Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PAULO DUARTE TEIXEIRA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE FORNECIMENTO DE BENS CONSUMÍVEIS ABUSO DE DIREITO REDUÇÃO DA CLÁUSULA PENAL MANIFESTAMENTE EXCESSIVA | ||
| Nº do Documento: | RP202510093808/23.5T8MTS.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Um acordo bilateral de fornecimento de bebidas, em exclusividade, por largo período de tempo e mediante o recebimento de contrapartida, deve ser qualificado como um contrato misto, baseado na combinação de vários contratos diferentes, a serem reunidos na mesma operação económica. II - O abuso de direito na modalidade de suppressio exige algo mais do que o mero decurso do tempo sem a instauração de uma acção judicial. III - Se a acção foi instaurada 9 anos após a resolução do contrato; se nesse período ocorreu a pandemia COVID/19 e foi instaurada um processo de insolvência que demorou 4 anos, o mero decurso do tempo, sem mais qualquer elemento comprovado não permite a conclusão pela existência de uma situação de abuso de direito. IV - O tribunal pode oficiosamente reduzir a cláusula penal desde que esta seja manifestamente excessiva, atendendo sistematicamente aos limites constantes do Art. 1145º, nº2, do CC, para aferir a dimensão desse excesso. V - Deve ser qualificado como tal a cláusula que fixa a indemnização num valor sem atender ao facto de o contrato ter sido parcialmente cumprido, obtendo assim um valor indemnizatório superior a 70%, do dano contratual peticionado. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 3808/23.5T8MTS.P1
Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * * A..., SA intenta a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra B..., Lda pedindo a condenação da ré no pagamento da “(…) quantia global de 30.152,92€, acrescida de juros à taxa de taxa de 13% sobre a quantia de 11.666,67,00 €, calculados a partir do termo do cômputo na presente petição inicial, isto é, a partir de 20 de julho de 2023 até a data do efetivo e integral pagamento e de juros, calculados sobre a quantia de 8.333,33 €, à taxa legal para as dívidas comerciais, desde o termo do cômputo apurado, como indicado antes, até à data do efetivo e integral pagamento.”. * Após saneamento e instrução foi realizado julgamento e proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente. Inconformada veio a autora interpor recurso, o qual foi admitido nos seguintes termos: de apelação, a subir nos próprios autos, de imediato e com efeito meramente devolutivo - art.ºs 627.º, 629.º, 631.º, 637.º, n.ºs 1 e 2, 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, al.ª a), 645.º, n.º 1, al.ª a) e 647.º, n.º 1 todos do Código do Processo Civil. * 2.1. A apelante concluiu as suas alegações nos seguintes termos:A. A sentença proferida pela Merítissima Juíza do Juízo Local Cível do Porto - Juiz 9, ao considerar oficiosamente que a instauração da ação e a reclamação pela Recorrente junto da Recorrida da entrega das quantias peticionadas configura uma situação de abuso de direito, na modalidade de supressio, padece de um erro de julgamento. B. Não pode a Recorrente conformar-se com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, por entender que a mesma viola a lei substantiva por errada interpretação da norma aplicável, pelo que a decisão proferida deverá de ser revogada e substituída por outra que julgue a ação integralmente procedente. C. Com efeito, a única questão a apreciar prende-se com a questão do abuso de direito aplicado oficiosamente, por não se encontrar preenchidos os respetivos pressupostos. D. O abuso de direito, previsto no artigo 334.º do Código Civil, na sua assente conceção objetiva, traduz-se numa clamorosa ofensa da justiça, ultrapassando manifestamente os limites da boa-fé ou da lealdade contratual. E. O mero decurso do tempo, por si só, não reflete uma atuação abusiva de direito. Importa que haja a manifesta criação de uma confiança na contraparte de que esse direito não mais será exercido. Além disso, devem ser ponderados todos os elementos da situação em apreço, à luz, do princípio da boa-fé, bem como deve verificar-se a obtenção de uma vantagem excessiva para o titular do direito, acompanhado de sacrifícios relevantes e injustificados para a contraparte. F. A Recorrente interpelou a Recorrida em 29 de janeiro de 2014, alertando que esta era responsável solidária pelo cumprimento do contrato e pelas consequências contratuais emergentes do seu incumprimento ou resolução. G. Juntamente com tal missiva, seguiu a interpelação enviada a AA, a qual informa que o contrato foi considerado resolvido em 6 de agosto de 2013, o que determina o pagamento à Recorrente da indemnização contratualmente fixada, bem como a devolução da contrapartida concedida. H. A interpelação foi recebida pela Recorrida e esta nada disse à Recorrente. I. Por tal motivo, a Recorrida tinha clara consciência de que era responsável solidária pelo cumprimento do contrato, pelo que tais valores poderiam ser-lhe exigidos ou a AA. J. Na medida em que AA foi declarada insolvente e exonerada do passivo restante, atenta a solidariedade, a Recorrente exigiu os valores devidos à Recorrida. K. A Recorrente não teve qualquer outra conduta que pudesse legitimar uma eventual convicção da Recorrida de que o direito não seria exercido. L. Entre a data de recebimento de tal interpelação (14 de fevereiro de 2014) e a data de entrada da ação judicial (21 de julho de 2023) decorreram sensivelmente 9 anos, durante os quais correu termos o processo de insolvência de AA, sob o n.º ..., o qual foi encerrado em 2 de outubro de 2018. M. A Recorrente dispunha do prazo de 20 anos para interpor a competente ação judicial, isto porque, na ausência de norma específica, é aplicável aos valores reclamados o prazo geral previsto no artigo 309.º do Código Civil. N. Portanto, entre 14 de fevereiro de 2014 (data em que a Recorrida foi interpelada) e 21 de julho de 2023 (data de entrada da ação judicial) decorreu menos de metade do prazo de prescrição aplicável. O. Pelo que, a Recorrente exerceu o seu direito dentro do prazo legal, sendo o seu comportamento perfeitamente legítimo à luz da ordem jurídica. P. Não se verificam os requisitos típicos do supressio: inércia contraditória, confiança legítima da contraparte, alteração irreversível da posição jurídica e desvantagem injustificada. Q. O abuso de direito não pode ser um sucedâneo da prescrição, nem um “remédio subjetivo” à sensação de injustiça, devendo ser aplicado com contenção e apenas em casos flagrantes de violação da boa-fé. R. O artigo 334.º do Código Civil não foi criado para contrariar tais prazos, nem para sancionar a simples passividade de um credor que aguarda o momento oportuno para agir. S. A Recorrida assumiu contratualmente uma responsabilidade solidária, a qual não foi desonerada por qualquer comportamento da Recorrente. T. O decurso do tempo sem ação judicial, por si só, não integra a figura de supressio, nem autoriza o afastamento de cláusulas contratuais claras. U. A decisão da 1.ª instância alicerça a improcedência da ação porque exercida em abuso de direito única e exclusivamente por, entre o envio da carta remetida a Recorrida e a data do início dos presentes autos, nada mais ter sido reclamado. V. Ora, a Recorrente não pode ser sancionada apenas pelo mero decurso do tempo, quando, em abono da verdade, a Recorrida, interpelada da sua responsabilidade solidária, nada fez. Não respondeu à missiva, não contactou a Recorrente, não liquidou os valores devidos. W. É precisamente por não se encontrarem ultrapassados os limites da boa-fé, por não ter sido criada uma convicção de que a Recorrente não exerceria o seu direito, nem tampouco ter transmitido qualquer desoneração da solidariedade da Recorrida, que a Meritíssima Juíza a quo não deveria ter aplicado oficiosamente a figura do abuso de direito. X. Ora, tendo improcedido todas as exceções peremptórias invocadas pela Recorrida, a decisão de 1.ª instância não poderia ser outra senão a procedência total da ação. * 2.2. A parte contrária contra-alegou, concluindo nos seguintes termos cujo integral teor se dá por reproduzido:(…) D. Dispõe o art.º 334.º, do Código Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos (…)”. E. Da redação deste preceito retira direito exceda ou abuse dos limites impostos (…) desse direito. F. As modalidades que o abuso de direito pode revestir são as designadas por: “venire contra factum proprium”, “supressio”, “surrectio”, e “tu quoque”. G. Ora, a Recorrente após o envio da carta remetida à ré em 29.01.2014, na qual lhe deu conhecimento da carta endereçada a AA onde comunicou, a esta, a resolução do contrato e a interpelou à entrega das quantias ora reclamadas, (…) nenhuma quantia foi peticionada até à instauração da presente ação e citação da ré, a qual ocorreu a 11.09.2023. H. Ou seja, a Recorrente que aceitou a transmissão da posição contratual da ré, não o cláusula contida no contrato celebrado que não a desonerava do cumprimento as obrigações assumidas, mesmo após o encerramento do estabelecimento comercial, a inexistência de compras e a declaração de insolvência de AA (no da ré ao longo dos mais de 9 anos decorridos entre o incumprimento, resolução do contrato e instauração da ação, gerando nesta, naturalmente e como aconteceria como qualquer homem médio, que não mais iria exigir o cumprimento (…). I. A instauração desta ação e a reclamação pela Recorrente junto da Recorrida da entrega das quantias peticionadas configura uma situação de abuso de direito, na modalidade de suppressio (…) * 3. Questões a decidir: a) determinar se existe, no caso abuso de direito na modalidade de suppressio, qualificando previamente o contrato celebrado entre as partes. b) Depois, se necessário, determinar a procedência dos montantes indemnizatórios peticionados. * 4. Motivação de facto.
* * 1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à produção, comercialização e distribuição de bebidas e outras atividades conexas. 2. A ré possuía ou explorava o estabelecimento comercial de venda a retalho de bebidas destinadas a serem que consumidas no local denominado «B...», situado na Avenida ..., em .... 3. Em 09.11.2010 a autora e ré celebraram um acordo escrito que intitularam de “contrato de compra exclusiva” nos termos do qual acordaram que: “(…) 3.ª Pelo presente contrato, o Fornecedor obriga-se a fornecer ao revendedor os produtos objeto da atividade comercial daquele, diretamente, mediante o seu centro de distribuição direta, ou através do distribuidor, mencionados na alínea a) ou b) respetivamente, do n.º 1 da cláusula 6.ª ficando, por seu turno. O revendedor obrigado a comprar ao fornecedor esses produtos, initerruptamente durante o período de vigência deste contrato, visando atingir, com as suas compras, a quantidade fixada na cláusula 9.ª, n.º 1. 4.ª O revendedor obriga-se a não vender no estabelecimento referido na cláusula 2.ª, durante a vigência deste contrato, cervejas em barril e garrafa, refrigerantes em barril e garrafa, águas lisas e com gás, de marcas não comercializadas pelo fornecedor. 5.ª Os produtos do fornecedor serão vendidos ao revendedor a pronto pagamento e pelo preço das tabelas em vigor, à data do fornecimento. 6.ª 1. Para fins de revenda no estabelecimento indicado na cláusula 2.ª o revendedor obriga-se a comprar os produtos produzidos e/ou comercializados pelo fornecedor e objeto deste contrato apenas das duas a seguir indicadas, na modalidade que se encontra mencionada com a identificação: a) fornecimento direto, através do seguinte Centro de Distribuição Direta do fornecedor: Não aplicável. b) fornecimento pelo seguinte distribuidor: C... 2. Para o cumprimento da obrigação de fornecimento prevista na cláusula 3.ª e da obrigação de compra exclusiva estabelecida no antecedente número um desta cláusula, o fornecedor poderá alterar livremente, uma ou mais vezes, o estabelecido no número antecedente (…). 7.ª Como contrapartida da exclusividade conferida pelo revendedor, o fornecedor pagar-lhe-á a quantia de 25.000,00, acrescida de IVA à taxa em vigor. 8.ª 1. No caso de incumprimento ou mora no cumprimento de qualquer das obrigações decorrentes deste contrato, que não seja remediada dentro do prazo de 15 dias a contar da receção da comunicação escrita que, para o efeito o contraente faltoso poderá, o outro contraente, resolver o contrato. 2. A resolução não terá efeito retroativo. 3. O incumprimento dará lugar ao pagamento pelo contraente faltoso de uma indemnização que, por acordo, se fixa em 1/3 do valor indicado na cláusula 7.ª. 4. Para além da indemnização prevista no número anterior, o incumprimento, por parte do revendedor dará lugar à devolução da contrapartida concedida pelo fornecedor deduzida da parte proporcional ao período do contrato, entretanto já decorrido, considerando-se, para este efeito, a vigência cm a duração máxima estabelecida na n.º 2 da cláusula seguinte. A contrapartida a devolver será acrescida de juros calculados à taxa máxima legal permitida pela aplicação conjugada dos art.ºs 559.º, 559.º-A e 1146.º, n.º2, do Código Civil e computados desde a data do pagamento previsto na cláusula 7.ª e a data da efetiva devolução. 9.ª 1. O contrato terá início na presente data e durará até que hajam sido adquiridos, pelo revendedor ao distribuidor referido na cláusula 6.ª, pelo menos 60.000 litros dos produtos discriminados na cláusula 4.ª, salvo o disposto no número seguinte: 2. O contrato terá a duração mínima[1] de 3 anos e máxima de 5 anos. 10.ª 1. Se durante a vigência deste contrato, o revendedor trespassar ou ceder, por qualquer outro título, o estabelecimento mencionado na cláusula 2.º ou a sua exploração, deverá o respetivo contrato incluir a transmissão dos direitos e obrigações decorrentes do presente contrato para o trespassário ou cessionário ficando, porém, o revendedor solidariamente responsável pelo seu cumprimento e pelas consequências contratuais emergentes do seu incumprimento ou resolução. 2. A transmissão do estabelecimento ou a cessão da sua exploração deverá ser comunicada, por carta registada dirigida ao fornecedor. 3. Não se verificando a transmissão dos direitos e obrigações, conforme o convencionado no n.º 1 da presente cláusula e ainda nos casos de encerramento do estabelecimento, cessação do contrato de cessão de exploração do estabelecimento ou mudança do seu ramo para outro incompatível com as finalidades do presente contrato, este considerar-se-á imediata e automaticamente resolvido pelo revendedor sem necessidade de qualquer interpelação a este ou ao novo proprietário ou cessionário do estabelecimento, ficando essa resolução sujeita aos efeitos consignados nos n.ºs 2, 3 e 4 da antecedente cláusula 8.ª. (…)”. 5. Por carta datada de 17.04.2013, endereçada pela ré e AA à autora, e por esta recebida, a ré e AA comunicaram que “Nos termos da cláusula 10.ª, n.º 1 do contato de compra exclusiva que a empresa a B..., Lda celebrou com V. Exas., em 09 de Novembro de 2010, vimos informar que cedeu a exploração do seu estabelecimento B..., situado na Av. ..., (…)..., que é objeto daquele contrato de compra exclusiva, a AA, incluindo a transmissão dos direitos e obrigações decorrentes desses contrato, que esta ultima aceitou. A presente carta segue assinada pelos representantes legais de ambas as partes, comprovando a aceitação integral por parte e AA, que se compromete a assumir todos os direitos e obrigações decorrentes do contrato.”. 6. A AA desde, pelo menos, 23 de julho de 2013, deixou de efetuar quaisquer compras à autora. 7. E, o estabelecimento comercial, pelo menos, desde 6 de agosto de 2013, que se encontra encerrado ao público. 8. Entre 09.11.2010 e 23.07.2013 foram adquiridos à autora e/ou ao seu distribuidor 15.372,00 litros dos produtos comercializados pela autora. 9. A autora remeteu a AA, uma carta, datada de 29.01.2014, e rececionada por esta a 14.02.2014 na qual comunicava que “Tomámos conhecimento de que V. Exa. não está a cumprir o contrato celebrado em 9 de novembro de 2020 entre a nossa empresa e a sociedade B..., Lda, cujos direitos e obrigações foram assumidos na totalidade por V. Exa., conforme documento datado de 17 de abril de 203, uma vez que, pelo menos, desde 23 de julho de 2013, não compra, para venda no estabelecimento B... qualquer quantidade dos nossos produtos objeto do referido contrato. Acresce ainda o facto de que o B... se encontra encerrado pelo menos desde o dia 6 de agosto de 2013, o que constitui, nos termos da cláusula 10.ª, n.º 3, causa de resolução automática e imediata daquele contrato. Como sabe, esta empresa atribuiu e pagou ao primitivo revendedor a quantia de €25.000,00, acrescida de IVA, para que fosse promovida a venda, em regime de exclusividade e de forma ininterrupta, das nossas cervejas e barril e garrafa, refrigerantes em barril e garrafa e águas lisas e com gás, durante o período mínimo de 3 anos e máximo de 5 anos, na pressuposição de que as compras daquele estabelecimento, durante a vigência do contrato, atingissem, pelo menos, 60.000 litros. Em consequência vimos comunicar-lhe (…) que consideramos o contrata resolvido, desde 6 de agosto de 2013, sendo-nos devida, sem necessidade de nova interpelação, uma indemnização no montante de €8.333,33 e a devolução da contrapartida paga ao primitivo revendedor, deduzida da parte proporcional correspondente ao período do contrato cumprido, considerando-se para esses efeito a vigência com a duração máxima de 5 anos, e acrescida de juros calculados à taxa máxima legal computados desde a data da celebração do contrato até à do efetivo pagamento da quantia em dívida. (…)”. 10. A autora remeteu à ré uma carta datada de 29.01.2014[2], recebida a 14.2.2014, por BB, com o seguinte teor “Dado que V. Exas, nos termos (…), do contrato de compra exclusiva que celebrou com esta empresa em 9 de novembro de 2010 são solidariamente responsáveis pelo cumprimento desse contrato e pelas consequências contratuais emergentes do seu incumprimento ou resolução vimos remeter a V. Exas, cópia da carta que nesta data, sob registo e com aviso de receção, endereçamos à senhora AA.”. 11. AA foi declarada insolvente por sentença proferida em 24.11.2014 no âmbito do processo de insolvência n.º ... que correu termos perante o Juiz 3 do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão e, em 02.10.2018 o processo de insolvência foi encerrado, por realização e aprovação do mapa de rateio final, e o incidente de exoneração do passivo restante encerrado por se mostrarem “integralmente satisfeitos todos os créditos sobre a insolvência.” (art.º 243.º, n.º 4, do Código da Insolvência e da recuperação de Empresas). 12. A autora, por intermédio da sua equipa comercial, efetivou várias diligências junto de AA com vista ao cumprimento do acordado. 13. Após o referido em 5., a autora passou a fornecer àquela AA, que era quem encomendava os produtos à autora e os pagava. 14. A presente ação foi instaurada em 21.07.2023 e a ré citada em 11.09.2023. * * 5. Motivação Jurídica
1. Da qualificação do contrato De acordo com os factos provados os elementos essenciais desse negócio foram: - a obrigação de compra durante determinado período de tempo por parte da ré de determinada quantidade de produtos a um certo preço; - a obrigação de consumo desses produtos, nesse estabelecimento, em exclusivo; - a entrega de uma quantia como contrapartida pela autora. Esse acordo de vontades possui elementos subsumíveis a várias figuras contratuais. Desde logo possui elementos relativos ao contrato promessa de compra e venda. A noção de contrato-promessa que resulta da lei traduz-se na convenção pela qual as partes manifestam a vontade de celebrar, no futuro, um determinado contrato (artigo 410º, nº 1, e 411º do Código Civil). Dir-se-á assim, que o contrato-promessa é a convenção pela qual uma das partes ou ambas se obrigam a celebrar, no futuro, determinado contrato que, na altura, não podem ou não querem celebrar. É portanto um acordo preliminar completo cujo objecto se consubstancia numa convenção futura - o contrato prometido - em regra de natureza obrigacional, gera uma obrigação de prestação de facto, com a particularidade de consistir na emissão de declarações negociais[3]. In casu esses elementos estão presentes porque a ré se comprometeu a comprar no futuro determinada mercadoria a certo preço, por um período específico. Mas esse não é, evidentemente, o escopo principal visado pelas partes. Essa causa ou finalidade parecem antes apontar para a existência de um contrato de compra e venda reiterado ou duradouro, já que esse acordo se concretizou ao longo do período de 3 anos, mediante a alienação onerosa de certos bens cuja quantidade total estava até fixada. Por outro lado, também não podemos esquecer que existe alguma analogia de situações com o contrato de concessão, o qual nas palavras do Ac. STJ de 2.12.99[4] é um contrato atípico, de natureza comercial, consubstanciado na obrigação de distribuição e venda de determinados produtos em exclusivo em certa área. No caso vertente não esqueçamos que a ré se comprometeu a consumir em exclusivo no seu estabelecimento bebidas da autora. Existem assim vários elementos contratuais distintos no acordo celebrado entre as partes. O que conduz a existência de um contrato misto, baseado na combinação de vários contratos diferentes, a serem reunidos na mesma operação económica[5]. Na verdade, o caso vertente não é típico porque face á multiplicidade dos seus elementos não pode ser reconduzido a uma simples compra e venda. Por outro lado, também não pode ser considerado uma união de contratos, porque os elementos dos contratados nominados descritos não se encontram totalmente preenchidos[6]. Daí que, possamos concluir, nas palavras de Pinto Duarte[7] que tal acordo terá de ser qualificado como um contrato misto porque não corresponde a nenhum dos tipos de que foi criado, tem antes meros aspectos deles; quer porque fica aquém deles (no caso da concessão), ou vai para além dos deles (no caso do contrato promessa), constituindo assim um acordo atípico sui generis[8]. Resta dizer que esta qualificação do contrato é alcançada ainda pela utilização do critério geral, da relevância da vontade dos contraentes. Nestes termos teremos de notar que o escopo visado não era uma mera compra e venda, já que a exclusividade e as quantidades das mercadorias assumiam assinalável importância, de tal modo que a cláusula penal é estabelecida com referência a esses elementos. Qualificamos assim o contrato como um contrato misto.[9]
2. Da disciplina aplicável a esse acordo. É, pelo menos, posição maioritária entre nós que o regime aplicável aos contratos atípicos deve ser encontrado, sucessivamente, pelas estipulações das partes, pela aplicação analógica das disposições relativas a contratos afins e pelas regras gerais do cumprimento das obrigações.[10] In casu, o escopo fundamental visado pelas partes era, sem dúvida a compra e venda de determinadas bebidas. Parece evidente por isso que, em primeira linha a analogia de situações torne aplicável o regime do contrato de compra e venda, porque, além do mais, este possui uma força expansiva aplicável a todos os acordos em que exista alienação onerosa de bens nos termos do art. 939º, do C.C. * 3. Da existência de abuso de direito O artigo 334.º do C.C. consagra o abuso do direito da seguinte forma: É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Este instituto tem carácter residual e é uma válvula de segurança do sistema que permite adequar os princípios gerais da boa fé e da tutela da confiança ao caso concreto. Ora, desde logo, parece seguro que, neste caso, não pode ser imputável à autora a existência de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. A variante do venire contra factum proprium baseia-se na tutela da confiança e exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assume comportamentos contraditórios, resumindo-se à ideia de que não se pode actuar contra o seu próprio acto[11]. Pressupõe assim a contradição entre uma conduta passada e outra conduta actual nos termos do qual a parte usou ou abusou de um direito de forma contraditória, flagrante e inequívoca. In casu, nada disso resulta dos factos provados ou alegados. * 3.2. Do abuso na modalidade de suppressio É pacífico entre nós que a existência de abuso de direito na modalidade de suppressio consiste no exercício de um direito por parte do seu titular quando já não era previsível que o viesse a fazer. Os seus requisitos são:[12] a) O não-exercício do direito por um período de tempo social e concretamente relevante inferior ao prazo de prescrição; b) a criação de uma situação de confiança na contraparte de que essa inação vai continuar e o direito não será exercício; c) uma posterior conduta ativa desconforme com essa situação violadora da boa fé;
A nossa jurisprudência tem analisado várias situações de suppressio: 1. O AC do STJ de 5.6.2018 nº 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1 (Henrique Araújo) considerou que integra essa modalidade, “o Banco exequente, ao deduzir processo executivo contra o avalista duma livrança em branco, treze anos depois desse mesmo avalista ter abandonado a sociedade subscritora da livrança”. 2. Por sua vez, o Ac do STJ de 11.1.2011, nº 627/06.7TBAMT.P1: afirma: “A passividade da Autora, não reagindo ao uso de marca confundível com a sua, por uma empresa concorrente, durante pelo menos onze anos, constitui tolerância de uso de marca por esse concorrente, pelo que sendo tão dilatado o período de violação do direito, depreende-se, razoavelmente, que pelo seu silêncio contemporizou com uma situação a que agora, sem invocar quaisquer circunstâncias relevantes supervenientes pretende obstar, em desconsideração pela expectativa e confiança adquiridas pela Ré em que tal direito não seria exercido[13]. 3. E, o Ac do STJ de 11.12.2013, nº 629/10.9TTBRG.P2.S1 (Fernandes da Silva) esclareceu: “A inércia, omissão ou não-exercício do direito por um período prolongado, sem que possa sê-lo tardiamente se contundir com os limites impostos pela boa fé, constitui uma expressão ou modalidade especial do ‘venire contra factum proprium’, conhecida por supressio . À sua caracterização não basta, contudo, o mero não-exercício e o decurso do tempo, impondo-se a verificação de outros elementos circunstanciais que melhor alicercem a justificada/legítima situação de confiança da contraparte. Não configura abuso do direito, na referida modalidade, sendo por isso legítimo, o exercício do direito dos AA. de reclamarem, na constância do vínculo laboral, a sua promoção na carreira e o pagamento dos diferenciais retributivos correspondentes”. Note-se, pois, a abissal diferença destes requisitos com a situação dos autos. 1. nestes o incumprimento e resolução do contrato foi comunicado em 2014 (facto provado nº 9); 2. A acção foi intentada em 2023, logo 9 anos depois. 3. Mas até 2.10.2018 esteve em curso um processo de insolvência relativo à gerente da ré. 4. Sendo que “A autora, por intermédio da sua equipa comercial, efetivou várias diligências junto de AA com vista ao cumprimento do acordado” (facto provado 12). Ou seja, a dilacção na instauração da acção parece ser socialmente justificada pela pendência do processo de insolvência, pelo que fica reduzida a 5 anos. Depois, não podemos esquecer (porque se trata de um facto notório) que ocorreu a pandemia da doença COVID-19 que além de perturbar todo o normal funcionamento da vida social deu causa a um regime de suspensão de prazos processuais.[14] Logo, parece evidente que a dilação na instauração da acção em cerca de 4 anos não se pode considerar um abuso de direito, e muito menos, numa forma “manifesta”. Note-se, aliás, que o abuso de visa defender precisamente o abuso individual numa perspectiva social e comunitária. Por isso, a aptidão comunicacional dos comportamentos terá de ser efectuada à luz de um observador médio, diligente colocado na situação concreta ou “um bom pai de família”[15]. Ora, nenhuma pessoa média poderá razoavelmente pensar que um credor ao esperar 4/5 anos para instaurar uma acção de cobrança está a comunicar que não vai tentar o pagamento dessa quantia ainda relevante posteriormente. Acresce que, nunca foi alegado e demonstrado a existência dos restantes pressupostos deste instituto. Na verdade, não existe qualquer elemento da criação “de uma situação de confiança na contraparte”, e muito menos “uma posterior conduta ativa desconforme com essa situação violadora da boa fé”. Bem pelo contrário, o que consta dos autos é que: “a testemunha AA, confirmou o acordo com a ré e a sua autorização pela autora, afirmando que “sabia que tudo que usaria seria para abater aos contratos da B...” e que “enquanto nós estivéssemos lá estávamos encarregues de pagar que era devido à autora”, “enquanto eu estivesse lá a ré não tinha que se preocupar se estava a ser gasto ou não porque era eu quem tinha de cumprir.” E, que “da prova testemunhal produzida não resultou que a autora soubesse e tivesse consentido na exoneração da ré da obrigação solidária constante do contrato celebrado”[16]. Acresce que “desacompanhado de outros elementos e considerado por si só, o mero decurso do tempo nada permite presumir quanto à (in)existência de qualquer renúncia ao exercício do direito, pois dele não se infere nenhuma vontade, sendo absolutamente inócuo para tal efeito”. É, pois, manifesto a inexistência de abuso de direito na modalidade de suppressio, pelo que a decisão recorrida terá de ser revogada. * 4. Da procedência dos pedidos da autora
4.1. Do inadimplemento Pretende esta ser indemnizada pelos prejuízos resultantes do incumprimento do contrato. Enquadrado nos termos referidos o regime jurídico aplicável, face aos factos provados é evidente que a ré se comprometeu a adquirir determinada mercadoria, durante certo período, mas encerrou esse estabelecimento quando só tinha adquirido sensivelmente 25% da mesma, durante cerca de 3 anos. Daí resulta que, nos termos das normas jurídicas aplicáveis ao contrato de compra e venda - artigos 798 e 799 do Código Civil – é à ré que incumbe ilidir a sua presunção de culpa. Por isso, teremos de concluir com segurança, que a ré, não cumpriu como podia e devia a sua obrigação e daí a sua responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos provocados.
4.2. Da indemnização devida à autora Analisando a contestação da ré vemos que todas as excepções alegadas já foram julgadas improcedentes. Pretendia, depois, a ré que “A Ré deixou bem claro que não aceitava ficar solidariamente responsável junto do representante da autora, ao que o mesmo aceitou sem reservas”. Ora, essa matéria não ficou demonstrada nem, foi interposto qualquer recurso sobre a matéria de facto sendo que o depoimento da Sra. AA é simples e claro. Logo essa questão sempre teria de improceder. Por fim, a questão sobre a litigância de má fé não faz parte do objecto de recurso. Assim sendo, restaria apenas decretar a procedência do pedido formulado. Mas, se o analisarmos, este tem 3 componentes: a) a indemnização prevista no n.º 3 da cláusula 8.ª, no importe de 8.333,33 € (oito mil, trezentos e trinta e três euros, e trinta e três cêntimos); b) a devolução da contrapartida concedida pela autora, deduzida da parte correspondente aos 32 meses de cumprimento do contrato, o que importa na quantia de 11.666,67 € (onze mil, seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) - ut n.º 4 da citada cláusula c) os juros sobre a quantia referida na alínea b) à taxa máxima permitida pela aplicação conjugada que computa em 7.122,10 €; * 4.3. Da cláusula penal Dispõe o artigo 810° do Código Civil que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível. Ora, no caso concreto dos autos existiam duas cláusulas que fixam, em caso de incumprimento por parte (apenas) da ré) o valor da indemnização. Na clausula 8º, nº4, consta que: “Para além da indemnização prevista no número anterior, o incumprimento, por parte do revendedor dará lugar à devolução da contrapartida concedida pelo fornecedor deduzida da parte proporcional ao período do contrato, entretanto já decorrido, considerando-se, para este efeito, a vigência com a duração máxima estabelecida na n.º 2 da cláusula seguinte. A contrapartida a devolver será acrescida de juros calculados à taxa máxima legal permitida pela aplicação conjugada dos art.ºs 559.º, 559.º-A e 1146.º, n.º2, do Código Civil e computados desde a data do pagamento previsto na cláusula 7.ª e a data da efetiva devolução. Tal cláusula não é, em abstracto vedada por lei, nem o seu montante pode ser considerada excessivo. * Em segundo lugar, na cláusula 8º, nº 3 consta que: “O incumprimento dará lugar ao pagamento pelo contraente faltoso de uma indemnização que, por acordo, se fixa em 1/3 do valor indicado na cláusula 7ª”. Estamos perante uma cláusula penal, que fixa, em caso de incumprimento por parte de uma das partes o valor da indemnização. Existe assim uma estipulação contratual pela qual as partes fixam, como caução contra a falta de cumprimento, o objecto da indemnização exigível do devedor que não cumpre. Este instituto assume uma dupla função - ressarcitória e coercitiva - sendo por isso utilizável em larga escala como meio de coerção sobre o obrigado. Daí que possa constituir uma sanção - uma verdadeira pena - calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento[17] . Todavia, a aplicação dessa cláusula gera resultados manifestamente excessivos. De tal modo que deve ser oficiosamente reduzida nos termos do art. 812º, nº1, do CC. Esta norma funda-se em razões de ordem pública e visa evitar abusos nas convenções privadas[18]. O essencial é que a cláusula seja manifestamente excessiva, o que se deve apurar através de todos os elementos contratuais, nomeadamente o interesse das partes, a sua situação económica e social, o seu grau de culpa, a função que a cláusula penal visa prosseguir no caso concreto, o motivo de incumprimento, a boa ou má fé do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi realizado, etc.[19] No caso, a mesma (ao contrário da outra cláusula semelhante do contrato) não atende ao decurso do tempo já decorrido e é aplicável, no mesmo montante a qualquer situação de incumprimento que ocorra, de forma indistinta, no primeiro dia do 1º ano de contrato ou no último dia anterior ao quinto ano. Só isso demonstra a flagrante desproporcionalidade desse valor, em especial neste caso em que o contrato foi integralmente cumprido durante quase 3 anos e foram encomendados cerca de 25% das quantidades contratadas. Depois, esse valor representa 71% da quantia cuja devolução se pede na segunda cláusula, que aparentemente representa o único dano contratual que a autora pretende ressarcir. Nessa medida basta dizer que o art. 1145º, nº2, do CC estabelece um limite sistemático claro, ao dispor que: “2 - É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição do empréstimo relativamente ao tempo de mora mais do que o correspondente a 7% ou 9% acima dos juros legais, conforme exista ou não garantia real”. O valor atingido é, pois, manifestamente excessiva. Tendo em conta os termos do próprio contrato (que atende à efectiva duração do mesmo), considera-se adequado, suficiente e proporcional reduzir a mesma à quantia de 3.333 euros (dividindo montante global pela duração máxima do acordo e multiplicando pelos 2 anos de incumprimento).
4.4. Dos juros Pretende, por fim, a autora o pagamento de juros nos seguintes termos: c) os juros sobre a quantia referida na alínea b) à taxa máxima permitida pela aplicação conjugada dos artigos 559.º, 559.º-A e 1146.º, n.º 2, do Código Civil - ou seja, à taxa de 13% - desde 9 de novembro de 2010 (data do pagamento da contrapartida) e até a data de efetivo e integral pagamento - ut n.º 4 da citada cláusula -, importando os juros dos últimos cinco anos já vencidos em 20 de julho de 2023 em 7.122,10 €; d) juros de mora sobre a quantia referida na alínea a) deste artigo à taxa legal para as dívidas comerciais, desde a data de resolução do contrato - isto é 6 de agosto de 2013 - até à data do efetivo e integral pagamento, importando os juros dos últimos 5 anos já vencidos em 20 de julho de 2023 em 3.030,82 €;
Teremos de notar que nessa vertente a autora, pretende, obter mais de dez mil euros com base numa taxa de juro de 13% anuais. Desde logo, é certo que consta do acordo que com a cláusula 8º, nº4, a liquidação de juros seria permitida desde a data da entrega do “prémio” de 25 mil euros. Mas, teremos de notar que do mesmo acordo consta também que a “resolução não terá efeitos retractivos” (cláusula 8º, nº3), e que esta só ocorreu em 2014 (factos provados que não foram impugnados pela apelante). Logo, só apartir dessa data é que existe mora da ré e poderiam ser liquidados juros. Teremos, ainda de notar, que quanto à devolução da quantia resultante da cláusula 8º, nº3, a carta de interpelação enviada (doc nº 6) não liquidou a mesma.[20] Logo, a mesma só foi liquidada e objecto de interpelação com a citação da ré. Por fim, de acordo com o art. 559º, nº1, do CC “Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano”. Dispondo o art. 1146º, do CC que “É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real. (…) 3. Se a taxa de juros estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números precedentes, considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a vontade dos contraentes.” Logo, é evidente que o pedido de liquidação de uma taxa de juro à taxa de 13% anuais não possui qualquer base contratual e sempre seria usurária. Improcede, pois, parcialmente este pedido. * Pelo exposto, este tribunal, julga a presente apelação parcialmente procedente e, por via disso, revoga a sentença proferida determinando a condenação da ré a pagar à autora a quantia global de 15.000,00 (quinze mil euros) acrescida de juros à taxa comercial desde a citação até efectivo pagamento. * Custas da acção e do recurso a cargo de ambas as partes na proporção do seu decaimento que se fixa em metade para cada uma, tendo em conta a efectiva utilidade do pedido formulado pela apelante.* Porto, 9.10.2025*** Paulo Duarte Teixeira Carlos Cunha Rodrigues Carvalho Ana Vieira _________________ [1] Erro de escrita que oficiosamente se corrige. [2] Consta da sentença que: “A indicação ao ano de 2013 na carta referida é um manifesto lapso de escrita, revelado pelo próprio conteúdo da mesma. Por isso, corrigimos a data da carta para 2014”. [3] Cfr. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, “Direito das Obrigações”, Coimbra, 1982, pág. 14. [4] In CJ, V, 112. [5] Cfr. Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência 106, 181, Antunes Varela in RLJ, nº 3.780, pág. 94 e Rui Pinto Duarte in Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, pág. 44 e segs. [6] cfr. Vaz Serra in Contratos Mistos, pág. 149. [7] In ob., cit., loc. Cit. [8] O antigo, mas ainda actual, Ac. STJ de 27.1.96 in ACSTJ, 1, 99 que afirma: Os contratos atípicos ou inominados (como no caso de se misturarem no mesmo contrato regras de dois ou mais tipos de contratos) distinguem-se dos contratos mistos (em que há reunião num único contrato das características de dois ou mais contratos, total ou parcialmente regulados na lei) ou da união ou coligação de contratos (em que dois ou mais contratos estão entre si ligados de alguma maneira mas sem prejuízo da sua individualidade própria). O regime legal daqueles contratos atípicos é o que resultar das regras estipuladas pelas partes em termos de conformação com as regras gerais da lei aplicáveis aos contratos em geral. [9] Cfr. Ac da RC de 23.6.20, nº 8990/17.8T8CBR.C1 (Ana Vieira). [10] Cfr. Manuel de Andrade in RLJ, nº 2.867, 309; Maria Helena Brito in O Contrato de Concessão, pág. 383. [11] Cfr. Ac do STJ de 6.5.2018, n10855/15.9T8CBR-A.C1.S1 (HENRIQUE ARAÚJO). [12] Entre vários, coincidentes entre si, Ac da RP de 11.1.21, nº 18595/17.8T8PRT (Paulo Teixeira). [13] Nesta Relação: AC da RP de 278.10.2020, nº 682/19.0T8MCN.P1 (Carlos Querido), (17 anos) com a seguinte factualidade: “tendo o réu, no âmbito de um contrato de fornecimento de café, remetido à autora uma carta no ano de 2002, informando-a de que arrendara o espaço onde se situava o estabelecimento, identificando os arrendatários que passavam a explorá-lo e solicitando que os novos fornecimento se fizessem em nome destes, passando a autora a fornecer e a faturar o café aos arrendatários, o que fez durante 17 anos, haverá que concluir que a autora age com abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, ao intentar uma ação em 2019, pedindo a condenação do réu, com a alegação de que “desde, pelo menos, setembro de 2005, sem explicação nem aviso, [o réu] não mais comprou café à ora autora”; Ac da RP de 3.2.2020 nº 107/19.0T8OAZ.P1 (seção social) DOMINGOS MORAIS, impugnação após 24 anos de documento. [14] Cfr. Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril quanto à cessação dessa suspensão. [15] Neste sentido ainda que de forma indireta : Ac. Do STJ de 17.5.2017, nº 309/07.2TBLMG.C1.S1 (NUNES RIBEIRO); Ac da RP de 23.5.2005, nº 0552581 (FONSECA RAMOS). Quanto à consagração da concepção objectivista do abuso de direito, nos termos da qual não terá de existir uma intenção de abusar cf. Os Acs do STJ de 5.5.2015, Procº 3820/07.1TVLSB.L2lS1, e nº 14/2016 in Diário da República n.º 208/2016, Série I de 2016-10-28. [16] Extractos da motivação de facto da sentença recorrida. [17] Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, 4.ª ed., pág. 162. [18] Nuno Oliveira, in “Cláusulas Acessórias ao Contrato, 2ª. ed., págs. 135/136. [19] Ac da RC de 30.5.23, nº 1508/20.7T8GRD-A.C1 (Pires Robalo). [20] E quanto ao valor da outra cláusula penal liquidou-os de forma excessiva, logo ilegítima. |