nomeadamente, a habitação doada e que seria para os seus filhos, passando a habitar também nela a 2ª ré. XXIII. Mais, o bem doado, encontrava-se onerado com várias hipotecas a favor de instituições bancárias. XXIV. Assim, nunca o tribunal deveria dar como provado que os 1ºs e 2ºs réus com a doação pretendiam impedir o autor de obter a satisfação coerciva dos seus créditos. XXV. Até porque, mesmo que o imóvel fosse penhorado pela Autoridade Tributária e fosse vendido para ressarcir os credores sempre pelo menos a I… enquanto credor hipotecário teria a prevalência no pagamento, o que atento o montante do seu crédito e o valor do imóvel nunca o valor da venda seria suficiente para pagar à Autoridade Tributária. XXVI. Pelo que, o tribunal deveria de ter dado como provado que com a doação os réus nunca pretenderam frustrar créditos da AT. XXVII. Razão pela qual nunca deveria de ter sido declarada a ineficácia do ato de doação. XXVIII. Deste modo, ocorreu errada interpretação e aplicação do direito em causa. XXIX. Pelos motivos supra expostos, corolário lógico deverá ser a revogação da sentença proferida pelo tribunal a quo de que ora se recorre, o que se requer. XXX. A presente sentença de que ora se recorre viola, entre outros, o disposto no art. 640º e 608º do CPC. * O autor Digno Ministério Público veio apresentar resposta ao recurso formulando as seguintes conclusões:1ª - A conclusão III do recurso incorre num lapso de leitura, pois o que o Tribunal deu como não provado foi que os 1º e 2º réus não tenham querido doar aos 3º e 4º réus o direito em questão (cf. al. 3) dos factos não provados). 2ª - E também o teor da conclusão XI – assim como da conclusão XIII - enferma de um equívoco, não só pelo motivo já referido no ponto anterior destas nossas conclusões, mas também porque, na cronologia dos acontecimentos, não existiu uma doação “na sequência” do divórcio dos réus adultos, pois o divórcio (em 8/3/2013) foi posterior à doação (em 23/1/2013). 3ª - O que realmente sucede é ser a doação ineficaz relativamente ao Estado Português (Autoridade Tributária), nos termos dos art.ºs 610º a 612º do Código Civil. 4ª - E, embora a impugnação devesse proceder mesmo que tivesse existido boa-fé dos sujeitos da doação (art.º 612º, nº 1 do Código Civil), 5ª - agir de má-fé para o efeito do nº2 do referido artigo é ter “consciência do prejuízo que o ato causa ao credor” e no caso dos autos essa má-fé é patente (aqui se retomando, dando por reproduzido, a síntese contida no ponto 9 da nossa alegação). 6ª - O propósito consubstancial à doação, nos termos em que se encontra dado como provado na sentença (designadamente nos itens 7) e 12) da fundamentação de facto, visados na conclusão X do recurso), resulta evidente dos fatos que integraram a conduta dos primeiro e segundo réus no quadro da situação patrimonial e financeira em que sabiam encontrar-se. 7ª - Os créditos tributários da sociedade que motivaram a reversão da execução contra o sócio-gerente e primeiro réu constituíram-se anteriormente à doação e tal doação, com reserva de usufruto para ambos os doadores, ocorreu no mês subsequente àquele em que o primeiro réu foi citado como executado por reversão. 7ª - Os réus não provaram que a sociedade insolvente ou o réu B… possuíam património suficiente para satisfazerem as suas obrigações perante a Autoridade Tributária (art.º 611º do Código Civil), sendo aliás duradoura a situação dos doadores no que concerne ao incumprimento das suas obrigações patrimoniais (que redundou na insolvência da segunda ré, vindo a ser o primeiro réu, além de executado tributário, requerente de um segundo processo especial de revitalização em relação a si mesmo, cujo requerimento foi indeferido - conforme consta do respetivo depoimento (a partir do minuto 12. 50 dos cerca de 15 minutos de duração das referidas declarações em 20171016110332_7034650_2871442.wma); ao passo que o mesmo réu havia posto termo a um primeiro processo de recuperação, conforme se encontra exposto nos art.º 34º e 35 da réplica (fls. 413) e documentado a fls. 474-502. 8ª - Os meios probatórios invocados pelos recorrentes não impõem ma decisão diversa da recorrida. 9ª - Termos em que se entende que o recurso não merece provimento. * O recurso foi admitido como recurso de apelação.* Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.* O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º CPC.II. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso As questões a decidir: - reapreciação da decisão de facto; - mérito da causa. * Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:2. Os factos 1). Os Réus B… e E… são filhos dos Réus D…, C…, tendo nascido em 21/07/2001 e 03/05/2006, respetivamente, tendo os pais casado entre si no regime de comunhão de adquiridos em 02/10/1999 e divorciando-se em 08/03/2013, decisão transitada em 08/03/2013 – fls. 12 a 15, 106, 107 -. 2). O Réu J… é sócio-gerente da empresa «H…, Lda.», com sede na Rua …, n.º.., …, Paredes – fls. 16 a 21 -. 3). Contra tal empresa, à data da interposição da presente ação, corriam os seguintes processos de execução fiscal nos serviços de finanças de Paredes e Valongo: - processo n.º 1848200901070266, referente a IRC 2008, com data limite de pagamento em 26/08/2009, no valor de 0 EUR; - processo n.º 1848201201083627, referente a IVA 2012/06, com data limite de pagamento em 28/08/2012, no valor de 916,58 EUR; - processo n° 1848201201085573, referente a IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/07/2012, no valor de 4.745,55 EUR; - processo n.º 1848201201091840, referente a coimas de 2012, com data limite de pagamento em 24/09/2012, no valor de 1.675,25 EUR; - processo n.º 1848201201094343, referente a IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/09/2012, no valor de 5.025,43 EUR; - processo n.º 1848201201106635, referente a IRC 2011, com data limite de pagamento em 28/09/2012, no valor de 33.008,80 EUR; - processo n.º 1848201201114255, referente a coimas 2012, com data limite de pagamento em 22/10/2012, no valor de 1.513,20 EUR; - processo n.º 1848201201114352, referente a IVA 2012/08, com data limite de pagamento em 07/11/2012, no valor de 2.985,65 EUR; - processo n.º 1848201201114743, referente a IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/10/2012, no valor de 4.880 EUR; - processo n.º 1848201201117840, referente a IVA 2012-06, com data limite de pagamento em 24/10/2012, no valor de 44,12 EUR; - processo n.º 1848201201117890, referente a IRS, com data limite de pagamento em 30/10/2012, no valor de 52,96 EUR; - processo n.º 1848201201119982, referente a IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/11/2012, no valor de 55,03 EUR; - processo n.º 1848201201124374, referente a coimas 2012, com data limite de pagamento em 13/12/2012, no valor de 1.689,68 EUR; - processo n.º 1848201301005006, referente a IRS retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/12/2012, no valor de o EUR; - processo n.º 1848201301010182, referente a IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/01/2013, no valor de 3 946,22 EUR; - processo n.º 1848201301011600, referente a coimas 2013, com data limite de pagamento em 24/01/2013, no valor de 2.692,41 EUR; - processo n.º 1848201301013807. referente a coimas 2013. com dala limite de pagamento em 18/02/2013, no valor de 1.566,12 EUR; - processo n.º 1848201301031031, referente a IVA 2013/01, com data limite de pagamento em 03/04/2013, no valor de 1.773,87 EUR; - processo n.º 1899200701004794, referente a coimas 2007, com data limite de pagamento em 20/02/2007, no valor de 2.492,34 EUR, no total de 69.063,21 EUR, acrescida de juros de mora e custas, no valor global de 73.161,51 EUR – fls. 63 a 73. 4). Por sentença de 08/10/2012, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º 3180/12.6TBPRD, que correu os seus termos no então 1° juízo do Tribunal Judicial de Paredes, foi a empresa «H…, Lda.» declarada insolvente - fls. 82 a 92-. 5). Nos processos de execução fiscal nºs. 1848200901070266, 1848201201083627, 1848201201080393, 1848201201085573, 1848201201091840 e 1848201201094343 foi efetuada a reversão contra o sócio gerente, aqui Réu B…, tendo o mesmo sido citado como revertido em 12/12/2012 e não tendo deduzido qualquer oposição – fls. 27-. 6). O despacho de reversão nas referidas execuções fiscais foi proferido com fundamento na inexistência de bens da executada/devedora originária suscetíveis de serem penhorados – fls. 585 a 620 -. 7). Antecipando uma possível penhora no âmbito das citadas execuções fiscais, os 1ºs. e 2ºs. Réus, à data ainda casados entre si sob o regime de comunhão de bens adquiridos, resolveram transferir da sua esfera patrimonial para a dos 3ºs. e 4ºs. Réus um bem. 8). Assim, por escritura pública de 23/01/2013, lavrada no Porto, os 1ºs. e 2ºs. Réus declararam doar aos seus filhos 3ºs. e 4ºs. Réus o prédio urbano composto por casa de cave, r/c e andar, sito na Rua …, nºs. .. e .., Valongo, com todas as suas pertenças, adquirido pelos doadores em 12/02/2010, tendo sido atribuída à dita liberalidade o valor de 212.870 EUR (fls. 94 a 06 e 101 e 102,519). 9). Tal imóvel encontra-se descrito na C. R. P. de Valongo, matriz urbana sob o artigo 7445.º, sobre o qual incidem três hipotecas voluntárias inscritas sob: - ap. 269 de 2010/04/22 e ap 591 de 2011/01/31 a favor de I…, S. A., nos valores máximos de 285 000 EUR e 91.479,70 EUR, respetivamente – fls. 548 D e E -; - ap. 2889 de 2012/05/15 a favor de F…, com o valor máximo de 120 000 EUR; - penhora de 24/01/2013 em que é exequente «K…, Lda.» - fls. 548-F; - arresto de usufruto de 29/07/2013 pela quantia de 103.406,12 EUR em que é exequente a Autoridade Tributária – fls. 548 G-; - penhora de 23/02/2015 pelo valor de 507,62 EUR em que é exequente a Autoridade Tributária – fls. 548 H-; - ap 2281 de 2015/12/22 - a declaração de insolvência da Ré C…, no processo de insolvência 2446/15.0T8STS (J2) da Secção de Comércio da Instância Central de Santo Tirso (sentença de 15/7/2015), com incidência sobre o usufruto – fls. 548H e I -. Em tal ato os 1ºs. e 2ºs. Réus declararam reservar para si o usufruto do imóvel bem como de todos os seus ónus, encargos e pertenças. 10). Em 23/01/2013, a empresa «H…, Lda.» e o Réu J… eram devedores ao Estado de: - IVA 2012-06, com data limite de pagamento em 28/08/2012 - 916,58 EUR; - IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/07/2012, no valor de 4.745,55 EUR; - coimas 2012, com data limite de pagamento em 24/09/2012, no valor de 1.675,25 EUR; - IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/09/2012, no valor de 5.025,43 EUR; - IRC 2011, com data limite de pagamento em 28/09/2012, no valor de 33.008,80 EUR; - coimas 2012, com data limite de pagamento em 22/10/2012, no valor de 1.513,20 EUR; - IVA 2012-08, com data limite de pagamento em 07/11/2012, no valor de 2.985,65 EUR; - IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/10/2012, no valor de 4.880 EUR; - IVA 2012-06, com data limite de pagamento em 24/10/2012, no valor de 44,12 EUR; - IRS, com data limite de pagamento em 30/10/2012, no valor de 52,96 EUR; - IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/11/2012, no valor de 55,03 EUR; - coimas 2012, com data limite de pagamento em 13/12/2012, no valor de 1.689,68 EUR; - IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/01/2013, no valor de 3.946,22 EUR; - coimas 2013, com data limite de pagamento em 24/01/2013, no valor de 2.692,4 EUR; - coimas 2013, com data limite de pagamento em 18/02/2013, no valor de 1.566,12 EUR; - IVA 2013/01, com data limite de pagamento em 03/04/2013, no valor de 1.773,87 EUR; - coimas 2007, com data limite de pagamento em 20/02/2007, no valor de 2.492,34 EUR – fls. 77 -. 11). Em 18/01/2016, o Réu J…, por efeito de reversão de dívidas da empresa «H…, Lda.», devia ao Estado as seguintes quantias: - processo n.º 1848200901070266, referente a IRC 2008, com data limite de pagamento em 26/08/2009, no valor de 179,86 EUR; - processo n.º 1848201201083627, referente a IVA 2012/06, com data limite de pagamento em 28/08/2012, no valor de 1.1019,56 EUR; - processo n° 1848201201085573, referente a IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/07/2012, no valor de 4.745,55 EUR; - processo n.º 1848201201091840, referente a coimas de 2012, com data limite de pagamento em 24/09/2012, no valor de 1.734,54EUR; - processo n.º 1848201201094343, referente a IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/09/2012, no valor de 6.176,47 EUR; - processo n.º 1848201201106635, referente a IRC 2011, com data limite de pagamento em 28/09/2012, no valor de 38.273,06 EUR; - processo n.º 1848201201114743, referente a IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/10/2012, no valor de 5.862,04 EUR; - processo n.º 1848201201117840, referente a IVA 2012-06, com data limite de pagamento em 24/10/2012, no valor de 101,46 EUR; - processo n.º 1848201201119982, referente a IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/11/2012, no valor de 188,22 EUR; - processo n.º 1848201301010182, referente a IRS-retenção fonte, com data limite de pagamento em 20/01/2013, no valor de 4.674,10 EUR; - processo n.º 1848201301031031, referente a IVA 2013/01, com data limite de pagamento em 03/04/2013, no valor de 2.104,93 EUR, no valor total de 65.701,11 EUR. 12). Com a doação acima referida, os 1ºs. e 2ºs. Réus pretenderam impedir o Autor de obter a satisfação coerciva e pelo menos parcial dos créditos referidos em 10). 13). Os 1ºs. e 2ºs. Réus são donos de dois imóveis, inscritos na matriz urbana sob os artigos 3210.º e 3 560.º, com o valor patrimonial tributário global de 58 366EUR. 14). O referido prédio urbano inscrito sob o artigo 3210.º, encontra-se descrito na C. R. Civil, Predial, Comercial e de Automóveis de Valongo sob o n.º 961/19880316-D, tendo os seguintes ónus: - duas hipotecas voluntárias inscritas no registo predial em 2001 (aps. 71 e 72 de 2001/03/20) a favor L…. nos valores máximos de 95.272,32 EUR e 23.159,69 EUR, respetivamente – fls. 461 e 462 -; - penhora de ½ do imóvel de 04/05/2009 – 6.000 EUR d 3equantia exequenda em que é exequente a Fazenda Nacional – fls. 462; - penhora de 24/01/2013 – 10.039,80 EUR de quantia exequenda em que é exequente «K…» - fls. 463; - penhora de ½ de 23/07/2013 – 189.578,38 EUR de quantia exequenda em que é exequente «M…, S. A.»; - arresto de ½ de 29/07/2013 – 103.406,132 EUR de valor da quantia, em que é exequente a Autoridade Tributária – fls. 464 -; - penhora de 09/03/2014 – 71.973,73 EUR de quantia exequenda em que é exequente o Banco N…, S. A. – fls. 465 -; - penhora de ½ 22/04/2014 – 34 350,09 EUR de quantia exequenda em que é exequente a Fazenda Nacional – 465 e 466; - insolvência da aqui Ré O… – proferida em 15/07/2015, transitada em 05/08/2015 – fls. 466 -. 15). O referido prédio rústico inscrito sob o artigo 3.560.º encontra-se descrito na C. R. Predial de Paredes sob o n.º 2129/20031230 com registo de: - hipoteca a favor de I…, S. A. – 20/11/2009 – montante máximo de 52.622,50 EUR – fls. 469 -; - hipoteca a favor de I…, S. A. – 23/020/2012 – montante máximo de 264 616 – fls. 469 e 470-; - penhora de 23/07/2013 - 189 578,38 EUR de quantia exequenda em que é exequente «M…, S. A.» - fls. 470; - arresto de ½ de 29/07/2013 – 103 406,132 EUR de valor da quantia, em que é exequente a Autoridade Tributária – fls. 471 -; - penhora de 22/04/2014 – 34 350,09 EUR de quantia exequenda em que é exequente a Fazenda Nacional – fls. 472; - insolvência da aqui Ré C… – proferida em 15/07/2015, transitada em 05/08/2015 – fls. 472 e 473 -. 16). A empresa «H…, Lda.» foi declarada insolvente por decisão de 18/08/2014 no processo n.º 1884/14.0TBPRD do então 3.º juízo cível de Paredes (fls. 430 a 434). 17). Nesse processo de insolvência foram reconhecidos créditos no valor total de 2 024 068,49 EUR, sendo o valor dos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira de 178.147,10 EUR dos quais 37.417 EUR de natureza privilegiada e 140.730,10 EUR de natureza comum – fls. 436 a 441. 18). Em 07/01/2016, no referido processo n.º 1.884/14.0TBPRD, agora no apenso A e a correr na comarca de Porto Este, Amarante, instância Central secção Comércio, J2, foi proferida sentença de verificação e graduação dos créditos reconhecidos – fls. 444 a 447. 19). No apenso B) do mesmo processo de insolvência foram apreendidos bens móveis (máquinas) da empresa «H…, Lda.» a que foi atribuído, na totalidade, o valor de 4.270 EUR, um imóvel (prédio rústico sito em Pia, matriz n.º 3.072, com o valor patrimonial de 26,64 EUR e um veículo automóvel a que não se atribuiu valor – fls. 449 a 454 -. * 1). O valor de mercado dos imóveis referidos em 13), dos factos provados.- Factos não provados - Não se prova: 2). O valor de quota que o Réu D… detém na empresa «H…, Lda.». 3). Os 1ºs. e 2ºs. Réus não tenham querido doar aos 3ºs. e 4ºs. Réus o direito acima referido. * Não é necessário o elenco de outros factos para poder decidir com segurança.* Nas conclusões de recurso, sob os pontos I a XXVI, requerem os apelantes a reapreciação da decisão de facto, quanto aos pontos 7 e 12 dos factos provados e ponto 3 dos factos não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.3. O direito O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos: “ 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3. […]” O presente regime veio concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[2]. Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - , motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto – fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação. No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e os apelantes impugnaram a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, prova testemunhal (com transcrição nas conclusões de recurso das passagens relevantes) a reapreciar e decisão que sugerem. Nos termos do art. 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto. * Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:“ […]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[3]. Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[4]. Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC. Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “ […] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[5]. Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC). Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão. É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[6]. Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[7]. Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[8]. Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[9]. Justifica-se, assim, proceder a uma análise crítica das provas com audição dos registos gravados. Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova – testemunhal, documental -, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto. Procedeu-se à audição do CD que contém a prova gravada e analisados os depoimentos prestados, bem como, os documentos juntos aos autos conclui-se que a decisão sobre a matéria de facto, quanto aos concretos pontos objeto de impugnação não merece censura. * A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os seguintes factos:- Factos provados - 7). Antecipando uma possível penhora no âmbito das citadas execuções fiscais, os 1ºs. e 2ºs. Réus, à data ainda casados entre si sob o regime de comunhão de bens adquiridos, resolveram transferir da sua esfera patrimonial para a dos 3ºs. e 4ºs. Réus um bem.12). Com a doação acima referida, os 1ºs. e 2ºs. Réus pretenderam impedir o Autor de obter a satisfação coerciva e pelo menos parcial dos créditos referidos em 10). - Factos não provados - 3). Os 1ºs. e 2ºs. Réus não tenham querido doar aos 3ºs. e 4ºs. Réus o direito acima referido.Na fundamentação da decisão considerou-se como se passa a transcrever: “ Motivação. Factos provados. Como se verifica dos mesmos, todos (com exceção do facto 12) são dados como provados tendo por base os documentos aí mencionados, emitidos de entidades oficiais, sem qualquer tipo de impugnação quanto à sua veracidade e que, no que respeita aos documentos emitidos pelos serviços de finanças, tiveram confirmação, naturalmente genérica, da sua correção por parte das testemunhas do Autor.O facto 12), encerrando um juízo conclusivo, será também apreciado em sede de direito mas, por ora, refere-se que tem uma empresa com dificuldades económicas, com dívidas fiscais e património pessoal onerado como se vislumbra do elenco factual em causa, ao doar um direito aos filhos estará a procurar salvaguardar esse direito da mão dos credores, fazendo com que os filhos o possam ter ao invés de terceiros. Esta conclusão retira-se da própria natureza do ato já que se doa um bem a um filho, impede-se que terceiro possa obter, em via de execução, qualquer pagamento por força da venda desse bem. A procura das testemunhas dos Réus em demonstrarem que se tinha tratado de uma «antecipação» ou «condição» para a partilha no divórcio, não tem estrutura para suportar a ideia de que o que se quis foi salvaguardar património para os filhos como F… acaba por referir expressando o que o cidadão médio intui: ao praticar este ato, quer-se preservar património da família. * Não houve a prova mínima sobre o valor de mercado dos imóveis em causa, sendo que Réu B… e suas testemunhas limitaram-se a tecer considerações sobre o que entendiam que podia ser o valor de mercado sem qualquer concretização ou demonstração de conhecimento dessa realidade.Factos não provados. Quanto á quota, de uma empresa insolvente, não temos nos autos qualquer dado sobre o seu valor, a ter algum valor. Quanto á falta de intenção em doar, não houve qualquer prova sobre esta factualidade, antes pelo contrário – o que se verifica é que aqueles Réus quiseram doar aos seus filhos mas para evitar a fuga do mesmo para os credores como infra se irá referir”. Os apelantes insurgem-se contra a decisão dos pontos de facto e sugerem a sua alteração no sentido de se julgarem não provados os pontos 7 e 12 dos factos provados e provado que os 1º e 2º réus quiserem doar aos 3º e 4º réus o direito acima referido na sequência do divórcio. Para fundamentar a alteração indicam excertos das declarações de parte do réu, do depoimento da testemunha F… e G…. Apenas a análise conjunta da prova permite aferir da verificação do alegado erro na apreciação da prova, sendo certo que os excertos dos depoimentos indicados pelos apelantes não transmitem o sentido do depoimento prestado. As testemunhas P…, Q… não vieram depor sobre a matéria objeto de impugnação, na medida em que a respetiva inquirição versou sobre o montante da divida, motivo da reversão e natureza dos bens existentes no património do réu B…. A testemunha G…, inspetor de Finanças, referiu que no âmbito das funções que exercia procedeu à recolha de elementos para a instrução do processo de impugnação pauliana. Através de elementos documentais as Finanças apuraram que depois de citado para os termos da reversão, o réu B… e a mulher procederam à doação de um imóvel aos filhos. Tal circunstância associada ao facto de existirem mais bens, mas de valor insuficiente para pagar a divida, determinou que os serviços das Finanças promovessem a ação de impugnação pauliana. Esclareceu, que não efetuou qualquer indagação sobre a causa da doação e desconhecer se o réu continuou a habitar na casa. Referiu, apenas, que o imóvel tinha ónus, mas não conseguiu indicar os mesmos, por não se recordar. A testemunha F…, irmã do réu B… referiu que trabalhou na empresa H…, Lda, a qual foi objeto de um plano de recuperação e acabou por ser declarada insolvente, ficando sempre a cargo do réu o pagamento das dívidas. Quando questionada sobre as circunstâncias em que se processou a reversão disse que o réu tentou sempre pagar, “entrar em planos de recuperação e fez o PER com intenção de pagar”. Referiu, ainda, que o réu se divorciou e por imposição da mulher, para conservar a casa de família fez a doação. O réu não ficou a viver na casa e na casa vive a mulher com os filhos. O réu possui mais uma casa e dois terrenos, que disse não saber avaliar por “ não ser entendida em valores de terreno”. Referiu, ainda, que só quis salvaguardar a casa de família, por causa dos filhos. Disse, ainda, que tem conhecimento que o réu tem dívidas, mas “ continua na luta a tentar recuperar”. A casa objeto da doação tem hipoteca do Banco e da testemunha, que emprestou dinheiro para investir na empresa. Esclareceu, ainda, que o réu procurou sempre pagar às Finanças “andar na luta e tentar pagar”. Referiu, ainda, que a sociedade “trabalhou com plano de recuperação um ano” e quando confrontada com o facto de ter sido a sociedade a apresentar-se à insolvência, volume das dividas, nomeadamente às Finanças, nada referiu de concreto, limitando-se a dizer “valores não sabe dizer, mas a empresa tinha bastantes bens – equipamento, imóveis – e tentou sempre a recuperação”. Referiu, ainda, que o réu possui um prédio rústico na …, desconhecendo se tem ónus. A respeito dos procedimentos adotados pelo réu B… para garantir o cumprimento das suas obrigações, a testemunha disse nada saber de concreto, porque tudo que sabe é por informação do próprio réu. A respeito do processo de revitalização instaurado pelo próprio réu, a testemunha referiu ter conhecimento apenas do processo da sociedade. Por fim, disse, que o processo de divórcio ocorreu na fase da insolvência e a “doação era uma das coisas que a cunhada pedia para aceitar o divórcio e ficar tudo direitinho”. Disse ter conhecimento que antes de se realizar a doação a cunhada cedeu a sua quota na sociedade ao réu. Confrontada com o facto de se ter realizado doação com reserva de usufruto a favor dos doadores - os corréus B… e C… – referiu que o réu B… saiu de casa. A testemunha S…, sobrinha do réu, referiu que trabalhou na sociedade H…, Lda e acompanhou a atividade da sociedade durante o cumprimento do plano de recuperação. Exercia as funções de escriturária. Identificou o réu como o seu patrão, por ser quem mandava, não atribuindo essas qualidades à corré C…. Disse, ainda, que o réu B… nunca perdeu a esperança de pagar as dividas da sociedade, porque a empresa tinha bens. Referiu, ainda, que o réu possuía uma casa, dois terrenos e um apartamento. Disse, também, que entretanto o réu separou-se e a casa ficou para os filhos, “pôs a casa no nome dos filhos”, com o usufruto, porque continuou a lá morar; depois mudou-se e foi para o apartamento. Disse por fim que o réu tentou pagar e fazer acordos; meteu dois “Peres” e o valor do património é suficiente para pagar aos credores. O réu B… prestou declarações de parte, a requerimento do seu mandatário. Declarou que a sociedade H…, Lda foi objeto de um plano de recuperação, que não resultou porque o mercado nacional caiu e as Finanças congelaram as contas bancárias. A empresa possuía o edifício onde laborava, máquinas e um terreno, que garantia o pagamento das dívidas. Mais disse que posteriormente foi declarada em estado de insolvência. Entretanto ocorreu a reversão e depois separou-se da mulher. Fez um acordo com a mulher de doação da casa com reserva de usufruto. Doaram a casa para os miúdos terem uma casa. Quando se divorciou saiu de casa. Referiu que a casa “ tem duas hipotecas à I… no montante de €350.000,00. O terreno em Aguiar e o pavilhão onde laborava a sociedade também estavam hipotecados. Constituiu garantias pessoais para pagar as dívidas. Esclareceu que o plano de recuperação foi aprovado em janeiro ou fevereiro de 2013 e mais tarde foi a sociedade que se apresentou à insolvência. O pavilhão onde laborava a sociedade foi adquirido em regime de locação financeira e confirmou que a locadora procedeu à resolução do contrato. Por fim, referiu que em 2016 apresentou um “PER”, que foi liminarmente indeferido. * Os apelantes para fundamentar a alteração da decisão de facto em relação aos concretos pontos impugnados indicaram excertos das declarações de parte do réu B… e das testemunhas G… e F….As declarações de parte do réu não foram atendidas na fundamentação da decisão, o que bem se compreende por não revestirem qualquer valor probatório. Nos termos do art. 466º/1 CPC as partes podem prestar declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto. As declarações prestadas são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se constituírem confissão, como se prevê no art. 466º/3 CPC. A parte deve ser admitida a prestar declarações apenas sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto e que sejam instrumentais ou complementares dos alegados. Daqui resulta que não merece relevo probatório as declarações que assentem em relato de terceira pessoa e ainda, aquela em que a parte se limita a narrar os factos alegados no respetivo articulado. Como refere FERNANDO PEREIRA RODRIGUES: “[…] também é suposto que a parte ao requerer a prestação das suas declarações não seja apenas para confirmar o que já narrou nos articulados através do seu mandatário. Seria inútil a repetição do que já é do conhecimento do tribunal. Por isso, estarão sobretudo em causa factos instrumentais ou complementares dos alegados de que a parte tenha tido conhecimento direto ou em que interveio pessoalmente e que se mostrem com interesse para a descoberta da verdade”[10]. LEBRE DE FREITAS a propósito do valor probatório das declarações de parte observa:” [a] apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas”[11]. O valor probatório das declarações de parte, avaliado livremente pelo tribunal, estará sempre dependente do confronto com os demais elementos de prova. O declarante D… não confessou os factos e limitou-se a transmitir a versão que consta dos articulados, sendo certo que não foi confirmada pela restante prova produzida, quando além do mais foi o próprio a assumir a existência da doação[“…para os miúdos terem uma casa…”]. O depoimento da testemunha F… não tem o relevo que os apelantes lhe atribuem, porque a testemunha apresentou um depoimento vago e impreciso sobre os factos, ao que acresce que a respeito das concretas circunstâncias em que foi tentada a recuperação da empresa e as diligências no sentido de solver as dividas, a testemunha referiu que apenas tomou conhecimento dos factos através da informação fornecida pelo próprio réu, o que desvaloriza o seu depoimento por se tratar de um depoimento indireto, que tem como única fonte a parte na ação. Declarou várias vezes desconhecer os valores dos bens e das dividas da sociedade ou do próprio réu e mesmo em relação a uma alegada divida da sociedade para com a testemunha (garantida com hipoteca sobre o imóvel dos autos) não indicou o montante dos empréstimos. A respeito das circunstâncias em que se processou a doação limitou-se a referir o que foi anotado na fundamentação da decisão: ”a doação foi celebrada por imposição da mulher para conservar a casa de família; não ficou a viver na casa; na casa ficou a viver a mulher com os filhos; só quis salvaguardar a casa de família por causa dos filhos”. No entender da testemunha a doação resultou de uma imposição da mulher para desta forma conceder o divórcio. Contudo, quando confrontada com o facto da doação estar onerada com reserva de usufruto a favor dos doadores - marido e mulher -, numa situação em que o divórcio ocorre depois de celebrada a doação, a testemunha não conseguiu apresentar uma explicação lógica e plausível, face à contradição dos próprios factos. A prova produzida mostra-se aliás contraditória a respeito de factos instrumentais que as testemunhas trouxeram para os autos, pois a testemunha F… afirmou que o réu não ficou a residir na casa, enquanto a testemunha S… já referiu que o réu ficou a viver na casa e só mais tarde foi viver para o apartamento. O depoimento da testemunha G… esclarece as circunstâncias em que os serviços de Finanças se aperceberam da existência de uma situação suscetível de ser enquadrada na figura da impugnação pauliana. Acresce que contrariamente ao afirmado nas conclusões de recurso nenhuma testemunha, nem o declarante, admite que a doação foi celebrada no âmbito de um acordo de partilhas dos bens do casal, quando o divórcio apenas ocorre em março de 2013. A doação ocorre em Janeiro de 2013. A testemunha F… fez uma alusão a exigências da cunhada para obter o divórcio, mas tal depoimento acaba por não ter qualquer sustentação, porque a testemunha não conseguiu dar uma explicação para o facto da doação ser realizada com reserva de usufruto a favor dos doadores. Decorre dos documentos juntos aos autos que a doação ocorre em janeiro de 2013 depois de ter sido instaurado processo de insolvência, após citação do réu para a reversão e antes de ser aprovada a medida de recuperação, sendo certo que o divórcio apenas foi decretado em março de 2013, depois da celebração da doação. Por outro lado, decorre dos depoimentos das testemunhas a incapacidade dos corréus para garantirem o cumprimento das obrigações assumidas, pois não só a sociedade foi declarada em estado de insolvência, por apresentação do devedor, como os próprios corréus vieram a requerer planos de revitalização invocando a incapacidade de satisfação das obrigações assumidas, com a declaração da corré C… em estado de insolvência. O contexto em que se realiza a doação – incumprimento generalizado das obrigações fiscais, com reversão para o sócio-gerente da sociedade, situação de insolvência da sociedade e oneração dos bens da sociedade e dos bens próprios do sócio-gerente -, a natureza do concreto bem doado - casa de morada de família-, os beneficiários da doação – os filhos dos donatários - apenas permitem concluir que o ato praticado se destinava a evitar a penhora do bem para pagamento da divida e agravou a possibilidade da apelada obter a liquidação do seu crédito. Resta referir que o uso de presunções judiciais - art. 349º CC -, partindo dos factos apurados, no concreto caso, se mostra justificado dada a dificuldade de prova dos factos que têm a ver com a intenção ou o conhecimento das pessoas envolvidas, pelo que se afigura correta a utilização das regras de experiência e juízos correntes de probabilidade para a prova de um facto que, de outra forma, seria praticamente impossível. Como se observou no Ac. STJ 30.06.2011, Proc. 6450/05.9 TBSXL.L1.S.1 (www.dgsi.pt): “ a utilização pelas Relações de presunções naturais ou judiciais é lícita, mas tem como limite a exigência de uma congruência com a matéria de facto fixada através da livre valoração da prova produzida, com imediação e oralidade, em audiência, não podendo conduzir, nem a uma alteração direta das respostas dadas aos pontos de facto que integravam a base instrutória, nem a um desenvolvimento, no próprio Acórdão, da base factual do litígio, suscetível de criar contradições com o julgamento da matéria de facto que formalmente tenha permanecido como inalterado ou imodificado”. Com efeito, como se refere no Ac. STJ de 02.12.2010, P (Proc. 1/04.0TBCPV.P1.S1 (www.dgsi.pt): “as instâncias podem tirar, através das chamadas presunções judiciais, ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, completando-a e esclarecendo-a. Os factos comprovados podem ser trabalhados com base em regras racionais e de conhecimentos decorrentes da experiência comum de modo a revelarem outras vivências desconhecidas. Mas essas deduções hão de ser o desenvolvimento lógico e racional dos factos assentes. Já não é possível extraí-las de factos não provados, nem de factos não alegados, ou seja, de uma realidade processualmente não adquirida. Quando tal aconteça a dedução factual extraída viola frontalmente o disposto no art. 349º C.Civil “. Conclui-se, assim, que a prova indicada pelos apelantes em confronto com os demais elementos de prova testemunhal e documental, não justificam a alteração da decisão de facto, que como tal se mantém. Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos I a XXVI. * Os apelantes requerem a revogação da sentença, no pressuposto da alteração da decisão de facto. Contudo, mantendo-se inalterada a decisão de facto, sem que se mostrem impugnados os fundamentos de direito, nada mais cumpre apreciar.- Mérito da causa - Improcedem, também nesta parte as conclusões XXVIII a XXX. * Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante.* Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e nessa conformidade: III. Decisão: - improcedente a reapreciação da decisão de facto; - confirmar a sentença. * Custas a cargo dos apelantes.* Porto, 24 de Setembro de 2018(processei e revi – art. 131º/5 CPC) Ana Paula AmorimManuel Domingos Fernandes Miguel Baldaia de Morais ______ [1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico [2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126. [3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225. [4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272. [5] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, pag. 569. [6] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt. [7] Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1 – www.dgsi.pt. [8] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt [9] ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, Setembro 2008, 2ª ed. revista e atualizada pag. 299 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt). [10] FERNANDO PEREIRA RODRIGUES Os meios de prova em Processo Civil, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pag. 72 [11] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 278. |