Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EUGÉNIA CUNHA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO CESSAÇÃO DENÚNCIA DO CONTRATO COMUNICAÇÃO AO LOCATÁRIO FACTOS ESSENCIAIS REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | RP202311135632/21.0T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Cabe rejeitar o recurso da decisão da matéria de facto, por incumprimento do ónus primário de impugnação – cfr. nº1, do art. 639º, al. a), do nº1, do art. 640º e 635º, todos do CPC –, a não virem especificados nas conclusões das alegações, a delimitar o objeto do recurso, os concretos factos impugnados. II - Sendo as comunicações, exigidas por lei, entre senhorio e arrendatário, relativas a cessação do contrato de arrendamento, realizadas mediante escrito, assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção (regra esta que, contudo, comporta exceções) tem, para que a comunicação se estabeleça e a declaração seja eficaz e possa operar, a carta de ser recebida pelo destinatário ou, a não o ser e devolvida, por não ter sido levantada, o senhorio de remeter nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, caso este em que, a vir novamente devolvida, a comunicação se considera recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio - cfr. art.s 9º e 10º, do NRAU. III - Contudo, para que a comunicação dirigida pelo senhorio ao arrendatário possa ser considerada recebida por este, têm as cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, de ser remetidas para o local arrendado (v. nº2, do referido art. 9º). IV - Na falta do referido escrito em contrário do arrendatário, é ineficaz para estabelecer a comunicação declaração enviada para local diverso (não podendo considerar-se recebida a comunicação quando as cartas são enviadas para outro local que não o feito figurar pelas partes no contrato de arrendamento como sendo o local arrendado). V - Destarte, a declaração de denúncia do contrato de arrendamento enviada para o 1º direito quando do contrato de arrendamento figura, como local arrendado, o R/C direito, no não recebimento das referidas cartas, não pode ser tida por eficaz, não podendo operar a cessação do contrato de arrendamento, por falta de comunicação. VI - Para que outra solução se pudesse configurar, necessária seria a alegação e a prova: i) de alteração, por acordo das partes, ao contrato de arrendamento, a conformá-lo com a constituição da propriedade horizontal (pois que ao, livremente, acordado no contrato ficam as partes submetidas), ou ii) de comunicação pelo senhorio ao arrendatário da constituição da propriedade horizontal e implementação das alterações nos recetáculos postais das frações autónomas (dado terem as mesmas de se pautar, no cumprimento das obrigações, que para si emergem do contrato pelas regras da boa fé (v. nº2, do art. 762º, do Código Civil), sobre elas impendendo, além dos deveres principais, deveres acessórios como o de informar alterações implementadas no locado para que com elas a outra parte possa contar), sobre a parte ativa impendendo os ónus de alegação e da prova dos factos, essenciais, constitutivos do seu direito (nº1, do art. 342º, do CC e nº1, do art. 5º, do CPC), sob pena de a sua pretensão soçobrar. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 5632/21.0T8PRT.P1 Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível) Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível do Porto - Juiz 5 Relatora: Des. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha 1º Adjunto: Des. Anabela Maria Mendes Morais 2º Adjunto: Des. Carlos Gil Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC): …………………………………………... …………………………………………... …………………………………………... * I. RELATÓRIO Recorrentes: o Réu, AA, e a Interveniente Principal do lado passivo, BB Recorridos: a Autora e intervenientes principais do lado passivo, CC DD, EE e FF CC DD propôs ação de despejo, sob a forma comum, contra AA pedindo seja declarada a cessação do contrato de arrendamento celebrado com o Réu, por denúncia, nos termos da alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil, e a condenação do Réu a proceder à desocupação do imóvel locado e a entregar-lho livre de pessoas e bens. Alega, para tanto e resumidamente, que é proprietária da fração autónoma designada pela letra “C”, do prédio urbano sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho do Porto, que, em 14/12/1992, foi celebrado um contrato de arrendamento, que junta, entre o pai do seu cônjuge, falecido, e o Réu, relativo ao R/C direito de tal prédio, com início em 01/01/1993 e termo em 31/12/1993, sendo a renda anual de 72.000$00, paga em duodécimos, renovando-se automaticamente por igual período, o qual pela constituição da propriedade horizontal, celebrada em 2008, passou a ser a referida fração, sita no 1º direito, e que o seu falecido marido, pretendendo fazer cessar o arrendamento, desencadeou a denúncia do mesmo através de cartas registadas com aviso de receção enviadas ao Réu para o 1º direito e datadas de 14/07/2017 e 12/09/2017, devolvidas ao remetente, sendo que a comunicação da segunda missiva, objeto de devolução, deve ser considerada recebida no 10.º dia posterior ao seu envio, nos termos do n.º 4 do artigo 10.º do NRAU. O Réu AA contestou, defendendo-se por impugnação e por exceção, e deduziu reconvenção, para o caso de se não julgar a ação improcedente. Alega, resumidamente, não ter recebido as cartas enviadas pelo Senhorio, relativas à oposição à renovação do contrato de arrendamento do imóvel de que é arrendatário, por as mesmas terem sido enviadas para um andar (o 1.º) que não é o arrendado (o r/c), as quais foram, posteriormente, devolvidas pelos serviços de correio, sem que o Réu tenha tido qualquer conhecimento sobre elas. Mais alega incumbir ao proprietário a correta instalação, utilização e conservação dos recetáculos postais e que à data do envio das cartas não estavam atualizadas as novas designações atribuídas pela constituição da propriedade horizontal em 2008, situação, esta, desconhecida do Réu, pelo que esses correspondentes avisos dos correios para levantamento da correspondência, terão sido depositados em recetáculo que não era o seu. Arguiu a exceção dilatória da ilegitimidade ativa, dado o falecimento do marido da Autora e esta ter de estar acompanhada dos filhos do falecido, e requereu a intervenção Principal Provocada da sua companheira, BB, com quem vive em “união de facto”. Alegando o estado do imóvel à data em que celebrou o contrato de arrendamento e as obras de remodelação que custeou, deduziu reconvenção a reclamar, para o caso de a ação proceder, a importância que peticiona pelas benfeitorias realizadas, confirmadas nos processos que correram termos na 3.ª secção do 3.º Juízo Cível (Proc.º n.º 1306/08.6TJPRT) e Juiz 9 do Juízo Local Cível (Proc.º n.º 7282/16.4T8PRT), atualizadas e calculado o valor segundo o critério do INE, cujas sentenças, transitadas em julgado, foram proferidas em 06/03/2009 e 08/06/2017. Apresentou a Autora réplica a impugnar os factos que densificam a causa de pedir do pedido Reconvencional e invoca a prescrição do direito que o Réu pretende fazer valer em reconvenção. Deduzida e admitida a intervenção principal dos herdeiros do falecido marido da Autora e a Intervenção Principal Provocada da companheira do Réu, BB, foram os mesmos citados conforme determinado. Proferido despacho saneador, a considerar, designadamente, serem as partes legítimas, foi admitida a reconvenção, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. * Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais. * Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva: “Em face do exposto, tendo em conta as já indicadas normas jurídicas e os princípios indicados: 1. Julga-se a presente ação procedente, i) declarando-se a cessação do contrato de arrendamento celebrado com o Réu AA, por denúncia; e ii) condenando-se o Réu AA na restituição do locado, devendo o mesmo ser entregue à Autora livre de pessoas e bens. 2. Julga-se improcedente, por não provada, a reconvenção. *** Custas da ação a cargo do Réu, porque vencido, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário – cfr. artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil”. * Apresentaram o Réu e a Interveniente Principal BB recurso de apelação pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que julgue a ação improcedente e não provada e, caso assim se não entenda, se decida que, para os Recorridos poderem ter acesso à habitação em presença, têm de satisfazer, previamente, os Recorrentes, do valor do pedido reconvencional formulado, com os legais acréscimos em sede de juros moratórios, formulando, para tanto, as seguintesCONCLUSÕES: “1 – A carta, datada de 14/07/2017, enviada pelo senhorio ao arrendatário, com a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento existente entre ambos, não foi recebida pelo arrendatário nem pela sua companheira. 2 – Na sequência do envio dessa primeira carta, a segunda missiva, datada de 12/09/2017, enviada pelo senhorio, também não foi recebida pelo arrendatário, nem pela sua companheira. 3 – As alterações na identificação das frações do imóvel, nomeadamente no que respeita à identificação dos recetáculos postais, campainhas e portas, foram alvo de comunicação aos ocupantes do prédio, só em 15/03/2021, através de comunicado afixado pela administração do condomínio no átrio do prédio. 4 – O apartamento arrendado e ocupado pelos Réus, ora Recorrentes, sempre correspondeu à identificação aposta no contrato de arrendamento celebrado em 14/12/1992, ou seja, rés-do-chão direito. 5 – A designação de rés-do-chão direito sempre constou na porta de entrada da fração e no recetáculo postal correspondente. 6 – O domicilio fiscal dos Recorrentes indicado na Autoridade Tributária, bem como o domicilio de correspondência e local de instalação dos fornecimentos de eletricidade, água, comunicações e televisão, mantem a designação de rés-do-chão direito da Rua ..., no Porto, aí recebendo a correspondência. 7 – O mesmo se passa com a correspondência enviada para o Recorrente AA pela Autoridade Tributária, e dirigida aos seus representados fiscais, ou seja, para o rés-do-chão direito da Rua ..., no Porto. 8 – A administração de condomínio, em 15/03/2021, tomou a iniciativa de promover a alteração das etiquetas identificativas das respetivas frações do prédio, nomeadamente no que diz respeito aos recetáculos postais, campainhas e portas. 9 – O Réu para viver na fração teve que proceder a uma remodelação do andar, suportando sozinho a totalidade do valor dessas benfeitorias. 10 – Essas mesmas obras de benfeitorias, efetuadas pelo Réu, abrangeram todos os compartimentos do andar arrendado. 11 – As benfeitorias efetuadas pelo Réu, ascenderam, aos preços na altura, ao valor de €19.368,19, acrescido de €1.000,00 pela sua comparticipação na impermeabilização do terraço do 1.º andar do edifício. 12 – Os Recorridos, na qualidade de proprietários do imóvel onde o Recorrente reside, há mais de trinta anos, não deram conhecimento, então ou posterior, da alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, por força da escritura pública celebrada em 09/03/2008, como lhes competia assegurar. 13 – Assim preterindo e violando essa obrigação de comunicação que, direta e exclusivamente sobre eles impendia. 14 – E estando na génese e determinando uma enorme confusão na distribuição da correspondência pelos seus diversos ocupantes. 14 – Dando azo e lugar a extravios sucessivos, com prejuízos inerentes para todos os ocupantes do imóvel. 16 – Por seu turno, as duas certidões judiciais, retiradas de processos anteriores, com sentenças transitadas em julgado, que fazem fé pública, destinam-se a memória futura, por forma a evitar, como evitam, a necessidade da sua repetição, em sede de prova. 17 - A própria “testemunha surpresa” (GG), que os agora Recorridos apresentaram em audiência, tendo promovido, por sua incumbência, obras no imóvel, reconheceu, sem dúvida, que efetuou essas alterações, designadamente nas caixas do correio, apenas em 2021, ou seja, muito após a alteração da respetiva propriedade horizontal, conforme o seu depoimento que, após alguma insistência disse (referindo-se à data que procedeu à alteração da identificação das frações) categoricamente que “Não. Foi em fevereiro de 2021, que fez agora em fevereiro 1 ano.“ (minuto 07:14 a 07:22), concluindo que colocou as chapas identificativas de cada fração, nas campainhas, recetáculos de correios e contadores de água “Não, meti aí, meti na caixa de correio e meti no contador da água.” (minuto 12:58 a 13:08). 18 – Perante este quadro, nada permite garantir que a correspondência nesse ínterim dirigida aos Recorrentes, erradamente para o respetivo 1.º andar, em lugar do rés-do-chão, como competia, tivesse chegado às suas mãos. 19 – O contrato de arrendamento só foi comunicado à Autoridade Tributária, pelo senhorio, em 21/09/2018, conforme documento n.º 6 apresentado pelos AA e admitido por acordo na sua petição inicial. 20 – A data de comunicação do contrato de arrendamento à Autoridade Tributária, que foi efetuada pelos AA. é posterior ao envio das duas cartas relativas à comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento, enviadas pelo senhorio e datadas de 14/07/2017 e 12/09/2017. 21 – A presunção da entrega da segunda carta enviada (a datada de 12/09/2017) expressa no n.º 4 do art.º 10.º do NRAU, foi ilidida por todos os factos e circunstancias relatados no presente Recurso, nomeadamente a mesma não ter sido enviada para o locado arrendado e não terem sido criadas as devidas condições para que a mesma fosse devidamente recebida. 22 – Nos termos do artigo 1097.º do Código Civil, a declaração aí referida tem carácter receptício e as referidas missivas enviadas pelo senhorio não foram levadas ao conhecimento do réu, por exclusiva responsabilidade daquele. 23 – As cartas de oposição à renovação do contrato de arrendamento, de 14/07/2017 e 12/09/2017, nunca foram enviadas para o local arrendado, conforme estipula o n.º 2 do art.º 9 do NRAU. 24 – Os arrendatários nunca se furtaram a quaisquer citações, notificações ou outras comunicações. 25 – O senhorio não criou as condições necessárias para que o arrendatário recebesse as suas comunicações de 14/07 e 12/09 de ano de 2017, porque não procedeu a qualquer aditamento contratual de alteração da designação da morada e não cumpriu, previamente ao envio das referidas cartas, o estipulado no Decreto Regulamentar n.º 8/90 de 6 de abril (nomeadamente os seus artigos 1.º e 2.º, nº.s 1, 4, 5 e 6), não procedendo à alteração da identificação da fração, principalmente do recetáculo postal, a que está obrigado. 26 – Pelo que tudo se passa como se a respetiva comunicação “não tivesse sido feita”, como efetivamente não foi. 27 – A comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento é ineficaz. 28 – Os processos judiciais que antecederam (Processos n.ºs 1306/08.6TJPRT e 7282/16.4T8PRT) o vertente têm idênticos pedidos e causa de pedir, para além de sujeitos processuais que foram sucessivamente alterados por virtude de habilitações que no caso couberam. 29 – Pelo que revela e impõe-se a autoridade do caso julgado, deles decorrente, não se justificando, nem havendo lugar, à repetição de qualquer meio de prova, já assegurada por meio idóneo e seguro no processo judicial próprio. 30 – Sob pena de (poder) ser colocado em dúvida o labor de outros Magistrados Judiciais, de nível idêntico, o que é inadmissível e intolerável. 31 – Ao entender de forma diversa, o Magistrado “a quo” violou o disposto nos artigos 1101.º, c) do CC, na redação da lei n.º 13/2019, de 12/02 e do artigo 9.º, 1 e 2, da lei n.º 6/2006, na redação dada pela Lei n.º 43/2017, de 14/06. * Não foi oferecida resposta às referidas alegações.* Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.* II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal. Assim, as questões a decidir são as seguintes: 1ª – Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto: a questão prévia da falta de indicação nas conclusões das alegações de factos impugnados; 2ª- Da ineficácia da declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento; 3ª- Se eficaz, operando a denúncia do contrato de arrendamento, da procedência do pedido reconvencional, por benfeitorias realizadas no locado. * II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1. FACTOS PROVADOS Foram os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância, com relevância para a decisão (transcrição): 1. A fração autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., Porto, encontra-se inscrita na matriz sob o artigo ...72, nos termos do documento nº 1 apresentado com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido. 2. Em 14/12/1992, HH, pai do cônjuge da Autora, celebrou com o Réu AA contrato de arrendamento sem duração limitada, para fins habitacionais, respeitante ao rés-do-chão direito do andar sito na Rua ..., Porto, nos termos do documento nº 2 apresentado com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido. 3. Tendo o cônjuge da Autora, II, herdado o referido imóvel em 2006, por óbito do seu pai, o qual, por sua vez, viria a falecer em 24/10/2017, sucedendo-lhe a Autora e seus filhos, EE e FF, na qualidade de herdeiros, assumindo a primeira a posição contratual que era a daquele, nos termos da habilitação de herdeiros apresentada com a petição inicial como documento nº 3, cujo teor se dá aqui por reproduzido. 4. O locado, à data da celebração do contrato de arrendamento, em que o respetivo prédio urbano era um edifício em propriedade total, encontrava-se identificado como “rés-do-chão direito”; posteriormente, ocorreu a retificação quer na escritura de constituição de propriedade horizontal do edifício em que o locado se situa, que teve lugar a 9/7/2008, bem como na respetiva caderneta predial urbana, no sentido de passar a ser considerado “1º direito”. 5. A renda acordada entre as partes foi estipulada, à data da celebração, em 72.000$00 [contravalor de € 359,13] anuais, pagos em duodécimos de 6.000$00 [contravalor de € 29,93], valor objeto de atualizações e que, entretanto, se fixou em € 48 mensais. 6. O respetivo contrato de arrendamento foi comunicado à Autoridade Tributária e Aduaneira, mediante a respetiva plataforma eletrónica, nos termos dos documentos nºs 5 e 6 apresentados com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido. 7. Inexistem outros contratos de arrendamento entre a Autora, ascendentes e descendentes, e o Réu. 8. O referido contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, com início a 1/1/1993 e termo a 31/12/1993, renovando-se automaticamente no seu termo por iguais períodos de tempo. 9. O falecido marido da Autora remeteu ao Réu, a 14/7/2017, para o 1º direito da Rua ..., ... Porto, carta registada com aviso de receção para o locado, com vista à denúncia do contrato de arrendamento, a qual viria a ser devolvida em virtude de não ter sido levantada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, nos termos dos documentos nºs 7 e 8 que acompanham a petição inicial, cujo teor se dá aqui como reproduzido. 10. Foi remetida nova missiva ao Réu, no dia 12/9/2017, para o 1º direito da Rua ..., ... Porto e onde se pode ler o seguinte “Na qualidade de senhorio e proprietário (…), venho pela presente comunicar a V. Exa. a minha intenção de denunciar o contrato de arrendamento habitacional celebrado no dia 14 de Dezembro de 1992 e que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1993, tendo por objeto o referido imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil. Nesta conformidade e em conformidade com o preceito referido, a presente denúncia agora realizada mediante carta registada com aviso de receção, nos termos do artigo 9.º/1 NRAU, produzirá efeitos no dia 31 de dezembro de 2019, sendo observada uma antecedência superior à legalmente imposta de dois aos face à data da efetiva cessação do contrato de arrendamento. Solicito assim que no referido dia 31 de dezembro de 2019, proceda V.Exa. à desocupação do imóvel, desonerando-o de pessoas e bens e restituindo as respetivas chaves de acesso ao locado, em hora e local a agendar oportunamente (…)”, tudo nos termos dos documentos nºs 9 e 10 que acompanham a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido. 11. Esta segunda missiva foi igualmente objeto de devolução, por não ter sido reclamada. 12. Em 27/11/2019, EE enviou carta registada com aviso de receção, dirigida ao Réu, para o 1º direito do nº 111 da Rua ... Porto, e que foi assinada por BB, nos termos dos documentos que acompanham a petição inicial sob o nº 11 e cujo teor se dá aqui por reproduzido. 13. O Réu permanece no locado. 14. No processo nº 1306/08.6 TJPRT, instaurado no então 3º Juízo Cível do Porto por II e CC DD contra o, aqui, Réu, foi proferida sentença em 6/3/2009, transitada em julgado e em que se decidiu o seguinte: “DECISÃO: Em face do exposto: I- julga-se procedente a exceção invocada pelo Réu e declaro caduco o direito dos Autores a pedirem a resolução do contrato de despejo com fundamento da falta de pagamento de rendas; II- mais declaro a presente acção totalmente improcedente porque não provada e, em consequência absolvo o Réu do pedido de resolução do contrato de arrendamento com fundamento em falta de residência permanente no locado; III- autorizo os AA a procederem ao levantamento das rendas depositadas e correspondentes ao mês de março de 2008 e seguintes acrescida da correspondente indemnização, deduzido da quantia de 108,27 correspondente ao custo da iluminação das partes comuns do imóvel pago pelo Réu”. 15. No processo nº 7282/16.4 T8PRT, instaurado no Juízo Local Cível do Porto – J9 por II e CC DD contra o aqui Réu, foi proferida sentença em 8/6/2017, transitada em julgado e em que se decidiu o seguinte: “Decisão Nestes termos, julgo a ação improcedente e, em consequência absolvo o réu AA do pedido formulado pelos autores II e CC”. 16. EE enviou uma missiva ao Réu, em 17/12/2012, dirigindo-a para a “Rua ..., nos termos do documento nº 10 apresentado com a contestação, cujo teor se dá aqui por reproduzido. * 2. FACTOS NÃO PROVADOS Considerou o Tribunal de 1ª instância não provado: 1. Que no dia 31/12/2019[1], a Autora, acompanhada pela sua filha EE, dirigiu-se ao locado, pelas 14 horas, a fim de receber em mão as chaves do imóvel em apreço e esperando encontrar o mesmo devoluto de pessoas e bens; 2. Que os dois pisos superiores do imóvel onde se situa o locado foram, durante muitos anos, ocupados pela clínica do Dr. II, psiquiatra e sogro da Autora; 3. Que essa clínica, que funcionou até 2000, utilizava o respetivo rés-do-chão direito como depósito de materiais e arrecadação de equipamentos diversos, ligados à apontada atividade profissional; 4. Que o seu interior se encontrava em péssimo estado de conservação e, para poder ser destinado a habitação, exigiu, previamente, a execução de diversas obras de recuperação e de beneficiação; 5. Que foram efetuadas e integralmente custeadas pelo Réu, como ficou, desde logo, assente com o respetivo proprietário e senhorio; 6. Que o Réu mantinha com o proprietário e senhorio um excelente relacionamento pessoal, para além de lhe prestar apoio na área de contabilidade; 7. Que esse compromisso foi relevante para a estipulação da renda então fixada, que ficou a coincidir com a satisfeita pelo casal JJ, que ocupava o lado esquerdo, entretanto falecidos; 8. Que o Réu, quando tomou de arrendamento o imóvel em causa, já vivia em comunhão de mesa e habitação com BB; 9. Que a missiva a que se refere o ponto 9) dos factos provados nunca foi recebida na sua (Réu) residência, por ele próprio, ou pela companheira; 10. Que a missiva a que se refere o ponto 10) dos factos provados nunca foi recebida na sua (Réu) residência, por ele próprio, ou pela companheira; 11. Que a missiva a que se refere o ponto 12) dos factos provados foi apenas recebida pela companheira do Réu, quando, acidentalmente, se cruzou, na porta do edifício, com o encarregado da distribuição e que imediatamente assinou o respetivo talão de entrega e a recebeu; 12. Que as alterações na identificação das diversas frações do imóvel não foram alvo de comunicação, prévia, ou sequer, posterior, aos respetivos ocupantes e, no caso, ao Réu; 13. Que ao apartamento ocupado pelo Réu sempre correspondeu o seu rés-do-chão direito; 14. Que isso mesmo também sempre constou, e continua a constar, do endereço existente na porta de entrada do apartamento respetivo, bem como do seu recetáculo do correio; 15. Que outro tanto se passa com os seus domicílios, fiscal e privado, nas relações com fornecedores de água, luz, telefone, TV, e representados, que mantêm essa designação; 16. Que a missiva enviada ao Réu em 17/12/2012 deu azo e lugar a inúmeros extravios de correspondência e a constantes “queixas” dos seus ocupantes e destinatários daquela, o que também terá sucedido com as duas cartas em que a Autora se apoia, já que vinham dirigidas ao “1º-direito” do imóvel em questão, onde o Réu nunca viveu, nem era conhecido; 17. Que as confusões, daí provenientes, foram tantas e provocaram sucessivos incómodos que a Administração do respetivo condomínio, confrontada com reclamações constantes, tomou em 15/3/2021, a iniciativa de promover a “alteração das etiquetas identificativas das frações do imóvel”; 18. Que o Réu não dispõe de qualquer outra habitação, própria, ou arrendada, sita na cidade ou imediações, onde se possa alojar, o mesmo sucedendo com a companheira; 19. Que o Réu suportou, sozinho, o custo das obras de remodelação do imóvel onde se instalou e desde então vive, vai para 30 anos; 20. Que essas obras abrangeram todos os compartimentos do locado e envolveram serviços de diversas artes, ascenderam, no seu todo, a preços da época, a € 19.368,19, a que acrescem € 1.000 pela sua comparticipação na impermeabilização do terraço do (então) 1º andar do imóvel; 21. Que a Autora e/ou a filha têm ao dispor o apartamento ao lado do ocupado pelo Réu, com dimensões análogas e que se encontra livre. * II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1 - Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto 1.1 - Questão prévia: da falta de indicação, nas conclusões das alegações, de factos impugnados Atendendo ao objeto do recurso, delimitado, como se expôs, pelas conclusões das alegações, e manifestando os apelantes, no corpo das alegações, impugnarem a decisão da matéria de facto, cumpre fixar esta matéria para que, ante a definitiva definição dos contornos fácticos do caso, possamos entrar na reapreciação da decisão de mérito. Antes, porém, cumpre analisar a questão prévia, de conhecimento oficioso, da observância dos ónus, para tanto, impostos ao recorrente que impugne a matéria de facto. Encontram-se tais ónus enunciados nos nº1, do art. 639º e nos nº1 e 2, a), do art. 640º, do Código de Processo Civil, diploma a que se nos reportamos na falta de outra referência, decorrendo eles dos princípios da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, visando garantir a seriedade e a consistência do recurso e assegurar o exercício do contraditório. Comecemos por referir que, na verdade, os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação, sendo que a decidir-se pelo incumprimento dos mesmos não pode o Tribunal conhecer da impugnação. Na verdade, a lei adjetiva, que no nº1, do art. 639º, consagra o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º). E o art. 640º consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Verifica-se no caso que não cumpriram os apelantes o ónus, que lhes está cometido pelo nº1, do referido artigo 640º, não podendo o recurso deixar de ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, pois que não especificaram nas conclusões das alegações, a delimitar o objeto do recurso, os concretos pontos de facto consideram incorretamente julgados (al. a)). E, como vimos a decidir, e de modo bem elucidativo se analisa no recente Ac. da RP de 14/11/2022 em que a ora relatora teve intervenção, como adjunta, a mera discordância com o decidido não basta para que a impugnação da matéria de facto se considere efetuada nos termos impostos por lei, sendo que: “por forma a evitar impugnações meramente genéricas ou meras discordâncias subjectivas, o artigo 640º, do CPC, estabelece a cargo do recorrente que impugna a decisão de facto um conjunto de ónus que devem ser estritamente cumpridos sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte. Neste sentido, como refere A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 130, através das regras estabelecidas no artigo 640º “… foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.” Nesta perspectiva e em face do teor do citado artigo 640º, do CPC, a lei é clara ao assinalar ao recorrente a obrigatoriedade de especificar nas conclusões do recurso (a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (b) em caso de, na sua perspectiva, a resposta a tais factos dever ser diversa da proferida pelo Tribunal, a decisão alternativa por si proposta por contraponto à decisão proferida; (c) os concretos meios probatórios, constantes do processo, do registo ou da gravação, que imponham decisão diversa da recorrida e (d) caso a impugnação da decisão de facto se baseie em prova pessoal gravada, a indicação das passagens ou segmentos da respectiva gravação que demonstrem o erro em que incorreu o Tribunal, sendo certo que quanto aos ónus referidos nas sobreditas alíneas (c) e (d) julgamos que os mesmos podem ser cumpridos apenas nas alegações. Trata-se, através do estabelecimento de tais ónus a cargo do recorrente, em primeiro lugar, a título de ónus primário, nos termos das ditas alíneas (a) e (b) de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando os concretos segmentos da decisão que considera viciados por erro e a resposta alternativa eventualmente proposta. Em segundo lugar, a título de ónus secundário, através das ditas alíneas (c) e (d) estará já em causa a fundamentação ou motivação, em termos concludentes, das razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação e que, no seu entender, impunham uma decisão diversa. Este ónus, no seu todo, decorre não apenas dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa-fé processuais, mas visa garantir, ainda e em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado, evitando o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão que porventura esteja inquestionavelmente correcta. Por outro lado, como já se referiu, as apontadas divergências sobre o julgamento da matéria de facto têm de constar em termos especificados das conclusões do recurso, seja pela indicação específica/concreta de cada um dos factos que, por referência ao elenco da sentença, tenham sido incorrectamente julgados, como, ainda, da resposta alternativa proposta pelo Recorrente, ponto por ponto; Pelo contrário, quanto à indicação dos meios de prova em que o recorrente se funda para divergir do decidido e, ainda, quanto à indicação da localização no processo dos meios de prova dele constantes e/ou às passagens da gravação (ou transcrição), como antes se afirmou, as mesmas não têm que figurar nas conclusões, podendo constar – mas têm que constar – apenas das alegações. De facto, como é consabido e já antes foi salientado, são as conclusões que delimitam o âmbito da actividade jurisdicional do Tribunal de 2ª instância e, por outro, é com estes precisos elementos que, desde logo, o Tribunal de recurso deve ser confrontado por forma a saber, com o rigor e precisão exigíveis, a matéria de facto que se encontra impugnada e em que termos e, depois, a própria parte contrária, a fim de lhe permitir exercer um pleno exercício do contraditório, através, nomeadamente, da indicação dos mesmos meios de prova ou de outros produzidos nos autos e que, em seu entender, refutem as conclusões do recorrente – vide artigo 640º, n.º 2, alínea b), do mesmo Código. Dito isto, no caso dos autos, resulta de forma insofismável que, desde logo, o Recorrente não deu cumprimento ostensivo ao aludido ónus primário de precisa delimitação do objecto do recurso na vertente da impugnação de facto, pois não faz alusão nas conclusões do recurso a nenhum dos pontos de facto da sentença que, na sua perspectiva, foram incorrectamente julgados, nem, ainda, indica, logicamente, as respostas alternativas que propõe para cada um dos ditos factos, incumprindo, pois, os ónus previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1, do artigo 640º. É certo que o faz nas alegações, mas, como já o dissemos antes, isso não basta; é preciso que essa matéria conste de alguma forma das conclusões do recurso, o que no caso dos autos não ocorre. (..) como salienta, ainda, A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 135, “… A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: (…) b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; (…) e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.” (…) como tem sido recorrentemente dito pela doutrina e pela jurisprudência, não há lugar a despacho de convite ao aperfeiçoamento no segmento da impugnação da decisão de facto, despacho este que se mostra previsto apenas para as hipóteses do n.º 3 do artigo 639º, do CPC. Aliás, que assim é di-lo, de forma peremptória, o legislador no n.º 1 do citado artigo 640º, quando, na parte final do mesmo normativo, usa a expressão «… sob pena de rejeição», o que inculca em termos evidentes, até por comparação com a previsão do antecedente artigo 639º, n.º 3, que, de facto, não há lugar ao aperfeiçoamento das falhas no cumprimento dos ónus de impugnação da decisão de facto, sobretudo quando, como é o caso, esse incumprimento se situa ao nível daquele ónus primário já acima identificado. [2] Realce-se, ainda, neste particular que não está em causa, como fundamento da recusa da presente impugnação da decisão de facto, o incumprimento do denominado ónus secundário em termos de impugnação da decisão de facto e acima referido, caso este em que o STJ, fazendo uma distinção entre o dito ónus primário e o dito ónus secundário, tem vindo a fazer uma leitura menos apertada dos ónus prescritos no artigo 640º, do CPC -, mas, pelo contrário, em termos decisivos, o incumprimento do denominado ónus primário de impugnação da decisão de facto, qual seja a exacta delimitação do seu objecto e, reflexamente, do âmbito da actividade jurisdicional reclamada perante o Tribunal de 2ª instância, seja por via da indicação pelo Recorrente nas conclusões dos concretos pontos da matéria de facto que impugna, seja, ainda, pela indicação da resposta alternativa por si proposta por contraponto às respostas dadas à matéria de facto pelo Tribunal de 1ª instância. De facto, se é certo que na verificação do cumprimento dos ónus previstos no artigo 640º, os aspectos de ordem formal devem estar subordinados aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, estes princípios não podem, sob pena de redundarem numa pura interpretação ab-rogante dos ónus primários e essenciais previstos nas citadas alíneas a) e c) do n.º 1, do artigo 640º, servir para suprir a falta de definição, precisa e rigorosa, do objecto do recurso no segmento da impugnação da decisão de facto, sendo certo que, em nosso ver, esse é o ónus mínimo exigível à parte que discorda da decisão de facto. Neste sentido, é praticamente pacífica a doutrina do Supremo Tribunal de Justiça que defende que o recorrente que impugna a decisão de facto tem que fazer constar das conclusões do recurso (não sendo, pois, bastante a sua indicação nas alegações) os concretos pontos da matéria de facto que impugna e, ainda, as respostas alternativas que propõe. Neste sentido, a título exemplificativo, podem citar-se, além dos já referidos na nota anterior, ainda, os AC do STJ de 19.05.2015, relatado pela Sr.ª Juíza Conselheira Maria Teresa Beleza, AC STJ de 8.10.2019, relatado pela Sr.ª Juíza Conselheira Maria João Vaz Tomé, AC STJ de 13.11.2019, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro António Leones Dantas e, ainda, mais recentemente o AC STJ de 15.09.2022, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fernando Baptista, todos disponíveis in www.dgsi.pt. De facto, como se sumaria neste último Acórdão do STJ de 15.09.2022: “ III. Os ónus ínsitos nas als. a) e c) do n.º 1 do artigo 640º do CPC, cuja falta impõe a imediata rejeição do recurso sem necessidade de prévio convite ao recorrente, constituem um ónus primário, o qual deve ser satisfeito, não apenas no corpo das alegações, mas também nas conclusões da alegação. IV. E pela simples razão de que tais ónus têm por função delimitar o objecto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto”.”[3]. E como analisou o STJ, na Decisão de 27/9/2023, proferida no Proc. nº2702/15.8T8VNG-C.S1: “Com ampla sedimentação na jurisprudência deste tribunal, no funcionamento dos efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, do CPC, devemos distinguir, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da indicação dos concretos meios probatórios convocados e da decisão a proferir, a que aludem as alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 640º, que integram o denominado ónus primário, atenta a sua função de delimitação do objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. De outro lado, o requisito da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, para permitir que a Relação aceda de forma dirigida aos meios de prova gravados, que o recorrente entende necessários à reapreciação do sentido probatório dos factos impugnados. Ora, perante alguma dificuldade na aplicação do dispositivo legal em certas casuísticas, na aferição do cumprimento dos aludidos ónus pelo recorrente, devem perseverar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, modelando na medida necessária, os requisitos de forma. Tal como reiterado em diversos arestos deste Supremo Tribunal , v.g., «I. Constitui jurisprudência do STJ que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640.º do CPC deve ser compaginada com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo-se maior relevo aos aspectos de ordem material em detrimento das questões formais.(…)»; « (…)III - De acordo com a orientação reiterada do STJ, a verificação do cumprimento do ónus de alegação do art. 640.º do CPC tem de ser realizada com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal.(...)» .[4] No mesmo percurso, salienta o Acórdão do STJ de 19.01.2023 - «Entre os corolários do ónus de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consagrado no n.º 1 do art. 640.º do CPC, está o de que o recorrente deve sempre indicar nas conclusões do recurso de apelação os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados.» Por último, ainda na órbita do debate das exigências previstas no artigo 640º, nº1, do CPC, desenha-se como jurisprudência constante deste tribunal, o limite do cumprimento do ónus primário ( al) a) nas conclusões de recurso , como pontifica, entre outros, o Acórdão do STJ de 22.09.2022 - « II -Nesta linha interpretativa, tem vindo a admitir-se que, no que se refere às exigências das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 640.º do CPC, possam as mesmas ser cumpridas apenas no corpo das alegações. Já quanto ao ónus da alínea a) da mesma disposição legal, afigura-se que a jurisprudência não se encontra estabilizada, não obstante se admitir que tem vindo a prevalecer o sentido de que o incumprimento de tal ónus nas conclusões recursórias implica a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto. »[5] Pacífico vem sendo na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, ónus este que permite circunscrever o objeto do recurso no que concerne à decisão de facto. Deste modo, mesmo na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, vem a ser manifestada, reiteradamente, posição no sentido de, para cumprimento dos ónus impostos pelos art.s 639º e 640º, do CPC, o recorrente ter que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso. Ora, manifesto é que os Recorrentes não cumpriram aquele ónus, ao não indicarem nas conclusões do Recurso, a matéria de facto que pretendiam impugnar, como se pode verificar de uma leitura das conclusões, supra citadas. E, assim sendo, tem de entender-se que os Recorrentes, ao não cumprirem esses ónus não circunscreveram o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto, nos termos exigidos pelo legislador e interpretados pelos Tribunais Superiores, sendo a consequência de tal não cumprimento (imposto pela citada al. a), do nº1, do art. 640º, do CPC) a rejeição da impugnação na parte correspondente. Incumprindo os Recorrentes o ónus primário previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 640º, do CPC, não pode o recurso quanto à impugnação da decisão de facto deixar de ser rejeitado, o que se faz. Destarte, não tendo havido concreta e especificada impugnação da decisão de facto, já que não foram indicados nas conclusões das alegações concretos pontos de facto a apreciar, nenhuma efetiva impugnação de tal decisão foi efetuada, mas mera aparência de impugnação, que, por, totalmente, destituída de objeto, por impugnação da decisão de facto não pode ser havida e considerada, não sendo, por isso, de apreciar a decisão de facto, mantendo-se a decisão recorrida nessa vertente. * 2º - Da ineficácia da declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento, por falta de recebimento da comunicação (nem real nem presumidamente recebida). Insurgem-se o Réu e a interveniente contra a decisão recorrida que, na consideração do preenchimento dos pressupostos de procedência do direito invocado pela parte ativa, declarou a cessação do contrato de arrendamento referido nos autos, por denúncia, nos termos do disposto no artigo 1101º, alínea c) do Código Civil, e condenou o Réu a entregar à Autora o locado livre de pessoas e bens. Fundando a Autora e Intervenientes principais do lado ativo a sua pretensão na declaração do senhorio ao arrendatário que, por não pretender manter o contrato de arrendamento, o denunciou, através de escrito datado de 14/7/2017, denúncia essa comunicada por carta enviada sob registo e com aviso de receção, para produzir efeitos a 31/12/2019, verifica-se que o Réu, que nega o recebimento de tal comunicação e sustenta não poder a declaração enviada produzir efeitos por se não mostrar observado o que a lei, para tanto, impõe. Na decisão recorrida, considerou o Tribunal a quo operada a cessação do contrato de arrendamento, por denúncia, analisando: “Conforme nos dá conta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/3/2021, acessível em www.dgsi.pt com o nº 6208/19.8 T8PRT.P1.S1, “A denúncia consiste precisamente na declaração feita por uma das partes à outra, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável ou fixado por tempo indeterminado. Permite, pois, fazer cessar unilateralmente um contrato de duração indeterminada, ou evitar a sua renovação automática. Extingue a relação obrigacional complexa derivada do contrato cuja renovação ou continuação impede. Denunciado o arrendamento, cessam, a partir do momento em que a declaração opera os seus efeitos, as obrigações, tanto do locador como do locatário (…). Em síntese, uma das partes comunica à outra que deseja pôr termo ao contrato”. Diz-nos ainda o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão citado, que “Tratando-se de um contrato de duração indeterminada, a denominada “denúncia livre ou não vinculada” - não é necessário invocar fundamentos para pôr termo ao contrato - por iniciativa do senhorio rege-se pela disciplina consagrada no art. 1101.º, al. c), do CC, aplicável ex vi do art. 1110.º, n.º 1 ou do art. 1110.º-A, n.º 1 (preceito este introduzido pela Lei n.º 13/2019), norma esta que foi invocada pela Autora na missiva que remeteu à Ré a comunicar a denúncia do contrato”. (…) Ao tempo do envio da carta que continha a comunicação à Ré da denúncia, pela Autora, do contrato - 22 de fevereiro de 2017 -, de acordo com o art. 1101.º, al. c), do CC, na redação então em vigor, dada pela Lei n.º 31/2012, “O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes: (…) al. c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a dois anos sobre a data em que pretenda a cessação.” Pode ainda ler-se neste aresto que “O facto que produz a denúncia do contrato e é, portanto, o facto extintivo do contrato de arrendamento é a declaração de denúncia. A cessação do arrendamento é o efeito ou consequência da comunicação feita pelo senhorio ao arrendatário”. E que, “para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário, o que, no caso dos autos, sucedeu a 22 de fevereiro de 2017, antes da entrada em vigor da Lei 13/2019 (13 de fevereiro de 2019). (…) É o que resulta do art. 12.º, n.os 1 e 2, do CC, pois o facto que desencadeia o efeito extintivo do contrato de arrendamento não é o decurso do prazo de pré-aviso (de dois anos, conforme o art. 1101.º, al. c), na redação da Lei n.º 31/2012, ou de cinco anos, segundo o mesmo preceito, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2019), mas antes, reitere-se, a comunicação da denúncia pelo senhorio ao arrendatário. (…) Em síntese: sem prejuízo de se aplicar aos contratos de arrendamento que subsistam à data da sua entrada em vigor, a Lei n.º 13/2019, de acordo com o art. 12.º, n.º 1 e n.º 2, 1.ª parte, assim como da 2.ª parte a contrario, não se aplica a factos extintivos (constitutivos ou modificativos) verificados antes do seu início de vigência, como é o caso da comunicação da denúncia do contrato pelo senhorio ao arrendatário. Quando a Lei n.º 13/2019 entrou em vigor, já se havia constituído na esfera jurídica do senhorio o direito de denúncia do contrato, e este já o tinha adequadamente exercido. A denúncia rege-se, pois, pela lei em vigor ao tempo da sua comunicação ao arrendatário (art. 1101.º, al. c), na redação da Lei n.º 31/2012). Portanto, o contrato de arrendamento cessa após o decurso do período de dois anos subsequente àquela comunicação”, e entendendo que a denúncia, efetuada através do envio das missivas de 14/7 e de 12/9/2017 – vide pontos 9) e 10), dos factos provados -, operou, não obstante as cartas, enviadas para o 1º andar, como dos autos consta, terem sido devolvidas por falta de reclamação, pois que, apesar de não terem sido recebidas, o senhorio enviou, no prazo de 30 a 60 dias sobre a data da primeira carta, uma nova carta registada com aviso de receção, a implicar que a notificação se considera recebida no 10º dia posterior ao envio (artigo 10.º/4, do NRAU), considerou procedente a ação. E frisa o Tribunal a quo: “à data da celebração do contrato (14/12/1992), o locado era identificado como Rua ..., rés-do-chão direito – vide os pontos 2) e 4) dos factos provados. No entanto, posteriormente, ocorreu a retificação quer na escritura de constituição de propriedade horizontal do edifício em que o locado se situa, que teve lugar a 9/7/2008, bem como na respetiva caderneta predial urbana, no sentido de passar a ser considerado “1º direito”, concluindo que a “denúncia do contrato de arrendamento, corporizada nas missivas já identificadas, produziu os seus efeitos, dado que respeitou todos os trâmites que a lei exige para que se considere tal comunicação como eficaz”. Contra este entendimento se insurgem os apelantes que afirmam não ter operado a denúncia, por as cartas não terem sido remetidas para a morada constante do contrato e, não avisados delas, não tiveram conhecimento da declaração. A questão a analisar e a decidir é a de saber se, não tendo havido real comunicação da declaração de oposição à renovação, houve comunicação presumida. Conheçamos. A regular a relação contratual de arrendamento referida nos autos temos o contrato de arrendamento, livremente celebrado ao abrigo da autonomia privada. Contudo, sendo as partes livres para o celebrarem e para estipularem as cláusulas, não vedadas por lei, que lhes aprouver, uma vez nele acordando, ficam vinculadas aos seus termos. E é à luz do acordado entre senhorio e arrendatário que cumpre aferir dos direitos e obrigações das partes e das legítimas expectativas das mesmas, tuteladas pelo direito, sendo o contrato a regê-los, a menos que, por acordo das partes, lhe seja introduzida modificação ou que resulte uma real modificação com que as partes bem pudessem estar, já, a contar. Com efeito, uma vez celebrado um contrato, o mesmo passa a reger a relação entre as partes, não podendo, de forma válida, uma delas introduzir-lhe, unilateralmente, alterações/retificações, as quais só são lícitas e aplicáveis à relação contratual se, obedecendo às exigências legais, designadamente de forma, resultarem de acordo das partes. E como, no cumprimento das obrigações, as partes têm de atuar de boa fé – cfr., desde logo, a disposição geral do nº2, do art. 762º, do Código Civil -, sempre que uma parte crie uma circunstância suscetível de contender com os direitos da outra parte ou com as suas legitimas expectativas, tem a mesma o dever de a informar, no cumprimento de deveres, mesmo que acessórios, que do contrato para si resultam. Assim, no âmbito de um contrato de arrendamento, alteração havida no direito de propriedade, com constituição do prédio em propriedade horizontal e alterações que daí resultam para o locado, devem ser informadas pelo senhorio ao arrendatário, a fim de este contar com tal alteração, designadamente, e para o que no caso releva, a nível de determinação do seu recetáculo postal. Em causa nos autos está pretensão da Autora e intervenientes principais de cessação do invocado contrato de arrendamento, junto aos autos, denunciado pelo senhorio mediante carta registada com aviso de receção. As comunicações entre senhorio e arrendatário encontram-se reguladas na SECÇÃO I, do CAPÍTULO II, do NRAU, dispondo, nessa matéria, o artigo 9º, que regula a “Forma da comunicação” do seguinte modo: “1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção. 2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. (…)”. Neste conspecto, para que declaração de denúncia do contrato de arrendamento, enviada pelo senhorio ao arrendatário, com vista à cessação do contrato de arrendamento, por carta registada com aviso de receção, possa ser considerada válida e eficaz, observadas têm de se mostrar as exigências legais para o efeito. E, nos termos do nº2, as cartas dirigidas ao arrendatário têm, na falta de indicação por escrito deste em contrário, de ser “remetidas para o local arrendado”, devendo, nos termos do nº5, as comunicações conter o endereço completo, sempre tendo as partes o dever de comunicar alterações de endereço por si provocadas (negrito e sublinhado nosso). No caso, não resultando a existência de escrito em contrário, tinham as cartas do senhorio ao arrendatário de ser remetidas para o local arrendado (cfr. referido nº2) para que a declaração pudesse chegar e ser conhecida pela parte interessada. Constata-se existir documento escrito a formalizar o contrato de arrendamento do qual resulta ser o local arrendado o “res-do-chao direito do andar sito na Rua ... Porto” e nenhuma alteração ou retificação ao referido contrato vindo alegada ter sido acordada pelas partes, sequer alegado tendo sido o conhecimento do arrendatário, em data anterior à devolução das cartas, da alteração havida na propriedade do edifício e de implementação da alteração a nível dos recetáculos postais das frações autónomas constituídas, não podem ser consideradas satisfeitas as exigências legais que permitam considerar operada, através das cartas enviadas, a comunicação ao arrendatário. Figurando no contrato ser o local arrendado o “res-do-chao direito do andar sito na Rua ... Porto”, constata-se que as cartas não foram enviadas para esse local mas para outro (“Rua ... ... Porto”), não podendo a declaração, assim enviada, ser validamente considerada como meio de operar a comunicação. Na verdade, não vem alegada qualquer alteração ao contrato de arrendamento, a qual tinha de advir de acordo do senhorio e arrendatário, retificação comunicada pelo senhorio ao arrendatário ou, sequer, real retificação que este conhecesse como tendo sido efetuada e, por isso, continua a ser à luz do contrato de arrendamento que tem de ser analisada a questão, sendo que nele o locado vem identificado como sendo o R/C direito. Também nada vem alegado[6] quanto a alterações havidas na sequência da constituição da propriedade horizontal a nível dos recetáculos postais. A presunção de recebimento da declaração, decorrente do envio de segunda carta, mesmo que devolvida, a extrair do n.º 4 do art.º 10.º do NRAU[7], nunca poderia, no caso, operar por as cartas dirigidas ao arrendatário (na falta de indicação, por escrito, deste em contrário), serem a remeter para o local arrendado, o R/C direito, e não o foram. Não alegaram e demonstraram as partes ativas, como lhes competia[8], já que se trata de factos, essenciais, constitutivos do direito que invocam e que, pela ação estão a exercer, nos termos do nº1, do art. 342º, do Código Civil e nº1, do art. 5º, do CPC, que as cartas foram enviadas para o local do locado (confrontar o contrato de arrendamento com as cartas de oposição à renovação). Como sumariado vem no referido Ac. RP de 12/7/2023, proferido no proc. nº 25/23.8YLPRT.P1, Relatado pelo Sr. Desembargador ora Adjunto, numa situação de exercício de um outro direito potestativo, “O contraente que exerce o direito de resolução do contrato tem o ónus de alegar e provar o fundamento legal ou contratual que lhe confere esse direito potestativo (artigo 342º, nº 1 do Código Civil), competindo-lhe por isso alegar os factos essenciais de que depende o nascimento do direito potestativo de resolução do contrato (artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil)”, o mesmo se verificando no caso, de exercício do direito de denúncia, em que a parte que exerce o direito tem o ónus de alegar e provar, desde logo, a comunicação da denúncia. Na verdade, as cartas de oposição à renovação do contrato de arrendamento, de 14/07/2017 e 12/09/2017, não foram enviadas para o local arrendado, em cumprimento do estatuído no n.º 2, do art.º 9, do NRAU, e não alegou o senhorio a efetiva comunicação nem que criou as condições, que cumpriu os deveres necessários ao preenchimento dos requisitos impostos para que a presunção de recebimento da comunicação pudesse funcionar, ónus seu, pois que de factos constitutivos do direito que invoca se trata. Com efeito, vindo alegada a constituição do edifício onde se situa o locado, posteriormente à celebração do contrato de arrendamento, em propriedade horizontal e que, devido a tal, a identificação do locado constante do contrato foi alterada - passou a ser fração autónoma designada pela letra “C”, sita no 1º Direito - constata-se não terem sido alegadas pela parte ativa as alterações implementadas e as comunicações ao arrendatário para que o mesmo, no seu conhecimento, com isso pudesse conformar a sua atuação e saber com o que legitimamente podia contar, designadamente a nível da receção de correspondência. E nada tendo sido alegado ter sido alterado/retificado no contrato por acordo das partes e nenhuma comunicação da transformação da propriedade resultando alegada e comprovada e não resultando ser pelo arrendatário conhecida identificação do locado diversa da constante do contrato à data dos avisos das cartas em causa, não pode considerar-se, por elas, validamente efetuada a comunicação. Nenhuma alteração/retificação pode ser considerada, validamente, introduzida ao contrato de arrendamento que, por isso, continua a regular a relação das partes, não podendo ao arrendatário ser oponível a alteração efetuada, unilateralmente, pelo senhorio. Não resultando, pois, validamente efetuada a comunicação, mesmo que só a presumida, é ineficaz a declaração de denúncia, não levada ao conhecimento do arrendatário (nem real nem presumidamente). Assim, olhando às circunstâncias do caso, certo é que, resulta provado que no contrato de arrendamento, celebrado em 1992, vem indicado o locado como sendo o R/C direito e as cartas registadas foram enviadas para o 1º direito, do mesmo edifício. E nenhum, posterior, acordo das partes sendo alegado, a alterar o contrato celebrado, sequer comunicação do senhorio ao arrendatário da escritura de constituição de propriedade horizontal, a implicar alteração ao constante do contrato, e atuação a implementar as modificações introduzidas, designadamente a nível de recetáculos postais, não pode considerar-se efetuada a comunicação da denúncia ao arrendatário pelas cartas enviadas para um andar que no contrato de arrendamento não figurava como sendo o local arrendado. Destarte, não tendo as cartas sido enviadas para o local acordado entre as partes como sendo o do arrendado, não pode a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento ser considerada recebida, sendo, assim, ineficaz a declaração enviada (não real nem presumidamente, recebida). Em suma: Sendo, no âmbito do contrato de arrendamento, as comunicações, exigidas por lei, entre senhorio e arrendatário, relativas a cessação do contrato de arrendamento, realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção (regra esta que, contudo, comporta exceções) tem, para que a comunicação se estabeleça e a declaração seja eficaz e possa operar, a carta de ser recebida pelo destinatário ou, a não o ser e devolvida, por não ter sido levantada, o senhorio de remeter nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, caso este em que, a vir novamente devolvida, a comunicação se considera recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio - cfr. art.s 9º e 10º, do NRAU. Contudo, para que tal aconteça as cartas, dirigidas ao arrendatário, têm, na falta de indicação por escrito deste em contrário, de ser remetidas para o local arrendado (v. nº2, do referido art. 9º) e, na falta do referido escrito, é ineficaz para estabelecer a comunicação declaração enviada para local diverso. Destarte, a declaração de denúncia do contrato de arrendamento enviada para o 1º direito quando do contrato de arrendamento figura, como local arrendado, o R/C direito, no não recebimento das referidas cartas, não pode ser tida por eficaz. Outra solução apenas poderia advir de alegação e prova: i) de alteração, por acordo das partes, ao contrato de arrendamento, a conformá-lo com a constituição da propriedade horizontal (pois que ao, livremente, acordado no contrato ficam as partes submetidas); ou ii) de comunicação pelo senhorio ao arrendatário da constituição da propriedade horizontal e implementação das alterações nos recetáculos postais das frações autónomas (dado terem as mesmas de se pautar, no cumprimento das obrigações, que para si emergem do contrato pelas regras da boa fé (v. nº2, do art. 762º, do Código Civil), sobre elas impendendo, além dos deveres principais, deveres acessórios, como o de informar alterações implementadas no locado para que, com elas, a outra parte possa contar). E certo é ser sobre a parte ativa a impender os ónus de alegação e da prova dos factos, essenciais, constitutivos do seu direito potestativo (nº1, do art. 342º, do CC e nº1, do art. 5º, do CPC), sob pena de a sua pretensão soçobrar. Neste conspecto, na procedência das conclusões da apelação, por se verificar que a, enviada, declaração de denúncia sequer presumidamente pode ser considerada recebida, tem a decisão recorrida de ser revogada e, improcedendo a ação, não cabe apreciar a reconvenção dado que a mesma foi deduzida, apenas, para o caso de a ação proceder. * III. DECISÃOPelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogando a decisão recorrida, julgam a ação improcedente, absolvendo os Réus do pedido. * Custas pelos apelantes, pois que ficaram vencidos – art. 527º, nº1 e 2, do CPC. Porto, 13 de novembro de 2023 Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores Eugénia Cunha Anabela Morais Carlos Gil __________________ [1] Não 2017, como certamente por lapso de escrita constava do artigo 14º da petição inicial, tratando-se de retificação determinada pelo Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 249º do Código Civil. [2] Vide, neste sentido, quanto à inadmissibilidade de despacho de convite ao aperfeiçoamento em caso de incumprimento do ónus primário de impugnação da decisão de facto, por todos, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 134, e, ainda, na jurisprudência, AC STJ de 19.12.2018, relatora MARIA GRAÇA TRIGO e AC STJ de 24.05.2018, relatora FERNANDA ISABEL PEREIRA, ambos disponíveis in www.dgsi.pt [3] Ac. RP de 14/11/2022, proc. 537/22.0T8PVZ.P1 (Relator: Jorge Seabra). [4] De 07-11-2019 – Revista n.º 162867/15.0T8YIPRT.L1.S1; de 08-02-2018, Revista 8440/14.1T8PRT.P1.S1, ambos desta 2ªsecção, in www.dgsipt [5] Na Revista n.º 3160/16.5T8LRS-A.L1-A.S1 in www.dgsi.pt. [6] Meramente alegado vem, na petição inicial, com relação à questão: “… 4.º A referida fração arrendada, à data da celebração do contrato de arrendamento, em que o respetivo prédio urbano era um edifício em propriedade total, era identificada como tratando-se de um R/Chão Direito, tendo posteriormente ocorrido a retificação quer na escritura de constituição da propriedade horizontal do edifício em que a referida fração se situa, que teve lugar em 9 de julho de 2008, bem como na respetiva caderneta predial urbano já junta, no sentido de o mesmo passar a ser considerado 1.º Direito, ao invés de R/Chão Direito, conforme cópia da escritura de constituição da propriedade horizontal que se junta e dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos. – Cfr. Doc.4; (…) 9.º Pretendendo fazer cessar o referido contrato de arrendamento, tendo em vista a produção de efeitos no dia 31 de dezembro de 2019, desencadeou o falecido marido da requerente a necessária denúncia do mesmo, tendo remetido ao arrendatário aqui Requerido, no dia 14 de julho de 2017, carta registada com aviso de receção para a morada do locado, em cumprimento da formalidade legalmente exigida no n.º 1 do artigo 9.º NRAU, a qual viria devolvida em virtude de não ter sido levantada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, conforme cópia da carta remetida e respetivos comprovativos de registo e aviso de receção. – Cfr. Docs. 7 e 8; 10.ºTendo sido remetida nova missiva, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 10.º NRAU ex vi da alínea c) do n.º 2 do mesmo preceito, a qual foi remetida no dia 12 de setembro de 2017, isto é, cumprindo a indicação legal de envio da segunda missiva, decorridos que sejam “30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.”, conforme cópia da carta remetida e respetivos comprovativos de registo e aviso de receção. – Cfr. Docs. 9 e 10; 11.º Sendo igualmente objeto de devolução a segunda missiva, nos termos do n.º 4 do artigo 10.º NRAU: “considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio”, isto é, o Requerido, considera-se, para todos os devidos e legais efeitos, notificado do teor da comunicação para denúncia do contrato, no dia 22 de setembro de 2017”. [7] Dispõe este preceito “4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio”. [8] Cfr. Ac. da RP de 12/7/2023, proferido no proc. nº 25/23.8YLPRT.P1, relativamente a exercício de direito de resolução do contrato. |