Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EUGÉNIA CUNHA | ||
Descritores: | SOCIEDADE COMERCIAL ASSEMBLEIA GERAL DE SÓCIOS DIREITO AOS LUCROS IMPUGNAÇÃO DAS DELIBERAÇÕES DELIBERAÇÕES SOCIAIS | ||
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Nº do Documento: | RP2021022532/16.0T8AVR.P2 | ||
Data do Acordão: | 02/22/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O Direito aos lucros é o primeiro dos direitos conferido por lei a cada o sócio, decorrente da sua participação na sociedade, consagrado na al. a), do nº1, do art. 21º, do CSC, que dispõe “todo o sócio tem direito a quinhoar nos lucros”. Embora não absoluto e cedendo perante, prevalentes, interesses da sociedade, nunca ao sócio pode ser negado sem, especial e excecional, justificação, impondo-se, na observância dos princípios estruturantes de sistema e em realização da essência da participação social, a distribuição de lucros, com interpretação restritiva do nº1 do art. 217º, daquele diploma, conforme àquela essência, e a harmonização dos diversos interesses em conflito, com vista a alcançar uma solução de equilíbrio. II - A deliberação de não distribuição de lucros aos sócios traduz o exercício de um direito – o direito de os sócios destinarem, com liberdade, os ganhos da sociedade – mas em, ostensivo, excesso aos limites impostos pela boa-fé e pelo fim económico ou social do direito, revelando, por ir contra um direito das sócias minoritárias - direito ao lucro -, “ditadura das maiorias”, sempre encontrando a liberdade destas, como barreira, o direito e interesse daquelas, que, podendo sofrer limites e ceder perante ele, nunca pode ser esvaziado de conteúdo útil. III - Por tal razão, cada sócio tem o direito a exigir, permanentemente, da sociedade, em defesa da sua participação social, a sua não exclusão da comunhão dos lucros, pela impugnação de deliberações sociais, abusivas, meio de garantia de proteção da situação das minorias. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 2532/16.0T8AVR .P2 Processo do Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz 2 Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha 1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida 2º Adjunto: António Eleutério Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC): ........................................................................................ ............................................ * Recorrente: B…, LdaI. RELATÓRIO Recorridas: C… e D… C… e D… propuseram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra B…, Lda pedindo a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral da R. e constantes na ata de 22/7/2016 e a condenação de Ré a anular tais deliberações, a convocar nova assembleia geral com vista à prestação das informações solicitadas pelas AA. e a deliberar quanto à aplicação dos resultados do exercício de 2015. Alegam, para tanto, que, sendo sócias da R., ambas titulares de uma quota de €139.700,00, em comum e em partes iguais, representativa de 10% do capital social, que adquiriram por morte e sucessão do seu pai, E…, e encontrando-se o restante capital social distribuído pela F…, Lda., com uma quota de 70%, por G…, com uma quota de 10%, e por H…, titular dos restantes 10%, nestas circunstâncias, foi convocada assembleia geral de sócios da R. para 22/7/2016, visando, entre o mais, a discussão e votação da proposta de aplicação de resultados do exercício de 2015, assunto quanto ao qual a A. emitiu declaração de voto, que juntou por escrito na assembleia, evidenciando a pretensão das AA. no sentido da distribuição de, pelo menos, metade do lucro de exercício, e que tal pretensão foi refutada pelos demais sócios, os quais fizeram aprovar a proposta de aplicação de resultados (de não distribuição de lucros aos sócios) apresentada pela gerência. Mais alegam que a sociedade R. se encontra “monopolizada” pelos outros sócios e seus gerentes, tios das AA., que controlam totalmente a empresa, sendo o sócio gerente da F…, Lda. também sócio gerente da R., agindo na prossecução do seu interesse, e não no interesse da R., resultando essa posição de domínio também da circunstância de aquela sócia ser representada pela sobrinha daquele gerente, que não ocupa posição de gerência e atua sob as indicações dos gerentes daquela, e que todos os cargos remunerados da empresa são exercidos por estes sócios (com exceção das AA.), quer por seus familiares, o que leva a concluir que a decisão de não distribuição de lucros não é tomada como medida estratégica para os investimentos da R., mas porque para aqueles sócios maioritários, ao contrário das AA., a remuneração que auferem é suficiente e torna dispensável a distribuição de lucros. Alegam, ainda, que solicitaram informações acerca dos balanços e das contas da R., o que fizeram por escrito, através de carta registada com a/r, a 25/5/2016, e que elas não foram prestadas. Sustentam que, apresentando a R. um rácio de autonomia financeira de 49,60%, estando devidamente acautelada a reserva legal, desconhecendo qualquer reserva estatutária e não existindo prejuízos transitados ou despesas de desenvolvimento que não se encontrem devidamente amortizadas, o resultado líquido do exercício do ano anterior é suscetível de integral distribuição pelos sócios, sendo a deliberação anulável, por ser apropriada para satisfazer o propósito do sócio conseguir vantagens para si, em prejuízo de outros sócios, por ter existido intenção de prejudicar as AA., a quem não é entregue a única remuneração que poderiam retirar da sociedade R., e porque traduz situação de abuso de poder e de direito, violando as fronteiras que são impostas pela função social ou económica do direito, pelos bons costumes e pela boa fé, tendo sido tomada em flagrante prejuízo dos direitos dos sócios minoritários. A R. contestou, impugnando os factos alegados pelas Autoras e pugnando pela improcedência da ação, justificando a deliberação por o pai da AA., a herança indivisa aberta por óbito deste e as próprias AA. sempre terem apoiado a estratégia da R. de se valorizar, num mercado difícil e concorrencial, através da não distribuição de dividendos, mas antes pelo investimento da sociedade, afirmando a necessidade de manter e evidenciar uma estrutura financeira forte, indispensável ao prosseguimento do seu sucesso, o que não é possível se tiver de satisfazer os interesses individuais das AA., seja face ao universo dos seus fornecedores, seja para garantir os seus postos de trabalho, seja no relacionamento com a banca, seja para assegurar as aquisições que a R. carece de fazer, seja sobretudo para salvaguardar a realização de avultados investimentos a que se viu forçada, nos últimos quinze anos, na ordem dos €10.000.000,00, sendo os investimentos projetados para 2016 estimados entre os €8.000.000,00 e €1.000.000,00, dos quais, €6.500.000,00 já foram realizados, e quanto às remunerações dos gerentes, as mesmas oscilam entre €4.425,00 e €6.750,00, sem alterações desde 2010. * Realizou-se audiência prévia tendo sido fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais. * Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:“Nos termos expostos, julgando parcialmente procedente a acção, decide-se anular a deliberação tomada na assembleia geral da R. de 22/7/2016 que aprovou a proposta de aplicação dos resultados do exercício de 2015 e condenar a R. a convocar nova assembleia geral, tendo em vista deliberar quanto à aplicação dos resultados daquele exercício. No restante, absolve-se a R. do pedido. * Custas pela AA, na proporção de 1/4, e pela R., no restante, sendo o valor da acção o fixado no despacho saneador”.* A Ré apresentou recurso de apelação, pugnando por que o mesmo seja julgado procedente, formulando as seguintesCONCLUSÕES: “1) Como acaba de se dizer, a Sentença proferida padece de lapsos manifestos cuja rectificação requereu no capítulo II destas alegações e para o qual se remete, devendo os aludidos lapsos serem rectificados nos termos propostos e pelos motivos ali evidenciados.2)Padece ainda de erro e má apreciação da prova, por deficiência, obscuridade e contradição, como melhor se desenvolve nos capítulos I a III destas alegações e, principalmente, no capítulo IV. 3)Com efeito, e pelas razões aí aduzidas, o facto provado 9 deve ser alterado, passando a constar dele a seguinte redacção (negrito acrescentado): “9) Na assembleia geral de 29/5/2015, as autoras e demais sócios da R. tomaram as posições vertidas na acta com cópia a fls. 49ss, cujo teor restante se dá por reproduzido, sendo que as primeiras declararam concordar com a proposta de reserva de investimento e discordar quanto aos €25.000,00 de reserva legal, devendo ir para reservas livres por aquela estar já ultrapassada, sendo que na proposta que as Autoras então apresentaram para aplicação de lucros e tratamento das perdas não se previa ou propunha qualquer distribuição de lucros (MA/H).” [negrito acrescentado] 4)Isto tendo por base a alegação do art. 11.º da contestação e a prova produzida decorrente do documento de folhas 49 e seguintes, cujo teor se deu por reproduzido no facto provado 9: a referência expressa ao facto alegado em negrito deve constar do facto provado por ser relevante para a questão de se estar perante, ou não, de uma questão de abuso de direito. 5)O facto provado 13 (“13) A circunstância de os restantes sócios da R. (que não as AA.) auferirem as mencionadas remunerações foi considerada na decisão de não distribuição de lucros (TP/2).) deve ser dado como não provado, por várias razões. 6)E, consequentemente, deve ser dado como não provada a segunda parte do Tema de Prova 2 (“2) Apurar sobre as remunerações auferidas pelos sócios da Ré, com excepção das Autoras, e se a decisão de não distribuir lucros foi tomada porque, para aqueles sócios, tal remuneração torna dispensável a distribuição de lucros.”) – sublinhado acrescentado. 7)Ou seja, deve ser considerado não provado que “a decisão de não distribuir lucros foi tomada porque, para aqueles sócios, tal remuneração torna dispensável a distribuição de lucros.” 8)Isto porque nenhuma prova foi produzida a este respeito – para mais, 70% do capital social da Ré é detido por uma pessoa colectiva e que, obviamente, não recebe qualquer remuneração (facto provado 4). 9) Na Sentença (III) motivação), tal decisão é justificada da seguinte forma: “Ao passo que a demonstração do facto nº 13 emergiu de máximas de experiência comum e juízos de normalidade, em conjugação com factos de natureza instrumental que resultaram desde logo de acordo das partes nos articulados e das respostas da referida testemunha L….” 10) Ora bem. Como se salienta nas alegações, inexistem nos articulados quaisquer factos, seja de que natureza forem, argumentos ou alegações que possam sustentar qualquer acordo das partes sobre esta matéria. 11) E, como se pode verificar da audição do depoimento da testemunha L… (ficheiro de origem: 20200128144906_3599095_2870431, de 28/01/2020, de14:49:00-15:20:49), em momento algum esta testemunha afirmou qualquer coisa que pudesse sustentar a prova de tal facto, muito pelo contrário. 12)Por fim, a intenção que está subjacente à tomada de posição relativamente a uma proposta de deliberação não pode nunca, mas nunca, ser considerada provada apenas com base em “máximas de experiência comum e juízos de normalidade”, 13) que de resto não se verificaram nem se justificam e vão contra a prova efectivamente produzida (ver actas – referências citius 32707693 e 33272607 – e depoimento da testemunha L…): não são factos notórios, seria algo que teria sempre de ser alegado e provado (artigo 412.º do CPC, bem como arts. 413.º e 414.º, também do CPC, e 342.º do CC) e não foi. 14) Por isso também se arguiu a nulidade da Sentença, nesta parte, face ao disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC: formalmente, na Sentença faz-se uma referência especificada aos fundamentos de facto e de direito desta decisão, …mas tais fundamentos não existem, não se verificaram, não constam do processo! 15) Ou seja, deve ser considerado não provado que “a decisão de não distribuir lucros foi tomada porque, para aqueles sócios, tal remuneração torna dispensável a distribuição de lucros.” 16) E arguiu-se ainda a nulidade da Sentença, face ao disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC. Não se desconhece que o abuso de direito é do conhecimento oficioso do Tribunal mas nesta Sentença foi-se longe demais. 17) Na petição inicial, as Autoras invocaram apenas a alegação de a deliberação aprovada ser apropriada “para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes (…)” – art. 58.º, n.º 1, al. b), do CSC, e ver também artigos 50.º, 51.º, 52.º, 54.º, 60.º, 61.º, 64.º e 73.º da petição inicial –, únicos vícios que apontavam a este respeito; e invocavam ainda que a deliberação (ou ambas, a do ponto 1 e a do ponto 2 da Convocatória) não tinha sido precedida “(…) do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação” (al. c) do n.º 1 do art. 58.º, por via do n.º 1 do mesmo artigo – artigos 65.º a 72.º e 73.º da petição inicial). 18) Não provaram coisa alguma a esse respeito, pelo que a acção deveria ter sido julgada improcedente. 19) Ao conhecer de coisa diferente, a Sentença vai muito para lá do que lhe é permitido, viola o disposto na segunda parte da alíena d) do n.º 1 do art. 615.º e é, por esse motivo, nula. 20) Conforme melhor desenvolvido nas alegações, capítulo IV, devem ser considerado provados os factos aí indicados sob as alíneas a), b) e c), a saber: a) O pai da AA., a herança indivisa aberta por óbito deste e as próprias AA. apoiaram sempre, até à deliberação posta em crise na presente acção, a estratégia da R. de se valorizar, num mercado difícil e concorrencial, através da não distribuição de dividendos, mas antes pelo investimento da sociedade, ao ponto de, na assembleia geral de 29/5/2015, aquelas AA. terem apresentado proposta que previa a não distribuição dos lucros (neste último ponto, ver também documento de folhas 49 e seguintes, dado como reproduzido no facto provado 9 e aqui também posto em discussão). b) As sucessivas deliberações de aplicação de resultados da R., que sempre mereceram o apoio das AA. e do seu pai, até ao momento da Assembleia Geral posta em crise nesta acção, não teve qualquer intuito de prejudicar alguns sócios, mas o escopo de garantir para a sociedade capacidade financeira que lhe permita independência perante os demais agentes e capacidade para fazer face à concorrência. c) Verifica-se a necessidade de a R. manter e evidenciar uma estrutura financeira forte, indispensável ao prosseguimento do seu sucesso, o que não é possível se tiver de satisfazer os interesses individuais das AA., seja face ao universo dos seus fornecedores, seja para garantir os seus postos de trabalho, seja no relacionamento com a banca, seja para assegurar as aquisições que a R. carece de fazer, seja sobretudo para salvaguardar a realização de avultados investimentos a que se viu forçada a fazer nos últimos quinze anos (ver ainda documento junto à contestação, sob o n.º 6, não impugnado). 21) Para todas e cada uma das alíneas, confirmar com depoimento de ficheiro de origem: 20200128144906_3599095_2870431, de 28/01/2020, de 14:49:00 -15:20:49, designadamente de 00:04:33 a 00:10:13, e de 00:15:08 a 00:17:04 bem como as referidas actas das Assembleias Gerais (referências citius 32707693 e 33272607). 22) A Sentença padece de deficiente interpretação e aplicação das disposições constantes dos arts. 21.º, n.º 1, al. a), 22.º, n.º 1, 217.º, n.º 1, todos do CSC, e 334.º do CC, mas ainda do art. 342.º do CC, 412.º, 413.º, e 414.º do CPC. 23) Como se salienta nas alegações, agora atinentes às questões de direito, o n.º 1 do art. 217.º do CSC não belisca (nem pode) o que vai referido no n.º 1 do art. 21.º ou no n.º 1 do art. 22.º do CSC: nem faz sentido que tal acontecesse (dada a longevidade de disposições semelhantes). 24) Foi a primeira vez que alguma vez algum titular daquela quota, e nomeadamente as Autoras, alguma vez propuseram a distribuição de lucros, e foi a primeria vez que alguma vez uma proposta nesse sentido foi rejeitada: poderá tal situação ser considerada uma situação de abuso de direito, nos termos do 334.º do CC? 25) Não pode! 26) Na Sentença alude-se a variada jurisprudência e doutrina. 27) Nenhuma das referências tem relacionamento com o caso dos autos. 28) São situações distintas, muito diferentes das dos autos, e remete-se para as alegações a observação pormenorizada de cada Acórdão e de cada opinião doutrinária, que não cabem nem precisam de ser incluídas nas conclusões de recurso. 29) Nas alegações de recurso constam ainda observações e referências juirisprudenciais que justificam e sustentam suficientemente as conclusões que aqui se defendem, relativamente aos factos considerados provados e não provados. 30) Constam também as referências doutrinárias deixadas pelos nossos maiores de Direito e as suas justificações, que não têm qualquer proximidade com o que é referido na Sentença. 31) Designadamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (proc. n.º 191/07.OTBVRM.G1S1), bastante exaustivo, que teve por relator Urbano Dias, decidido por unanimidade, e com o apoio doutrinal de nomes como António Menezes Cordeiro, António Pinto Monteiro, Evaristo Mendes, Filipe Cassiano dos Santos, J. Baptista Machado, João Labareda, Raul Ventura, de entre outros destacados autores, e disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3f7e7566c9d76241802577ba004d510e . 32) Trata esse Acórdão dos artigos 58.º, n.º 1, al. b), 217.º, n.º 1, 259.º, n.º 1, 294.º, n.º 1, 295.º, n.º 1, 376.º, n.º 1, al. b), todos do CSC, e art. 236.º do CC, e o sumário é logo muito eloquente e cristalino: “I - A regra geral enunciada no artigo 294º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, e que atribui aos sócios o direito à partilha anual de metade dos lucros distribuíveis, tem natureza supletiva, podendo ser afastada por duas vias: pela existência de uma cláusula contratual em contrário, nada obstando à previsão da possibilidade de não haver qualquer distribuição no final do exercício ou, em caso de omissão no pacto, por deliberação da assembleia geral aprovada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social. II- Não viola esta regra a cláusula do pacto social de uma sociedade anónima que permite, através dos lucros distribuíveis, a constituição de reserva legal em percentagem superior à definida no artigo 295º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais ou de outras reservas, as chamadas “reservas livres”.” 33) Em suma, não se verificou no nosso caso qualquer situação de abuso de direito e a deliberação tomada não padece de vício algum. 34) Por tudo quanto se deixou dito, a decisão proferida em 1.ª instância deve ser alterada nos termos propostos neste recurso e substituída por outra que, julgando procedente o presente recurso, julgue totalmente improcedente a acção, absolva na íntegra a Ré e condene as Autoras nas custas judiciais”. * Não foram apresentadas contra alegações.* Foram as arguidas nulidades da sentença julgadas improcedentes pelo Tribunal a quo, ao abrigo do nº1, do art. 617º, do CPC, nenhum lapso sendo corrigido, considerando-se que a recorrente confunde enquadramento jurídico dos factos, âmbito no qual o Tribunal é livre (art. 5º, nº3, do CPC), com excesso de pronúncia, a qual não ocorre, e que inexiste qualquer ausência de especificação de facto e de direito na justificação da sentença.* Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.* Sendo manifesto o lapso de escrita existente no ponto 10, porquanto, como de tal ponto, conjugado com o documento aí referido, de fls 54, resulta, o ano é efetivamente, o de 2016 (e não 2018), desde já se passa a corrigir tal lapso (cfr. nº2, do art. 614º, do CPC), nenhum outro lapso, menos, ainda, evidente, ostensivo, se verificando.* Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO Assim, as questões a decidir são as seguintes: Dos vícios que afetam a sentença: 1– Padecer dos vícios previstos no art.º 615.º, n.º 1, al. b) e d), do Código de Processo Civil, ser nula por falta de fundamentação e por excesso de pronúncia (conhecimento ultra petitum). 2 - Padecer de erro: - erro e má apreciação da prova e, consequentemente, se é de alterar a decisão da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos mencionados pela recorrente nas conclusões das suas alegações;2.1. De julgamento de facto: 2.2. De julgamento de direito: - não padecer a deliberação tomada na assembleia geral da R. de 22/7/2016 quanto à aprovação da proposta de aplicação de resultados referentes ao exercício de 2015, da invocada e declarada, invalidade (anulabilidade), por abuso de direito, e, consequentemente, se a ação improcede, na totalidade.* São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1. FACTOS PROVADOS 1) As AA. são sócias da R., sendo ambas titulares de uma quota de € 139.700,00, em comum e em partes iguais, representativas de 10% do capital social da R. (MA/A). 2) Tendo adquirido aquela quota em consequência de partilha de bens por morte e sucessão de E…, pai das Autoras, nos termos que resultam do documento junto como nº1 com a petição inicial, cujo teor restante se dá por reproduzido (MA/B). 3) A R. tem por objeto social o comércio de produtos alimentares e outros tradicionalmente ligados à exploração de supermercados (MA/C). 4) Encontrando-se o seu capital social distribuído por F… Lda., que detém 70% do capital social, pelo sócio H…, titular de uma quota de 10%, e por G…, titular de uma quota de 10%, e pelas AA. (MA/D). 5) Foi convocada assembleia geral da R. para o dia 22 de Julho de 2016, que teve lugar na sede da R. e com a presença de todos os sócios detentores de quotas da empresa, tendo em vista a discussão e votação da proposta de aplicação de resultados do exercício de 2015 e eleição da gerência para o triénio 2016/2018 (MA/E). 6) Nessa assembleia, pedida a palavra pela A. D… e sendo-lhe concedida, emitiu a declaração de voto nos termos que constam a fls. 21 a 23 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, pugnando pela distribuição aos sócios de pelo menos metade do lucro que seja distribuível (MA/F). 7) A proposta da A. foi objeto de considerações vertidas em ata pela sócia da F…, Lda., nos termos que constam da ata, a fls. 22v e seguinte, cujo teor restante se dá por reproduzido e, no final, a proposta de aplicação de resultados do exercício de 2015, apresentada nos termos da convocatória, foi aprovada com os votos a favor e contra dos sócios nos termos que constam da ata, no 3.º parágrafo de fls. 24, cujo teor se dá por reproduzido (MA/G). 8) As propostas aprovadas, feitas pela gerência da R., foram de “aprovação do Relatório de Gestão e das Contas de Exercício referentes ao ano de 2015” e que “do resultado líquido positivo de exercício (de 2015), no montante de €476.601,96, sejam transferidos €115.000,00 para a Reserva Especial (DLRR) e os restantes € 361.601,96 para a conta de Resultados Transitados” (documento incluso a fls. 21ss) 9) Na assembleia geral de 29/5/2015, as autoras e demais sócios da R. tomaram as posições vertidas na ata com cópia a fls. 49ss, cujo teor restante se dá por reproduzido, sendo que as primeiras declararam concordar com a proposta de reserva de investimento e discordar quanto aos €25.000,00 de reserva legal, devendo ir para reservas livres por aquela estar já ultrapassada (MA/H). 10) As reuniões dos sócios da R. de 30/5/2016 e 20/6/2016 decorreram nos termos que resultam das atas inclusas a fls. 54 e seguintes, cujo teor se dá por reproduzido (MA/I). 11) Quem representa a sociedade B… Lda. age nas assembleias da R. sob as indicações dos gerentes daquela (TP/1). 12) Os vencimentos mensais ilíquidos dos titulares dos órgãos da gestão e gerência da R., até 2016, são de €4.425,00, quanto a I…, gerente, e J…, diretor comercial, de €4.350,00, para G…, sócia, de €6.750,00, quanto a H…, sócio-gerente, e de €3.510,00 para K…, diretora de exportação, enquanto as AA., não desempenhando funções na R., não auferem remuneração (TP/2). 13) A circunstância de os restantes sócios da R. (que não as AA.) auferirem as mencionadas remunerações foi considerada na decisão de não distribuição de lucros (TP/2). 14) O ratio de autonomia financeira da R., após o exercício de 2015, era de 49,60% (capital próprio: €10.104.656,89, ativo total: €20.371.130,46), passando a 49,76% (capital próprio €10.249.178,92, ativo total: €20.597.968,41) em 2016 (TP/4). 15) Por carta datada de 25/5/2016, as AA. solicitaram à R. as informações e elementos indicados na cópia inclusa a fls. 24ss, cujo teor se dá por reproduzido (TP/5). 16) A R. colocou à disposição dos sócios na sua sede, mencionando-o no aviso convocatório da assembleia de 22/7/2016, o relatório de gestão e demais documentos de prestação de contas (TP/5-6). 17) E facultou ainda às AA., a pedido destas, todos os documentos contabilísticos da R. relativos a 2015 (TP/5-6). 18) A referida assembleia foi inicialmente convocada para 30/5/2016, data em que reuniram os sócios da R. e deliberaram o adiamento da assembleia, manifestando “acordo em que a realização dos procedimentos inseridos no âmbito do exercício do direito à informação expresso na comunicação datada de 25/5/2016 ficam suspensos até à referida segunda data da assembleia geral” (TP/5 e documento de fls. 54). 19) A R. não forneceu às AA. a restante documentação indicada em 13. (TP/5). 20) Desde 2000, as assembleias gerais da R. deliberaram sempre a não distribuição de lucros, nos termos constantes das cópias das actas inclusas a fls. 141ss, 280ss e 301ss, cujo teor restante se dá por reproduzido (TP/7). 21) De acordo com o mapa de evolução de volume de negócios, resultado líquido e investimentos, desde 2001 até 2015, a R. realizou investimentos no total de €10.179.287,06, sendo de €129.205,53 em 2015, nos termos constantes a fls. 56, cujo teor restante se dá por reproduzido (TP/8). 22) De acordo com o art. 17 do pacto social da R., os resultados apurados em cada exercício constantes do balanço, depois de deduzidas as verbas destinadas à constituição ou reintegração da reserva legal e de outras reservas, terão o destino que for aprovado em assembleia geral, nos termos constantes da cópia junta por requerimento de 17/3/2017, cujo teor restante se dá por reproduzido (documento de fls. 111ss). * Foram considerados não provados os factos relativos ao 3.º tema de prova bem como os demais em averiguação dos restantes temas.2. FACTOS NÃO PROVADOS * 1- Da nulidade da sentença por verificação dos vícios, previstos no art.º 615.º, n.º 1, al. b) e d) do Código de Processo Civil, falta de fundamentação e excesso de pronúnciaII.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Arguem as Autoras/Apelantes, a nulidade da sentença por, apesar de formalmente fundamentada de facto e de direito, não existem fundamentos, não se verificam, não constam do processo, e, ainda, por, ao conhecer do abuso de direito, apesar de este ser conhecimento oficioso, ter ido longe de mais, apreciando de coisa diferente, padecendo dos vícios previstos nas alíneas b) e d), do nº1, do art.º 615.º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência. O nº1, do art.º 615º, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando: “b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Como decorre do referido preceito, este ato juiz, é passível do mencionado vício quer por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação quer das que balizam o conteúdo e os limites do poder jurisdicional ao abrigo do qual foi decretado. Para além da falta de assinatura do juiz, suprível oficiosamente em qualquer altura, contam-se, como vícios da sentença (e ainda de despacho e de acórdão), uns que respeitam à sua estrutura e outros que se reportam aos limites da mesma, sendo atinentes aos primeiros os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão) e aos segundos os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)[1]. As nulidades da sentença são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito. São vícios meramente formais de tal peça processual, taxativamente consagrados no referido nº1, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito[2]. São, pois, apreciados em função do discurso lógico desenvolvido em tal peça processual, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito. Sendo frequente a confusão entre a nulidade da decisão e a discordância do resultado obtido, cumpre reforçar que os vícios da sentença não são erros de julgamento (error in judicando), estes erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa. E, efetivamente, as causas de nulidade da decisão, conforme exposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, visam tão só o “erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”. Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso[3]. Sustenta a apelante que a decisão recorrida é nula, pois que nela o tribunal a quo não especifica os fundamentos que justificam a decisão. Analisemos o referido vício que respeita à estrutura da sentença. O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma decorrência da lei fundamental (v. art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, abreviadamente CRP) e da lei ordinária, que se apresenta a densificá-lo (cfr. arts. 154º, n.º 1 e 615º, n.º 1, al. b)), impondo-se ao juiz o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito em que alicerça a sua decisão[4]. Tem por fim o convencimento da bondade da decisão, pois que destinando-se esta a resolver um conflito de interesses (v. nº1, do art. 3º), esse conflito só logrará efetiva resolução com restauração da paz social se o juiz “passar de convencido a convincente”, o que apenas se conseguirá se aquele, através da fundamentação, esclarecer terceiros da correção da mesma[5]. É requisito de salvaguarda dos direitos de ação e de defesa das partes pois que é ela que assegura o conhecimento das razões do decaimento das suas pretensões, designadamente, a fim de ajuizarem da viabilidade dos meios legalmente previstos para sindicar e impugnar essas decisões. E é, também, requisito de controle pelos tribunais superiores das decisões dos tribunais inferiores, pois que as instâncias superiores carecem de conhecer os concretos fundamentos de facto e de direito em que o tribunal que proferiu a decisão que está a ser sindicada baseou a mesma a fim de poderem reapreciar esses fundamentos e ajuizar do bem ou mal fundado da decisão[6]. Por isso, é que em termos de matéria de facto, se impõe ao juiz a obrigação de na sentença discriminar os factos que considera provados e não provados, devendo, de forma clara e especificada, analisar criticamente as provas e expor os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção em relação a cada facto (art. 607º, n.ºs 3, 4 e 5), explicitando desse modo, não só a respetiva decisão como, também, quais os motivos que a determinaram. E em sede de fundamentação da matéria de direito, a lei faz impender sobre o juiz iguais obrigações, impondo-lhe o ónus de, na decisão, identificar as normas e os institutos jurídicos de que se socorreu e a interpretação que deles fez em sede de subsunção jurídica ao caso concreto (n.º 3 daquele art. 607º). Assim, “ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. do STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1994, I. p 197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão[7]. Relativamente à falta de fundamentação de facto, diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação dessa decisão (art. 607º, nº3 e 4), “deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b), do nº1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d) (ac. do TRP de 5.3.15, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.pt.proc.1644/11, e ac. do TRP de 29.6.15, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, proc 839/13)”[8]. Relativamente à falta de fundamentação de direito, que é indispensável para se saber em que se fundou a sentença, não pode “ser feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2; mesmo ac. de 19.1.84); mas é admitida em recurso, quando a questão a decidir é simples e foi já objeto de decisão jurisdicional, a remissão para o precedente acórdão (art. 656 e 663-5 (…). Este vício da sentença tem a falta da causa de pedir como seu correspondente na petição inicial (art. 186-2-a)[9]. Não obstante a essencialidade reconhecida à fundamentação, entende a doutrina e a jurisprudência, só a absoluta falta de fundamentação, isto é, a omissão absoluta de motivação, determina a nulidade da decisão. Tal acontece, designadamente, nos casos de falta de discriminação dos factos provados, ou de genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou de meros conclusivos juízos de direito, e não apenas em situações de mera deficiência da mesma[10], de fundamentação alegadamente insuficiente e, ainda menos, de putativo desacerto da decisão [11]. Deste modo, importa distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença (despacho – cfr. art. 613º, n.º 3), geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º, n.º 1, dos erros de julgamento, que apenas afetam o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada[12] atacáveis em vias de recurso e não determinativos daquela invalidade. A deficiente fundamentação, em que apenas se verifica uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou uma deficiente enunciação e interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença mas tão só mero erro de julgamento, atacável e sindicável em via de recurso[13]. E nos casos em que o vício da deficiente fundamentação se coloque ao nível da decisão sobre a matéria de facto, esse vício tem de ser solucionado mediante as regras próprias enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC. Revertendo para o caso, verifica-se que a apelante sustenta que a decisão recorrida é nula porque apesar de formalmente se encontrar, de modo especificado, fundamentada, de facto e de direito, “tais fundamentos não existem, não se verificam, não constam do processo”. Ora, como resulta da leitura da sentença recorrida, o tribunal explicitou a formação da sua convicção, relativamente aos factos provados e não provados mediante indicação dos meios de prova produzidos sobre tal matéria e analisando criticamente as provas. Assim, e com efeito, da leitura da decisão recorrida verifica-se que dela transparecem os factos, as provas e as razões da decisão, bem como normas que se entenderam aplicáveis. Contrariamente ao sustentado pela apelante, a decisão recorrida encontra-se fundamentada, não padecendo do vício que aquela lhe atribui, podendo, eventualmente, padecer de erro, seja de facto seja de direito, a levar à revogação, caso a solução de mérito nela sufragada não colha fundamento legal, sendo tal error in iudicando, atacável e a ser apreciado em via de recurso, e sendo até, que, como vimos, de acordo com o entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme, apenas o vício da absoluta falta de fundamentação é suscetível de determinar a invalidade da decisão, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC, o que, evidentemente, não é o caso. Improcede, pois, o invocado vício da nulidade da decisão, por alegada falta, substancial, de fundamentação, concluindo-se não padecer a mesma da apontada nulidade, pois que nenhuma falta de fundamentação se verifica, antes fundamentada está de facto e de direito, como dela resulta (v. factos, motivação dos mesmos e subsunção legal). Assim, fundamentada, mesmo que a fundamentação de deficiência padecesse, nunca estaria afetada pelo referido vício que só à absoluta falta de fundamentação se reporta, tendo de improceder, por isso, a arguida nulidade com este fundamento. * Aponta, ainda, a apelante à sentença um outro vício, respeitante a limites.Quanto ao vício de consagrado na alínea d), referente a “omissão ou excesso de pronúncia”, cumpre referir, quanto à omissão de pronúncia, que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado”[14]. Bem se analisa no Acórdão da Relação de Guimarães, em que a ora relatora foi adjunta, proferido na processo nº 1799/13.0TBGMR-B.G1, que “Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC). Acresce que, como já referia Alberto dos Reis[15], impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”. Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões. E a jurisprudência é uniforme no sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão[16]. Significa isto, que caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas o que poderá existir é um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável”. A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Mas, a resolução das questões suscitadas pelas partes não pode confundir-se com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas. A questão a decidir está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta. Se eventualmente não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que a decisão por si tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos mesmos, designadamente por opostos à solução adotada. Face ao que dispõe o nº2, do art. 608º, do CPC,“O juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”[17]. E, na verdade, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras[18] e o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção[19]. O dever imposto no nº2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[20]. A sentença deve, pois, “começar pelo conhecimento das questões processuais que podem conduzir à absolvição da instância, devendo nela ser consideradas todas as que as partes tenham deduzido, a menos que prejudicadas pela solução dada a questão anterior de que a absolvição tenha já resultado. Se, porém, puder ter lugar uma decisão de mérito inteiramente favorável à parte cujo interesse a exceção dilatória vise tutelar, o juiz deve proferi-la em vez de absolver o Réu da instância (nº5, do art. 278). Não havendo lugar à absolvição da instância, segue-se a apreciação do mérito da causa. O juiz vai agora respondendo aos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerar, a menos que, dependendo algum deles da solução dada a outro, a sua apreciação esteja prejudicada pela decisão deste, assim acontecendo quando procede o pedido principal, não havendo lugar à apreciação do pedido subsidiário (ver o nº2, do art. 554), quando, ao invés, não é atendido um pedido prejudicial relativamente a outro cumulativamente deduzido (ver o nº3 do art. 555) e quando identicamente, a procedência ou, ao invés, a improcedência do pedido principal acarreta a não apreciação do pedido reconvencional (…) O mesmo fará relativamente às várias causas de pedir invocadas, se mais do que uma subsidiariamente fundar o pedido, bem como quanto às exceções perentórias que tenham sido deduzidas pelo Réu ou pelo autor reconvindo e àquelas de que deva tomar conhecimento oficioso. (…)“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas (Alberto dos Réis. CPC anotado cit., V. p. 143)”[21], até porque a sentença não é uma “obra doutrinária: o juiz tem de resolver um litígio concreto e não deve perder de vista que o deve fazer com economia processual”[22]. O vício da nulidade por omissão ou excesso de pronúncia apenas se verifica em relação a “questões”, nunca quanto a factos[23]. Quanto a estes, sendo julgados provados factos essenciais, referentes à causa de pedir ou a exceções invocadas pelas partes, não alegados, em violação do estatuído no nº1, do art. 5º, e, consequentemente, dos princípios do dispositivo e do contraditório, ou factos complementares ou instrumentais fora dos condicionalismos legais enunciados nas als. a) e b) do n.º 2 desse art. 5º, do CPC, impõe-se a eliminação de tais factos da sentença, nenhuma nulidade configurando. Assim configurados os vícios a que alude a alínea d), referentes aos limites da decisão, debrucemo-nos, agora, sobre o caso. O vício determinativo da nulidade da sentença por excesso de pronuncia, a que alude a referida al. d), do nº1, do art. 615º, ocorre quando o tribunal conheça de “questão” que não lhe foi colocada pelas partes, isto é, de pedido, causa de pedir ou de exceção por elas não invocados. “Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2), é nula a sentença em que o faça”[24] Com efeito, configura nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, o conhecimento de questões não suscitadas na ação ou na defesa e de que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, por o tribunal, a assim proceder, ir além dos poderes de cognição, delimitados pelas partes e pela lei, em violação dos princípios do dispositivo e do contraditório. Não existe nulidade da sentença por excesso de pronúncia quanto a questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente, dado que, nesses casos, é a própria lei que impõe ao juiz o conhecimento dessa questão, ainda que não suscitada pelas partes. E, apenas se verificando o vício da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, no caso de apreciação de questões que extravasem os pedidos formulados, exceções deduzidas (isto é, que não integram o objeto do litígio) e em que se imponha o conhecimento oficioso, não existe nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, quando nela o tribunal se limita a anular deliberação, conforme peticionado, fazendo a qualificação jurídica dos factos alegados, com livre subsunção do caso à norma que entendeu aplicável, sendo que bem podia, até, efetuar a subsunção jurídica dos factos ao abuso de direito (art. 334º, do Código Civil)- como a própria apelante reconhece -, válvula de segurança do sistema, sempre de conhecimento oficioso, e daí extrair as necessárias consequências. Contrariamente ao pretendido pela apelante, ao anular a deliberação, o tribunal a quo não incorreu em excesso de pronúncia, não foi longe de mais, antes apreciou questão que lhe foi submetida – referente ao formulado pedido de anulação da deliberação -, com livre qualificação e subsunção jurídica, no exercício dos poderes de cognição que lhe são conferidos por lei e ao abrigo do princípio da oficiosidade consagrado no nº3, do referido artigo 5º. Conhecendo o Tribunal de “questão” fáctico-jurídica que se prende com pedido deduzido e respetiva causa de pedir, improcede, também, este arguido vício da sentença. * Impugnada a decisão da matéria de facto, cumpre, antes de mais, decidir se a apelante/impugnante observou os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, que vêm enunciados nos arts 639º e 640º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os artigos citados sem outra referência, os quais constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação e decidi-la, para, uma vez fixada a matéria de facto, apreciar da modificabilidade da fundamentação jurídica.2ª. Do erro 2.1 – Do erro da decisão da matéria de facto - Da alteração da decisão sobre a matéria de facto, por erro e má apreciação O nº1, do art. 639º, consagrando o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal. E o art. 640º, consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (negrito nosso). O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que: a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (negrito nosso). Como resulta do referido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras: a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;[25]. Ora, como resulta do corpo das alegações e das respetivas conclusões, a Recorrente, que impugna a decisão da matéria de facto, deu cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c), pois que faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e indica, ainda, as passagens da gravação em que funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo). * Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objeto de recurso, cabe observar que o art. 662º, nº1, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto.O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros: a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento; c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes). E cumpre, ainda, referir que, apenas, não carecem de prova (e mesmo de alegação) os factos notórios que, nos termos do art. 412º, são os “do conhecimento geral”, os quais (tal como os de que o Tribunal tem conhecimento oficioso por virtude do exercício das suas funções – v. referido preceito) são considerados pelo juiz nos termos da al. c), do nº2, do art. 5º. E são notórios os que “sejam de conhecimento e de experiência comum, de acordo com os padrões médios da coletividade de um determinado tempo e lugar. A exigência do conhecimento geral atua em vários âmbitos: na esfera pessoal, o facto notório tem de constar como certo ou falso para a generalidade de pessoas de cultura média, entre as quais se encontra o juiz; na esfera cognoscitiva, no sentido de que tal conhecimento deve integrar a cultura média, não integrando apenas um saber especializado; na esfera espacial, no sentido de que tal facto deve ser conhecido no território a que respeita”[26]. Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade. Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova[27] (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem. Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. E no julgamento da matéria de facto, nos termos do artigo 413º, o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas independentemente da parte que alegou o facto ou da que apresentou o meio de prova, nisto consistindo o princípio da aquisição processual[28]. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[29].A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4). O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis[30] E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada). Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados. Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[31], devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância. Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as partes e as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação. Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos. Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados. E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova. Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas – como declarações de parte e prova testemunhal -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância. Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação. Só depois de valoradas todas as provas, conjunta e conjugadamente e com base em regras da experiência comum, somente a “dúvida sobre a realidade de um facto” se resolve contra a parte a quem o facto aproveita, nos termos do estatuído no artigo 414º. A regra deste preceito “apenas opera, se necessário, em momento posterior à valoração da prova”[32]. * Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, vejamos se assiste razão à Apelante, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da matéria de facto nos termos por ela pretendidos.Conclui a apelante que a sentença proferida padece de erro e má apreciação da prova, tendo julgado incorretamente os seguintes itens: - o facto provado 9[33], que deve ser alterado para a seguinte redação: “9) Na assembleia geral de 29/5/2015, as autoras e demais sócios da R. tomaram as posições vertidas na acta com cópia a fls. 49ss, cujo teor restante se dá por reproduzido, sendo que as primeiras declararam concordar com a proposta de reserva de investimento e discordar quanto aos €25.000,00 de reserva legal, devendo ir para reservas livres por aquela estar já ultrapassada, sendo que na proposta que as Autoras então apresentaram para aplicação de lucros e tratamento das perdas não se previa ou propunha qualquer distribuição de lucros (MA/H).”, isto tendo por base a alegação do art. 11.º da contestação e a prova produzida decorrente do documento de folhas 49 e seguintes, cujo teor se deu por reproduzido no facto provado 9, sendo que esta a referência expressa deve constar do facto provado por ser relevante para a decisão da questão de abuso de direito;- O facto provado 13[34] [35] (“13) A circunstância de os restantes sócios da R. (que não as AA.) auferirem as mencionadas remunerações foi considerada na decisão de não distribuição de lucros (TP/2).) deve ser dado como não provado, e consequentemente, deve ser dado como não provada a segunda parte do Tema de Prova 2 (“2) Apurar sobre as remunerações auferidas pelos sócios da Ré, com excepção das Autoras, e se a decisão de não distribuir lucros foi tomada porque, para aqueles sócios, tal remuneração torna dispensável a distribuição de lucros.”), ou seja, deve ser considerado não provado que “a decisão de não distribuir lucros foi tomada porque, para aqueles sócios, tal remuneração torna dispensável a distribuição de lucros.”, isto porque nenhuma prova foi produzida a este respeito – para mais, 70% do capital social da Ré é detido por uma pessoa colectiva e que, obviamente, não recebe qualquer remuneração (facto provado 4). Sustenta que pese a motivação da sentença, inexistem nos articulados quaisquer factos, seja de que natureza forem, argumentos ou alegações que possam sustentar qualquer acordo das partes sobre esta matéria, que a testemunha L… nada afirmou que pudesse sustentar a prova de tal facto e que a intenção que está subjacente à tomada de posição relativamente a uma proposta de deliberação não pode ser considerada provada apenas com base em “máximas de experiência comum e juízos de normalidade”, que, de resto, não se verificaram nem se justificam e vão contra a prova efetivamente produzida. Ou seja, deve ser considerado não provado que “a decisão de não distribuir lucros foi tomada porque, para aqueles sócios, tal remuneração torna dispensável a distribuição de lucros.” - Devem ser considerados provados os factos: a) O pai da AA., a herança indivisa aberta por óbito deste e as próprias AA. apoiaram sempre, até à deliberação posta em crise na presente acção, a estratégia da R. de se valorizar, num mercado difícil e concorrencial, através da não distribuição de dividendos, mas antes pelo investimento da sociedade, ao ponto de, na assembleia geral de 29/5/2015, aquelas AA. terem apresentado proposta que previa a não distribuição dos lucros (neste último ponto, ver também documento de folhas 49 e seguintes, dado como reproduzido no facto provado 9 e aqui também posto em discussão).b) As sucessivas deliberações de aplicação de resultados da R., que sempre mereceram o apoio das AA. e do seu pai, até ao momento da Assembleia Geral posta em crise nesta acção, não teve qualquer intuito de prejudicar alguns sócios, mas o escopo de garantir para a sociedade capacidade financeira que lhe permita independência perante os demais agentes e capacidade para fazer face à concorrência. c) Verifica-se a necessidade de a R. manter e evidenciar uma estrutura financeira forte, indispensável ao prosseguimento do seu sucesso, o que não é possível se tiver de satisfazer os interesses individuais das AA., seja face ao universo dos seus fornecedores, seja para garantir os seus postos de trabalho, seja no relacionamento com a banca, seja para assegurar as aquisições que a R. carece de fazer, seja sobretudo para salvaguardar a realização de avultados investimentos a que se viu forçada a fazer nos últimos quinze anos (ver ainda documento junto à contestação, sob o n.º 6, não impugnado). sendo que “para todas e cada uma das alíneas, confirmar com depoimento de ficheiro de origem: 20200128144906_3599095_2870431, de 28/01/2020, de 14:49:00 -15:20:49, designadamente de 00:04:33 a 00:10:13, e de 00:15:08 a 00:17:04 bem como as referidas actas das Assembleias Gerais (referências citius 32707693 e 33272607”). Após análise da posição das partes assumida nos articulados e da prova produzida - depoimentos prestados pelas testemunhas e documentos juntos aos autos - e visto o despacho que fundamentou a decisão da matéria de facto, ficou-nos a convicção, como supra referido, de que, in casu, não existe qualquer erro de julgamento, ao invés a matéria de facto foi bem decidida. Com efeito, bem refere o Tribunal a quo, relativamente à factualidade alegada e relevante para a decisão da causa, ter formado “a sua convicção sobre a factualidade apurada com base na análise crítica, e conjugada com máximas de experiência comum e regras de normalidade, da prova pessoal produzida em audiência, da prova documental constante dos autos e do acordo das partes”, sendo que “importa destacar que a demonstração dos factos indicados de 1) a 10) resultou inequívoca em face da apreciação dos elementos do processo e documentos nele inclusos, bem assim, da posição assumida pelas partes nos articulados iniciais dos autos e por isso que tal factualidade foi já considerada como assente, sem qualquer reclamação, no despacho saneador” e “a demonstração do facto nº13 emergiu de máximas de experiência comum e juízos de normalidade, em conjugação com factos de natureza instrumental que resultaram desde logo de acordo das partes nos articulados e das respostas da referida testemunha L…. Com efeito, nesse âmbito, verificou-se que os restantes sócios da R., tal como as restantes pessoas indicadas no documento nº6 que acompanhou a contestação (e que não foi objecto de impugnação das AA.) exercem funções remuneradas na empresa, sendo certo que o mesmo sucedia já com o falecido pai das AA., sendo claro face a juízos de normalidade que tais circunstâncias são forçosamente ponderadas na tomada de deliberação de não distribuição de lucros. Importava apurar, no entanto, se esse era o único motivo subjacente ao sentido de tal deliberação, tema na qual, a apreciação dos demais elementos dos autos e da prova justificou resposta negativa, por se ter considerado, face à análise crítica dos articulados e do depoimento do mencionado L…, que para o efeito tem também contribuído, e com peso significativo, a política muito conservadora que os sócios da R. têm adoptado nos últimos anos na gestão da firma e, concretamente, nas sistemáticas decisões tomadas de não distribuição de lucros e do seu encaminhamento para os mais diversos tipos de reservas. Em consequência, o tema de prova nº2 mereceu a resposta restritiva constante no ponto 13 da decisão antecedente, em linha, aliás, com o teor da contestação, na qual, a R. se insurgia (cfr. art. 7) contra a alegação de que o recebimento das remunerações constituiria o único motivo para a não distribuição de dividendos entre os sócios da empresa” (negrito nosso). Justifica, ainda, o Tribunal a quo a “Ausência de prova ou ausência de prova suficiente explica as respostas negativas e restritivas dadas, sendo de sublinhar a este propósito a ausência de qualquer meio probatório idóneo capaz de evidenciar que à deliberação em causa tenha, de facto, presidido uma intenção dos restantes de prejudicar as AA., não havendo sequer indícios da existência de animosidade entre as partes (para além daquela que é inerente ao litígio judicial, de todo o modo, mantido com todo o civismo)”. Ora, na verdade, quanto à matéria impugnada tida como provada, importa referir que o dado como provado no ponto 9 assim foi considerado provado com base na prova documental nele referida, nada cabendo alterar em tal ponto. Na verdade, nenhuma referência expressa cumpre acrescentar e fazer constar de tal ponto 9, por nada mais do que dele consta relevar para a decisão, desde logo dado que o teor do documento de folhas 49 e seguintes foi já dado por reproduzido no facto provado em causa, para ser considerado, e nenhum interesse ter para a decisão acrescentar, pela negativa, “que na proposta que as Autoras então apresentaram para aplicação de lucros e tratamento das perdas não se previa ou propunha qualquer distribuição de lucros”, sendo, até, que tal se não encontra, sequer, alegado no artigo 11º, da contestação (cfr. fls 37), ao contrário do que a apelante conclui. Quanto ao mais que a apelante pretende seja aditado aos factos provados – al. a) a c), que menciona -, cumpre referir que, atentas as regras de repartição do ónus de alegação entre as partes é, desde logo, irrelevante para a decisão da causa se o pai das Autoras, a herança indivisa aberta por óbito deste e as próprias Autora. apoiaram até à deliberação posta em crise na presente ação, a estratégia da Ré, pois que a tal nenhum efeito de modificar ou impedir o direito das Autoras pode ser atribuído, não integrando matéria de exceção. Com efeito, tal não densifica qualquer exceção, sendo que o exercício de um ano é completamente autónomo de um outro exercício, em causa nos autos estando, apenas o referente ao ano de 2015 e por a postura anteriormente assumida, referente a exercícios anteriores, não justificar a negação do direito das Aurtoras ao lucro relativamente ao exercício do ano anteriormente mencionado, pelo que nada mais cumpre aditar aos factos provados. Acresce que a matéria conclusiva constante de tais alíneas, designadamente a que a alínea c), supra referida, integra, nunca seria de condensar, seja nos factos provados seja nos não provados, pois que de factos se não trata, mas de meras conclusões, e para a fundamentação de facto somente aqueles relevam. Mais, acresce, ainda, que toda a restante matéria referente aos temas de prova que não foi considerada provada foi, já, julgada não provada, por falta de prova. E, com efeito, não se provou, como refere a apelante, que nas deliberações em apreciação os restantes sócios tenham agido com intenção de prejudicar as Autoras, por efetiva “ausência de qualquer meio probatório idóneo capaz de evidenciar que à deliberação em causa tenha, de facto, presidido uma intenção dos restantes de prejudicar as AA.”, embora daí não resulte a intenção de as não prejudicar, nunca a dar como provado por falta de prova. Quanto ao ponto 13 dos factos provados, que, pela análise conjunta e conjugada de toda a toda a prova produzida e nos termos expostos, mereceu uma resposta restritiva nada nos autos impõe decisão diversa, pelo que não cabe a este Tribunal alterar a decisão da matéria de facto, que, fundamentadamente e bem, considerou os referidos factos, aí exarados, provados. E, com efeito, de toda a prova, analisada à luz das regras da experiência comum, resulta provado o referido no ponto 13. Desde logo do depoimento da testemunha M…, revisor oficial de contas, que acompanhou uma avaliação realizada extra-judicialmente à contabilidade da R., bem resultou nenhuma justificação haver para a não distribuição dos lucros pelos sócios, atitude não consentânea com o Código das Sociedades Comerciais, reveladora de poder dos sócios maioritários que vai contra os minoritários. E do depoimento de N…, funcionário da Ré há vinte anos, sendo seu Diretor Financeiro e que secretariou, designadamente, nos anos de 2015 e 2016 as assembleias gerais e que apesar de bem referir que nos últimos anos vem sendo política da empresa não distribuir os lucros, com vista a dotar a empresa de maior solidez financeira e lhe permitir possuir fundos próprios para fazer investimentos, bem mostrou saber que todos os sócios trabalham na Sociedade Ré, apenas não acontecendo isso com as Autoras, que não trabalham para a Ré e, por isso, nada recebem, dado que não há distribuição de lucros. Bem mostrou esta testemunha nenhuma razão haver, em 2015, para a Ré não distribuir lucros, a não ser a pretendida robustez financeira da entidade patronal dos sócios, que não das Autoras, bem mostrando conhecer os documentos 5 e 6 juntos com a contestação e não impugnados. Ora, cada elemento de prova de livre apreciação, designadamente depoimentos de testemunhas, não podem ser considerados de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório efetuado, e bem, pelo Tribunal a quo que, nessa análise bem atendeu ao conjunto dos factos que deu como provados, inclusive aos instrumentais como o facto provado nº12. E, na verdade, na formação da convicção do Tribunal foram considerados os referidos documentos juntos aos autos, conjugados com os mencionados depoimentos. Efetuou o Tribunal análise crítica da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham decisão diversa – como exige o artigo 662.º, n.º 1, do mesmo diploma, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto. E, como bem fundamenta o Tribunal a quo, resulta provado que a circunstância de os restantes sócios da Ré (que não as Autoras) auferirem as remunerações que resultam dos factos provados (cfr. f.p. nº12) foi considerada na decisão de não distribuição dos lucros. Bem justifica o Tribunal a quo “verificou-se que os restantes sócios da R., tal como as restantes pessoas indicadas no documento nº6 que acompanhou a contestação (e que não foi objecto de impugnação das AA.) exercem funções remuneradas na empresa, sendo certo que o mesmo sucedia já com o falecido pai das AA., sendo claro face a juízos de normalidade que tais circunstâncias são forçosamente ponderadas na tomada de deliberação de não distribuição de lucros”, pois que, na verdade, nestes (nos referidos lucros existentes) estão ínsitas. E forçosamente ponderados foram, pois, que uma deliberação de distribuição ou não dos lucros de um exercício tem na sua essência o que foi lucro nesse exercício e estes resultam do que fica depois de saírem, designadamente, as remunerações. Assim, naquela deliberação de não distribuição de lucros foi considerada a circunstância de os restantes sócios da R. (que não as AA.) auferirem as mencionadas remunerações. Reafirma-se, o que cada um dos restantes sócios da Ré (que não as Autoras) já auferia, e que resulta do facto provado nº 12[36] (facto instrumental), está, obviamente, ponderado na deliberação de não distribuição de lucros, bem referindo o Tribunal a quo, pois, que “Importava apurar, no entanto, se esse era o único motivo subjacente ao sentido de tal deliberação”. A prova produzida orienta-se no sentido da verificação daquele facto dado como provado, como bem decidiu o Tribunal a quo de acordo com a sua livre convicção. O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a factualidade como provada, de acordo com a livre convicção que formou de toda a prova produzida. Assim, tendo-se procedido a nova análise dos articulados e da prova, e ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, (depoimento das testemunhas e documentos juntos) não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra. Na verdade, e não obstante as críticas que são dirigidas pela Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ou má apreciação, designadamente deficiência, obscuridade ou contradição, ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência. Ao invés, a convicção do julgador tem, a nosso ver, apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade provada e, também, a não provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido de modo claro e coerente. Não resultando os pretensos erros de julgamento, sequer má apreciação, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador (ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação), tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte. * Efetuada que se mostra, já, a correção do lapso de escrita que, efetivamente, se verificava no ponto 10 da sentença, cumpre aqui consignar que a nenhuma outra cabe proceder quer porque nenhuma relevância tem para o objeto do recurso quer porque de manifestos lapsos de escrita se não trata.* Conclui a apelante que, independentemente das alterações à matéria de facto, uma vez que se não provou factualidade a sustentar as causas de pedir - “a alegação de que a deliberação era apropriada a “satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes (…)” e a de que as deliberações não tinham sido precedidas “(…) do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação” -, devia a ação ter sido julgada, totalmente, improcedente, sendo a deliberação válida. 2.2. Do erro da decisão de mérito por falta de verificação de fundamento de invalidade da deliberação Como já acima se apreciou, cabendo às partes a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir da ação, o juiz tem o poder de, livremente, efetuar a subsunção jurídica dos mesmos, apreciando as questões fáctico-jurídicas suscitadas (quer na ação quer na defesa) e as de que lhe cabe conhecer, mesmo, oficiosamente. Com efeito, desde logo, o artigo 5º, com a epígrafe “Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal” que no nº1, consagra tal ónus (v. ainda a al. d), do nº1, do art. 552º), no nº3, estatui que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”. Assim, sendo a causa de pedir entendida como “o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida” (nº4, do art. 581º), cumpre ao Autor, que invoca a titularidade de um direito, alegar os factos cuja prova permita ao juiz concluir pela existência do direito que se pretende fazer valer. A causa de pedir, servindo de suporte ao pedido, é integrada por todos os factos de cuja verificação depende o reconhecimento da pretensão formulada não podendo ser confundida com a valoração jurídica atribuída pelo autor, sendo que esta nunca é vinculativa para o Tribunal, cujos poderes de cognição são oficiosos e inteiramente livres, embora circunscritos ao pedido. Tendo o juiz liberdade e independência, em termos absolutos, de subsumir, selecionar, qualificar, interpretar e aplicar a norma jurídica que bem entender, aplicando o direito aos factos de modo totalmente autónomo, bem decidiu o STJ que “O conhecimento oficioso da norma jurídica aplicável, na decorrência daquele artigo 5.º, n.º3 do CPCivil, está dependente da introdução na causa dos factos essenciais à respectiva aplicação, daqui decorrendo que no plano factual, impera o ónus de alegação das partes; no plano do direito material aplicável, embora vigorando o princípio da soberania do juiz, há que ter em conta que o conhecimento oficioso se tem de circunscrever ao perímetro formado pelo objecto do processo”, que significa que “como ponto de partida, efectivamente temos como princípio estruturante em processo civil que o Tribunal não está minimamente vinculado às considerações de direito formuladas pelas partes, não estando por isso, igualmente adstrito a eventuais lapsos de qualificação jurídica”, sendo que, contudo, se viola “o principio da conformidade da instância na sua valência objectiva, que leva à condenação «ultra petitum», processualmente inadmissível, o conhecimento oficioso pelo Tribunal de um vício que, embora factualmente alegado, não é peticionada a respectiva consequência jurídica, a qual escapa aos poderes de cognição do tribunal”[37], sendo que, in casu, alegados os factos, foi peticionada a consequência jurídica decretada (anulação da deliberação). Destarte, sendo necessária a alegação da matéria de facto constitutiva do direito do Autor, cuja prova conduza à procedência do pedido formulado (cfr. nº1, do art. 342º, do Código Civil, abreviadamente CC), ao juiz cabe enquadrar o caso nas normas jurídicas. E fazendo-o, bem considerou o Tribunal a quo inteiramente provados os factos alegados, que densificam a causa de pedir da questão fáctico jurídica apreciada, constitutivos do direito das Autoras à peticionada anulação da deliberação, cujo ónus sobre as mesmas impendia, nos termos do preceito anteriormente referido, considerando a deliberação em causa abusiva (como, até, as Autoras qualificaram). Subsumindo os factos afirmados ao preceito que entendeu ser o aplicável, julgou procedente a ação, nessa parte, a única objeto de recurso e que se passa a apreciar. * Cumpre, agora, analisar do erro de direito e se a deliberação foi indevidamente anulada.Comecemos por referir que a sentença recorrida reconhece a existência de um direito do sócio ao lucro, legalmente consagrado, que lhe não pode ser, concreta, injustificada e infundadamente, negado, ao bem exarar: “É um dado inquestionável a consagração na nossa ordem jurídica do direito aos lucros, e com tal dimensão ou expressividade que emerge como elemento essencial da própria noção geral do contrato de sociedade, a qual, naturalmente, também visa as sociedades comerciais (tanto mais que o Código das Sociedades Comerciais não estabeleceu um conceito próprio para elas, incorporando assim a definição civil). Com efeito, nos termos do art. 980.º do Código Civil, contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade. No mesmo sentido, proclama a lei que constitui direito dos sócios, colocado, aliás, logo no primeiro lugar do elenco previsto no art. 21.º/1 do Código das Sociedades Comerciais, o de quinhoar nos lucros. As citadas referências normativas ao direito ao lucro, que é depois densificado em várias outras disposições legais, evidenciam que o seu conceito e caracterização devem ser analisados essencialmente em dois momentos. Num primeiro momento, o direito ao lucro propriamente dito, geral e abstracto, inerente ao referido fim lucrativo do contrato de sociedade; numa segunda etapa, o direito ao dividendo, ou à concreta repartição dos lucros gerados pela sociedade, que surge somente depois de apurada a efectiva existência de ganhos e deliberada a sua distribuição entre os sócios, e que se vence e é reclamável em juízo, em regra, decorridos trinta dias após a deliberação (art. 217.º/2 do CSC, para as sociedades por quotas, e art. 294.º/2, para as sociedades anónimas). No primeiro caso, está em causa a aspiração à obtenção de ganhos através da constituição da sociedade e do exercício da actividade económica em comum. No segundo, a faculdade de participar na concreta repartição dos lucros gerados por essa actividade. Destes momentos, é naturalmente o primeiro que está em causa na situação em apreço nos autos e que, mais concretamente, reside em apurar até que ponto o direito ao lucro, depois de verificada a existência de ganhos para a sociedade e vistas as demais circunstâncias do caso, deve ou não ter forçosamente reflexo na deliberação sobre a sua distribuição e, assim, na constituição de um direito ao dividendo”. Sendo a questão a apreciar a da licitude da deliberação de “não constituição do direito aos dividendos” ou se, ao invés, por ter “afrontado o direito geral a quinhoar nos lucros, que a lei atribui a cada sócio”, padece de invalidade, bem conclui que no referido primeiro momento, associado ao fim que caracteriza a constituição de qualquer sociedade, a importância do direito ao lucro e a sua tutela se mostram amplamente reconhecidos, na lei, na doutrina e na jurisprudência, analisando “para além da consagração do direito na enumeração do art. 21.º/1 do CSC, a lei comina de nulidade a cláusula do pacto social que exclui um sócio da comunhão nos lucros, nos termos da primeira parte do art. 22.º/3 do CSC, a qual, aliás, reproduz a proibição do chamado pacto leonino consagrada no art. 994.º do CC. Mais, é também nula a cláusula que deixe ao critério de terceiros a distribuição dos lucros (art. 22.º/4 do CSC). Por outro lado, nas sociedades por quotas (art. 217.º/1 do CSC) e nas sociedades anónimas (art. 294.º/1 do CSC), a lei determina que deve ser entregue, em princípio, metade do lucro de exercício apurado em cada ano que seja legalmente distribuível. Sendo certo que, nessa distribuição dos lucros, tem primazia o direito dos sócios ou dos accionistas sobre o direito que outras pessoas (gerentes ou membros da administração) possam ter, pois só após o lucro ter sido posto a pagamento aos primeiros pode haver distribuição aos demais (arts. 217.º/3 e 294.º/3 do CSC). No polo oposto, ou seja, em tema de restrições legais ao direito à participação nos lucros, apenas não podem ser distribuídos os ganhos que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados, para constituir ou reconstruir reservas legais e impostas pelo contrato de sociedade (art. 33.º/1 do CSC) e para salvaguardar despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento não completamente amortizadas, desde que o valor das reservas livres e dos resultados transitados não sejam suficientes para esse efeito (art. 33.º/2 do CSC). Paralelamente a esta densificação do direito ao lucro e da sua tutela na lei, a doutrina mais recente, na investigação da sua conformação, tem destacado o intento lucrativo como inerente à defesa do designado interesse social e imposto pelo conceito legal de sociedade, pelo seu fim e inclusivamente pela sua função económico-social. Neste sentido, sustenta-se que “à luz deste conceito (de sociedade comercial adoptado pelo legislador português), o lucro que os sócios procuram obter deve ser produzido no património da sociedade, para ser depois distribuído ou atribuído aos sócios”, pelo que, “a definição deste interesse (interesse social) é necessariamente condicionada pelo respeito pelo fim da sociedade: a prioridade é a obtenção pelo ente social de um lucro (incremento do património da sociedade), passível de distribuição pelos sócios” (cfr. Maria de Fátima Ribeiro, Responsabilidade dos sócios pelo voto, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. II, pp. 387-9). E, reforçando este entendimento, salienta ainda que “esta causa típica do acto constitutivo da sociedade, ou seja, a prossecução do lucro na esfera societária, também comporta, necessariamente, um momento subjectivo, referido à distribuição do incremento patrimonial pelos sócios” (Ob. cit, p. 394-5). Para além disso, a doutrina tem igualmente combatido a orientação, tradicional e particularmente conservadora, que entendia como bastante para satisfazer ao direito ao lucro garantir a sua distribuição no final da existência jurídica da sociedade, com base no argumento de que “só são reais e verdadeiros lucros os apurados no termo da actividade social”, sendo os periódicos apenas “lucros presumíveis” (cfr. Manuel de Andrade e Ferrer Correia, Suspensão e Anulação de Deliberações Sociais, RDES, ano III, 1947/8, pp. 359-360). São particularmente expressivas, a esse respeito, as palavras de Jorge H. Pinto Furtado: nas sociedades por tempo indeterminado “seria naturalmente patológica a constituição exagerada de fundos de reserva eventuais, com o consequente diferimento indefinido da distribuição dos lucros de cada exercício; nem parece correcta a afirmação final de que só o lucro final é efectivo”. Para concluir que “a prática normal, já que a lei impõe a verificação anual da situação da sociedade, é que os lucros periódicos (ou de exercício) sejam distribuídos pelos sócios, sem extravasar a contribuição de reservas eventuais para lá dos limites impostos por uma prudente e sã administração (Curso de Direito das Sociedades, 5.ª ed., p. 145). Devendo ainda destacar-se que a referida orientação tradicional, que se bastava com a distribuição dos lucros no final da actividade da sociedade, era própria de um tempo em que o direito em causa não tinha idêntica consagração àquela que conhece nos dias de hoje. Na verdade, apenas com o Código das Sociedades Comerciais, em 1986, veio a estabelecer-se, concretamente para as sociedades por quotas e para as sociedades anónima, a obrigação de proceder, em regra, à distribuição de metade do lucro de cada exercício. Por isso, como refere Pupo Correia, deve assentar-se que, actualmente, o direito ao lucro “- que é um dos direitos essenciais dos sócios – não pode assentar na expectativa vaga de uma quota na distribuição na liquidação da sociedade, antes exige a normalidade da distribuição dos lucros, pelo menos no final cada exercício, se os houver e desde que a distribuição seja compatível com os legítimos interesses da sociedade” (Direito Comercial, 3.ª ed., p. 314). Defesa de tal direito tanto mais necessária quanto, conforme destaca: “é sabido que, em muitos casos, os sócios que detêm a maioria votante nas deliberações se instalam nos cargos de administração, auferindo as respectivas remunerações, e impedem com os seus votos a distribuição de lucros sob forma de dividendos, postergando assim o legítimo direito dos sócios minoritários” ao lucro (Ob. loc. cit). Finalmente, a mesma protecção do direito dos sócios a quinhoar com regularidade nos ganhos da sociedade vem sendo também preconizada, de forma consistente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores. Segundo se crê, a primeira e mais impressionante manifestação da tutela judicial desse direito pode encontrar-se no acórdão tirado, em 1993, pelo Supremo Tribunal de Justiça (e apelidado de notável acórdão por alguma doutrina: cfr. Olindo dos Santos Geraldes, Deliberações Socias Abusivas e Responsabilidade Civil, 2008, disponível em linha, pp. 6-7), que declarou a nulidade da deliberação social que, com voto maioritário, aprovara a não distribuição dos lucros pelos sócios, por ser contrária aos bons costumes. Sentenciando já então que tal deliberação social, que culminava um período de mais de vinte anos de actividade de uma sociedade que gerava lucros sem distribuição, “envolveu uma clara ruptura do sistema de equilíbrio que deve existir entre o interesse social no reforço e valorização do activo e o dos sócios uti singuli na distribuição periódica dos lucros, e isso num quadro de tal gravidade que o grupo social representativo da ética dominante não poderia deixar de se sentir revoltado” (Ac. do STJ de 7/1/1993, BMJ, nº423, pp. 539ss). Na mesma linha, situa-se o mais recente Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 29/6/2017, que confirmou a sentença proferida em primeira instância no sentido de anular, considerando-a abusiva, a deliberação social que, tendo decidido constituir reserva especial para lucros retidos e reinvestidos no montante de €60.000,00 e constituir reservas livres no valor de €41.676,71, negou à A. o direito à sua quota parte desses lucros. E que fundamentou tal anulação com a ideia de que “a deliberação social abusiva exprime um acto disfuncional, porquanto não visa acautelar os direitos da sociedade mas, ao invés, é estranha a essa finalidade, do ponto em que apenas almeja satisfazer o propósito do sócio ou sócios que, assim, através do voto, colhem para si, ou para terceiros, vantagens que prejudicam a sociedade ou terceiros”. Considerando ainda, já a partir da perspectiva do direito do sócio à participação nos lucros, que “a possibilidade de suprimir a distribuição de pelo menos metade dos lucros mediante a maioria qualificada de ¾ não pode deixar de ser excepcional e justificada pelo interesse social” (processo nº4863/16.0 T8VNF, acórdão disponível em texto integral na base de dados da DGSI na internet). Por último, proferido entre estes dois arestos, podemos convocar o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/2/2013: com base na premissa de que “entre as faculdades ou poderes que integram a participação social conta-se a de participar no lucro da sociedade”, concluiu que a sua desconsideração, por abusiva, pode determinar a nulidade da deliberação, pois “as deliberações dos sócios que incorram, nos termos gerais, em abuso de direito são nulas, e não simplesmente anuláveis” (cfr. processo nº89/10.4TBTCS disponível na base de dados em linha do Tribunal da Relação de Coimbra)”. Sendo, efetivamente, este o regime legal a convocar para a decisão do caso e encontrando-se espelhada a orientação da Doutrina e da Jurisprudência, designadamente a sua orientação mais recente, cumpre, ainda, referir que consagrando os artigos 21º, nº1 al. a) e 22º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, abreviadamente CSC, o direito de todos os sócios a participarem nos lucros, não estatui imperativamente a distribuição dos lucros, antes consagra soluções supletivas, nos artigos 217º, nº1 e 294º, nº1, respetivamente para as Sociedades por quotas e para as Sociedades anónimas. Com efeito, como refere, na Doutrina, Paulo Olavo Cunha, tais “disposições legais conferem, supletivamente, aos sócios o direito de receberem, pelo menos, metade do lucro de exercício distribuível, salvo se – “em assembleia geral para o efeito convocada” – for tomada deliberação, por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social, que consista na redução pontual do quantitativo percentual mínimo a distribuir ou, pura e simplesmente, conclua pela não distribuição, não obstante existirem lucros do exercício distribuíveis. Esta hipótese, a ocorrer, deve corresponder a uma deliberação dos sócios ou acionistas, formada tendo em consideração os princípios estruturantes do sistema e, nomeadamente, o interesse social, sob pena de ser considerada abusiva e, consequentemente anulável (cfr. art. 58º, nº1, alínea b)). Mas os nº1 dos referidos artigos (217º e 294º) (…) preveem ainda a possibilidade de a regra legal enunciada ser afastada por diferente cláusula contratual. (…) considerámos não admitir limitações convencionais, garantindo-se aos sócios e acionistas o direito a receber uma certa (e mínima) parte do lucro do exercício disponível[38]. O facto de, repetidamente, a prática estatutária nacional (…) entregar ao livre arbítrio da maioria a eventual não distribuição dos lucros próprios não altera a nossa leitura restritiva destas importantíssimas regras legais supletivas (…) A opinião que perfilhamos alicerça-se no fundamento ou na razão de ser subjacente à participação na sociedade[39] e toma em consideração a letra e o espírito das disposições legais que se reportam à distribuição de lucros. As sociedades constituem-se para distribuir todos os resultados que geram periodicamente (…) Daí que não faça qualquer sentido admitir a possibilidade de restringir este direito social, para além do montante que, razoavelmente a lei estabelece como mínimo”, porquanto a distribuição de lucros realiza a essência[40] da participação social, não se justificando continuar a aforrar e a não disponibilizar aos sócios, parte dos resultados obtidos, harmonizando a lei todos os interesses envolvidos: o dos sócios – em receber periodicamente uma remuneração, ainda que irregular, do capital investido – e o social, de poder anualmente reservar capital, para reforço dos capitais próprios da sociedade[41] (sublinhado e negrito nosso). Como decidiu a Relação de Guimarães “I) - Os lucros de exercício de uma sociedade podem ser retidos como reserva, podem ser distribuídos pelos sócios e podem ser parcialmente retidos e parcialmente distribuídos, tendo os sócios neste domínio um elevado grau de discricionariedade na deliberação, observados os limites definidos na lei. II) - Em termos de normalidade, face à imposição legal de verificação anual da situação da sociedade, os lucros de exercício, havendo-os, são distribuídos anualmente pelos sócios, sem prejuízo da constituição de reservas eventuais, de acordo com uma administração prudente e de molde a fazer face às sempre variáveis circunstâncias da conjuntura económica. III) - O artº. 33º do CSC define situações em que não podem ser distribuídos lucros aos sócios, razão pela qual, sendo proibida por lei essa distribuição, a mesma não está na disponibilidade dos sócios. Trata-se de uma norma imperativa que visa a cobertura de prejuízos transitados ou de reservas, operando uma delimitação negativa do lucro distribuível, fixando um regime que não pode ser afastado por deliberação dos sócios. IV) - O regime do artº. 217º, nº. 1 do CSC permite que a assembleia geral de sócios delibere, por maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital social nela reunido, sobre a distribuição e/ou aplicação de lucros, desde que se não verifiquem as situações previstas no artº. 33º do CSC. e sempre que tal se entenda necessário à luz dos interesses da sociedade, permitindo deste modo que o interesse social se sobreponha ao interesse particular do sócio. V) - Resulta do regime dos artºs 33º e 217º, nº. 1 do CSC que o direito dos sócios aos lucros não é absoluto e pode ceder perante o interesse da sociedade, que se pode sobrepor ao interesse individual de cada sócio, caso existam razões que o justifique”[42]. Necessário é, contudo, que razões justificativas para a não distribuição de lucros, fundadas, consistentes existam, não bastando meros intuitos de aforro, com o sacrifício de sócios que, pese embora o sejam, nenhuns lucros veem distribuídos. Bem se decidiu no Acórdão anteriormente citado que proporcionar o quinhoar nos lucros da sociedade, na proporção das quotas “constitui o objectivo final de uma sociedade: a sociedade existe para proporcionar aos sócios a repartição dos lucros do seu exercício. O quinhão de lucros que cabe a cada sócio encontra-se indexado à sua proporção no capital da sociedade, pois cada sócio receberá uma parte dos lucros de acordo com a proporção que detém no capital social da sociedade. Note-se a importância que o legislador confere à distribuição de lucros pelos sócios, considerando mesmo nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros (salvo o disposto quanto a sócios de indústria) e nula a cláusula pela qual a divisão de lucros seja deixada ao critério de terceiro – cfr. art. 22º, nºs 3 e 4 do Código das Sociedades Comerciais. Quanto às sociedades por quotas, como é o caso da sociedade R., a lei é precisa ao dispor que “Salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível” – art. 217º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais. Conforme explica Jorge Manuel Coutinho de Abreu (in Curso de Direito Comercial, Volume II, 5ª Edição, Almedina, pág. 414) “Não quer dizer que, quando haja lucros distribuíveis, cada sócio pode exigir da sociedade, a todo o tempo, o seu quinhão ou a quota parte na totalidade desses lucros. Só pode exigi-lo se e quando os lucros forem (ou devam ser) distribuídos (normalmente por força de deliberação dos sócios), e tendo em conta a medida da distribuição. É por isso comum na doutrina contrapor o direito abstracto aos lucros (o direito de quinhoar nos lucros de que falamos, enquanto direito integrante da participação social) ao direito concreto aos lucros (o direito de crédito a quota-parte dos lucros distribuídos). No entanto, o direito abstracto (rectius, potencial) aos lucros não é mera expectativa jurídica, contém já direitos concretos (rectius, actuais), poderes ou faculdade actualmente exercitáveis. Na verdade, todo o sócio tem o poder jurídico de exigir permanentemente da sociedade que não seja excluído da comunhão dos lucros”. (…) Quanto à segunda deliberação, há que realçar que a mesma foi tomada com maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, pelo que se encontra acobertada pelo art. 217º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais. A questão que se nos coloca, então, é a de saber se será esta deliberação abusiva, na medida em que apropriada para: - satisfazer o propósito de um dos sócios; - de conseguir, através do exercício do direito de voto; - vantagens especiais para si ou para terceiro; - em prejuízo da sociedade ou de outros sócios – cfr. art. 58º, nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais. Conforme ensina António Menezes Cordeiro (Direito das Sociedades, I, Parte Geral, 3ª edição ampliada e actualizada, Almedina, pág. 796) “Estes dois últimos elementos podem ser substituídos por uma única proposição: - o propósito de, simplesmente, prejudicar a sociedade ou (os) outros sócios.” Diz-nos Pinto Furtado (Deliberações de Sociedades Comerciais, Colecção Teses, Almedina, pág. 696), que “…a al. b) do art. 58-1 CSC não refere a deliberação abusiva unicamente ao propósito de um dos sócios conseguir vantagens especiais para si ou para terceiros, mas também, em vez disso, ao objectivo de prejudicar a sociedade ou os outros sócios. Contemplam-se neste passo, entre as abusivas, as deliberações emulativas. (…) Num caso e noutro, seja o acto vantajoso ou simplesmente emulativo, recorre-se à ideia de abuso de direito.” (…) Assim, no caso das deliberações abusivas, previstas no art. 58º, nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais, “Em causa estão deliberações que se apresentam formalmente como regulares - que não contrariam formalmente a lei nem o contrato de sociedade - mas que lesam ou ameaçam interesses da sociedade ou dos sócios em termos tão chocantes que se impõe e justifica a possibilidade da sua impugnação. E, na verdade, aquele preceito tem subjacente a ideia de que as deliberações sociais e o exercício do direito de voto devem ser direccionados para a realização do interesse da sociedade (ou do interesse comum dos sócios) e não apenas para satisfazer interesses de alguns sócios ou de terceiros, em prejuízo da sociedade ou de alguns (outros) sócios” – cfr. acórdão do STJ de 9/10/2003, da lavra do Juiz Conselheiro Santos Bernardino, disponível na internet em www.dgsi.pt. (…)Centrando-nos agora na deliberação em apreço, constatamos que esta (…) prejudica, claramente, a A., sócia minoritária, que deixa de receber quantia considerável a título de lucros da sociedade. E esta situação tem-se repetido todos os anos (…). Como de forma lapidar escreve o Juiz Conselheiro Santos Bernardino no acórdão já citado, “A acção de anulação de deliberações sociais é hoje vista, não tanto como instrumento de defesa da legalidade societária, mas sobretudo como instrumento de defesa da participação social e dos interesses do respectivo titular e como meio de garantir a protecção da situação das minorias, da posição jurídica e dos interesses dos membros da corporação, perante a maioria e os seus instrumentos de poder” (negrito nosso). Deste modo, tendo em conta os princípios estruturantes do sistema, realizando a distribuição de lucros pelos sócios, a essência da participação social, a deliberação, mesmo que tomada por maioria de três quartos dos votos, no sentido de não distribuir lucros de uma sociedade num determinado exercício, tem de revestir caracter pontual, excecional, sem o que o escopo essencial de uma sociedade se perde e a maioria se impõe perante a minoria contra os objetivos traçados pelo legislador. Tem, pois, de estar na base da deliberação de não distribuição de lucros uma pontual, especial e excecional, razão e uma consistente, fundada justificação. Não sendo o direito dos sócios aos lucros um direito absoluto, antes cedendo perante o interesse da sociedade, podendo este prevalecer sobre aquele, para que tal possa suceder especificadas, válidas, fundadas e excecionais razões têm de ser convocadas, não integrando razões justificativas a persistente, sistemática e rotineira decisão de constituir reservas com os resultados líquidos dos exercícios, continuada ao longo de 15 anos, e, concretamente, bem transparecendo dos factos, relativamente ao ano que aqui releva – o de 2015 - o intuito de aforro, de não deixar sair da sociedade valores, em satisfação do que é um direito das sócias peticionantes, que sendo-o, como bem refere o Tribunal a quo acabam por ser tratadas como se o não fossem. * Assente nas referidas premissas, efetuando a subsunção jurídica do caso, entendemos que bem decidiu o Tribunal a quo, revelando equilíbrio, proporcionalidade e espírito de harmonização dos interesses envolvidos, que a deliberação impugnada, injustificadamente, não acautelou o direito das AA. a, na qualidade de sócias, quinhoarem nos lucros da R., uma vez que:A deliberação em causa não apenas restringiu o exercício do direito regular ao lucro, nem se limitou a diminuir a sua extensão, a deliberação implicou o total esvaziamento de conteúdo útil do direito das AA. de participar nos lucros da sociedade quanto ao exercício de 2015; Embora formalmente conforme ao art. 217.º/1 do CSC, porque aprovada por uma maioria de 90%, a deliberação impugnada acabou por infringir, na substância, os dois princípios orientadores que presidem à consagração daquela regra: a proteção do direito à participação no lucro societário e, como refere a doutrina, “evitar abusos das maiorias sobre as minorias” (J. H. Pinto Furtado, Ob. cit., p. 145); A deliberação em apreço constitui mesmo o protótipo das situações censuradas pela doutrina e pela jurisprudência por ofensa aos direitos minoritários dos sócios, como são as AA., e que se verifica quando “os sócios que detêm a maioria votante nas deliberações se instalam nos cargos de administração, auferindo as respectivas remunerações, e impedem com os seus votos a distribuição de lucros sob forma de dividendos, postergando assim o legítimo direito dos sócios minoritários” (cfr. Pupo Correia, Ob. loc. cit.) ou quando a deliberação traduz “uma clara ruptura do sistema de equilíbrio que deve existir entre o interesse social no reforço e valorização do activo e o dos sócios uti singuli na distribuição periódica dos lucros” (Ac. do STJ de 7/1/1993, BMJ, nº423, pp. 539ss). Recusando a distribuição dos lucros, a deliberação impugnada diverge do objectivo fundador último da personificação das sociedades, afasta-se do fim último que marca o conceito de sociedade, tal como é configurado na lei (art. 980.º do CC) e na doutrina (Maria de Fátima Ribeiro, Ob. cit., pp. 387-9), e contende até com a causa típica ou função económico-social do acto constitutivo da sociedade; Adoptando uma perspectiva económica de lucro, como “a remuneração do empresário” e que considera despesas “não só de gastos efectivos ou consumos de bens utilizados, mas também de gastos de ocorrência futura provável e ainda remunerações figurativamente arbitradas, quer a título de juro do capital próprio investido, quer como salário, pelo papel de direcção e coordenação empresarial” (cfr. Rogério Fernandes Ferreira, Lucro, in Polis, III vol., pp. 1265-6), constata-se que a deliberação em causa infringe também o princípio da igualdade, afastando as AA. de qualquer forma de vantagem inerente ao estatuto de sócias, ao passo que os demais delas participam, pelo menos, através das remunerações pelos cargos que exercem na sociedade; Por fim, e também mercê desse tratamento desigual dado às AA., em contraposição com o acesso a vantagens ou poupanças por parte dos demais sócios, a deliberação impugnada está muito próxima, no plano substancial, do designado pacto leonino, proibido pelos arts. 22.º/3 do CSC e 994.º do CC, pois impede às primeiras qualquer forma de participação na riqueza que vai sendo gerada pela sociedade; Neste sentido, se é razoável “incluir na proibição do pacto leonino não apenas os casos em que um sócio seja totalmente excluído de quinhoar nos lucros ou nas perdas, mas também as cláusulas que atribuam a um sócio um quinhão dos lucros e perdas tão ínfimo (…) que conduzam ao efeito prático que a lei proíbe” (cfr. Pupo Correia, Ob. cit., p. 317), também se justifica pugnar pela invalidade da deliberação de que resulte a exclusão de um ou dois sócios, diferentemente dos demais, de participarem por qualquer forma nos proventos associados à actividade da sociedade. Daqui resultando que, concomitantemente com a infracção do direito das AA. a quinhoar regularmente nos lucros gerados, o conteúdo da deliberação impugnada traduz o exercício de um direito – concretamente, o direito de os sócios destinarem livremente os ganhos da sociedade – em claro excesso aos limites impostos pela boa-fé e, sobretudo, pelo fim económico ou social do direito”. * Apreciando da justificação da deliberação impugnada - de não distribuição de lucros movida por, contínuos e persistentes intuitos de aforro -, constata-se que as circunstâncias invocadas pela Ré/Apelante não tornam a deliberação em causa admissível, sequer justificada, sendo que, na verdade, a mesma é abusiva, traduzindo a ditadura das maiorias, em violação dos próprios fins do contrato em causa - o de sociedade.Bem refere o Tribunal a quo “Relativamente à referência à postura das AA. e seus antecessores, no sentido de sempre terem aceite a ausência de distribuição de lucros, até mudarem de opinião, movidas por interesses muito próprios de sobrevalorização das quotas de que são titulares, a verdade é que, em primeiro lugar, sobre a alegada negociação da posição social das demandantes nada foi apurado em audiência de julgamento. Para além disso, e decisivamente, a nosso ver, a pretensão das AA. de participar nos lucros da sociedade R. apenas poderia ser travada, mercê daquela argumentação da R., se configurasse (também) o exercício abusivo do seu direito (neste caso, de quinhoar nos lucros), nos termos do art. 334.º do CC. Ora, segundo pensamos, a circunstância de as AA. terem adoptado posição diversa no ano anterior, conforme resulta da assembleia geral de 29/5/2015, não as deve impedir, designadamente, por aplicação da proibição de venire contra factum proprium, ou de qualquer outra, de pugnar pela distribuição dos lucros no exercício seguinte, como fizeram no âmbito da votação da deliberação impugnada. Por um lado, tal conduta está muito longe, segundo se crê, de representar actuação manifestamente lesiva da boa-fé, dos bons costumes ou da função económica ou social do direito ao lucro (cfr. art. 334.º do CC). Por outro lado, quer segundo padrões de razoabilidade, quer no plano legal, o sentido e a justificação do voto de cada sócio deve ser aferido por referência a cada exercício, sendo perfeitamente admissível que sejam alteradas as apreciações subjectivas inerentes ao normal exercício do direito de um ano para outro. Finalmente, não procedem, se bem pensamos, as comparações com anos anteriores a 2015, pois em tal período a titularidade da posição de sócio e do direito ao lucro pertencia à herança indivisa, aberta por morte do pai das AA., no ano anterior, e ao seu falecido progenitor, nos anos antecedentes, e portanto em condições totalmente diversas das vivenciadas pelas AA., tanto mais que, como resulta da certidão do registo comercial da R., E…, em vida, participava na gerência da sociedade e é natural que, sob esse pressuposto essencial, comungasse da ideia de não distribuição de lucros. Sustenta a R., por outro lado, que a sua deliberação tem inteira cobertura no regime legal no previsto no art. 217.º/1 do CSC. Sendo certo que tal asserção corresponde em pleno à verdade, quer face à disposição do art. 17 do seu pacto constitutivo, que estabelece que os resultados apurados terão o destino que for aprovado em assembleia geral, quer mercê do facto de a deliberação ter sido aprovada por maioria de três quartos dos votos, pois foi tomada por 90% dos votos representativos do capital social. No entanto, não é uma questão de legalidade formal que está em apreciação no caso dos autos, ou de pretensa infracção ao disposto no art. 217.º do Código das Sociedades Comerciais. O que se aprecia, diversamente, é uma questão de ilegalidade substancial, ainda que a coberto de uma aparência de legalidade, como é próprio, aliás, das deliberações abusivas. Como certeiramente se afirma no Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 9/11/2006, “uma deliberação social é abusiva quando, sem violar específicas disposições de lei ou dos estatutos da sociedade, é susceptível de causar aos sócios minoritários um dano, assim se contrariando o interesse social” (cfr. processo nº1676/06.3, disponível em texto integral na já citada base de dados). Na verdade, “a teoria geral do abuso de direito firma assim a conclusão de que a fórmula abstracta da lei não inclui, apesar da sua generalidade, a previsão e tutela do comportamento excessivo, excluindo a sua ilicitude”, pelo que, “nesta ordem de ideias, será bem de ver que não fará sentido recorrer ao mecanismo de semelhante figura quando a utilização concretamente em causa já tenha sido legalmente prevista e directamente ilegalizada” (J. Pinto Furtado, Ob. cit., p. 459). Assim, a figura do abuso de direito, ou da deliberação abusiva só “poderá ser posta em funcionamento quando a lei ou, no nosso caso, os próprios estatutos da sociedade, não tenham sido previdentes (…) na delimitação do conteúdo ou função do direito subjectivo em presença”. Dito de outro modo, e muito simplesmente, se o direito dos sócios maioritários não existisse, ao abrigo do disposto no art. 217.º do CSC, nem se colocaria a questão do seu exercício abusivo ou excessivo. Por último, também não aderimos, sem prejuízo do devido respeito por opinião diversa, ao entendimento sufragado pela R. no sentido de que a opção tomada na deliberação é justificada face à política de aquisições e investimentos que a sociedade vem seguindo desde 2000. Em primeiro lugar, parece-nos que o argumento prova demais e é reversível, pois a acumulação de lucros pela sociedade sem qualquer distribuição, durante mais de quinze anos, que a própria R. convocou ao caso dos autos, aproxima-a daquela situação “patológica” consistente na “constituição exagerada de fundos de reserva eventuais, com o consequente diferimento indefinido da distribuição dos lucros de cada exercício” (Pinto Furtado, Ob. cit., p. 145), que a doutrina censura por afrontar injustificadamente o direito aos lucros. Mais, foi precisamente perante factualidade de contornos próximos, caracterizada por cerca de vinte anos de lucros societários sem distribuição, que o STJ considerou ter ocorrido “uma clara ruptura do sistema de equilíbrio que deve existir entre o interesse social no reforço e valorização do activo e o dos sócios uti singuli na distribuição periódica dos lucros” (Ac. de 7/1/1993, acima citado). Para além disso, na esteira do que afirma a jurisprudência já citada (Ac. do TRG de 29/6/2017), “a possibilidade de suprimir a distribuição de pelo menos metade dos lucros mediante a maioria qualificada de ¾ não pode deixar de ser excepcional e justificada pelo interesse social”. Vale por dizer que, encontrando-se a sociedade dotada de uma robusta situação financeira, como sucede com a R., cujo ratio de autonomia financeira da R., após o exercício de 2015, era de 49,60%, passando a 49,76% em 2016, a opção entre realização de investimentos e aquisições, de um lado, e de distribuição de lucros, de outro, pode estar a coberto da ampla margem de liberdade facultada aos sócios. Todavia, tal opção deverá ser exercida com razoabilidade e equilíbrio, face aos interesses em jogo e, em qualquer caso, respeitando os limites da boa-fé e sem atentar contra direitos a que a lei atribui relevância, como sucede com o direito aos lucros, cuja existência e consagração tem necessariamente de ser ponderada. Dito de outro modo, aqui como em quase todos os actos da vida societária e não só, o direito de um deve ser reconhecido até ao ponto em que invada ou atinja o direito dos outros, sendo que estes devem forçosamente ser ponderados no exercício daquele. Ao invés, no caso dos autos, a análise dos factos evidencia que os sócios maioritários da R., no exercício do direito que em princípio lhes assiste de optar entre a realização de investimentos e a distribuição de lucros, têm preferido sucessivamente o primeiro interesse, negligenciando abusivamente o segundo, como se nessa equação não tivesse de ser ponderado o direito das AA. à repartição do lucro, e sem cuidar de saber se com a opção sistemática pelo primeiro estão a sacrificar totalmente e sem necessidade o segundo. Somos a concluir, pois, que apenas poderia colocar-se a actuação dos sócios maioritários da R. dentro dos limites impostos pela boa-fé e pela função económica do seu direito se, no período no qual a deliberação foi tomada, ela fosse legitimada pela situação financeira da sociedade (como sucedeu no caso apreciado pelo citado Ac. do TRE de 9/11/2016, que recusou a anulação da deliberação de não distribuição de lucros por se estar perante um exercício prefigurado de problemático para a sociedade, do ponto de vista económico). Ou se, pelo menos, a necessidade de realização de investimentos tornasse indispensável a utilização da totalidade, ou de uma sua parte significativa, do lucro gerado no exercício de 2015. Ora, face ao referido ratio de solvabilidade da R., face à ausência de circunstâncias anómalas quanto à capacidade financeira da sociedade no exercício em questão e face aos valores apurados de lucros (€476.601,96) e de investimentos em 2015 (€129.205,53), nenhuma dessas circunstâncias, a nosso ver, ficou demonstrada”(negrito nosso). Assim, bem se entendeu abusiva a deliberação por afrontar o direito das Autoras à participação regular no lucro da sociedade R., de modo injustificado e substancialmente próximo daquele que, relativamente às cláusulas do contrato de sociedade, é legalmente vedada pela proibição do pacto leonino (art. 22.º/3 do CSC) e simultaneamente, o seu conteúdo emanar do exercício do direito pertencente aos sócios maioritários, que é o de destinarem livremente os ganhos da sociedade, em excesso manifesto em face dos limites impostos pela boa-fé e, sobretudo, pelo seu fim económico ou social, sendo que: - os “primeiros limites, relativos à boa-fé, são excedidos em consequência da total insensibilidade que o teor da deliberação revela perante a posição das AA. na sociedade, as quais, no concreto ponto do acesso às vantagens resultantes da actividade comum, são tratadas, ao cabo de contas, como se sócias não fossem; - e os “limites impostos pelo fim económico ou social do direito como resultado da desconsideração completa pelo momento subjectivo, relativo à distribuição do lucro gerado por todos os sócios, que a “causa típica do acto constitutivo da sociedade, ou seja, a prossecução do lucro na esfera societária, também comporta, necessariamente” (cfr. Maria de Fátima Ribeiro, Ob. cit., pp. 394-5)”. Bem considerou, pois, o Tribunal a quo a deliberação abusiva, nenhuma razão assistindo à apelante, não podendo, pelo exarado, ser dado acolhimento à posição por ela assumida para influenciar este Tribunal. Destarte, e na ausência de justificação da, substancial, ilicitude cometida, o Tribunal a quo extraindo dela consequências refere “em tema de invalidade das deliberações sociais, o Código das Sociedades Comerciais, sem referência expressa à figura da inexistência, enuncia as categorias da nulidade (art. 56.º), que em parte constitui, com mais rigor, uma invalidade mista (als. a) e b) do nº1 do art. 56.º, mercê do disposto no seu nº3), e da anulabilidade (art. 58.º). Dessas causas de invalidade, e segundo tem sido maioritariamente entendido, o art. 58.º/1, al. b), do Código das Sociedades Comerciais contempla somente uma manifestação particular da proibição do abuso de direito. Não esgotando, pois, em seio societário, a aplicação da regra geral a que alude o art. 334.º do Código Civil, pelo que, as demais deliberações abusivas, por infracção a esta regra civil, cairão no âmbito do art. 58.º/1, al. a), do CSC (cfr. António Menezes Cordeiro, SA: Assembleia Geral de Deliberações Sociais, pp. 209ss, Manual de Direito das Sociedades, Vol. I., p. 665, e Maria de Fátima Ribeiro, Ob. cit., pp. 415-9). Ressalvam-se, no entanto, os casos de deliberações abusivas que traduzam violação aos bons costumes ou impliquem violação de regras que em nenhum caso possam ser derrogadas, sequer pela vontade unânime dos sócios, caso em que serão nulas (cfr., na doutrina, Vasco da Gama Lobo Xavier, Invalidade e Ineficácia das Deliberações Sociais no Projecto de Código das Sociais, Separata da RLJ 118, nº15, pp. 18-9, Ricardo Samuel Viegas Silva, Invalidade das Deliberações Sociais, acessível em linha, p. 34, e na jurisprudência, Ac. do STJ de 7/1/1993 e Ac. do TRC de 19/2/2013, acima citados). Como afirma Olindo dos Santos Geraldes, a respeito do art. 58.º/1, al. b), do CSC, “nem a sua letra nem a sua história (…) apontam verdadeiramente no sentido da sua sobreposição”, acrescendo “ainda um vastíssimo espaço de aplicação daquela norma (o art. 334.º do CC), nomeadamente no que respeita à boa fé” (Ob. cit., p. 6). Acresce, para determinação da aplicação de uma ou outra norma, que “o abuso do direito plasmado no art. 334.º do Código Civil com um pendor claramente objectivista, como é reconhecido, cobre uma larga diversidade de casos típicos”, como “a excecptio doli, venire contra factum proprium, suppressio, surrectio, tu quoque e exercício em desequilíbrio”, enquanto, “por sua vez, a norma do voto abusivo, contemplada no art. 58.º, nº1, al. b), do CSC, já com uma vertente mais subjectivista, fica limitada às deliberações sociais para as quais foi determinante, para a sua aprovação, o exercício do voto abusivo por parte de um ou mais sócios” (cfr. Olindo Geraldes, Ob. cit., p. 7). Volvendo ao caso dos autos, em que não se provou qualquer intento de prejudicar por parte dos sócios maioritários, e no qual o exercício abusivo do direito se surpreende, mais do ponto de vista objectivo, na desconsideração da sua função económica e social e dos limites impostos pela boa-fé, face ao direito das AA. de participar nos lucros, crê-se que é a aplicação do art. 58.º/1, al. a), do CSC, a justificada. Com efeito, nesta perspectiva, o conteúdo deliberação violou as disposições dos arts. 21.º/1, al. a), do CSC e 334.º do CC, não existindo, porém, elementos de facto suficientes para concluir que invadiu a fronteira, mais censurável segundo padrões de ética dominante, fornecida pelos bons costumes, nem sendo, essa averiguação, em rigor, necessária, visto que as AA. cumpriram todos os prazos e dispõem de toda a legitimidade para a acção de simples anulação. Por outro lado, também não encontramos motivos bastantes para recorrer ao art. 56.º/1, al. d), do CSC. É verdade que, nos termos do art. 22.º/3 do CSC, é nula uma cláusula que proíba algum sócio de quinhoar nos lucros, mas a maior gravidade da sanção da nulidade parece mais apropriada se dirigida ao próprio pacto social, por deste resultar uma proibição de acesso aos lucros, tendencialmente, por tempo indeterminado, i. é, para todo o tempo de existência da sociedade, e não tanto a respeito de uma deliberação cujos efeitos são restritos à exclusão de participar nos lucros de determinado exercício, neste esgotando a sua aplicação. Assim, bem concluiu que a deliberação impugnada é anulável, por ser abusiva e mercê do disposto no art. 58.º/1, al. a), do CSC. E, com efeito, “O CSC distingue entre deliberações nulas e deliberações anuláveis, sendo a anulabilidade o regime regra por se entender que o dinamismo da vida societária ficaria embaraçado com a multiplicação de invocações de nulidade”[43]. Assim, dependendo a alteração da decisão de mérito do recurso da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto fixada, sendo esta julgada totalmente improcedente, constata-se que também nenhum erro de subsunção jurídica se verifica bem tendo sido efetuada a apreciação de mérito. Na verdade, consagra o nº1, do artigo 342º, do C. Civil, que regula a questão do ónus da prova, que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Tendo as Autoras logrado provar os factos constitutivos do invocado direito, não pode o mesmo deixar de lhes ser reconhecido, sendo a consequência jurídica da violação a peticionada e decretada – a anulação da deliberação. E porque nenhuma alteração na matéria de facto foi introduzida, nem aqui o é, na improcedência das conclusões da apelação e por nenhum preceito invocado pela apelante ter sido violado, cumpre manter a decisão recorrida. * Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.III. DECISÃO * Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.* Porto, 22 de fevereiro de 2021Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores Eugénia Cunha Fernanda Almeida António Eleutério ______________ [1] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735 [2] Cfr. Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net. [3] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI. [4] Ac. RE, de 3/11/2016, Proc. 1774/13.4TBLLE.E1.dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017, pág. 922 [5] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348. [6] Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 332. [7] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 735 [8] Ibidem, pág 736 [9] Ibidem, pág 736 [10] Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, pág. 370; Lebre de Freitas, in ob. cit., pág. 332; Abílio Neto, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017; pág. 906, e Acs. STJ. de 14/11/2006, Proc.06A1986; de 17/04/2017, Proc. 07B418; R.C. de 16/10/2012, Proc. 127963/11.1YIPRT.C1; RG. de 14/05/2015, Proc. 853/13.2TBGMR.G1, todos in base de dados da DGSI. [11] Ac. STJ de 2/6/2016, Proc. 781/11 e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 737 [12] Ac. STJ de 5/4/2016, Proc. 128/13, Sumários Abril/2016, pág 8, Abílio Neto, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017; pág. 921 [13] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI. [14] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Idem, pág 737 [15] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 55 e 143. [16] Acs. STJ. de 01/03/2007. Proc. 07A091; 14/11/2006, Proc. 06A1986; 20/06/2006, Proc. 06A1443,in base de dados da DGSI. [17] Cfr. Ac. do STJ de 24/6/2014, Processo 125/10: Sumários, Junho de 2014, pag 38, em que se decidiu Não há nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, se o tribunal se limitou a cumprir o preceituado no art. 608º, nº2, do NCPC (2013), considerando prejudicado apreciar o argumento do valor das indemnizações arbitradas por ter decidido não existir fundamento legal para responsabilizar as Rés… [18] Ac. do STJ, de 30/9/2014, Processo 2868/03:Sumários, Setembro 2014,pag 39 [19] Ac. da Relação de Lisboa de 17/3/2016, Processo 218/10:dgsi.net [20] Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.555 [21] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 712-713 [22] Ibidem, pág 714 [23] Ac. STJ. de 10/01/2002, Ver. n.º 3196/01-2ª Sumários,1/2002. [24] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737 [25] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, Almedina, págs 155-156 [26] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição, pág. 504 [27] Acórdãos RC de 3 de outubro de 2000 e 3 de junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág 26 [28] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 504 [29] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348. [30] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635. [31] Acórdão da Relação do Porto de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Processo nº 5453/06.3 [32] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 507 [33] O facto provado nº 9 tem a seguinte redação: “9) Na assembleia geral de 29/5/2015, as autoras e demais sócios da R. tomaram as posições vertidas na ata com cópia a fls. 49ss, cujo teor restante se dá por reproduzido, sendo que as primeiras declararam concordar com a proposta de reserva de investimento e discordar quanto aos € 25.000,00 de reserva legal, devendo ir para reservas livres por aquela estar já ultrapassada (MA/H)”. [34] O facto provado nº 13 tem a seguinte redação: “13) A circunstância de os restantes sócios da R. (que não as AA.) auferirem as mencionadas remunerações foi considerada na decisão de não distribuição de lucros (TP/2)”. [35] Cfr., ainda, f.p.12 “Os vencimentos mensais ilíquidos dos titulares dos órgãos da gestão e gerência da R., até 2016, são de €4.425,00, quanto a I…, gerente, e J…, director comercial, de €4.350,00, para G…, sócia, de €6.750,00, quanto a H…, sócio-gerente, e de €3.510,00 para K…, directora de exportação, enquanto as AA., não desempenhando funções na R., não auferem remuneração (TP/2)”. [36] Tal ponto tem a seguinte redação:”12) Os vencimentos mensais ilíquidos dos titulares dos órgãos da gestão e gerência da R., até 2016, são de €4.425,00, quanto a I…, gerente, e J…, diretor comercial, de €4.350,00, para G…, sócia, de €6.750,00, quanto a H…, sócio-gerente, e de €3.510,00 para K…, diretora de exportação, enquanto as AA., não desempenhando funções na R., não auferem remuneração (TP/2). [37] Ac. do STJ de 4/10/2016, proc. 762/04.6TYLSB.L1.S1, acessível in dgsi.pt [38] Cfr. a citada Nota 575 “Neste sentido o Ac. Rel. Évora 9 nov 2006 (Abrantes Mendes), CJ, ano XXXI, t.v, 2006, pp. 245-246, na parte em que se afirma que “a referência à distribuição de metade do lucro do exercício deve ser entendida como um mínimo de lucro a que os sócios têm direito a ser distribuído, depois de observadas as demais exigências impostas por lei”(p. 246)”. [39] Cfr. a jurisprudência citada neste sentido a fls 359, na nota de rodapé 576, bem como referência à posição contária, assumida por Doutrina e jurisprudência, também mencionada pela apelante, que presa à letra da lei, considera não existir exigência específica para a derrogação (contratual) da natureza supletiva dos arts 217º, nº1 e 294º , nº1, do CSC. [40] V. Ac. RP de 17-12-1999, BMJ, 492º, pag. 489 [41] Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 7ª Edição, Almedina, pág. 358 e segs [42] Ac. RG de 10/5/2018, Proc. 5396/15.7T8VNF.G2, acessível in dgsi.pt [43] Ac. do STJ de 7/11/2017, proc. 1919/15.0T8OAZ.P1.S1, in dgsi.pt, onde se escreve “Porque as deliberações sociais, pelo seu objecto e conteúdo, podem contender com a estrita legalidade ou, meramente com os estatutos societários, o Código das Sociedades Comerciais (CSC) distingue as que são nulas – art. 56º- das que são anuláveis – art. 58º. (…) “Ao contrário do regime previsto no Código Civil, em que a regra tendencial é a de considerar a nulidade dos actos que violem a lei – art. 280º do Código Civil – no Código das Sociedades Comerciais o regime-regra é mais benévolo, é o da anulabilidade. Segundo o tratadista citado, tal regime deve-se à intenção de “dinamizar a vida das sociedades comerciais, que ficaria embaraçada com uma multiplicação de situações de nulidade”- pág. 244”. |