Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
434/21.7T8OVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
HERANÇA INDIVISA
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
MORA
CLÁUSULAS CONTRATUAIS
Nº do Documento: RP20230605434/21.7T8OVR-A.P1
Data do Acordão: 06/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A herança apenas é dotada de personalidade judiciária enquanto estiver jacente, ou seja, enquanto ainda não tiver sido aceita nem declarada vaga para o Estado.
II - A herança indivisa, ao invés da herança jacente não goza de personalidade judiciária, devendo estar na lide, consoante o seu objeto, ou o cabeça de casal, enquanto administrador da referida herança (vejam-se os artigos 2079º e 2087º a 2090º, todos do Código Civil), ou todos os herdeiros (artigo 2091º, nº 1, do Código Civil).
III - A oposição à ação executiva é o meio próprio de o executado reagir contra a pretensão executiva formulada pelo exequente e não o fazendo no momento e tempo próprios, o executado vê precludida a possibilidade de se prevalecer dos meios de defesa de que dispunha contra a pretensão executiva, apenas podendo suscitar matéria de defesa superveniente, tal como se prevê no nº 2 do artigo 728º do Código de Processo Civil.
IV - A inobservância do ónus de dedução de embargos de executado numa primeira ação executiva que terminou sem satisfação dos créditos exequendos e por inércia da exequente não determina que numa segunda ação executiva fundada nos mesmos títulos da precedente apenas possa ser deduzida oposição fundada em matéria superveniente que não pudesse ter sido invocada na precedente ação executiva.
V - A mora é um incumprimento temporário e no caso das obrigações pecuniárias em que por definição nunca existe impossibilidade de cumprimento, isso significa que a circunstância de existir um vencimento antecipado neste tipo de obrigações não exclui o dever de reparar as consequências da mora relativamente aos valores em relação aos quais operou o vencimento antecipado, mora que apenas cessará quando se verificar o cumprimento em falta.
VI - A aplicabilidade do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais pressupõe previamente que quem se quer prevalecer desse regime alegue factos que permitam enquadrar as convenções em causa nessa figura.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 434/21.7T8OVR-A.P1


Sumário do acórdão proferido no processo nº 434/21.7T8OVR-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 11 de outubro de 2021, invocando o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e bem assim de nomeação e de pagamento de compensação a patrono, por apenso à ação executiva nº 434/21.7T8OVR, instaurada em 14 de março de 2021 por A... S.A.[1], pendente no Juízo de Execução de Ovar, Comarca de Aveiro, AA veio deduzir embargos de executado suscitando a ilegitimidade ativa da exequente, em virtude de não ter sido notificado das sucessivas cessões de créditos dos créditos exequendos, a ilegitimidade passiva porque por força do óbito de BB em 17 de maio de 2001, facto do conhecimento da exequente, não podia a ação executiva ser instaurada contra a referida BB, devendo antes ser intentada contra a herança ilíquida e indivisa da referida BB, não tendo os herdeiros desta legitimidade para por si estarem em juízo, mas sim como representantes da referida herança indivisa, a extinção da dívida exequenda em virtude do banco mutuante ter acionado logo após o óbito de BB o seguro de vida celebrado aquando dos contratos de mútuo exequendos e em benefício do aludido banco, a prescrição ordinária do crédito de capital já que a falta de cumprimento das prestações contratadas se verifica desde 09 de maio de 2001, que a exequente alegou que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas, tendo o embargante sido citado para a ação executiva em data posterior a 09 de maio de 2021, tendo assim decorrido mais de vinte anos sobre o vencimento dos créditos exequendos, a prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos, os quais em todo o caso foram calculados com taxas que não são as aplicáveis, concluindo pela ilegitimidade ativa da exequente, pela ilegitimidade passiva da executada BB por ser do conhecimento da exequente que era falecida à data da instauração da ação executiva, pela ilegitimidade passiva dos sucessores de BB por se acharem na lide em nome próprio e não como representantes da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, pela extinção da obrigação exequenda por pagamento em virtude do acionamento pelo banco mutuante do seguro de vida subscrito pelos mutuários e após a morte de BB, pela prescrição ordinária dos créditos exequendos, pela prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos, pela inaplicabilidade das taxas de juros alegadas no requerimento executivo por serem contrárias ao regime do crédito bonificado previsto no decreto-lei nº 220/94 de 23 de agosto e de que os mutuários eram beneficiários e pela inaplicabilidade da sobretaxa de 4% por visar apenas as situações de mora e não as situações de incumprimento e, subsidiariamente, a inaplicabilidade da cláusula contratual que prevê a sobretaxa de 4% ao ano em caso de mora, por violação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, pois não se acha previsto o modo de determinar o valor da sobretaxa a aplicar em cada caso concreto.
Em 18 de outubro de 2011, AA veio alegadamente requerer a junção aos autos de comprovativo de pagamento faseado de taxa de justiça e de nomeação de patrono[2].
Notificada a exequente para, querendo contestar, a mesma contestou alegando que as cessões de créditos foram notificadas por cartas remetidas para a morada do embargante e que, ainda que assim não fora, a citação para a execução supriria essa eventual omissão, que logo no requerimento executivo requereu a habilitação dos herdeiros da mutuária falecida, vindo na sequência de despacho a identificar e demandar esses herdeiros, que não tem conhecimento que tenha sido acionado um qualquer seguro de vida e que a existir, era ónus do embargante e dos demais executados acionar o seguro dentro do prazo contratualmente previsto, que a ação executiva foi instaurada em 14 de março de 2021, não tendo nessa data decorrido o prazo de prescrição ordinária, pois que a prescrição se interrompeu em 19 de março de 2021 e, além disso, em 26 de março de 2004, o embargante foi demandado como herdeiro habilitado da falecida mutuária pelo primitivo credor em ação executiva que terá findado em 2013, sem que se conseguisse vender o imóvel penhorado e hipotecado para garantia do crédito exequendo, tendo o prazo prescricional estado interrompido entre 2004 a 2013, improcedendo por tal razão quer a prescrição do capital, quer a prescrição dos juros, devendo os juros ser calculados às taxas indicadas no requerimento executivo e que se acham em conformidade com o documento complementar das escrituras de constituição dos mútuos, improcedendo totalmente os embargos de executado.
AA notificado para, querendo, responder à contestação, ofereceu requerimento reiterando a posição assumida na petição de embargos, referindo que a interrupção da prescrição só opera com a citação e ainda não foi citada a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, pelo que o prazo de prescrição continua a correr.
Em 20 de fevereiro de 2022 foi proferido despacho a dispensar a audiência prévia, fixou-se o valor da causa no montante de € 90.131,31, julgaram-se improcedentes as exceções de ilegitimidade ativa e passiva e bem assim a exceção de prescrição ordinária da obrigação de reembolso do capital, identificou-se o objeto do litígio e enunciou-se um tema da prova, conheceu-se dos requerimentos probatórios das partes, designando-se dia para realização da audiência final.
A audiência final realizou-se numa sessão.
Durante a audiência final, foi proferido o seguinte despacho:
“(…)
DESPACHO DE ADVERTÊNCIA/CONSULTA
Ao abrigo dos deveres de advertência e de consulta, ínsitos aos artigos 3.º, n.º 3, e 7.º, do Código de Processo Civil, o Tribunal comunica às partes, após ponderação da circunstância de os dois títulos executivos já terem sido utilizados pelo credor cedente em anterior execução movida contra os dois mutuários (processo nº 319/04.1TBETR), e tendo ainda em consideração que o agora embargante foi citado no âmbito daqueles autos em 0103-2006 (cf. aviso de receção assinado e junto àqueles autos a fls. 75), bem como foram citados os herdeiros da mutuária BB no âmbito do apenso A aos mesmos autos de execução (habilitação de herdeiros, processo 319/04.1TBETR-A), impõe-se concluir que se verifica a exceção de preclusão quanto aos fundamentos de defesa não supervenientes, ou seja, quantos aos meios de defesas cujos pressupostos fácticos já estavam constituídos à data em que decorreu o prazo para oposição à execução nº 319/04.1TBETR, quer quanto ao aqui embargante, quer quanto aos herdeiros da mutuária BB.
O Tribunal considera que, no âmbito da execução, o executado tem o ónus de se defender, exaurindo toda a defesa disponível no momento em que é citado para os termos da execução (neste sentido, v. J. CASTRO MENDES/ M. TEIXEIRA DE SOUSA, in Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL, 2022, Lisboa, p. 688).
Considerando que os meios de defesa que ainda estão por decidir nestes autos são os indicados no ponto 4 do despacho saneador (cf. fls. 73 dos presentes autos), o Tribunal mais comunica às partes que, com exceção da prescrição dos juros de mora – que se encontra admitida pela Embargada –, os demais meios de defesa encontram-se precludidos (a saber, a exceção de pagamento com base na existência de seguro de vida; a admissibilidade das taxas de juros remuneratórios convencionadas e admissibilidade da cláusula penal), dado que estes meios de defesa já se encontravam constituídos e, por isso, podiam ter sido alegados como fundamento de oposição à execução nº 319/04.1TBETR.
A exceção de preclusão é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso.
Determina-se que a Secretaria certifique o trânsito em julgado da sentença da habilitação de herdeiros proferida no apenso A da execução 319/04.1TBETR, bem como a falta de oposição àquela execução deduzida quer pelo embargante, quer pelos herdeiros da outra mutuária.
(…)”.
Foi concedido às partes o prazo de 15 dias para, querendo, se pronunciarem sobre a exceção de preclusão e nenhuma delas tomou posição.
Em 03 de junho de 2022 foi proferida sentença[3] que terminou com o dispositivo que se reproduz de seguida e na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso:
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decido parcialmente procedente os Embargos do Executado, devendo a execução, em consequência, prosseguir os seus termos para cobrança da quantia liquidada no requerimento executivo, com exceção dos juros de mora que, à data da citação do Embargante na ação executiva, se tiverem vencido há mais de cinco anos.
Condeno ambas as partes nas custas processuais, na proporção de 2/3 para o Embargante e 1/3 para a Embargada (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, CPC), na vertente de custas de parte, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o primeiro.
Em 13 de julho de 2022, inconformado com a sentença cujo dispositivo precede, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Tendo a exequente conhecimento em momento prévio à instauração dos autos de execução que um dos devedores originários havia falecido em 17 de maio de 2001, para assegurar a legitimidade passiva deveria a exequente intentar a execução contra a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da devedora originária entretanto falecida.
2. Os herdeiros de uma herança ilíquida e indivisa não têm legitimidade por si para a lide, mas sim e tão somente enquanto representantes da herança ilíquida e indivisa.
3. Sendo um casal os devedores originários e tendo já falecido um dos elementos desse casal, no caso vertente o óbito ocorreu em 17 de maio de 2001, a execução deveria ter sido instaurada não só contra o devedor originário ainda vivo, como também, contra a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da devedora originária ja falecida representada por todos os herdeiros que concorrem àquela sucessão.
4. No caso sub judice e quanto aos sujeitos processuais, o pólo passivo é necessariamente constituído por AA e pela Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, representada por AA e pelos filhos CC e por DD.
5. A preterição nos autos de execução de um litisconsórcio passivo necessário, nos termos já acima aduzidos, acarreta a absolvição da instância.
6. A douta sentença ora em crise viola o princípio da igualdade das partes previsto no art. 4.º, do Código de Processo Civil, bem como o princípio de um processo equitativo consagrado no art. 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e,
7. Faz uma incorreta aplicação do preceituado no art. 573.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Uma vez que o objeto do recurso tem natureza estritamente jurídica, com o acordo dos restantes membros do coletivo, dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da aferição da existência de preterição de litisconsórcio necessário passivo em virtude de não ser executada a Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, representada por AA e pelos filhos CC e por DD[4];
2.2 Da violação do princípio da igualdade das partes e das regras do processo equitativo por força da preclusão de fundamentos de defesa do recorrente sustentada na decisão recorrida.
3. Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida[5] e que não foram impugnados pelo recorrente, não se divisando fundamento para a sua alteração oficiosa, ampliando-se oficiosamente a matéria de facto em função do necessário para conhecimento das questões que na decisão recorrida se consideraram precludidas[6] tendo em conta a prova documental oferecida pela exequente com o seu requerimento executivo, com força probatória plena e a ausência de oferecimento de prova documental referente aos contratos de seguros que o embargante afirma terem sido celebrados
3.1 Factos Provados
3.1.1
Em 22.03.2004, “Banco 1..., S.A.”, com o NIPC ..., instaurou execução na forma comum para pagamento de quantia certa, que correu termos pelo extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Estarreja com o n.º 319/04.1TBETR, contra AA, com o NIF ..., e BB, com o NIF ..., com fundamento na escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Estarreja, em 09.04.1997, exarada a fls. 68 e ss. do Livro ...18..., da qual faz parte integrante o documento complementar a ela anexo, através da qual aquele banco concedeu àqueles executados, a título de empréstimo, a quantia de 4.500.000$00[7], e ainda com fundamento na escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Estarreja, em 09.04.1997, exarada a fls. 68 e ss. do Livro ...18..., da qual faz parte integrante o documento complementar a ela anexo, através da qual aqueles banco concedeu àqueles executados, a título de empréstimo, a quantia de 1.600.000$00, tendo a exequente formulado o seguinte pedido:
- 1.º empréstimo:
. Capital em dívida: € 20.733,96;
. Juros moratórios vencidos e não pagos, calculados desde 09.05.2001.
- 2.º empréstimo:
. Capital em dívida: € 2.867,60;
. Juros moratórios vencidos e não pagos, calculados desde 09.10.2001.
3.1.2
Em virtude do decesso da executada BB, por apenso àquela execução (apenso A), foram habilitados como herdeiros da falecida AA, CC e DD.
3.1.3
No apenso de Habilitação de Herdeiros n.º 319/04.1TBETR-A, a sentença de habilitação foi notificada às partes em 26.06.2006 e transitou em julgado em 31.07.2006.
3.1.4
Os herdeiros da mutuária BB, depois de notificados da sentença da habilitação de herdeiros proferida no processo n.º 319/04.1TBETR-A, e depois de terem sido citados para os termos da execução n.º 319/04.1TBETR não deduziram oposição à penhora nem oposição àquela execução.
3.1.5
O agora embargante nestes autos (AA), depois de ter sido citado, em 01.03.2006, para os termos da execução n.º 319/04.1TBETR não deduziu oposição à penhora nem oposição àquela execução.
3.1.6
A execução n.º 319/04.1TBETR foi extinta pelo agente de execução ali designado, por decisão tomada em 26.06.2013, com fundamento na falta de impulso processual, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11/1.
3.1.7
Em 14.03.2021, “A..., S.A.”, pessoa coletiva n.º ..., com sede no Edifício ..., ..., Quinta ..., em Paço de Arcos, na qualidade de cessionária, instaurou execução na forma ordinária do processo comum para pagamento de quantia certa, contra AA, com o NIF ..., e os herdeiros da mutuária BB, com o NIF ..., com fundamento na escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Estarreja, em 09.04.1997, exarada a fls. 68 e ss. do Livro ...18..., da qual faz parte integrante o documento complementar a ela anexo, através da qual aquele banco[8] concedeu àqueles executados, a título de empréstimo, a quantia de 4.500.000$00[9], e ainda com fundamento na escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Estarreja, em 09.04.1997, exarada a fls. 68 e ss. do Livro ...18..., da qual faz parte integrante o documento complementar a ela anexo, através da qual aquele banco concedeu àqueles executados, a título de empréstimo, a quantia de 1.600.000$00.
3.8
No contrato de mútuo celebrado em 04 de abril de 1997 referente ao capital de 4.400.000$00 e antes mencionado, AA e BB declararam, além do mais, “Que, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e bem assim dos respectivos juros à taxa anual de ONZE, virgula, dezasseis por cento, acrescidos de uma sobretaxa até quatro por cento ao ano em caso de mora, despesas fixadas para efeitos de registo em duzentos mil escudos e do montante máximo de capital e acessórios na quantia de seis milhões seiscentos e um mil cento e vinte escudos, constituem a favor daquele banco hipoteca sobre aquele prédio atras identificado e ora adquirido.
Que o emprestimo e a hipoteca, se regulam pelo Decreto Lei 328B/86, de 30 de Setembro (REGIME BONIFICADO) e demais disposições legais aplicaveis e pelas condiçoes constantes do documento complementar de que têm perfeito conhecimento e inteiramente aceitam, elaborado de harmonia com o numero dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que também arquivo e faz parte integrante desta escritura, cuja leitura foi dispensada por os outorgantes declararem conhecer perfeitamente o seu conteudo.
3.9
No documento complementar do contrato referido no ponto que antecede, constam, além do mais, as seguintes cláusulas:
SECÇÃO I
CONDIÇÕES PARTICULARES
(…)
SEGUNDA: o empréstimo enquadra-se actualmente na Classe de Bonificação I.
TERCEIRA: O empréstimo vence juros sobre o capital em dívida, contados dia a dia e cobrados postecipadamente ao mês, calculados durante o primeiro período de contagem à Taxa Nominal Mensal de dez vírgula quarenta por cento, à qual corresponde a Taxa Anual Efectiva de onze vírgula dezasseis por cento, calculada nos termos do disposto no Decreto Lei número Duzentos e Vinte barra Noventa e Quatro de Vinte e Três de Agosto.
Nos períodos seguintes a taxa será actualizada por simples decisão do Banco, de harmonia com as taxas de juro ao tempo e em cada momento por ele sucessivamente praticadas para empréstimos do mesmo tipo, e sem dependência de comunicação prévia.
A taxa de juro do empréstimo encontra-se assim directamente indexada a variação as taxas fixadas no Preçário do Banco 1..., para as diferentes modalidades de crédito a habitação.
QUARTA: O empréstimo é concedido pelo prazo de vinte e cinco anos a contar desta data e será amortizado em trezentas prestações mensais, de capital e juros, a primeira no montante de vinte e quatro mil quatrocentos e cinquenta e um escudos com vencimento um mês após a data da presente escritura, e as restantes com vencimento em igual dia dos meses seguintes.
O montante das prestações seguintes poderá variar, nomeadamente, em função da taxa de juro ou de bonificação, mas será sempre comunicado pelo Banco aos mutuários.
(…)
SEXTA: Para o presente empréstimo os mutuários optaram pelo sistema de amortização por prestações constantes com bonificação decrescente.
(…)
SECÇÃO II
CONDIÇÕES GERAIS
PRIMEIRA: Tendo em conta as variações do rendimento anual bruto corrigido do agregado familiar, a bonificação será reajustada a partir do início do período anual seguinte da vida do empréstimo, considerando-se para efeitos da determinação do valor da bonificação a aplicar, o prazo já decorrido do empréstimo.
SEGUNDA: A comprovação do rendimento anual bruto e da dimensão do agregado familiar deverá ser comunicada ao Banco até dois meses antes da data do início do período anual seguinte do empréstimo.
A falta de tal comprovação determina a perda das bonificações a que o(s) Mutuário(s) teria(m) direito no período anual seguinte do contrato.
(…)
OITAVA: O(s) mutuário(s) obriga(m)-se a contratar um SEGURO DE VIDA cujas condições, constantes da referida apólice, serão as indicadas pelo Banco, bem como se obriga(m) a manter seguro o imóvel hipotecado contra os riscos e pelo valor que o Banco indique.
A(s) apólice(s) e actas adicionais do(s) seguro(s) ficarão em poder do Banco mutuante como interessado no(s) mesmo(s), na qualidade de credor hipotecário.
(…)
DÉCIMA TERCEIRA: Em caso de mora, os respectivos juros serão contados dia a dia e calculados à taxa que ao tempo vigorar para os juros remuneratórios contratuais, acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento.
DÉCIMA QUARTA: O Banco reserva-se o direito de, a todo o tempo e independentemente de qualquer regime especial aplicável, capitalizar juros remuneratórios correspondentes a um período não inferior a três meses e juros moratórios correspondentes a um período não inferior a um ano, adicionando tais juros ao capital em dívida, passando aqueles a seguir todo o regime deste.
3.10
No contrato de mútuo celebrado em 04 de abril de 1997 referente ao capital de 1.600.000$00 e antes mencionado, AA e BB declararam, além do mais, “Que, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e bem assim dos respectivos juros à taxa anual de ONZE, virgula, zero oito por cento, acrescidos de uma sobretaxa atè quatro por cento ao ano em caso de mora, despesas fixadas para efeitos de registo em duzentos mil escudos e do montante máximo de capital e acessórios na quantia de dois milhões quinhentos e vinte e três mil oitocentos e quarenta escudos, constituem a favor daquele Banco hipoteca sobre o seguinte prédio:
URBANO sito no ..., freguesia e concelho ..., composto de casa de habitação com quinta, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... – descrito na Conservatória do registo Predial ... sob o numero ..., e ali inscrito provisoriamente a favor dos primeiros outorgantes, pela inscrição G-dois, de 6 de Janeiro findo, cujo contrato de aquisição foi hoje celebrado neste Cartório Notarial por escritura exarada a folhas sessenta e oito , do livro cento e dezoito-C.
Que o emprestimo e a hipoteca, se regulam pelo Decreto Lei 328B/86, de 30 de Setembro (REGIME BONIFICADO) e demais disposições legais aplicaveis e pelas condiçoes constantes do documento complementar de que têm perfeito conhecimento e inteiramente aceitam, elaborado de harmonia com o numero dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que também arquivo e faz parte integrante desta escritura, cuja leitura foi dispensada por os outorgantes declararem conhecer perfeitamente o seu conteudo.
3.11
No documento complementar do contrato referido no ponto que antecede, constam, além do mais, as seguintes cláusulas:
SECÇÃO I
CONDIÇÕES PARTICULARES
(…)
SEGUNDA: o empréstimo enquadra-se actualmente na Classe de Bonificação I.
TERCEIRA: O empréstimo vence juros sobre o capital em dívida, contados dia a dia e calculados, durante o primeiro período de contagem, à Taxa Nominal Mensal de dez vírgula quarenta por cento, à qual corresponde a Taxa Anual Efectiva de onze vírgula zero oito por cento, calculada nos termos do disposto no Decreto Lei número Duzentos e Vinte barra Noventa e Quatro de Vinte e Três de Agosto.
Nos períodos seguintes a taxa será actualizada por simples decisão do Banco e sem dependência de comunicação prévia, de harmonia com as taxas de juro ao tempo por ele sucessivamente praticadas para empréstimos do mesmo tipo.
A taxa de juro do empréstimo encontra-se assim directamente indexada a variação as taxas fixadas no Preçário do Banco 1..., para as diferentes modalidades de crédito a habitação.
QUARTA: O empréstimo é concedido pelo prazo de vinte e cinco anos a contar desta data e vence juros, cobrados postcipadamente, com a seguinte periodicidade:
Durante o período previsto para a realização dos trabalhos de construção, ao qual corresponderá o período de utilização do empréstimo, que não poderá ir além de dois anos a contar desta data, serão cobradas prestações trimestrais de juros, a primeira com vencimento três meses após a presente escritura e no montante de mil quatrocentos e cinquenta e seis escudos.
Após a entrega pelo Banco o(s) mutuário(s) da última disponibilização da quantia mutuada, o empréstimo será amortizado em prestações mensais de capital e juros, com vencimento, em igual dia dos meses seguinte.
O montante das prestações poderá variar, nomeadamente, em função da taxa de juro ou de bonificação, mas será sempre comunicado pelo Banco aos mutuários.
(…)
SEXTA: Para o presente empréstimo os mutuários optaram pelo sistema de amortização por prestações constantes com bonificação decrescente.
(…)
SECÇÃO II
CONDIÇÕES GERAIS
PRIMEIRA: Tendo em conta as variações do rendimento anual bruto corrigido do agregado familiar, a bonificação será reajustada a partir do início do período anual seguinte da vida do empréstimo, considerando-se para efeitos da determinação do valor da bonificação a aplicar, o prazo já decorrido do empréstimo.
SEGUNDA: A comprovação do rendimento anual bruto e da dimensão do agregado familiar deverá ser comunicada ao Banco até dois meses antes da data do início do período anual seguinte do empréstimo.
A falta de tal comprovação determina a perda das bonificações a que o(s) Mutuário(s) teria(m) direito no período anual seguinte do contrato.
(…)
OITAVA: O(s) mutuário(s) obriga(m)-se a contratar um SEGURO DE VIDA cujas condições, constantes da referida apólice, serão as indicadas pelo Banco, bem como se obriga(m) a manter seguro o imóvel hipotecado contra os riscos e pelo valor que o Banco indique.
A(s) apólice(s) e actas adicionais do(s) seguro(s) ficarão em poder do Banco mutuante como interessado no(s) mesmo(s), na qualidade de credor hipotecário.
(…)
DÉCIMA TERCEIRA: Em caso de mora, os respectivos juros serão contados dia a dia e calculados à taxa que ao tempo vigorar para os juros remuneratórios contratuais, acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento.
DÉCIMA QUARTA: O Banco reserva-se o direito de, a todo o tempo e independentemente de qualquer regime especial aplicável, capitalizar juros remuneratórios correspondentes a um período não inferior a três meses e juros moratórios correspondentes a um período não inferior a um ano, adicionando tais juros ao capital em dívida, passando aqueles a seguir todo o regime deste.
3.2 Factos não provados[10]
3.2.1
AA e BB celebraram contratos de seguro de vida para garantia do pagamento dos capitais que lhes foram mutuados pelo “Banco 1..., S.A.” e cujo beneficiário, em caso de verificação do sinistro coberto, era o “Banco 1..., S.A.”
3.2.2
Os seguros de vida foram acionados, tendo o “Banco 1..., S.A.” sido reembolsado.

4. Fundamentos de direito
4.1 Ocorre preterição de litisconsórcio necessário passivo em virtude de não ser executada a Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, representada por AA e pelos filhos CC e por DD?
O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida por preterição de litisconsórcio necessário passivo por não ser executada a Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, representada por AA e pelos filhos CC e DD.
Em sede de despacho saneador, o tribunal a quo proferiu a seguinte decisão sobre esta questão:
2.1.2. Ilegitimidade ad causam da Executada falecida e dos herdeiros
Esta exceção também pode ser conhecida no despacho saneador, dado que as partes sobre ela já se pronunciaram na fase dos articulados.
Como já se disse, a sociedade Exequente alegou os factos relativos à transmissão do crédito exequendo, conforme os parágrafos 1.º e 2.º do requerimento executivo, mas não demandou a herança da executada falecida BB.
Por despacho datado de 10.05.2021, foi a Exequente convidada a aperfeiçoar o requerimento executivo, identificando os sucessores daquela Executada para que estes pudessem ser citados para os termos da execução em representação da herança aberta por óbito dessa executada, o que a Exequente fez através do requerimento apresentado nos autos principais em 24.05.2021.
Por despacho datado de 05.09.2021, foi o agente de execução notificado para repetir o ato de citação dos herdeiros, agora, apenas na qualidade de sucessores da mutuária falecida, nos termos do disposto no art. 54.º, n.º 1 do CPC, e foi nessa qualidade que os sucessores foram citados.
Termos em que improcede a exceção invocada.
Cumpre apreciar e decidir.
Pela forma como o recorrente coloca esta questão parece seguro inferir-se que, na sua perspetiva, quem deve estar na lide é a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, herança que seria representada por todos os seus herdeiros, ou seja, o marido sobrevivo e os dois filhos do casal.
Porém, há neste entendimento um equívoco já que, a herança apenas é dotada de personalidade judiciária enquanto estiver jacente, ou seja, enquanto ainda não tiver sido aceita nem declarada vaga para o Estado (artigo 12º, alínea a) do Código de Processo Civil e artigo 2046º, nº 1, do Código Civil).
Ora, no caso dos autos, como resulta da posição do embargante na petição de embargos, a aludida herança foi já objeto de aceitação, achando-se indivisa e ilíquida em virtude de não ter sido objeto de partilha entre os diversos herdeiros da de cujus.
A herança indivisa, ao invés da herança jacente não goza de personalidade judiciária, devendo estar na lide, consoante o objeto desta, ou quem exerce as funções de cabeça de casal, enquanto administrador da referida herança (vejam-se os artigos 2079º e 2087º a 2090º, todos do Código Civil), ou todos os herdeiros (artigo 2091º, nº 1, do Código Civil).
No caso dos autos visa-se a execução coerciva de dois contratos de mútuo garantidos por hipoteca de bem imóvel integrado em herança indivisa, não se tratando de ato de administração para o qual esteja isoladamente legitimado o cabeça de casal, razão pela qual devem estar na lide todos os herdeiros da falecida mutuária, nessa qualidade (vejam-se os artigos 744º do Código de Processo Civil e 2071º do Código Civil).
Deste modo, improcede esta questão recursória, na medida em que a herança da falecida mutuária é destituída de personalidade judiciária e, por outro lado, estão na lide todos os seus herdeiros, nessa qualidade.
4.2 Da violação do princípio da igualdade das partes e das regras do processo equitativo
O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida na parte em que afirmou existir preclusão de dedução dos meios de defesa que podiam ter sido já deduzidos na primeira ação executiva por tal se traduzir numa violação do princípio da igualdade, na medida em que essa preclusão apenas opera relativamente aos executados, não estando a exequente sujeita a qualquer ónus, restrição ou impedimento de instauração de uma segunda execução e bem assim das regras do processo equitativo na medida em que o embargante e os restantes executados foram citados em terceira pessoa, não se demonstrando que os executados tiveram conhecimento da precedente ação executiva, não tendo nela tido qualquer intervenção.
Na decisão recorrida, sobre a problemática da preclusão, escreveu-se o seguinte:
Está em causa saber se face à circunstância de os dois títulos executivos já terem sido utilizados pelo credor cedente em anterior execução movida contra os dois mutuários (processo n.º 319/04.1TBETR), e tendo ainda em consideração que o agora embargante foi citado no âmbito daqueles autos em 01.03.2006 (cf. aviso de receção assinado e junto àqueles autos a fls. 75), bem como foram citados os herdeiros da mutuária BB no âmbito do apenso A aos mesmos autos de execução (habilitação de herdeiros, processo 319/04.1TBETR-A), se é de concluir que se verifica a exceção de preclusão quanto aos fundamentos de defesa não supervenientes, ou seja, quanto aos meios de defesa cujos pressupostos fácticos já estavam constituídos na data em que decorreu o prazo para o Embargante se poder opor à execução n.º 319/04.1TBETR.
1. Os Embargos do Executado são uma ação declarativa que tem por efeito principal a extinção da execução, no todo ou em parte (cf. art. 732.º, n.º 4, nCPC), e por efeito secundário ou eventual o reconhecimento da viabilidade dos fundamentos alegados pelo executado (agora embargante) que demonstrem que a obrigação exequenda não existe, é inválida ou é inexigível (art. 732.º, n.º 6, nCPC).
Desta feita, a natureza dos Embargos do Executado assemelha-se a uma ação declarativa de apreciação negativa, vale dizer, de acertamento negativo da inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda ou, numa outra perspetiva, de negação dos fundamentos da pretensão executiva (a mesma posição parece ser defendida pelo Prof. RUI PINTO, in A Ação Executiva, AAFDL, Lisboa, 2018, p. 434; ainda no mesmo sentido, cf. Prof. LEBRE DE FREITAS, Acção Executiva e Caso Julgado, ROA, Ano 53, abril/junho, 1993, p. 230-232).
2. A não dedução de oposição à execução (vale dizer, a falta de “contestação” dos factos constitutivos do direito do exequente) não gera os efeitos da revelia quanto aos factos essenciais da causa de pedir da execução, nem a falta de tomada de posição sobre algum desses factos tem valor de admissão por acordo. Diversamente, o terminus ad quem do prazo para a dedução de Embargos do Executado faz precludir o direito de o devedor invocar mais tarde, no mesmo processo de execução (preclusão intraprocessual) ou numa posterior ação (preclusão extraprocessual) entre as mesmas partes, a defesa (por impugnação ou por exceção) que podia ter sido alegada naqueles embargos, salvo se forem supervenientes àquele prazo, a exemplo do que sucede no processo declarativo comum (cf. art. 573.º, n.ºs 1 e 2, nCPC).
Por outras palavras, o disposto nos artigos 567.º e 574.º do Código de Processo Civil não são aplicáveis aos Embargos do Executado (pelo menos, nos exatos termos em que se aplicam na ação declarativa comum), dado que a falta de dedução destes embargos não produz o efeito endoprocessual cominatório da ficta confessio, mas antes produz efeito preclusivo. Quer dizer: a falta de dedução de embargos pelo executado não torna o direito do credor provado na execução, dado que a prova deste direito já resulta da exibição do título executivo (função probatório do título executivo); se o executado não deduzir embargos, não pode mais tarde, no mesmo processo ou numa outra ação (sendo a mesma a causa de pedir ou, de uma forma geral, os fundamentos do pedido executivo), deduzir os meios de defesa que se consideram precludidos, por poderem ter sido alegados naqueles embargos.
Em suma: no processo executivo não existe efeito cominatório.
3. Não obstante na execução não existir um efeito cominatório, existe, todavia, um efeito preclusivo quanto à matéria que podia servir de fundamento de defesa (por impugnação e por exceção perentória), de acordo com a natureza do título executivo, e, por conseguinte, qualquer fundamento de inexistência, de invalidade ou de inexigibilidade da obrigação exequenda. Esta solução decorre do princípio da concentração da defesa na petição de embargos (cf. art. 573.º, n.º 1, aplicável ex vi do art. 732.º, n.º 2, do nCPC) e da circunstância de os Embargos do Executado serem o meio processual idóneo para o executado atacar a pretensão exequenda (cf. arts. 728.º, n.º 1, 729.º, 730.º e 731.º do nCPC).
Encontramos apoio para esta justificação do efeito preclusivo nos Embargos do Executado, in Preclusão e Caso Julgado, paper da autoria do Prof. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, versão de 05.2016, p. 14, acessível em:
https: //blogippc.blogspot.com/search?q=paper+%28199%29.
4. Uma outra conclusão que se retira (da ausência de efeito cominatório no âmbito da execução) é a de que existe o ónus de embargar, no sentido de obter uma vantagem (principal), que é a extinção total ou parcial da execução (cf. art. 732.º, n.º 4, nCPC). Por outras palavras, o ónus de embargar deve ser entendido como tendo por escopo conseguir uma utilidade ou uma vantagem, mais concretamente, face à procedência dos Embargos do Executado, obter a extinção total ou parcial da execução: Quer dizer: no âmbito da execução, o executado tem o ónus de se defender, exaurindo toda a defesa disponível no momento em que é citado para os termos da execução (neste sentido, v. J. CASTRO MENDES/ M. TEIXEIRA DE SOUSA, in Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL, 2022, Lisboa, p. 688).
Com efeito, e sem prejuízo de rejeição oficiosa da execução pelo juiz até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (cf. art. 734.º, n.º 1, do nCPC), se o executado não deduzir oposição à execução mediante embargos, o direito do credor torna-se inatacável, dentro e fora do processo executivo, uma vez que este direito apenas poderá vir a ceder mediante a invocação de fundamentos supervenientes relativamente ao termo do prazo para embargar. Nesta situação é estabelecido um prazo perentório para alegar a matéria da oposição que seja superveniente: 20 dias a contar do dia em que ocorra o facto que constitui fundamento da oposição ou a contar do dia em que o executado tenha conhecimento desse facto (cf. art. 728.º, n.ºs 1 e 2, nCPC; e art. 813.º, n.ºs 1 e 3, do CPC/61).
A falta de defesa do executado, por impugnação ou por exceção (nos casos de exceção perentória), produz efeito preclusivo quanto à matéria que podia servir de fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda, de acordo com a natureza do título executivo.
Mas este efeito preclusivo apenas se justifica porque existe o ónus de a parte devedora exercer um determinado poder processual, num certo período temporal, nomeadamente o ónus de excecionar.
Com efeito, e no caso dos autos, se a anterior execução (n.º 319/04.1TBETER) foi extinta por falta de impulso processual que ocorreu já depois da citação dos executados mutuários (incluindo do agora Embargante) – note-se que este foi citado naqueles autos em 01.03.2006 e a falta de promoção da execução ocorreu na fase da venda do imóvel ali penhorado (cf. certidão junta a fls. 37 ss. dos presentes autos), e tendo havido lugar a citação prévia, conforme resulta de fls. 56 a 64 daqueles autos de execução (cf. arts. 812.º-C e 812.º-E, n.º 5, ambos do CPC/61) –, era exigível que neles fossem deduzidos embargos (ou oposição à penhora, conforme era então designado). Quer dizer: o motivo de extinção da execução n.º 319/04.1TBETER não dispensava os ali executados de se oporem a essa mesma execução. A decisão do credor cedente em não promover a execução é totalmente alheia a questões que se pudessem repercutir na validade do título executivo ou na existência da obrigação.
Diferente seria se o exequente tivesse desistido da execução anterior por ter considerado não ter título executivo.
O problema reside em saber qual é o âmbito deste ónus jurídico-processual de oposição.
5. O ónus de excecionar tem sido entendido como tendo por escopo conseguir uma utilidade ou uma vantagem, mais concretamente obter a absolvição da instância, com base na procedência de exceções dilatórias, ou do pedido, face ao êxito na alegação de exceções perentórias; no âmbito da execução, a procedência dos Embargos do Executado extingue a execução, no todo ou em parte (cf. art. 732.º, n.º 4, nCPC; correspondente ao art. 817.º, n.º 4, CPC/61).
A análise do ónus de excecionar impõe que se discuta, em termos metodológicos, o conceito de causa de pedir nos Embargos do Executado. E – adiantando-se o que será a conclusão final – é a noção ampla desta causa de pedir que justifica o ónus da concentração da defesa, e por conseguinte a existência do ónus de excecionar, nos casos de exceção perentória.
De uma forma geral, pode-se dizer que a causa de pedir nos Embargos do Executado é
constituída por todas as exceções, quer de facto, quer de direito oponíveis à pretensão exequenda, isto é, por situações de facto ou de direito que são suscetíveis, nos termos da lei substantiva, de impedir, modificar ou extinguir a pretensão da parte que faz valer o seu direito em processo judicial pendente, ou tornam inexigível a obrigação exequenda.
O esgotamento dos meios de defesa é um efeito do ónus de concentração previsto no artigo 573.º do Código de Processo Civil (correspondente ao art. 489.º, CPC/61), que, por sua vez, origina a preclusão de invocar os meios omitidos em momento posterior do mesmo processo ou num processo posterior entre as mesmas partes no qual se pretendem invocar fundamentos de defesa contra a existência, validade e exigibilidade da dívida (proveniente do mesmo título executivo) que poderiam ser feitos valer através da oposição à execução. Quer dizer: existe uma preclusão temporal, dado que os argumentos de defesa devem ser invocados no prazo legal para a dedução de Embargos do Executado, e simultaneamente ocorre uma preclusão consumativa ou consuntiva, no sentido de que o embargante tem ónus de deduzir todos os fundamentos de defesa que pudesse invocar nesse momento.
Por conseguinte, a causa de pedir nos Embargos do Executado (ou oposição à execução) é integrada não só pelas exceções deduzidas, como ainda pelas dedutíveis, ficando o executado impedido de reabrir o contraditório respeitante à pretensão do exequente. A defesa do executado deve, pois, ser uma defesa exauriente – noção ampla de causa de pedir –, que, aliás, é comum a todos os meios processuais em que existe uma oposição de mérito, de natureza impugnatória ou opositiva, como os embargos de terceiro ou a impugnação da reclamação de créditos, nos quais se verifica o ónus de alegação de todos os fundamentos que podiam justificar o pedido; esgotamento esse que se impõe, como se disse, por efeito do ónus de concentração de toda a defesa, sob pena de preclusão da alegação dos meios de defesa omitidos num posterior processo entre as mesmas partes.
O ónus de exaurir os meios de defesa é a solução mais coerente com o sistema na sua globalidade: a concentração da defesa (art. 573.º, n.º 1, nCPC), a existência de prazo perentório para embargar com fundamentos supervenientes (art. 728.º, n.º 2, nCPC), o efeito cominatório pleno no incidente de liquidação (art. 716.º, n.º 4, nCPC) e o uso restrito da ação de repetição do indevido, como bem explica o Prof. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in comentário a Jurisprudência 2018 (4), publicado no Blog do IPPC, em 12.04.2018, e acessível em:
https://blogippc. blogspot.com/2018/04/jurisprudencia-2018-4.html
Do que vem sendo exposto, importa retirar as seguintes conclusões: impende sobre o executado quer o ónus de embargar, quer o ónus de excecionar, embora este esteja limitado às exceções perentórias. A inobservância do primeiro, não produz efeito cominatório, mas, à semelhança do segundo, a inobservância produz efeito preclusivo; e a preclusão não é apenas temporal, também é consumativa ou consuntiva.
6. Assim sendo, face à circunstância de os dois títulos executivos já terem sido utilizados pelo credor cedente em anterior execução movida contra os dois mutuários (processo nº 319/04.1TBETR), e tendo ainda em consideração que o agora embargante foi citado no âmbito daqueles autos em 01.03.2006, bem como foram citados os herdeiros da mutuária BB no âmbito do apenso A aos mesmos autos de execução (habilitação de herdeiros, processo n.º 319/04.1TBETR-A), impõe-se concluir que se verifica a exceção dilatória de preclusão quanto aos fundamentos de defesa não supervenientes, ou seja, quantos aos meios de defesa cujos pressupostos fácticos já estavam constituídos na data em que decorreu o prazo para o Embargante deduzir oposição à execução n.º 319/04.1TBETR.
Isto significa que, considerando que os meios de defesa que ainda estão por decidir nestes autos são os indicados no ponto 4 do despacho saneador (cf. fls. 73 dos presentes autos), há que entender que, com exceção da prescrição do crédito de juros de mora, os demais meios de defesa encontram-se precludidos (a saber, a exceção de pagamento com base na existência de seguro de vida; a inadmissibilidade das taxas de juros remuneratórios convencionados e inadmissibilidade da cláusula penal), dado que estes meios de defesa já se encontravam constituídos e, por isso, podiam ter sido alegados como fundamento de oposição à execução n.º 319/04.1TBETR.
A exceção de preclusão decorrente da não dedução de oposição a uma execução anterior, entre as mesmas partes e com base no mesmo título executivo, sendo exigível que nela fosse deduzida oposição, é uma exceção dilatória, não suprível, de conhecimento oficioso, podendo ser conhecida até à sentença (e mesmo na fase de recurso), por aplicação do disposto no art. 278.º, n.º 1, al. e), nCPC, dado que em parte alguma deste código se estabelece que a preclusão não é de conhecimento oficioso.
Cumpre apreciar e decidir.
A oposição à ação executiva é o meio próprio de o executado reagir contra a pretensão executiva formulada pelo exequente e não o fazendo no momento e tempo próprios, o executado vê precludida a possibilidade de se prevalecer dos meios de defesa de que dispunha contra a pretensão executiva, apenas podendo suscitar matéria de defesa superveniente, tal como se prevê no nº 2 do artigo 728º do Código de Processo Civil. Está aqui em causa a chamada preclusão intraprocessual[11].
No caso dos autos, trata-se da denominada preclusão extraprocessual já que opera em processo distinto daquele em que foi inobservado o ónus de dedução de embargos. No entanto, esta preclusão pressupõe previamente o mesmo fenómeno a nível intraprocessual[12].
No caso em apreço, na primeira ação executiva o aqui embargante não deduziu qualquer oposição, ficando assim precludida a possibilidade de nesses autos deduzir qualquer defesa que devesse ser deduzida por via de embargos.
A questão que se coloca é a de saber se não tendo deduzido oposição em prévia ação executiva com base nos mesmos títulos usados em posterior ação executiva e com a mesma causa de pedir, o executado pode nesta segunda ação executiva deduzir os meios de defesa que poderia ter deduzido na precedente ação executiva.
Se se entender que a preclusão extraprocessual é dependente da formação de caso julgado, dir-se-ia que em sede de ação executiva, isso implicaria que essa figura apenas se poderia convocar nos casos em que fossem deduzidos embargos de executado que não contemplassem todos os meios de defesa passíveis de então ser invocados e ainda que fosse proferida decisão de mérito com o valor previsto no nº 6 do artigo 732º do Código de Processo Civil.
Nesta visão do problema, a preclusão extraprocessual não operaria nos casos em que não fossem deduzidos embargos de executado, não havendo nesta perspetiva qualquer obstáculo à dedução de embargos de executado fundados em meios de defesa que poderiam ter sido invocados na precedente ação executiva mas que o não foram por não ter sido apresentada qualquer oposição à ação executiva.
Porém, como salienta o Sr. Professor Teixeira de Sousa, no texto que temos vindo a citar e a seguir, a preclusão intraprocessual é, naturalmente, autónoma de qualquer caso julgado, designadamente do caso julgado de qualquer decisão interlocutória ou da decisão de mérito proferida no processo em que o acto não foi praticado. Por exemplo: muito antes de haver qualquer decisão no processo pendente, já se verifica a preclusão nesse processo quanto à junção pelo autor do rol de testemunhas não apresentado com a petição inicial ou quanto ao fundamento de defesa não alegado pelo réu na contestação”[13] e, mais à frente, “a preclusão extraprocessual é independente do caso julgado, porque opera mesmo que o processo no qual se produziu a correspondente preclusão intraprocessual não esteja terminado com sentença transitada em julgado. Sendo assim, pode concluir-se que a preclusão não necessita do caso julgado para produzir efeitos num outro processo”[14].
Esta afirmação do Professor Teixeira de Sousa dá aparente suporte à posição seguida na decisão recorrida de que em caso de não dedução de embargos de executado numa anterior execução fica precludida em posterior ação executiva a dedução de meios de defesa que pudessem ter sido deduzidos na primeira ação executiva que terminou sem realização coerciva da pretensão executiva e em consequência de inércia da exequente.
Porém, visto até o exemplo de que o Sr. Professor Teixeira de Sousa se socorre, não cremos que assim seja.
Na realidade, o exemplo é o de execução de sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo, caso em que nos embargos de executado deduzidos contra tal ação executiva opera a preclusão decorrente do regime jurídico constante da alínea g) do artigo 729º do Código de Processo Civil.
Ora, se é verdade que essa preclusão opera ainda antes do trânsito em julgado da sentença exequenda, não menos verdade é que tal preclusão só se “consolida” com o trânsito em julgado da sentença exequenda. Pode assim dizer-se que a afirmada independência da preclusão relativamente ao caso julgado é apenas relativa, não é absoluta, dependendo sempre da prolação de uma decisão final que estatua sobre uma ou várias posições jurídicas das partes envolvidas no processo e que conheça do mérito dessas posições.
Esta conclusão pode ser testada com um outro exemplo, desta feita da nossa lavra e porventura com maior similitude com o caso objeto destes autos.
Suponha-se uma ação declarativa de condenação sob forma comum intentada por um credor contra o seu devedor, comprovando o credor ter requerido apoio judiciário, numa situação que se enquadra na previsão do nº 9 do artigo 552º do Código de Processo Civil, não contestando o devedor, apesar de regularmente citado, vindo o apoio judiciário requerido a ser indeferido definitivamente, não procedendo o autor à comprovação da taxa de justiça inicial devida, não obstante ter sido notificado para esse efeito, acabando a instância por extinguir-se com fundamento em deserção[15].
Em ação que o mesmo credor venha a intentar contra o mesmo devedor, desta feita procedendo logo ao pagamento da taxa de justiça inicial devida, estará vedada a dedução de contestação por parte do réu com base em fundamentos que poderia ter já invocado na primeira ação por força da preclusão decorrente do princípio da concentração da defesa?
Não o cremos.
A nosso ver, a preclusão para poder operar extraprocessualmente requer sempre que no processo em que se formou seja proferida uma decisão de mérito e que essa decisão transite em julgado.
Ora, no caso dos autos, a primeira ação executiva em que o ora recorrente não deduziu embargos de executado terminou por uma decisão proferida por uma entidade não jurisdicional e por razões processuais e não porque tenha sido satisfeita a pretensão exequenda, como o comprova a necessidade de instauração de uma segunda ação executiva.
De facto, a inobservância do ónus de impulso da primeira ação executiva por parte da antecessora da exequente determinou a extinção dessa ação executiva, decisão de mera forma que não envolve a extinção dos créditos exequendos pois que os mesmos não foram satisfeitos, o que obrigou a exequente à instauração de nova ação executiva para tentar satisfazer os seus créditos.
A preclusão processual não pode ser divorciada da finalidade visada por esta figura e que é, segundo cremos, “obrigar” a que o demandado num procedimento judicial deduza todos os meios de defesa de que disponha contra a parte contrária e sob pena de o não poder fazer ulteriormente nesses ou noutros autos, destruindo total ou parcialmente a pretensão que venha a ser reconhecida ao demandante.
No fundo, a preclusão extraprocessual está ao serviço da segurança e certeza jurídica do demandante combatendo condutas procrastinadoras do demandado, garantindo ao demandante, em caso de triunfo total ou parcial na lide, a definição definitiva da sua posição jurídica.
Assim, pelo exposto, ao invés do que entendeu o tribunal a quo, entende-se que não há preclusão de dedução dos meios de defesa que o recorrente poderia ter deduzido em embargos de executado na primeira ação executiva, devendo por isso revogar-se este segmento da decisão recorrida e porque os autos contêm todos os elementos necessários, conhecer dos meios de defesa cujo conhecimento se entendeu estar precludido, isto por força do disposto no nº 2 do artigo 665º do Código de Processo Civil.
Importa por isso conhecer agora das seguintes questões:
- I a obrigação exequenda encontra-se extinta pelo pagamento com base no acionamento de seguro de vida da mutuária falecida?
- II são inaplicáveis ao caso concreto as taxas de juro alegadas no requerimento executivo, por contrárias ao regime de crédito bonificado previsto no decreto-lei nº 220/94, de 23 de agosto, de que os mutuários eram beneficiários?
- III é inaplicável ao caso concreto a sobretaxa de 4% ao ano, porquanto apenas aplicável às situações de mora e não aplicável às situações de incumprimento?
- IV é inaplicável ao caso concreto a cláusula contratual que prevê a invocada sobretaxa de 4% ao ano, em caso de mora, por violação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, porquanto contratualmente não se encontra previsto o modo de determinar o valor da sobretaxa a aplicar em cada caso concreto?

I. A obrigação exequenda encontra-se extinta pelo pagamento com base no acionamento de seguro de vida da mutuária falecida?
O ora recorrente alegou na sua petição de embargos que a obrigação exequenda se acha extinta em virtude de logo após o óbito da mutuária ter sido acionado pelo banco mutuante e beneficiário o seguro de vida que celebraram nos termos contratados.
A embargada refere na sua contestação, em síntese, que o embargante não comprova a existência do alegado seguro de vida, que o mesmo foi acionado e que o reembolso do capital foi efetuado pela seguradora.
Cumpre apreciar e decidir.
No despacho saneador, quando se identificou este ponto como sendo parte do objeto do litígio, logo se advertiu que a discussão desta questão dependia de o embargante apresentar a apólice de seguro e bem assim a participação do sinistro.
Como se vê da ampliação da matéria de facto a que oficiosamente se procedeu e dos factos não provados constantes dos pontos 3.2.1 e 3.2.2, não se provou a celebração dos seguros de vida invocados pelo embargante e a participação do sinistro pelo que improcede este fundamento dos embargos.

II. São inaplicáveis ao caso concreto as taxas de juro alegadas no requerimento executivo, por contrárias ao regime de crédito bonificado previsto no decreto-lei nº 220/94, de 23 de agosto, de que os mutuários eram beneficiários?
O ora recorrente alegou na sua petição de embargos que nos termos contratualizados entre os mutuários e o banco mutuante, os primeiros beneficiavam em ambos os contratos de mútuo de um regime bonificado, cujos juros eram calculados nos termos do disposto no decreto-lei nº 220/94, de 23 de agosto e que de acordo com o clausulado em ambos os contratos de mútuo juntos aos autos como documento nº 1, “Nos períodos seguintes a taxa será atualizada por simples decisão do Banco de harmonia com as taxas de juro ao tempo e em cada momento por ele sucessivamente praticadas para empréstimos do mesmo tipo (...)”. Acresce que o regime optado pelos então mutuários foi o de amortização por prestações constantes com bonificação decrescente.
Na contestação a embargada alegou que os juros devidos deverão ser calculados às taxas indicadas no requerimento executivo em conformidade com o documento complementar às escrituras nas suas cláusulas 13ª.
Cumpre apreciar e decidir
Da factualidade provada resulta que os mútuos exequendos foram contraídos em regime de crédito bonificado ao abrigo do disposto no decreto-lei nº 328-B/86 de 30 de setembro.
No entanto, uma coisa é a celebração desses mútuos a coberto desse regime e outra bem diversa é a demonstração de que os mutuários foram ao longo do tempo beneficiando da bonificação inicialmente prevista (vejam-se os factos provados em 3.9 e 3.11), pois que a manutenção desse benefício impunha que os mutuários observassem certos procedimentos que se desconhece se foram ou não observados (vejam-se as cláusulas primeira e segunda da secção segunda dos documentos complementares às escritura de mútuo nos factos provados em 3.9 e 3.11).
No entanto, resulta inequívoco que a taxa de juro peticionada pela exequente para cada um dos mútuos corresponde à que foi prevista nos contratos exequendos, como bem se evidencia dos mesmos factos nos pontos 3.8 e 3.10.
Assim, face ao exposto, conclui-se pela total improcedência deste fundamento dos embargos.

III. É inaplicável ao caso concreto a sobretaxa de 4% ao ano, porquanto apenas aplicável às situações de mora e não aplicável às situações de incumprimento?
O ora recorrente alegou na sua petição de embargos que a sobretaxa de 4% ao ano apenas é aplicável aos casos de mora e não aos casos de incumprimento.
Na contestação aos embargos a embargada limita-se a afirmar que os juros devem ser calculados às taxas previstas nas cláusulas 13ª dos documentos complementares das escrituras públicas de constituição dos mútuos exequendos.
Cumpre apreciar e decidir.
Atendendo ao que resulta dos factos provados em 3.9 e 3.11 (cláusula terceira da secção I e a cláusula décima terceira da secção II, em ambos os casos dos documentos complementares à escrituras públicas de constituição dos mútuos), pode concluir-se que o pedido da exequente a título de juros de mora se contém dentro do que foi convencionado pelas partes.
Não resulta das referidas cláusulas que o acréscimo até 4% apenas seja devido nos casos de mora.
A mora é um incumprimento temporário e no caso das obrigações pecuniárias em que por definição nunca existe impossibilidade de cumprimento[16], isso significa que a circunstância de existir um vencimento antecipado neste tipo de obrigações não exclui o dever de reparar as consequências da mora relativamente aos valores em relação aos quais operou o vencimento antecipado, mora que apenas cessará quando se verificar o cumprimento em falta.
Seria estranho que no caso de atraso no cumprimento de obrigação pecuniária e em que se verificasse um vencimento antecipado, o devedor ficasse exonerado do dever de ressarcir o credor pelo atraso na satisfação da obrigação antecipadamente vencida.
Assim, pelo exposto, improcede este fundamento dos embargos.

IV. É inaplicável ao caso concreto a cláusula contratual que prevê a invocada sobretaxa de 4% ao ano, em caso de mora, por violação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, porquanto contratualmente não se encontra previsto o modo de determinar o valor da sobretaxa a aplicar em cada caso concreto?
O ora recorrente alegou na sua petição de embargos que estando prevista que a dita sobretaxa é até 4% ao ano, não se pode de um modo simplista impor a sobretaxa pelo valor máximo sem recurso a um critério legal ou convencional que estipule a sua determinação, sob pena de se encontrar violado o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
Na sua contestação, a embargada nada refere sobre esta questão suscitada na petição de embargos.
Cumpre apreciar e decidir.
A aplicabilidade do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais pressupõe previamente que quem se quer prevalecer desse regime alegue factos que permitam enquadrar as convenções exequendas nessa figura.
No caso dos autos, o embargante apenas se limitou a referir que a imposição da sobretaxa de 4% pelo valor máximo sem recurso a um critério legal ou convencional que estipule a sua determinação, implica a violação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
Ora, essa alegação do embargante é manifestamente insuficiente para que se qualifiquem os contratos exequendos como cláusulas contratuais gerais.
Por outro lado, a cláusula décima terceira dos documentos complementares das escrituras públicas de constituição dos mútuos estabelece uma tutela moratória para o credor, cabendo a este determinar dentro daquele limite máximo qual a taxa que pretende exigir em cada caso.
Assim, face ao exposto, improcede também este fundamento dos embargos.
As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente porquanto obteve vencimento sem oposição da parte contrária, tirando assim proveito do mesmo (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sendo as custas dos embargos também da exclusiva responsabilidade do embargante, por ter decaído (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), em ambos os casos sem prejuízo do apoio judiciário de que o embargante e recorrente concretamente beneficia.

5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida proferida em 03 de junho de 2022 e confirma-se a decisão proferida em 20 de fevereiro de 2022, em sede de despacho saneador, nos segmentos impugnados e, conhecendo das questões que na decisão recorrida se consideraram precludidas ex vi artigo 665º, nº 2, do Código de Processo Civil, julgam-se as mesmas totalmente improcedentes.

As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sendo as custas dos embargos também da exclusiva responsabilidade do embargante, por ter decaído (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), em ambos os casos sem prejuízo do apoio judiciário de que o embargante e recorrente concretamente beneficia sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de pagamento faseado de taxa de justiça de que beneficia o recorrente.
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O presente acórdão compõe-se de vinte e oito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 05 de junho de 2023
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Inicialmente a ação executiva foi instaurada contra BB e AA, requerendo-se logo no requerimento inicial a habilitação dos herdeiros de BB, falecida em 17 de maio de 2001, identificando-se como seus herdeiros AA, seu viúvo e CC e DD, seus filhos. Em 10 de maio de 2021 a exequente foi convidada a identificar no requerimento executivo, como partes demandadas, os sucessores da executada pré-falecida (e não esta, dado que faleceu antes da instauração da execução), nomes completos, moradas e outros elementos de identificação, para que aqueles possam ser citados, convite que a exequente acatou, sendo nessa sequência citados os executados.
[2] Na realidade apenas comprovou o pagamento faseado de taxa de justiça e a nomeação do Sr. Advogado como patrono do embargante pela Ordem dos Advogados. No entanto, em 23 de setembro de 2021, na ação executiva, existe ofício da Segurança Social comunicando o deferimento do apoio judiciário requerido pelo embargante na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça, estando ilegível o montante mensal a liquidar.
[3] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 06 de junho de 2022.
[4] Este fundamento de recurso respeita à decisão de improcedência da exceção de ilegitimidade passiva conhecida na fase do despacho saneador em 20 de fevereiro de 2022 e que não sendo passível de recurso autónomo (vejam-se os nºs 1 e 2 do artigo 644º do Código de Processo Civil), só pode ser impugnada com o recurso da decisão final (artigo 644º, nº 3, do Código de Processo Civil).
[5] Expurgados das meras remissões probatórias.
[6] A fundamentação de facto – factos provados e não provados – deve construir-se sempre tendo em conta as diversas soluções plausíveis das diversas questões de direito e nunca em função da visão pessoal do julgador pois nenhuma garantia há de que seja acolhida em via de recurso. A inobservância desta regra na construção dos fundamentos de facto pode, quando não constem do processo todos os elementos que permitam a ampliação da decisão da matéria de facto, determinar a necessidade de anulação da decisão proferida na primeira instância. A nosso ver, também a aferição da utilidade ou inutilidade da reapreciação da decisão da matéria de facto deve seguir as mesmas regras.
[7] Na realidade, como bem se vê da exposição dos factos no requerimento inicial e do título executivo oferecido com esse requerimento inicial, o capital mutuado foi de 4.400.000$00, tendo sido este o capital que a exequente pediu que lhe fosse coercivamente pago.
[8] Isto é o “Banco 1..., S.A.”.
[9] Reitera-se a observação feita anteriormente quanto ao montante do capital mutuado que foi de 4.400.000$00.
[10] A não prova destes factos resulta de não ter sido oferecida qualquer apólice de seguro ou participação do sinistro.
[11] Adota-se a terminologia do Sr. Professor Teixeira de Sousa no estudo citado na decisão recorrida e publicado no blogue do IPPC e acessível em:
https://blogippc.blogspot.com/search?q=paper+%28199%29. Em alternativa a esta terminologia podia também referir-se a preclusão endoprocessual e exoprocessual.
[12] Como explica o Sr. Professor Teixeira de Sousa no estudo citado na nota que precede: “a preclusão intraprocessual e a preclusão extraprocessual não são duas modalidades alternativas da preclusão (no sentido de que a preclusão é intraprocessual ou extraprocessual), mas duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão: primeiro, verifica-se a preclusão da prática do acto num processo pendente; depois, exactamente porque a prática do acto está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do acto num outro processo. Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o acto num outro processo.” Questão diversa é a de saber se a uma preclusão intraprocessual corresponde sempre uma preclusão extraprocessual.
[13] Página 5 do citado estudo.
[14] Páginas 5 e 6 do referido estudo.
[15] Segue-se neste caso a posição do Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa exposta in As Custas Processuais, 2017, 6ª Edição, Almedina, páginas 61 e 62.
[16] Sobre esta problemática veja-se A Moeda, Estudo Jurídico e Económico, Almedina 2021, José Engrácia Antunes, páginas 497 a 504.