Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6672/10.0YYPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TELES DE MENEZES
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
DEFERIMENTO TÁCITO
INDEFERIMENTO EXPRESSO
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO
TEMPESTIVIDADE DO RECURSO
Nº do Documento: RP201210186672/10.0YYPRT-A.P1
Data do Acordão: 10/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- O deferimento tácito do apoio judiciário não se sobrepõe ao indeferimento expresso subsequente, constante de decisão proferida pela entidade competente e que não foi objecto de impugnação.
II- O prazo para interposição de recurso da decisão de indeferimento liminar do incidente de diferimento da desocupação é de 15 dias, nos termos do n.º 5 do art.º 691.º do CPC, por referência à alínea j) do seu n.º 2 e por lhe ser atribuído carácter de urgência pelo n.º 1 do art.º930.º-D do mesmo Código.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Apelação n.º 6672/10.0YYPRT-A.P1 – 3.ª
Teles de Menezes e Melo – n.º 1343
Mário Fernandes
Leonel Serôdio
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I.
B…., S.A. instaurou execução para entrega de coisa certa contra C…. e mulher D…., com vista a obter dos executados a entrega da fracção autónoma “E”, R/C frente, com terraço e aparcamento automóvel na cave, sita na Rua …., …, freguesia de …, concelho do Porto, descrita na 2.ª CRP do Porto sob o n.º 349 e inscrita na matriz sob o art. 2542.º, adjudicada à exequente na execução 989/2002, do 1.º Juízo Cível, 3.ª Secção, do Porto, pelo valor de € 76 300,00.

Os executados deduziram o incidente de diferimento da desocupação do local, dizendo tratar-se da sua casa de morada de família e invocando que a desocupação imediata lhes causa um prejuízo muito superior à vantagem da exequente e que a executada mulher sofre de deficiência motivadora de um grau de incapacidade superior a 60%, circunstâncias que levam a que seja aplicável, por analogia, o disposto nos art.s 930.º-B/1-b) e 930.º-C/2-a) e c) do CPC.

Em 23.11.2011 foi proferido despacho que indeferiu liminarmente o incidente, por se entender que não está em causa um arrendamento para habitação, e o instituto do diferimento da desocupação ser um meio de defesa que apenas pode ser exercido quando a execução se destinar à entrega de local arrendado para habitação, estando, assim, excluído nos casos de pedido de entrega de local não arrendado ou de local arrendado para fins habitacionais (art. 930.º-D/1-c) do CPC). Mais se entendeu que o referido instituto consta de normas excepcionais, que não comportam aplicação analógica, nos termos do art. 11.º do CC.

II.
Desse despacho recorreram em 26.12.2011 os requerentes, oferecendo a competente alegação.

III.
A SS informou o Tribunal a quo de que o pedido de apoio judiciário apresentado pelos recorrentes havia sido indeferido, por conversão da proposta de indeferimento, notificada aos requerentes por correio registado de 18.01.2012.

No seguimento de terem sido notificados para pagarem a taxa de justiça, nos termos do art. 685.º do CPC, os recorrentes vieram dizer que o seu requerimento de apoio judiciário deu entrada na SS em 21.11.2011, não tendo sido objecto de decisão nos 30 dias seguintes, pelo que se deve ter como tacitamente deferido.

Foi proferido o despacho seguinte:
Requerimento que antecede:
Resulta do processo que o apoio judiciário requerido pelos Executados foi indeferido e que estes não impugnaram judicialmente tal decisão. A invocação do deferimento tácito no processo, depois de constar do mesmo que o apoio judiciário foi indeferido por decisão expressa, decisão esta que não foi impugnada, é extemporânea e carece de qualquer alcance, pois releva a decisão expressa proferida sobre o apoio judiciário.
Resulta, também, do processo que foi dado cumprimento ao disposto no art. 685.º-D do Código de Processo Civil e os Executados não pagaram a taxa de justiça, nem a multa respectiva.
Assim, atendendo a que o requerimento que antecede não suspende o prazo de pagamento da multa e tendo presente o disposto no art. 685.º-D, n.º 2 do Código de Processo Civil, determina-se o desentranhamento do requerimento de interposição de recurso e as alegações (refª 2814011; fls. 70-80).
Em todo o caso, o requerimento de interposição de recurso e as alegações não poderiam ser se admitidos, por serem intempestivos (art. 691.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, por referência à alínea j) do n.º 2 do citado artigo, ex vi art. 922.º-A do Código de Processo Civil) - o prazo de interposição de recurso quanto à decisão que não admitiu o incidente de diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação é de 15 dias.
Condenam-se os Executados nas custas, que se fixam em 2 UCs (art. 446.º do Código de Processo Civil e art. 7.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.

IV.
Recorreram os requerentes, concluindo:
1- O presente recurso tem por objecto o douto Despacho proferido que não aceitou a invocação do deferimento tácito do apoio judiciário, e consequentemente ordenou o desentranhamento do requerimento de interposição de recurso por falta de pagamento da taxa de justiça e multa.
Por outro lado considerou intempestivo o recurso apresentado, nos termos do art.o 691° n.º5 CPC por referencia à alin. j) do n.º2 do citado art. ex vi art. 922° - A do CPC.
2 - O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, contínuo, e não se suspende durante as férias judiciais (artigos 25º nº 1 da Lei na 34/04, de 29 de Julho).
3 - Decorrido o prazo de 30 dias sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica (Artigo 25.º n.º 1 e 2 da mencionada Lei n.º 34/04).
4 - Tendo o pedido de apoio judiciário sido formulado e entregue nos serviços da Segurança Social no dia 21 de Novembro de 2011, e tendo decorrido mais de 30 dias sobre tal data sem qualquer decisão relativamente ao mesmo, verifica-se que, no caso em apreço o requerido apoio judiciário se considera TACITAMENTE DEFERIDO.
5 -Não se poderá sequer atender às notificações da Segurança Social para propostas de decisão (Audiência prévia), ou eventual solicitação de documentos, pois também essas notificações, ocorreram depois dos 30 dias posteriores ao Requerimento de Apoio judiciário, e quanto ao caso da solicitação de outros/novos documentos para instrução do processo, nem sequer ocorreu, e como tal dever-se-ão considerar nulas, por extemporâneas, para todos os efeitos legais.
6 - A vexata quaestio centra-se no deferimento tácito, ocorrido no pedido de apoio judiciário da recorrente, em virtude do óbvio decorrer do prazo de 30 dias subsequentes à formulação do apoio judiciário, sem que a Segurança Social tivesse realizado quaisquer actos tendentes à interrupção desse mesmo prazo, deferimento tácito que o tribunal a quo entendeu não verificar mas, com o devido respeito, erradamente.
7 - O digníssimo Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no conjunto dos elementos carreados para o processo pela Segurança Social.
8 - Dos elementos e documentos juntos aos autos pela Segurança Social resulta provado, e de forma categórica, o que os recorrentes peticionam, a saber, que foram ultrapassados os prazos para ser proferida decisão de deferimento ou indeferimento, e como tal legitimo se torna invocar e ver-lhe concedido o deferimento tácito.
9 - A data da formulação do pedido de Apoio Judiciário foi em 21.11.2011, já a notificação para Audiência Prévia ocorreu posteriormente, tendo decorrido desde a formulação do pedido de apoio judiciário, até à notificação para audiência prévia mais de 30 dias.
10- O artigo 25.°, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, fixa o prazo peremptório de 30 dias para conclusão e decisão do procedimento administrativo respeitante ao pedido de protecção jurídica, cuja apreciação passou a competir aos serviços de segurança social desde a desjudicialização operada pela Lei n.º 30-E/2000.
11 - Decorrido esse prazo, considera-se deferido o pedido de pretensão de protecção jurídica formulado (artigo 25°, n.º 2 da Lei n.º 34/2004).
12 - O legislador enveredou, neste domínio, pelo regime de deferimento tácito, isto é, por atribuir um efeito jurídico positivo (de assentimento) ao silêncio administrativo, concedendo ao requerente o benefício correspondente à sua pretensão.
13 - Verificado que seja o decurso do lapso temporal legalmente fixado sem que o órgão com dever legal de decidir se tenha pronunciado expressamente.
14- Quer a valoração positiva do silêncio administrativo, quer o encurtamento do prazo, são soluções ordenadas a assegurar, no plano procedimental, maior celeridade e mais intensa protecção à garantia de que o acesso à justiça não seja denegado por insuficiência de meios económicos.
15 -É o legislador categórico, ao legislar no sentido de a decisão ter que ser tomada pela Administração no prazo de 30 dias subsequentes à formulação do pedido, sob pena de ocorrer o deferimento tácito a que alude o n.º 2 do artigo 25. ° da Lei n. ° 34/2004.
16 -O legislador optou pela cominação do deferimento tácito como meio de compelir a Administração a decidir dentro do prazo.
17 - Facto que nos autos não ocorreu, pelo que deverá, conforme peticionado ser concedido o deferimento tácito do Apoio Judiciário peticionado.
18 - Quanto à extemporaneidade do recurso, também aqui não podemos concordar com a douta decisão em crise, uma vez que o prazo para interposição de recurso quanto à Decisão que não admitiu o incidente de diferimento da desocupação do locado é de 30 dias, não se aplicando a diminuição do aludido art. 691° n.º5 do CPC.
19 - Desta forma o recurso e respectivas alegações é tempestivo, devendo ser admitido.
20° - A douta sentença recorrida, viola por errada interpretação a aplicação do disposto nos arts. 25° da Lei n.º 34/2004, art.° 691° n.º5 do CPC e 13° CRP.
Nestes Termos, deve ser dado provimento ao recurso e revogada o douto despacho recorrido.

Não foi oferecida resposta.

V.
As questões suscitadas são:
- o deferimento tácito do apoio judiciário a sobrepor-se ao indeferimento expresso subsequente;
- a tempestividade do recurso.

VI.
Os factos são os que supra se deixam descritos.

VII.
Os recorrentes defendem que tendo decorrido o prazo fixado pelo art. 25.º/1 da Lei 34/2004, de 29.07 (O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.), antes de ser proferida decisão pela SS, teve lugar o deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, nos termos do n.º 2 do preceito (Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica.).
O Tribunal a quo, por seu turno, entende que a invocação do deferimento tácito no processo, depois de dele constar o indeferimento expresso, não releva, porquanto esta decisão não foi impugnada oportunamente pelos interessados.

Dispõe o art. 23.º do citado diploma, na redacção introduzida pela Lei 47/2007, de 28.08:
Audiência prévia
1 - A audiência prévia do requerente de protecção jurídica tem obrigatoriamente lugar, por escrito, nos casos em que está proposta uma decisão de indeferimento, total ou parcial, do pedido formulado, nos termos do Código do Procedimento Administrativo.
2 - Se o requerente de protecção jurídica, devidamente notificado para efeitos de audiência prévia, não se pronunciar no prazo que lhe for concedido, a proposta de decisão converte-se em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação.
3 - A notificação para efeitos de audiência prévia contém expressa referência à cominação prevista no número anterior, sob pena de esta não poder ser aplicada.

Das informações da SS de fls. 82 e 84 consta que os requerimentos de apoio judiciário dos recorrentes foram objecto de uma proposta de decisão (audiência prévia) de indeferimento em 18.01.2012, a qual, notificada aos requerentes, não obteve resposta, pelo que se converteu em decisão definitiva de indeferimento, nos termos do n.º 2 do art. 23.º, atrás transcrito.
Está assente nos autos que os requerentes não se insurgiram contra esta decisão da SS, nos termos permitidos pelos art.s 26.º/2 (A decisão sobre o pedido de protecção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo susceptível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27.º e 28.º.) e 27.º/1 da Lei 34/2004 (A impugnação judicial pode ser intentada directamente pelo interessado, não carecendo de constituição de advogado, e deve ser entregue no serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou no conselho distrital da Ordem dos Advogados que negou nomeação de patrono, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão.).
Decorre também dos autos que quando foi notificada aos requerentes a proposta de decisão de indeferimento já havia decorrido o prazo de 30 dias previsto no art. 25.º/1.
Será que este circunstancialismo, por força do disposto no n.º 2 do mesmo preceito se sobrepõe à decisão de indeferimento?
Entendemos que não, apesar da natureza do acto tácito, sobre o qual se dirá o que segue.

Dispõe o art. 108º/1 do Cód. do Procedimento Administrativo que, quando a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo, consideram-se estas concedidas, salvo disposição em contrário, se a decisão não for proferida no prazo estabelecido na lei.
Segundo Freitas do Amaral[1], nestes casos, a lei atribui ao silêncio da Administração o significado de acto tácito positivo: perante um pedido de um particular e decorrido um certo prazo sem que o órgão administrativo competente se pronuncie, a lei considera que o pedido feito foi satisfeito. O silêncio vale como manifestação tácita de vontade da Administração em sentido positivo para o particular.
Marcello Caetano[2] considerava que esta manifestação resulta de uma presunção legal iuris et de iure: a lei, em certas circunstâncias, manda interpretar a passividade ou o silêncio de um órgão administrativo como significando o deferimento do pedido sobre o qual ele tinha obrigação de se pronunciar.
Portanto, pressuposto da formação do acto tácito é o silêncio ou abstenção da administração, isto é, a falta de decisão desta no prazo fixado na lei[3].
Esta doutrina foi levada ao n.º 2 do art. 25.º da Lei 34/2004.

No entanto, proferida decisão de indeferimento, cabe aos interessados, se não se conformarem com ela, impugná-la.
Impugnação que apenas pode ser feita por via de recurso para o tribunal, já que lhes está vedado reclamar ou recorrer hierárquica ou tutelarmente (n.º 2 do art. 26.º da Lei 34/2004).
Não faria sentido que, não tendo os interessados reagido contra a decisão de indeferimento, contrária ao entendimento de que já anteriormente tivera lugar o deferimento tácito, a pudessem depois contornar sem a impugnar judicialmente.
Na verdade, os actos tendentes à obtenção do apoio judiciário constituem um procedimento administrativo, apenas jurisdicionalizado em sede de recurso da decisão.
Ao contrário do que acontecia antigamente, quando o apoio judiciário era concedido ou denegado pelo juiz do processo, agora qualquer inadvertência na sua atribuição escapa ao controlo judicial, a não ser que da decisão se interponha recurso.
Por conseguinte, não cabe ao Tribunal apreciar se houve deferimento tácito, quando há decisão expressa de indeferimento pelo organismo competente e ela não foi objecto de impugnação.
Sem recurso, há que acatar o que foi decidido pela Administração, já que o Tribunal não foi oportunamente chamado a pronunciar-se.
Por conseguinte, falece razão aos recorrentes.

Passemos a analisar a segunda questão, que é a do recurso ser extemporâneo.
Divergem os recorrentes do entendimento do Tribunal, que considerou que o prazo de interposição deste recurso é de 15 e não de 30 dias, nos termos do art. 691.º/5 do CPC, por referência à al. j) do seu n.º 2.
Isto é, considerou que o pedido de diferimento da entrega era um incidente.
E bem, parece-nos.
É que se está, efectivamente, perante um incidente inserido na tramitação de uma causa, com regulamentação específica nos art.s 930.º-C e 930.º-D do CPC (cfr. art. 302.º do mesmo diploma legal).
Ora, como o Tribunal indeferiu liminarmente o incidente, nos termos do n.º 5 do art. 691.º há encurtamento do prazo para interposição do recurso e apresentação das alegações para metade.
Mas, ainda que não estivéssemos perante um incidente, parece que também devia aplicar-se a mesma regra, por via do carácter de urgência atribuído ao procedimento pelo n.º 1 do art. 930.º-D, e da previsão do citado n.º 5 do art. 691.º[4].

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se o despacho impugnado.

Custas pelos apelantes.

Porto, 18 de Outubro de 2012
Teles de Menezes e Melo
Mário Fernandes
Leonel Serôdio
______________________
[1] Direito Administrativo, III (1989), p. 262
[2] Manual de Direito Administrativo, I. (10ª ed.), p. 474
[3] Acórdão desta Relação de 27-03-2008, proc. 0831359, www.dgsi.pt
[4] Lebre de Freitas, CPC Anotado, 3.º, Tomo I, 2.ª ed., p. 83