Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RODRIGUES PIRES | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO RECONHECIMENTO DA DÍVIDA | ||
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Nº do Documento: | RP201110254833/09.4TBMAI-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/25/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O termo “empréstimo” usado nos documentos e que foram elaborados para permitir titular a entrega de dinheiro pela mãe a cada um dos irmãos, de modo a que mais tarde, quando se fizessem partilhas por morte da mãe, fosse possível, através do instituto da colação (cfr. art. 2 104° do Cód. Civil), proceder à igualação entre todos os herdeiros, não comprova a existência de qualquer empréstimo. II - Por isso tais documentos não podem constituir título executivo na medida em que não incorporam o reconhecimento de qualquer dívida. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 4833/09.4 TBMAI-A.P1 Tribunal Judicial da Maia – Juízo de Execução Apelação Recorrente: B… Recorridos: C… e D… Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO Na execução comum para pagamento de quantia certa em que é exequente B… e executados C… e D… vieram estes deduzir a presente oposição à execução alegando, em síntese, que o documento dado à execução não é uma confissão de dívida porque a exequente nada emprestou, sendo que o mesmo se reportava a entregas de dinheiro que a exequente fez ao executado por conta da herança do seu falecido pai e visava, tão só, a igualação dos vários irmãos na partilha a fazer por morte da exequente. Mais alegaram que mesmo que se entenda que se tratou de um mútuo, sempre este seria nulo por falta de observância da forma legal. Válida e regularmente notificada veio a exequente pugnar pelo indeferimento da oposição à execução, mantendo o alegado no requerimento executivo e impugnando, motivadamente, a posição dos executados. Foi dispensada a realização de audiência preliminar e a Mmª Juíza “a quo”, tendo proferido despacho saneador, absteve-se de proceder à selecção da matéria de facto nos termos dos arts. 787º e 508º - B do Cód. do Proc. Civil. Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo. A matéria de facto foi decidida através do despacho de fls. 143/149, que não teve qualquer reclamação. Proferiu-se depois sentença que julgou procedente a oposição em virtude da anulação da declaração constante do título executivo (no sentido de que a mesma consubstancia um reconhecimento de dívida dos executados para com a exequente) e, em consequência, declarou extinta a execução. Inconformada com esta sentença, dela interpôs recurso a exequente, que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: I – Se todas as testemunhas estão de relações cortadas com a recorrente, não podem ter um depoimento isento como se exige de todas as testemunhas. II – Mais ainda, quando todos eles têm interesse directo no desfecho da acção, pois também são executados noutros processos intentados pela recorrente com o mesmo fim de obter a devolução dos empréstimos. III – Por isso, não lhes pode ser dada a credibilidade que foi admitida pelo M.º Juiz “a quo”. IV – Não pode ser dado como provado um quesito que tem matéria de direito e é conclusivo, como resulta do item 8, cuja resposta tem de ser eliminada. V – Se não foi dada como provada a existência de uma reunião onde supostamente teria havido acordo da distribuição de dinheiro da herança não se pode dar como provados factos que aí se teriam passado, pelo que o quesito 16 não pode ter resposta de provado. VI – Uma partilha ainda que parcial ou verbal só pode ser feita por todos os interessados em que haja uma comunhão de ideias. VII – Se a titular da herança ainda é viva, só pode haver partilha com o acordo dela. VIII – Se ela não o deu não pode ser dado como provado os itens 9 e 10 da sentença (arts. 18º e 20º da oposição). IX – Tendo os documentos sido assinados de livre e espontânea vontade, o teor do seu texto faz prova contra o seu subscritor. X – As expressões “empréstimo” e “devemos à nossa mãe e sogra...” são do léxico comum e não se prestam a confusões para o declaratário normal. XI – Se fosse feita uma partilha, não há dúvida que os termos a usar seriam muito diferentes. XII – Por isso todos agora dizem que estão arrependidos de ter assinado o documento naqueles termos em que o fizeram. XIII – Não há dúvidas que os documentos titulam um verdadeiro empréstimo, quando 3 das testemunhas (e também executados noutros processos) admitem em discurso instantâneo que foi um “empréstimo”. XIV – E estas declarações não pensadas e genuínas é que têm o valor de verdadeiro depoimento e expressam a verdade dos factos e o conhecimento da testemunha. XV – Pelo que deve ser alterada a resposta aos itens 16º, 18º, 20º e 21º para não provados. XVI – E concluir-se que os documentos titulam verdadeiros empréstimos que [a] mutuante tem direito a exigir dos seus subscritores. Pretende assim que sejam alteradas as respostas dadas aos quesitos 8, 16, 18, 20 e 21 para não provados, devendo a sentença ser revogada e substituída por outra que julgue a oposição improcedente por não provada. Os executados apresentaram resposta, na qual se pronunciaram pela confirmação do decidido. Cumpre, então, apreciar e decidir. * presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é aplicável o regime de recursos resultante do Dec. Lei nº 303/2007, de 24.8.* FUNDAMENTAÇÃOO âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 684º, nº 3 e 685º – A, nº 1 do Cód. do Proc. Civil. * As questões a decidir são as seguintes:I - Apurar se as respostas que foram dadas aos arts. 16º, 18º, 20º e 21º do articulado de oposição à execução devem ser modificadas para “não provado”; II – Apurar se a solução jurídica dada ao pleito pela 1ª Instância deve ser alterada. * A matéria fáctica dada como assente pela 1ª Instância é a seguinte:1. Existe documento intitulado Declaração de Empréstimo assinado pelos executados, datado de 1 de Setembro de 2006 (título executivo) – cfr. fls. 3 dos autos principais, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 2. Existe documento intitulado Declaração de Empréstimo assinado por E… e mulher, F…, datado de 1 de Setembro de 2006 – cfr. fls. 15 dos presentes autos, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 3. Existe documento intitulado Declaração de Empréstimo assinado por G… e mulher, H…, datado de 1 de Setembro de 2006 – cfr. fls. 17 dos presentes autos, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 4. Existe documento intitulado Declaração de Empréstimo assinado por I…, datado de 1 de Setembro de 2006 – cfr. fls. 18 dos presentes autos, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 5. Existe documento intitulado Declaração de Empréstimo assinado por J…, datado de 1 de Setembro de 2006 – cfr. fls. 19 dos presentes autos, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 6. No dia 14 de Agosto de 1996 faleceu K…. 7. A exequente entregou a: a. – C…, € 15.000,00; b. – E…, € 26.5000,00; c. – G…, € 7500,00; d. – I…, € 8090,00; e. – J…, € 7500,00. 8. As quantias foram entregues com a obrigação dos filhos fazerem contas à morte da mãe. 9. Os documentos foram assinados pelos filhos da exequente para que mais tarde não existissem dúvidas aquando das partilhas por morte da mãe. 10. Os filhos da exequente, que receberam dinheiro, acederam em assinar cada um o seu documento, já que todos tencionavam ficar igualados na partilha futura a fazer, ficando todos com cópia dos documentos uns dos outros. 11. O documento referido em 1. contém a assinatura dos executados, feita por eles e de livre e espontânea vontade. 12. As quantias entregues foram-no em ocasiões distintas. 13. Para que tudo fosse líquido e transparente e para conhecimento de todos se resolveu fazer os documentos para cada um dos filhos, o que obteve o acordo de todos os filhos. 14. Os documentos foram assinados para que todos soubessem as quantias que a exequente entregou a cada um dos filhos. 15. A quantia em causa não foi entregue de uma só vez, mas em diversas parcelas, num total de € 15.000,00 em 6 de Setembro de 2006. * I - O recurso interposto pela exequente incide fundamentalmente sobre a matéria fáctica dada como assente pela 1ª Instância, pretendendo que as respostas que foram dadas aos arts. 16º, 18º, 20º e 21º do articulado de oposição sejam alteradas para “não provado”É a seguinte a redacção destes artigos, consignando-se igualmente as respostas que obtiveram: 16º - Quantias estas que foram assim entregues pela mãe aos filhos aqui referidos, por conta da herança aberta por óbito de seu pai e marido, com a obrigação dos filhos à morte da mãe fazerem contas entre todos, a fim de nenhum ficar prejudicado, pois tinham recebido quantias diferentes. R: Provado que as quantias foram entregues com a obrigação dos filhos fazerem contas à morte da mãe. 18º - Mais tarde, e já então em 2006, e porque havia alguns atritos familiares, a exequente resolveu novamente chamar os filhos, e sugeriu que daqueles dinheiros que tinham sido adiantados e dados por conta da herança do pai, fosse feito um “papel”, como ela referiu, onde assinariam os filhos em como tinham recebido tais quantias, para que mais tarde não existissem dúvidas e ninguém prejudicasse ninguém em termos de igualação na partilha final aquando ocorresse o óbito da mãe. R: Provado que os documentos foram assinados pelos filhos da exequente para que mais tarde não existissem dúvidas aquando das partilhas por morte da mãe. 20º - No entanto, os filhos, sem sequer reflectirem ou lerem o que assinavam, acederam todos em assinar cada um o seu documento, pois estavam de boa fé, já que todos tencionavam ficar igualados na partilha futura a fazer, e ter em conta o adiantamento parcial por conta da partilha e óbito do pai que a mãe lhes fez, ficando todos com cópia dos documentos uns dos outros. R: Provado que os filhos da exequente, que receberam dinheiro, acederam em assinar cada um o seu documento, já que todos tencionavam ficar igualados na partilha futura a fazer, ficando todos com cópia dos documentos uns dos outros. 21º - E assim apareceram 5 documentos, todos iguais, apenas divergindo nas identificações dos filhos e nos montantes, e todos com a mesma data, ou seja 1 de Setembro de 2006, que todos têm na sua posse. R: Provado o que resulta da existência dos documentos e dos factos anteriores. Os meios de prova em que a recorrente fundamenta a sua pretensão são o teor do próprio documento que serve de base à execução, intitulado “declaração de empréstimo” e os depoimentos prestados pelas testemunhas G…, H…, L…, F… e I…. Procedemos, por conseguinte, à audição de todos estes depoimentos. G… é irmão do executado e filho da exequente, com quem está de relações cortadas. Disse que são seis irmãos e que quando o pai faleceu há 14 anos se juntaram todos lá em casa e foram ver o que havia nos bancos, tendo ficado muito espantados quando perceberam que o pai deixara cerca de 29.000/30.000 contos. O dinheiro ficou em nome da mãe e dos dois filhos mais velhos e a mãe começou a dá-lo aos filhos, consoante estes precisassem. Foram sempre quantias diferentes. Passado muito tempo, a testemunha sugeriu à mãe que se fizesse um documento, isto quando esta lhe disse que já não havia dinheiro para comprar um jazigo para o pai. O documento teria assim como finalidade evitar que algum dos irmãos, quando a mãe morresse, negasse os recebimentos. Aliás, quando a mãe entregava dinheiro dizia “já lá fica por conta da herança”. Prosseguindo, quanto ao documento aqui em causa referiu que era só para valer entre os irmãos. Escreveu-se empréstimo “para ter peso mais tarde se alguém quissesse fugir à verdade”. O documento surgiu 10 anos após, acrescentando que se fosse empréstimo teria sido feito na hora. Referiu depois que a mãe há cerca de 2/3 anos atrás se virou só para uma filha (J…), falando a seguir de levantamentos feitos, pela mãe, de 500€ por semana. Esclareceu que os documentos são todos iguais e foram todos assinados em casa da mãe. O dinheiro era dado, mas ir-se-ia fazer como se se tratasse de um empréstimo. As contas seriam feitas depois quando a mãe falecesse. O documento é da responsabilidade da testemunha, da sua irmã J… e da mãe e foi assinado por todos na casa da mãe, tendo sido escrito à máquina por uma amiga. Não reflectiram no que estavam a assinar e não foram aconselhados quanto ao texto do documento. Reiterou que a utilização da palavra “empréstimo” foi para ter mais peso se “as coisas dessem para o torto”. Na parte final do seu depoimento disse que a mãe não tinha responsabilidade na redacção do documento e depois afirmou, reportando-se à mãe “você emprestou a uns, emprestou a outros; deu a uns, deu a outros...” H… é cunhada dos executados e nora da exequente, com a qual está de relações cortadas. Disse que o sogro faleceu há cerca de 15 anos, tendo havido a seguir várias reuniões em que estiveram presentes a mãe, os filhos e as noras. A sogra desconhecia o dinheiro que o marido tinha (andaria por volta dos 30.000 contos) e abriu-se uma conta em nome dela e dos dois filhos mais velhos (E… e I…). Porém, só ela é que podia mexer na conta. A sogra começou então a ajudar todos os filhos que precisassem. Quanto aos documentos, disse que os mesmos foram feitos 9 ou 10 anos depois e relativamente a todos os que receberam dinheiro. Decidiram fazer os documentos porque inicialmente pensavam que todos tinham recebido valores iguais, mas, como isso não foi assim, era necessário salvaguardar situações futuras, para quando a sogra falecesse, de modo a que quem tivesse recebido mais, recebesse então menos. Colocaram nos documentos a expressão “empréstimo” porque a acharam preferível a “dar”. Mais esclareceu que os documentos eram para valer apenas entre os irmãos, não eram para a sogra. Foram todos feitos na mesma data e os respectivos originais ficaram na casa da sogra. Contudo, o conteúdo dos documentos não corresponde à intenção dos filhos, o dinheiro seria deles mais tarde e assim ia sendo adiantado pela sogra (para a entrada de uma casa; para montar um negócio), não se entrando em partilhas. Os que recebiam agora mais, receberiam depois menos. “De uma mãe não se espera uma atitude destas”, exclamou a certa altura a testemunha, referindo-se à instauração por esta de acções contra quatro filhos. Acrescentou depois que o documento foi feito pelo seu marido, a testemunha G…, salientando também que houve uma filha que não recebeu nada. L… é irmã do executado e filha da exequente, com a qual está de relações cortadas. Quando o pai morreu, em 1996, vivia na Venezuela. A seguir à morte do pai e antes de regressar à Venezuela houve uma reunião familiar na qual estiveram presentes todos os irmãos e a mãe, na qual esta disse que daria dinheiro aos filhos à medida que estes precisassem, dinheiro que depois seria descontado na herança. Mais concretamente, soube que a mãe deu dinheiro ao G… (aqui executado) para este comprar um apartamento. A testemunha foi o único filho que não recebeu dinheiro da mãe, mas, apesar disso, ficou com cópias dos documentos de 2006 para saber quanto é que os outros irmãos tinham recebido, pois essas quantias seriam para descontar em futuras partilhas. “Eu dei dinheiro aos teus irmãos”, chegou a dizer-lhe a mãe. Referiu ainda que o documento foi feito por iniciativa do seu irmão G…, para um dia mais tarde ninguém fugir à quantia que tinha recebido. F… é cunhada do executado e nora da exequente, com a qual está de relações cortadas. Disse que após a morte do sogro houve várias reuniões familiares, nas quais a sua sogra disse que ia dar dinheiro aos filhos. O seu marido (E…), através de cheque, viria a receber dinheiro da mãe por três vezes para montar uma churrasqueira. Porém, sublinhou “ela não emprestou, deu” e mais tarde viria a surgir a necessidade de fazer um documento para saber quem tinha recebido mais e quem tinha recebido menos, reafirmando que este documento, apesar do que dele consta, não corresponde a nenhum empréstimo. Tudo foi feito de boa fé entre eles, realçou. Mais disse que o dinheiro foi dado e ninguém deve nada à sua sogra, embora a certo passo do seu depoimento tenha exclamado “quando a gente quis, ela emprestou ou deu”. O documento, conforme destacou, foi feito tendo em vista futuras partilhas, por iniciativa do seu cunhado G…. I… é irmã do executado e filha da exequente, estando de relações cortadas com esta. Referiu que após a morte do pai fizeram uma reunião familiar para tratar de assuntos relacionados com dinheiro. Mais tarde foi feito um papel para saber, após a morte da mãe, quanto é que caberia a cada um dos filhos. Apesar da referência feita no documento a empréstimo, disse que a mãe lhe deu o dinheiro, embora logo a seguir, numa passagem bastante desconexa do seu depoimento, tenha dito “a mim emprestou-me isto a outros...”, ficando a frase incompleta. Mais adiante, confrontada com tal afirmação pelo ilustre mandatário da exequente, reafirmou veementemente que o dinheiro lhe fora dado pela mãe e não emprestado. Por último, apesar de não referenciado nas alegações de recurso, procedemos também à audição do depoimento prestado pela testemunha J…, irmã do executado e filha da exequente. Disse esta que não fala presentemente com os seus irmãos, tendo produzido depoimento diametralmente oposto aos prestados pelas demais testemunhas. Referiu assim que as quantias entregues pela sua mãe aos filhos o foram a título de empréstimo e que a elaboração dos documentos, cuja ideia partiu do seu irmão G…, se destinava a saber quanto é que cada um dos filhos estava a dever à mãe. No seu caso particular, disse que já devolveu o dinheiro emprestado à sua mãe. Quanto ao documento que serve de base à execução, intitulado “declaração de empréstimo” e datado de 1.9.2006, a sua redacção é a seguinte: “Nós abaixo assinados, C…, NIF. ……… e esposa D…, NIF. ………, residentes na rua …, nº …, apartamento .., na freguesia de …, concelho da Maia, declaramos para os devidos e legais efeitos que devemos a nossa mãe e sogra respectivamente, B…, viúva, a quantia de 15.000,00 (quinze mil euros).” O art. 712 do Cód. do Proc. Civil, sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto” estabelece o seguinte no seu nº 1: «1. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690 – A, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.» Verifica-se, assim, que a modificação da decisão da 1ª instância, em situações como a presente, deverá ser o resultado da reapreciação dos elementos probatórios que, com plena autonomia, é feita pela Relação, só devendo, porém, ocorrer se o tribunal superior, percepcionando os elementos de prova disponíveis, adquirir uma convicção diversa da que foi assumida pelo tribunal “a quo”. Não estamos, por isso, convém sublinhá-lo, perante um segundo julgamento. De tal modo que para alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto não basta uma simples divergência relativamente ao decidido, tornando-se imprescindível que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que se verificou um erro na apreciação do seu valor probatório. Ora, da análise que fazemos da prova testemunhal produzida em julgamento e também do documento que serve de base à presente execução que tem o título “declaração de empréstimo”, não vislumbramos que a 1ª Instância tenha cometido erro na apreciação do seu valor probatório. Com efeito, apesar da utilização da palavra “empréstimo”, não se pode ignorar que todas as testemunhas, com excepção da J…, mostraram-se convergentes em afirmar que a função dos documentos que foram elaborados era a de que estes valessem entre os irmãos e não perante a mãe. O que se pretendia é que nenhum dos irmãos, quando se fizessem partilhas a seguir à morte da mãe, viesse a ser beneficiado e recebesse mais do que os outros. Não podemos assim deixar de concordar com o Mmº Juiz “a quo” quando escreve que “... tudo concatenado é suficiente para se afirmar que a razão pela qual os documentos foram assinados foi permitir titular a entrega de dinheiro – que ocorreu em quantias e momentos diferentes, conforme decorre de todos os depoimentos – a cada um dos irmãos para que a seu tempo – nas partilhas por morte da exequente – fosse cada valor sujeito a colação e desta forma se pudesse fazer a igualação. Caso assim não fosse, sendo o dinheiro a coisa mais fungível por natureza que existe, dificilmente seria feita prova da entrega.” Contra esta posição, poder-se-à objectar com o facto de nesses documentos ter sido escrita a palavra “empréstimo”, mas quanto a este ponto terão que se salientar os poucos ou nulos conhecimentos jurídicos das pessoas que assinaram os documentos, todas elas caracterizadas por uma literacia algo reduzida. Aliás, o mentor da ideia de se elaborarem tais documentos – a testemunha G… – afirmou algo ingenuamente que se escreveu empréstimo “para ter peso mais tarde se alguém quissesse fugir à verdade”, sublinhando mais adiante que não se aconselharam com ninguém e não reflectiram no que estavam a assinar. Todas as testemunhas, ressalvando a já referida J…, foram assim unânimes em dizer que as quantias não foram emprestadas, mas sim dadas com vista às futuras partilhas que se realizariam após a morte da mãe, tendo os documentos sido elaborados para não existirem dúvidas quanto ao que cada irmão teria a receber. Ao uso da palavra “emprestar” em momentos pontuais dos depoimentos prestados pelas testemunhas G… (que disse, reportando-se à mãe, “você emprestou a uns, emprestou a outros; deu a uns, deu a outros...”), F… (que exclamou “quando a gente quis, ela emprestou ou deu”) e I… (que, numa passagem algo desconexa do seu depoimento, disse “a mim emprestou-me isto a outros...”, deixando a frase incompleta), não pode ser dada a relevância pretendida pela exequente, aqui recorrente. Estamos perante pequenos excertos de depoimentos prestados por testemunhas com pouca sensibilidade jurídica e em que é compreensível a imprecisão terminológica momentânea. De resto, as testemunhas G… e F… acabam por misturar na mesma frase os verbos “emprestar” e “dar” e I… produziu um depoimento marcado por uma forte carga emotiva e em que a falta de rigor na utilização das palavras, fruto de um reduzido nível de instrução, é manifesta. Por outro lado, terá também de se realçar, à semelhança do que o fez a 1ª Instância, que a testemunha que em princípio deverá ser a mais isenta por não ter recebido qualquer quantia pecuniária – L… – foi peremptória ao afirmar que a sua mãe disse que daria dinheiro aos filhos à medida que estes precisassem, dinheiro que depois seria descontado na herança, acrescentando que os documentos de 2006 foram elaborados para se saber quanto é que os irmãos tinham recebido, uma vez que tais quantias seriam para descontar em futuras partilhas. Sucede – e não será demais destacá-lo - que só se poderia alterar a matéria de facto se ocorresse uma notória desconformidade dos factos assentes com os meios de prova produzidos. Contudo, na sequência do que atrás se explanou, logo se constata que tal desconformidade não ocorre. Antes pelo contrário, o que se verifica, após a reapreciação dos elementos probatórios acima referidos, é a plena conformidade entre a prova produzida e a decisão factual da 1ª Instância que, apesar do termo “empréstimo” usado nos documentos que aqui se apreciaram, entendeu – e bem – que estes foram elaborados para permitir titular a entrega de dinheiro a cada um dos irmãos, de modo a que mais tarde, quando se fizessem partilhas por morte da mãe, fosse possível, através do instituto da colação (cfr. art. 2104º do Cód. Civil), proceder à igualação entre todos os herdeiros. Deste modo, há que manter as respostas que obtiveram os arts. 16º, 18º, 20º e 21º do articulado de oposição, deixando-se ainda consignado que nenhuma delas, designadamente a dada ao art. 16º, que corresponde ao nº 8 da matéria de facto, tem carácter conclusivo. * II - Inalterada a matéria de facto, inalterada deverá ficar também a solução jurídica dada ao pleito, uma vez que o recurso interposto pela exequente se centrava essencialmente na reapreciação da factualidade considerada como provada pela 1ª Instância. Não merece assim censura o percurso argumentativo feito pelo Mmº Juiz “a quo” que aqui iremos reproduzir nos seus segmentos mais significativos. Entendeu este, com base na matéria fáctica assente, não resultar dos factos que o documento assinado pelos executados decorresse de qualquer empréstimo feito pela exequente, mas sim da necessidade de documentar as entregas em dinheiro que esta foi fazendo a alguns dos seus filhos, em momentos e valores diferentes, de forma a que, aquando das partilhas a efectuar por sua morte, fosse possível proceder à igualação dos herdeiros. A exequente não podia assim contar, nem sequer “ab initio”, com o sentido da declaração expressa no documento que foi dado à execução, pois sabia que a entrega pecuniária feita em momento anterior não era acompanhada da obrigação de restituição, mas sim e tão só da obrigação legal de trazer à colação tal quantia no âmbito de futuras partilhas. Ora, foi esta a razão de ser da redacção do documento aqui em causa, uma vez que de outra forma dificilmente seria feita a prova da entrega do dinheiro. Por seu turno, quanto à utilização da palavra “devemos” será de referir que não lhe foi dado, pelos declarantes, o seu sentido próprio, até porque, na linha do que se tem vindo a expor, tal expressão reportou-se apenas à origem da entrega pecuniária e à obrigação de trazer à colação o valor recebido. Terá assim que se concluir que os executados não pretendiam confessar qualquer dívida, mas antes deixar claro que haviam recebido um montante pecuniário e que não se podiam furtar à igualação aquando da realização de partilhas. Sentido de que a exequente tinha efectivo conhecimento, atendendo a que nada emprestou e, como tal, nada tendo emprestado, nada pode pedir para que lhe seja restituído. Consequentemente, estaremos perante uma situação de erro na declaração prevista no art. 247º do Cód. Civil, o que determina a sua anulabilidade, como se entendeu na sentença recorrida, aí se tendo escrito ainda que “não obstante se tratar de anulabilidade – sujeita ao limite temporal imposto pelo art. 287º, nº 1 do C. Civil – uma vez que o vício ainda não cessou – quanto mais não seja em virtude do negócio não estar cumprido, de acordo com o nº 2 do referido preceito legal – pode a mesma ser arguida sem dependência de prazo.” Desta forma, decidiu o Mmº Juiz “a quo” declarar anulada a declaração constante do título executivo no sentido de que a mesma consubstanciava um reconhecimento de dívida dos executados para com o exequente, julgando, em conformidade, procedente a oposição à execução. Entendimento jurídico que, conforme atrás assinalámos, não tendo sido alterada a matéria fáctica dada como provada pela 1ª Instância, não se nos afigura ser merecedor de censura. O recurso interposto pela exequente será, por conseguinte, de julgar improcedente “in totum”. * DECISÃONos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela exequente B…, confirmando-se a sentença recorrida. Custas a cargo da recorrente. Porto, 25.10.2011 Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires Márcia Portela Manuel Pinto dos Santos |