Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JERÓNIMO FREITAS | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO CONCEITO DE RETRIBUIÇÃO CUSTOS ALEATÓRIOS ÓNUS DA PROVA BAIXA MÉDICA MÉDIA DAS PRESTAÇÕES VARIÁVEIS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP202210031253/20.3T8VLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/03/2022 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PRINCIPAL IMPROCEDENTE; RECURSO SUBORDINADO PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA. | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - O conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários no âmbito da reparação devida por acidente de trabalho não coincide e é mais amplo que o consagrado no Código do Trabalho. II - Na noção da n.º2, do art.º 71.º, da Lei 98/09, assume preponderância a regularidade no pagamento. Não pressupõe necessariamente a existência de correspectividade entre as prestações do empregador e a disponibilidade do trabalhador, antes abrangendo também quaisquer outras prestações que tenham causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho, desde que recebidas com carácter de regularidade e não destinadas a compensar o sinistrado por custos aleatórios. III - São custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser susceptível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade. IV - O facto de entidade empregadora denominar nos recibos da retribuição determinado pagamento como “ajudas de custo”, não é suficiente para as considerar como tal. À partida, desde que pagas regular e periodicamente, na medida em que pressupõem uma vinculação prévia do empregador e são susceptíveis de gerar uma expectativa de ganha para o trabalhador, essas quantias presumem-se retribuição, recaindo sobre a entidade empregadora, nos termos dos arts. 344.º, n.º 1 e 350.º, n.º 1 do CC, o ónus de provar que essa atribuição patrimonial reveste a natureza de ajudas de custo. V - Provado que esses pagamentos, embora destinados “a reembolsar o trabalhador pelas despesas com o pequeno almoço e/ou almoço, e/ou jantar e/ou pernoita”, eram efectuados independentemente do trabalhador realizar esses custos e, por isso mesmo, “correspondia[m] a valores fixos, variando apenas de acordo com o horário de trabalho que lhe estava afetado” e “não implicavam a apresentação de qualquer documento de despesa por parte do trabalhador” , bem assim que “O falecido [sinistrado] levava diariamente o seu almoço pré confecionado em casa e, quando se encontrava em zona próxima da sua residência vinha almoçar a casa” e “Habitualmente, não pernoitava fora da sua residência”, não pode concluir-se, que os pagamentos efectuados ao sinistrado a título de ajudas de custa visavam compensá-lo por “custos aleatórios”. VI - A retribuição normalmente devida ao sinistrado é a que é devida no contexto do desenvolvimento normal, natural ou comum do contrato de trabalho, o qual pressupõe a prestação de trabalho e o pagamento da inerente retribuição. VII - Não pode qualificar-se como “normal” em termos retributivos o período, no ano imediatamente anterior ao sinistro, em que o sinistrado esteve impedido de exercer as suas funções laborais por doença e, por essa razão, em dois meses consecutivos, não se reuniram as condições para lhe ser devido o pagamento das quantias que lhe eram pagas “mensalmente [..], de forma constante e regular, e correspondia[m] a valores fixos, variando apenas de acordo com o horário de trabalho que lhe estava afetado regularmente”, a título de ajudas de custo. VIII - Nessas circunstâncias, a média dos montantes das prestações variáveis deve aferir-se por reporte aos últimos doze meses de trabalho do sinistrado em condições normais que são conhecidos. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO n.º 1253/20.3T8VLG.P1 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I. RELATÓRIO I.1 Na presente acção especial, emergente de acidente de trabalho, que correu termos na Comarca do Porto Este – Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – J2, AA na qualidade de viúva e única beneficiária por falecimento do seu falecido marido BB, apresentou petição inicial dando início à fase litigiosa, para demandar a S..., SA, atualmente denominada G..., SA e a sua entidade empregadora “A... Ldª”, pedindo o seguinte: - Seja reconhecida e devida à A o pagamento de uma pensão por morte do seu marido, resultante de acidente de trabalho, anual e vitalícia, fixada no montante de 7037,84€, sem prejuízo do recebimento de todas as verbas já fixadas e expressamente aceites pelas partes, na respetiva fase conciliatória, ou seja, a quantia de 5792.28€ a título de subsídio por morte, a quantia supra referida de 2760,00€ a título de despesas de funeral e trasladação e a quantia de 20,00€ a titulo de despesas de transporte, todas devidas desde 28/04/2020; - Sejam as Rés condenadas no pagamento dos montantes supra referidos de acordo com as suas responsabilidades, incluindo juros à taxa legal sobre os respetivos capitais, desde 28/04/2020, até à sua entrega efetiva. Na tentativa de conciliação não foi obtido acordo em razão da entidade empregadora ter aceite “[..] que pagava ajudas de custo nos termos do contrato colectivo de trabalho, mas que as mesmas se destinavam a reembolsar despesas que o sinistrado tinha que fazer aquando das suas deslocações em trabalho, de montante variável”, mas não aceitar “[..] pagar qualquer quantia seja a que titulo for por entender que a massa salarial estava totalmente transferida para a Seguradora pelo facto de o prémio de seguro de acidente de trabalho ser calculado com base na folha de férias”. Na petição inicial a autora alegou, em suma, que o sinistrado BB, de quem ficou viúva, sofreu um acidente de trabalho em 27.04.2020, que causou a sua morte, devendo ser-lhe atribuída uma pensão anual vitalícia de 7.037,80€, por ser a única beneficiária, calculada com base na retribuição anual do sinistrado de 17.594,59€, para além das demais importâncias já aceites na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória. Regularmente citadas as RR apresentaram contestação, ambas reiterando as posições assumidas na tentativa de conciliação. A Ré seguradora alegando, em síntese, que apenas aceita a responsabilidade na medida do montante anual transferido de 13.912,64€ constante do auto de não conciliação, também aceite pela entidade patronal. A Ré entidade patronal invocando, no essencial, que a retribuição anual do Autor ascendia a 14.451,10€ e encontrava-se totalmente transferida para a seguradora. Refere que as quantias pagas a título de ajudas de custo eram e são efetivamente autênticas ajudas de custo, pois que para além de assim se encontrarem designadas em instrumento de regulamentação de trabalho, acolhido por ato governamental (Portarias de Extensão), visam compensar custos aleatórios (incertos em montante e número) suportados pelos motoristas em serviço, como ocorreu com a infeliz vítima. Foi proferido despacho saneador, onde se reconheceu a regularidade da instância, fixando-se os factos assentes e a base instrutória. Por decisão de 21-06-2021, foi deferido o requerido pela autora e fixada pensão provisória, nos termos do art.º 121.º do CPT, da responsabilidade da Ré Seguradora, no valor anual de €5.565,06, devida desde 28-04-2021. I.2 Realizou-se audiência de discussão e julgamento e, subsequentemente, o Tribunal a quo proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte: -« Pelo exposto, decide-se: a) Fixar à beneficiária AA, por morte de seu marido BB, a pensão anual e vitalícia de 6.391,88€ a partir de 28.04.2020, dia seguinte ao da morte; b) Condenar a companhia de seguros G..., SA a pagar à referida beneficiária AA: - a pensão anual e vitalícia de 5.565,06€; - o subsídio para despesas de funeral e com transladação no valor de 2.760,00€; - o subsídio por morte no montante de 5.792,28€; e ainda - as despesas de transporte no montante de 20€, Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% a contar de 28.04.2020 até efetivo e integral pagamento; c) Condenar entidade empregadora A... Ldª a pagar à mesma beneficiária AA, a pensão anual e vitalícia de 826,82€, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% a contar de 28.04.2020 até efetivo e integral pagamento. Custas por Autora e Ré empregadora na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que a Autora beneficia. Valor da ação: 72.037,26€ - art. 120º do CPT. [..]». I.3 Inconformada com esta sentença a ré empregadora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes: 1ª Em face da douta decisão que recaiu sobre a matéria de facto controvertida, resulta demonstrado inequivocamente que o Trabalhador sinistrado recebia em cada dia de trabalho uma quantia de montante variável pago pela aqui Apelante, a título de Ajudas de Custo, sendo que no ano anterior ao dia do fatal acidente o mesmo havia percebido €1528,30; 2ª De idêntico modo, resulta da mesma referida decisão que o aludido procedimento – pagamento de Ajudas de Custo por certos e determinados montantes - correspondia ao cumprimento por parte da Entidade Empregadora /Apelante de uma obrigação legal prevista no CCTV aplicável por Portaria de Extensão; 3ª Tal decisão acolheu a generalidade dos factos alegados pela co-ré ora Apelante, à exceção do recurso à alimentação com refeições pré-confecionadas, como prática uniforme do Trabalhador Sinistrado ao almoço – devendo admitir-se, portanto, que os pequenos-almoços e o Jantar, quando a essa hora se encontrasse em serviço, eram tomados em restaurantes e ou hotéis; 4ª Não obstante, a Meritíssima Juiz a quo entendeu e assim julgou que aqueles pagamentos se subsumem ao disposto no art. 71º nº 1 e 2 da Lei 98/2009; 5ª A Apelante discorda de uma tal interpretação e subsunção fática, por entender que as mesmas estão manifestamente erradas, uma vez que constituem pagamentos que visam justamente compensar o Trabalhador sinistrado por custos aleatórios, tal como prescreve expressa e literalmente a indicada norma da LAT. 6ª É insofismável, em face daquela decisão sobre a matéria de facto, que o Trabalhador sinistrado não recebia subsídio de refeição e que a quantia anual de € 1528,30 – paga em onze meses por ano – era processada como Ajudas de Custo diárias calculadas em função da extensão de cada dia de trabalho do trabalhador sinistrado; 7ª É, pois, muito evidente que, apesar de se tratar de pagamentos regulares – porque constantes ao longo do período de trabalho efetivo – o seu computo diário e acumulado mensal e anual variava, pelo menos, em função do número de refeições que o Trabalhador sinistrado tinha que tomar fora do seu domicílio; 8ª Não se pode aceitar que a mera circunstância de a generalidade das refeições que o Trabalhador sinistrado tomava serem pré-confecionadas tenha – como parece inferir a Meritíssima Juiz a quo - a virtualidade de afastar a sua autêntica e genuína natureza de compensação por custos aleatórios; 9ª As refeições pré-confecionadas também implicavam certamente um custo acrescido para o Trabalhador sinistrado, pelo que as ajudas de custo atribuídas se destinavam a compensá-lo disso mesmo; 10ª A aleatoriedade a que alude especificamente a norma aqui aplicável reconduz-se ao círculo da incerteza do custo efetivo que o Trabalhador suportava em cada dia, não apenas com o custo efetivo das refeições, mas também com o número, local e nos horários a que a distribuição do serviço o obrigavam a tomá-las; 11ª Por outro lado, mas não menos impressivamente, deve concluir-se que, estando a ora Apelante vinculada ao cumprimento do CCT aplicável, o qual prevê expressamente o pagamento de Ajudas de Custo diárias e em montantes diversos, consoante se trate de pequeno almoço, almoço, jantar, dentro e fora do território nacional, não podia a mesma deixar de cumprir tais obrigações – isto é, pagar e processar Ajudas de Custo - sem por isso ser responsabilizada e sancionada, quer pelos seus trabalhadores, quer pelas autoridades publicas laborais, mormente a ACT; 12ª As Ajudas de Custo são por definição e natureza pagamentos que visam a compensação de gastos não documentados efetuados pelos seus beneficiários, não podendo, por isso mesmo, ter um tratamento diverso do que teriam se fossem pagas as faturas respeitantes às mesmas refeições, hipótese em que certamente o Trabalhador sinistrado teria deixado de tomar refeições pré confecionadas, mas sem que daí decorresse necessária e diretamente uma diminuição da sua remuneração; 13ª Ora, assim sendo, como incontroversamente é, e muito ao contrário do que erroneamente julgou o tribunal a quo, não podem aqueles pagamentos serem considerados base de cálculo para a formação do montante devido a título de pensão por morte; 14ª Mostra-se, por conseguinte, violado o disposto no artigo art. 71º nº 1 e 2 da Lei 98/2009, devendo com tal fundamento a douta sentença ser revogada por forma a que a Apelante seja absolvida de qualquer pagamento a um tal título; 15ª A Apelante discorda ainda da douta sentença recorrida no segmento em que foi julgado que os montantes de 14€ x 14 meses e a cláusula 61 no valor de 342,72€ x 13 meses, comprovadamente devidos e sempre pagos ao Trabalhador sinistrado, não haviam sido transferidos para a Seguradora G... SA.; 16ª Tendo em conta os factos definitivamente assentes neste segmento decisório, verifica-se que no confronto com as folhas de férias enviadas pela Empregadora e aqui Apelante à Seguradora - dadas por expressamente reproduzidas no ponto 18 da decisão sobre a matéria de facto - que aquela mencionou nas mesmas as importâncias de 14€ x 14 meses e a cláusula 61 no valor de 342,72€ x 13 meses por ano; 17ª Adicionando-se todos os valores mencionados nas referidas folhas de férias atinentes ao período de referência – ano anterior ao dia do acidente – constata-se aritmeticamente que todos aqueles valores foram transferidos – 14 euros em 14 meses e 342,72 em 13 meses – tal como decorre igualmente do ponto 19 daquela decisão sobre a matéria de facto, ainda que não se possa deixar de ter presente tudo quanto consta das mesmas folhas de remuneração, designadamente no que concerne aos períodos de baixa prolongada em que o Trabalhador sinistrado se encontrou e o seu reflexo nos montantes remuneratórios transferidos; 18ª Ou seja, não pode existir qualquer dúvida de que estes montantes e respetiva periodicidade de pagamento foram transferidos para a Seguradora/ co – ré e ora recorrida, uma vez que, aliás, a sua mera inclusão em tais ficheiros determinaria, só por si, como determinou, o cálculo do respetivo prémio anual ou o seu acerto; 19ª Porém, a Meritíssima Juiz a quo, entendeu e assim julgou que a Tomadora do Seguro (aqui Apelante) não discriminou nas folhas mensais de remunerações a que títulos é que aqueles montantes eram processados e pagos, não indicando a que meses e quantos em cada ano diziam respeito, para além de ter assinalado nos mesmos ficheiros tratar-se de remunerações não permanentes, quando na realidade são permanentes; 20ª Um tal decisão funda-se e fundamenta-se, segundo a sentença recorrida, no disposto no nº 1 da cláusula 21ª da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho, mas de uma forma inteiramente errada; 21ª E é certo que aquele normativo dispõe que “a determinação da retribuição segura, valor na base do qual são calculadas as responsabilidades cobertas por esta apólice, é sempre da responsabilidade do tomador do seguro”, assim como o seu nº 2 prescreve que “O valor da retribuição segura deve abranger, tanto na data de celebração do contrato como a cada momento da sua vigência, tudo o que a lei considera como elemento integrante da retribuição e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar a pessoa segura por custos aleatórios, que incluem designadamente os subsídios de férias e de Natal”; 22ª No entanto, como se infere do confronto das duas citadas disposições, a alusão feita à determinação apenas pode querer dizer que é da responsabilidade do Tomador do Seguro indicar à Seguradora em cada momento os montantes que paga a cada Trabalhador, não impondo em parte alguma uma discriminação minuciosa e detalhada de cada componente salarial, como diversamente concluiu a Senhora Magistrada da primeira instância; 23ª Não é, como bem se sabe e decorre e linearmente do nº 2 daquela mesma cláusula, a natureza de permanente ou não permanente, regular ou irregular ou qualquer outro atributo das diversas componentes remuneratórias que poderá determinar a sorte da sua base de incidência ou a sua exclusão no cálculo das indemnizações devidas por eventos cobertos pela apólice; 24ª De outra parte, tratando-se, como se trata, de um seguro na modalidade de prémio variável, como bem nota a Meritíssima Juiz a quo, a Seguradora aceita que lhe sejam transferidas todas as remunerações pagas a cada Trabalhador, procedendo no final de cada ano ao acerto que se mostrar devido por comparação com o prémio pago na anuidade anterior, em função do eventual aumento da massa salarial comunicada; 25ª Assim, tendo sido comprovado documentalmente – e por testemunhas credíveis, vg, a testemunha CC, cujo depoimento é analisado criticamente e acolhido na fundamentação da sentença - que nas folhas de férias relativas ao ano anterior ao dia do acidente constavam pagamentos de 14 euros em todos os meses do ano em que foi prestado trabalho, incluindo nos subsídios de férias e de natal ( 14) e pagamentos de 342,72 euros, em todos os meses do ano em que foi prestado trabalho, incluindo subsidio de férias, mas excluindo subsidio de natal,(13) ainda que irregularmente assinalados, como manifestamente sucedeu, não pode julgar-se não transferida a totalidade de tais importâncias para efeitos da sua inclusão no cálculo da pensão por morte, sob pena de, além do mais, se estar a privilegiar uma solução meramente formal em detrimento da verdade material inquestionavelmente demonstrada e comprovada, 26ª o que seria além de ilegal, por violador do princípio da boa-fé negocial previsto no art. 762º no 2 do Código Civil, tremendamente INJUSTO. 27ª Tendo a Tomadora do Seguro /Apelante pago o prémio anual calculado com base no acumulado constante das folhas de férias, como sucedeu e nem sequer foi questionado pela Seguradora, a decisão de excluir do cálculo da pensão por morte aqueles mencionados montantes apenas com base numa irregularidade formal, constituiria um claro enriquecimento sem causa, por banda da seguradora, à custa do correspondente empobrecimento da Tomadora do Seguro; 28ª A Meritíssima Juiz a quo fez, pelo exposto, uma errada interpretação no disposto na cláusula 21ª da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho, tendo ainda desconsiderado o instituto do enriquecimento sem causa previsto no art. 473 do Código Civil e o princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações consignado no art. 762º nº 2 do mesmo diploma legal, e assim aplicado erradamente o direito aos factos em presença, daí decorrendo uma decisão ilegal e manifestamente injusta; 29ª A Apelante deverá, pois, ser absolvida igualmente do pagamento de qualquer compensação à beneficiária da pensão por morte, alterando-se a decisão recorrida no sentido em que os complementos salariais aqui em análise foram validamente transferidos para a Seguradora recorrida. Termos em que e nos melhores de direito, deve na procedência das conclusões 1ª a 29ª, deve a douta sentença da primeira instância ser alterada no sentido aqui preconizado, I.4 A Recorrida autora veio apresentar contra alegações, com interposição de recurso subordinado, finalizando-as com as conclusões seguintes: 1. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, o Tribunal a quo errou na apreciação da prova, ajuizando e valorando erradamente os elementos de prova disponíveis no processo, e, também por isso, inelutavelmente na aplicação do Direito. 2. De acordo com os recibos de vencimento juntos aos autos, resulta claro que em 17 dias de junho de 2019, em 31 dias de julho de 2019 (ou seja, a totalidade do mês) e, por fim, em 2 dias de agosto de 2019, o sinistrado esteve em situação de “baixa por seguro”, bem como que, em 10 dias de agosto de 2019, esteve em situação de “baixa de seguro percentual” - tudo cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação da “A..., Lda.”. 3. Da análise dos recibos de vencimento juntos aos autos é cristalino que, pelo menos desde junho de 2018, o trabalhador sempre recebeu, mensalmente, uma verba a título de “ajudas de custo - nacional”, verba essa de valor nunca inferior a Eur. 100,00 e, dos 23 meses que medeiam junho de 2018 e abril de 2020, apenas em 6 deles recebeu uma quantia inferior a Eur. 150,00. 4. Assim, para cálculo da retribuição anual normal do sinistrado, para efeitos do artigo 71.º da LAT, só se vislumbra uma de duas formas: (i) ou, nos 12 meses anteriores ao acidente, somar todas as quantias recebidas, in casu, a título de “ajudas de custo - nacional”, de seguida, dividir o somatório pelo n.º de meses a que dizem respeito e, por fim, multiplicar tal resultado por 12 meses; (ii) ou, por outro lado, para somatório das verbas recebidas a título de “ajudas de custo - nacional”, ter em conta os 12 meses anteriores ao acidente em que foram efetivamente recebidas e, de seguida, dividir tal montante por 12. 5. O cálculo do valor anual recebido pelo malogrado sinistrado a título de “ajudas de custo - nacional” não deverá ser multiplicado por 11 meses, como consta da douta sentença, mas sim por 12 já que, desde logo, efetivamente o trabalhador recebia-a mensalmente - excetuando-se a título de subsídio de férias e natal -, como é cristalino pela análise dos recibos de vencimento de junho de 2018 a maio de 2019 e, após o período de baixa por doença, de agosto de 2019 até abril de 2020. 6. Ademais, nos termos de tudo o supra exposto, considerando-se tal verba retribuição para efeitos do artigo 71.º da LAT, então, sempre será de ter em conta o vertido no n.º 3 e já acima transcrito, ou seja, que a retribuição anual resulta do produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida de outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com caráter de regularidade. 7. Assim sendo, tendo em consideração a prova documental junta aos autos e tudo o supra exposto, como base de cálculo das prestações devidas à Recorrente por força do acidente de trabalho do seu malogrado marido será de ter em conta a retribuição anual correspondente a: Eur. 700,00 x 14 meses + o complemento salarial de Eur. 14,00 x 14 meses + a cláusula 61 no valor de Eur. 342,72 x 13 meses + Eur. 160,75 x 12 meses, o que totaliza o montante anual de Eur. 16.380,36, 8. E, em consequência, ser o facto dado como provado 15. alterado para: “15. Para além do vencimento auferia, ainda todos os meses: a. uma quantia titulada por “ajudas de custo” no montante médio, no ano anterior ao acidente, de 160,75€ (Eur. 1.929,00:12 meses); b. Complemento salarial de 14,00€ x 14 meses; c. Cláusula 61, no valor de 342,72€, correspondente a 22 dias de trabalho x 13 meses – cfr. recibos de vencimento anexos à p. i. e à contestação da 2.ª R..” 9. Por esse motivo, e em conformidade com as disposições aplicáveis da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, concretamente, os artigos 7º, 8º, n.º 1, 21º, nºs 1 e 3, 23º, 56º, 57º, n.º 1, 59º, n.º 1, alínea a), 71º, nºs 1, 2 e 3, 73º, n.º 1, e 77º), a Recorrente, na qualidade de única beneficiária dos valores a receber por força do malogrado seu marido, vítima de acidente de trabalho mortal, tem direito a receber da(s) entidade(s) responsável(is), as seguintes prestações: a. a pensão anual e vitalícia de Eur. 6.552,14 a partir de a partir de 28.04.2020, dia seguinte ao da morte, nos termos do vertido no artigo 59.º, 1.º, alínea a) da LAT; b. o subsídio para despesas de funeral e com transladação a quantia de 2.760,00€, de acordo com as cfr. art.º 66.º Lei n.º 98/2009); c. o subsídio por morte no montante de 5.792,29€ nos termos do art.º 65º, nº.2, alínea b) da mesma lei; d. e ainda as despesas de transporte no montante de 20€. Incidindo, sobre o montante da pensão apurada e das indemnizações, juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data de seu vencimento, nos termos do artigo 135º, parte final, do Código de Processo do Trabalho 10. Destarte, a sentença em crise violou o disposto nos artigos 71.º da LAT. Termos em que, sem prejuízo do sempre douto suprimento que se espera de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, alterando-se a decisão proferida nos termos supra pugnados. I.5 A Ré seguradora apresentou contra-alegações, mas não formulou conclusões. Defende, no essencial, que dos documentos invocados pela recorrente empregadora resulta o que foi dado como provado quanto ao montante em função do qual foi transferida a responsabilidade infortunística. E, que nenhum vício há a apontar à sentença na aplicação do direito aos factos. Pugna pela improcedência do recurso. I.6 O Digno Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência da Ré empregadora e da procedência do recurso subordinado da legal beneficiária. I.7 Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 657.º n.º2, CPC e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência. I.8 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação consiste em saber o seguinte: - Recurso da Ré entidade empregadora: i) Se a sentença errou no segmento “em que condenou a apelante no pagamento da indemnização anual e vitalícia de € 826,82 à beneficiária AA, por ali se ter entendido e assim julgado que i) o montante atribuído ao sinistrado de € 138,94 em onze meses por ano, a título de ajudas de custo, constitui base de cálculo daquela indemnização”; ii) Se a sentença errou no segmento “em que foi julgado que os montantes de 14€ x 14 meses e a cláusula 61 no valor de 342,72€ x 13 meses, [..]não haviam sido transferidos para a Seguradora G... SA. - No recurso subordinado da autora: - Se o Tribunal a quo errou quanto ao que considerou provado no facto 15; e, consequentemente, na aplicação do direito, ao fixar a pensão anual e vitalícia que lhe é devida, nos termos do art.º 59.º n.º1, da LAT. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte: 1. BB nasceu em .../.../1959 e a Autora, sua viúva, nasceu em .../.../1955. 2. A Autora, AA, casou, catolicamente com BB, no dia 16.12.1984 - (cfr. assento de fls. 83 e 84). 3. No dia 27.4.2020, BB faleceu sem testamento ou disposição de última vontade, deixando como herdeiras a Autora e duas filhas maiores (cfr. escritura de habilitação de herdeiros de fls. 115/116). 4. BB trabalhava por conta da entidade patronal A... Ldª, como motorista e com a categoria profissional de motorista de pesados, desde junho de 2018. 5. No dia 27.04.2020, no exercício da sua atividade profissional de motorista de pesados de mercadoria, ao serviço da, 2.ª Ré, BB, ao passar por um viaduto foi contra o mesmo. 6. Como consequência necessária e direta do acidente o malogrado sinistrado sofreu diversas lesões traumáticas que lhe causaram a morte, (conforme conclusões do relatório da autopsia, junta a fls. 60), tendo este, assim, vindo a falecer no mesmo dia. 7. A 2.ª Ré, A..., Lda, à data do acidente, havia transferido a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho relativamente a BB, para a 1.ª Ré, G..., SA, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., e pelo menos pelo SA de 700,00€ X 14 meses + 342,72€ X 12 meses (clausula 61 ) = SA de 13.912,64€. 8. A Autora despendeu com o funeral e com transladação a quantia de 2.760,00€. 9. A Autora despendeu a quantia de €20,00 a título de despesas de transporte ao tribunal para a realização da tentativa de conciliação. 10. O falecido BB exercia a sua atividade sem ajudante de motorista. 11. Conduzia veículos pesados com mais de 7,5 toneladas. 12. Normalmente conduzia veículos pesados porta-contentores e não realizava operações de carga e descarga, mas procedia à abertura e fecho das caixas de carga. 13. Mormente, transportava para aqueles contentores desde a casa dos clientes até à “doca de Leixões”. 14. Em abril de 2020, pelo trabalho prestado, o trabalhador auferia o vencimento mensal de 700,00€ x 14 meses. 15. Para além do vencimento auferia, ainda todos os meses: a. uma quantia titulada por “ajudas de custo” no montante médio, no ano anterior ao acidente, de 138,94€ (1.528,30€:11 meses); b. Complemento salarial de 14,00€ x 14 meses; c. Cláusula 61, no valor de 342,72€, correspondente a 22 dias de trabalho x 13 meses – cfr. recibos de vencimento anexos à p. i.. 16. Era aplicável à Ré entidade patronal e ao trabalhador sinistrado a regulamentação coletiva de trabalho vertical CCTV – Contrato Coletivo de Trabalho Vertical, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego nº 45, de 08/12/2019 e pela portaria de extensão nº 49/2020 publicada no DR nº 40/2020 de 26/02/2020. 17. A verba de ajudas de custo referida em 15) a) era processada e paga mensalmente ao sinistrado, de forma constante e regular, e correspondia a valores fixos, variando apenas de acordo com o horário de trabalho que lhe estava afetado, destinando-se a reembolsar o trabalhador pelas despesas com o pequeno almoço e/ou almoço, e/ou jantar e/ou pernoita, e não implicavam a apresentação de qualquer documento de despesa por parte do trabalhador. 18. O falecido BB levava diariamente o seu almoço pré confecionado em casa e, quando se encontrava em zona próxima da sua residência vinha almoçar a casa. 19. Habitualmente, não pernoitava fora da sua residência. 20. A partir de 2019, o subsídio de refeição anteriormente auferido pelo trabalhador foi substituído pela verba prevista “cláusula 61” do CCTV, que incluía o pagamento das refeições. 21. O contrato de seguro celebrado entre as Rés é um contrato com prémio variável, sendo o seu objeto enformado pelo conteúdo das folhas de férias enviadas à seguradora cujas cópias foram juntas através do requerimento de 20.05.2021 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 22. O valor global declarado pela Ré entidade patronal à Ré seguradora nas folhas de remuneração enviadas mensalmente, relativamente ao ano anterior ao acidente para além do vencimento, está inserido na rubrica “X” que corresponde a “subsídios de caráter regular, não permanente” e ascende a 3.327,72€ - cfr. documentos anexos à participação da seguradora de 06.05.2021 e ao requerimento de 20.05.2021. Factos não provados: Não se provou que o Autor realizasse operações de carga e descarga, conforme definidas no CCTV aplicável, nem se provaram os factos alegados nos artigos 27º da p. i. Relativamente aos factos alegados nos artigos 26º e 40º da p. i., provou-se apenas o que consta no ponto 15) dos factos provados. Relativamente aos factos alegados no artigo 31º da p. i., provou-se apenas o que consta no ponto 15) a) dos factos provados. Relativamente aos factos alegados no artigo 9º da contestação apresentada pela Ré entidade patronal, provou-se apenas o que consta no ponto 17) dos factos provados. Não se respondeu à restante matéria, por se tratar de matéria conclusiva ou de direito, mera impugnação ou ter ficado prejudicada pela resposta aos restantes factos. II.2 MOTIVAÇÃO de DIREITO A recorrente entidade empregadora impugna a sentença exclusivamente na vertente da aplicação do direito aos factos, vindo defender que o tribunal a quo errou ao condená-la “no pagamento da indemnização anual e vitalícia de € 826,82 à beneficiária AA, por ali se ter entendido e assim julgado que i) o montante atribuído ao sinistrado de €138,94 em onze meses por ano, a título de ajudas de custo, constitui base de cálculo daquela indemnização e que não se mostraram terem sido transferidos para a Seguradora os montantes de 14€ x 14 meses e a cláusula 61 no valor de 342,72€ x 13 meses”. II.2.1 Começando pelo primeiro fundamento do recurso, na sentença recorrida, na parte em que se debruça sobre a questão de saber se as quantias que eram recebidas pelo sinistrado a título de ajudas de custo, constata-se que a Senhora Juíza, embora não o refira - como cremos que teria sido adequado-, ancora-se no acórdão desta Relação e Secção de 07-12-2018, relatado pelo aqui relator e com intervenção dos mesmos adjuntos [proc.º 959/14.0T8PNF.P1, disponível em www.dgsi.pt], seguindo a exposição aí constante e transcrevendo literalmente as partes essenciais, inclusive para afirmar a conclusão a que chegou, que é a que segue: -«(..) Como deixámos assinalado, não basta a R. denominar aquela prestação nos recibos de vencimento como “ajudas de custo”, para que fique excluída do conceito de retribuição. Beneficiando o sinistrado da presunção legal de que aquela prestação constitui retribuição, sobre a Ré recaía o ónus de ilidir tal presunção (arts. 344.º, n.º 1 e 350º, nº 1, do Cód. Civil), pressupondo isso a alegação e prova de factos de onde resultasse demonstrado que aquele pagamento se destinava a compensar custos aleatórios, isto é, custos de natureza acidental e meramente compensatória – o que manifestamente não sucedeu. É certo, pois, que o trabalhador podia tomar fora de casa o pequeno-almoço e almoço, diariamente, bem assim que aquele pagamento visava reembolsá-lo por custos com as refeições que efetuava quando estava a fazer transportes”, mas isso não significa necessariamente que tomava aquelas refeições em estabelecimentos de restauração, nem tão pouco que despendesse diariamente o valor que lhe era atribuído em refeições, pois fazia-se acompanhar delas já previamente confecionadas em casa, sem custos para além dos que sempre teria que suportar para, como é normal nos nossos usos, tomar diariamente essas refeições. Portanto, na nossa perspetiva, a prova feita não exclui a possibilidade de o trabalhador gerir aquele valor, que sabe de antemão lhe vai ser pago por cada dia de trabalho efetivo independentemente de demonstrar qualquer gasto real para além do que normalmente teria no âmbito da sua economia pessoal e familiar, o que se traduz na possibilidade de usar esse valor, acrescendo-o ao salário que aufere, para retirar uma vantagem económica representativa do rendimento da sua atividade laborativa. Neste quadro, essas prestações pagas falecido BB traduzem um valor material com repercussão positiva na sua economia pessoal e familiar, que se traduz num rendimento com o qual sabe poder contar mensalmente e, em função dessa certeza, programar regularmente a sua vida. Tudo para concluir que os valores pagos a título de ajudas de custo ao trabalhador BB, nas condições que se deram como provadas, constituem retribuição para os efeitos do artigo 71º da LAT». Importa fazer um parêntesis para assinalar que o referido acórdão proferido no processo º 959/14.0T8PNF.P1, foi tirado por maioria, tendo votado vencido o também aqui excelentíssimo 1.º adjunto, conforme razões que deixou expressas na sua declaração de voto. Enunciando os argumentos expressos pela recorrente nas conclusões, alega, no essencial, o seguinte: - Resulta demonstrado que o sinistrado recebia em cada dia de trabalho uma quantia de montante variável pago pela aqui Apelante, a título de Ajudas de Custo, sendo que no ano anterior ao dia do fatal acidente o mesmo havia percebido €1528,30. - Resulta também provado que o pagamento de Ajudas de Custo correspondia ao cumprimento por parte da Entidade Empregadora /Apelante de uma obrigação legal prevista no CCTV aplicável por Portaria de Extensão. - Tal decisão acolheu a generalidade dos factos alegados pela co-ré ora Apelante, à exceção do recurso à alimentação com refeições pré-confecionadas, como prática uniforme do Trabalhador Sinistrado ao almoço – devendo admitir-se, portanto, que os pequenos-almoços e o Jantar, quando a essa hora se encontrasse em serviço, eram tomados em restaurantes e ou hotéis. - A Meritíssima Juiz a quo entendeu que aqueles pagamentos se subsumem ao disposto no art. 71º nº 1 e 2 da Lei 98/2009, mas discorda a Apelante por considerar que constituem pagamentos que visam compensar o Trabalhador sinistrado por custos aleatórios, tal como prescreve expressa e literalmente a indicada norma da LAT. - Apesar de se tratar de pagamentos regulares, o seu computo diário e acumulado mensal e anual variava, pelo menos, em função do número de refeições que o Trabalhador sinistrado tinha que tomar fora do seu domicílio. - Não pode aceitar-se que a mera circunstância de a generalidade das refeições que o Trabalhador sinistrado tomava serem pré-confecionadas tenha – como parece inferir a Meritíssima Juiz a quo - a virtualidade de afastar a sua natureza de compensação por custos aleatórios; as refeições pré-confecionadas também implicavam certamente um custo acrescido para o Trabalhador sinistrado, pelo que as ajudas de custo atribuídas se destinavam a compensá-lo disso mesmo. - Estando a Apelante vinculada ao cumprimento do CCT aplicável, o qual prevê expressamente o pagamento de Ajudas de Custo diárias e em montantes diversos, consoante se trate de pequeno almoço, almoço, jantar, dentro e fora do território nacional, não podia a mesma deixar de cumprir tais obrigações – isto é, pagar e processar Ajudas de Custo. - Mostra-se violado o disposto no artigo art.º 71º nº 1 e 2 da Lei 98/2009, devendo a sentença ser revogada e a Apelante absolvida de qualquer pagamento a um tal título. De referir, ainda, que conforme se retira das alegações, a Recorrente invoca o voto de vencido acima referido em apoio da sua posição. Atentando nos factos assentes, relevam para este ponto os seguintes: 4. BB trabalhava por conta da entidade patronal A... Ldª, como motorista e com a categoria profissional de motorista de pesados, desde junho de 2018. 5. No dia 27.04.2020, no exercício da sua atividade profissional de motorista de pesados de mercadoria, ao serviço da, 2.ª Ré, BB, ao passar por um viaduto foi contra o mesmo. 6. Como consequência necessária e direta do acidente o malogrado sinistrado sofreu diversas lesões traumáticas que lhe causaram a morte, [..]. 12. Normalmente conduzia veículos pesados porta-contentores e não realizava operações de carga e descarga, mas procedia à abertura e fecho das caixas de carga. 13. Mormente, transportava para aqueles contentores desde a casa dos clientes até à “doca de Leixões”. 15. Para além do vencimento auferia, ainda todos os meses: a. uma quantia titulada por “ajudas de custo” no montante médio, no ano anterior ao acidente, de 138,94€ (1.528,30€:11 meses); [..] 16. Era aplicável à Ré entidade patronal e ao trabalhador sinistrado a regulamentação coletiva de trabalho vertical CCTV – Contrato Coletivo de Trabalho Vertical, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego nº 45, de 08/12/2019 e pela portaria de extensão nº 49/2020 publicada no DR nº 40/2020 de 26/02/2020. 17. A verba de ajudas de custo referida em 15) a) era processada e paga mensalmente ao sinistrado, de forma constante e regular, e correspondia a valores fixos, variando apenas de acordo com o horário de trabalho que lhe estava afetado, destinando-se a reembolsar o trabalhador pelas despesas com o pequeno almoço e/ou almoço, e/ou jantar e/ou pernoita, e não implicavam a apresentação de qualquer documento de despesa por parte do trabalhador. 18. O falecido BB levava diariamente o seu almoço pré confecionado em casa e, quando se encontrava em zona próxima da sua residência vinha almoçar a casa. 19. Habitualmente, não pernoitava fora da sua residência. Tendo por base estes factos, a questão que se coloca é a de saber se o Tribunal a quo decidiu bem ao concluir que “os valores pagos a título de ajudas de custo ao trabalhador BB, nas condições que se deram como provadas, constituem retribuição para os efeitos do artigo 71º da LAT”. Essa precisa questão, com base factual, no essencial, similar à aqui a considerar, foi apreciada no acórdão de 7-12-2018, relatado pelo também aqui relator [proc.º 959/14.0T8PNF.P1], a que acima aludimos referindo, para além do mais, que o Tribunal a quo ancorou-se na fundamentação que teve vencimento, aplicando-a ao caso para chegar à conclusão transcrita. E, como igualmente referimos, por sua banda, a recorrente faz apelo ao mesmo aresto, mas suportando-se no voto de vencido do ali, tal como aqui, excelentíssimo 1.º adjunto. Neste quadro, como metodologia de apreciação, num passo seguinte começaremos por deixar transcritas ambas as posições. II.2.2 Assim, na fundamentação do acórdão de 7-12-2018 [proc.º 959/14.0T8PNF.P1], no que aqui releva, consta o seguinte: - «[..]. O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na Lei 98/2009, de 4 de Setembro (art.º2.º). [..]. O direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho compreende as prestações mencionadas no art.º 23.º da Lei 98/2009, entre elas, [al.b)] “Em dinheiro - indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei.”. [..] …., estando o empregador obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na lei para entidades legalmente autorizadas a realizar esse seguro, quando se verifique que a retribuição declarada é inferior à real, a seguradora só é responsável em função da que lhe foi declarada, recaindo sobre aquele a responsabilidade restante aferida em termos proporcionais (art.º 79.º1 e 4, da Lei 98/2009). No entender da recorrente, discordando do Tribunal a quo, aquela prestação não integra o conceito de retribuição e, logo, não recai sobre si qualquer responsabilidade pelo pagamento em que foi condenada. O fulcro da questão consiste, pois, em saber se aquela prestação integra, ou não, o conceito de retribuição. A noção de retribuição dada pelo Código do Trabalho, nomeadamente, no art.º 258.º, “compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie” (n.º2), presumindo-se “constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (n.º3). Mas como se sabe, para efeitos de cálculo das prestações em dinheiro devidas para reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho cabe atender ao conceito dado pela própria lei que regulamenta os acidentes de trabalho, na actual Lei 98/2009, de 04 de Setembro, aqui aplicável, o n.º2, do art.º 71.º. Solução que não diverge da já consagrada nos anteriores regimes jurídicos dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, os quais continham igualmente uma noção própria de retribuição a considerar para efeitos de cálculo das prestações devidas para reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho. Atentemos, pois, nas normas em causa. O n.º2, do art.º 71.º, do actual regime, dispõe: -«[2] Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios». Na precedente Lei 100/97, de 13 de Setembro, estabelecia o n.º 3, do art.º 26.º, o seguinte: “Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”. E, na Lei 2127, de 3 de Agosto, que antecedeu este último diploma, dispunha o n.º2 da Base XXIII, o seguinte: “Entende-se por retribuição tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade”. Confrontando as sucessivas normas entre si, constata-se o seguinte: i) As três normas atribuem especial relevância à regularidade no pagamento, para considerarem, como regra, que as prestações recebidas com carácter de regularidade integram o conceito de retribuição para efeitos do regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais; ii) Com a lei 100/97 o legislador passou a exigir expressamente, para que as prestações recebidas com “carácter de regularidade” integrem a noção de retribuição -para efeitos dessa lei - que “não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”. iii) Esta exigência, excluindo da noção de retribuição as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, mantém-se na actual norma e com a mesma formulação; iv) A norma actual não remete para os critérios da retribuição da lei geral, como acontecia com as que a precederam, ambas essas iniciando-se dizendo “Entende-se por retribuição (mensal) tudo o que a lei considera como seu elemento integrante…”; Ao longo da vigência dos sucessivos regimes jurídicos de reparação dos acidentes de trabalho os Tribunais superiores foram inúmeras vezes confrontados com questões similares a esta, ou seja, para definirem se determinada prestação integra, ou não, o conceito de retribuição, existindo vasta jurisprudência sobre esta problemática. De acordo com a noção legal dada pelo art.º 258.º do actual CT/09 – que não diverge da que resultava dos antecedentes art.º 82.º da LCT e 249.º do CT/03 -, a retribuição consiste no conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) [Monteiro Fernandes Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 479]. Parafraseando o Ac. do STJ de 19-02-2004 [proc.º 03S3478, Conselheiro Fernandes Cadilha, disponível em www.dgsi.pt] “[E]m primeira linha, a retribuição é determinada pelo clausulado do contrato e pelos usos laborais, e eventualmente por certos critérios normativos (o salário mínimo, a igualdade retributiva, etc.). No entanto, num segundo momento, ao montante global da retribuição poderão acrescer certas prestações que preencham os requisitos e periodicidade e regularidade”. De acordo com o critério legal, a retribuição assenta na exigência de correspectividade ou contrapartida negocial: “é necessário que exista correspectividade entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador – ou seja, noutros termos que essas prestações não tenham causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho”. Mas de outro passo, o critério legal requer uma certa periodicidade e regularidade no pagamento e assenta numa presunção legal, considerando-se que as prestações que sejam realizadas regular e periodicamente constituem retribuição, “característica que tem um duplo sentido indiciário: por um lado, sugere a existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente consignada) e, por conseguinte de uma prática vinculativa; por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele” [cfr. Monteiro Fernandes, Op. cit., p. 480/481]. Mas como é entendimento pacífico e transversal aos sucessivos regimes jurídicos acima enunciados, o conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários no âmbito da reparação devida por acidente de trabalho não coincide e é mais amplo que o consagrado no Código do Trabalho. Daí que o legislador tenha sempre inserido uma noção própria de retribuição, mesmo quando remetia para os critérios da retribuição da lei geral, com o propósito de abranger outras prestações pagas regularmente que não integrariam esta última noção. Exemplificam o afirmado os sumários dos acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt) que seguem: - Ac. de 23-09-1992, Proc.º 003423, Conselheiro Sousa Macedo: I - Para efeito de cálculo de indemnização ou de pensão por acidente de trabalho o n. 2 da Base XXIII da Lei n. 2127 utiliza o termo retribuição em sentido mais amplo do que o perfilhado pela L.C.T., compreendendo todas as prestações de carácter regular. II - Por isso, o subsídio de refeição, quer seja pago em dinheiro, quer seja satisfeito em espécie, integra a retribuição para efeitos de cálculo de pensões devidas por acidentes de trabalho. - Ac. de 12-07-2001, Proc.º 01S1202, Conselheiro José Mesquita: I - O n. 2, da Base XXII da LAT acolheu um conceito de retribuição não perfeitamente coincidente com o constante do art. 82.º da LCT. II - Assim, é tido por razoável para efeitos da noção de retribuição a que se reporta aquela Base, o auferimento de remuneração por horas extraordinárias durante o período de um ano. Contudo, embora reconhecendo que a Lei 2127 ao receber o conceito de retribuição da LCT, enfatizava o elemento regularidade - ao acrescentar “(..) e todas as prestações que revistam carácter de regularidade – a jurisprudência do STJ afirmou-se no sentido de que “A ideia de regularidade não pode ser entendida tão linearmente”, devendo a expressão "todas as prestações" ser interpretada no sentido de nela somente se integrarem as atribuições patrimoniais que constituíssem para o trabalhador uma vantagem económica representativa do rendimento da sua actividade laborativa. Assim o elucida o Acórdão de 17-10-2001 [ proc.º 01S166, Conselheiro José Mesquita, disponível em www.dgsi.pt,], onde se lê o seguinte: -«(..) A ideia de regularidade não pode ser entendida tão linearmente. Em primeiro lugar, não é a LAT que a acrescenta ao conceito de retribuição da LCT. A cronologia dos diplomas - 1965, a LAT e 1969, a LCT - logo evidencia que a LAT não tomou o conceito de retribuição da LCT enfatizando, tanto logicamente, a ideia de regularidade. Antes faz uma primeira afirmação de tal ideia, que depois foi retomada pela LCT no seu art. 82º. Daí que os demais elementos neste preceito contidos - contrapartida da prestação de trabalho e periodicidade - ganhem relevância interpretativa do conceito de retribuição vasado naquela Base XXIII da LAT. Em segundo lugar, terão sido considerações desta natureza que inspiraram a nova lei dos Acidentes de Trabalho - Lei nº 100/97, de 13-9 - que no seu art. 26º, nº 3, veio fazer ajustamentos ??? ao conceito de retribuição, preceituando: "3. Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado, por custos aleatórios". É aqui, na compensação de despesas, que volta a ganhar relevo a ideia de contrapartida da prestação de trabalho, fazendo sobressair a ideia de rendimento ou de vantagem económica, com exclusão das prestações que visem compensar custos adicionais. Nesta linha de pensamento, se escreveu no acórdão deste STJ, de 8.3.95, no BMJ, 445º, pi. 379: "Ora, tendo a pensão por acidente de trabalho por finalidade compensar, ainda que parcialmente o trabalhador, ou os seus familiares, pela falta ou redução do rendimento do trabalho, em resultado do sinistro, que limitou ou aniquilou a sua aptidão para o trabalho, não seria compreensível nem razoável que, no cômputo desse rendimento, se incluíssem valores não lucrativos, mas apenas compensatórios de despesas realizadas pelo trabalhador com deslocações ou novas instalações em serviço da entidade patronal - (cfr. base IX, alínea b), da LAT; Tomás de Resende, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed. pi. 30)- Por isso, considerando os indicados cânones hermenêuticos, deve interpretar-se a expressão "todas as prestações", inserida no nº2 da referida base XXIII, por forma a nela somente se integrarem as atribuições patrimoniais que constituam para o trabalhador uma vantagem económica, representativa do rendimento da sua actividade laborativa. Essas prestações pecuniárias hão-de traduzir um valor material com repercussão positiva na economia do trabalhador, significando para este uma fonte de rendimento"- Esta ideia de rendimento ou de vantagem económica com repercussão positiva na economia do trabalhador é a única que, respeitando a filosofia da reparação pelos acidentes de trabalho, nos fornece uma harmonia consistente do conceito de retribuição, que começa naturalmente, na ideia de correspectividade da prestação de trabalho. (..)». No mesmo sentido, entre outros, pronunciou-se igualmente o Ac. de 06-12-2001 [proc.º 01S1313, Conselheiro Diniz Nunes, disponível em www.dgsi.pt], conforme sintetiza o respectivo sumário: IV - O conceito de retribuição para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho não é coincidente com o estabelecido pela LCT, sendo mais amplo, nele se englobando todas as prestações que revistam carácter de regularidade. V - Tendo a pensão por acidente de trabalho por finalidade compensar, ainda que parcialmente, o sinistrado ou os seus familiares pela falta ou redução do rendimento de trabalho, em resultado do sinistro, a expressão "todas as prestações" deve ser interpretada no sentido de nela somente se integrarem as atribuições patrimoniais que constituam para o trabalhador uma vantagem económica representativa do rendimento da sua actividade laborativa. VI - Assim, sempre que as importâncias recebidas pelo sinistrado a título de ajudas de custo, ainda que provada a regularidade do seu pagamento, não representem para ele qualquer ganho efectivo, essas importâncias não se integram no conceito de retribuição para efeitos do cálculo da pensão que lhe for atribuída. A talhe de foice, releva assinalar que em qualquer desses acórdãos a questão colocava-se a propósito de quantias pagas com carácter de regularidade pelas entidades empregadoras (e não cobertas pelo seguro de acidentes de trabalho) a título de “ajudas de custo”. De resto, como uma busca pela jurisprudência a este propósito evidencia, a questão relativa à qualificação para os efeitos em causa de quantias pagas com caracter de regularidade a título de “ajudas de custo” é recorrente e transversal aos sucessivos regimes jurídicos de reparação dos acidentes de trabalho [cfr. Ac. do STJ de 19-02- 2004, proc.º 03S3478, Conselheiro Fernandes Cadilha; Ac. STJ de 23-11-2005, proc.º 05S2260, Conselheiro Pinto Hespanhol; Ac. STJ de 02-05-2007, proc.º 07S362, Conselheiro Mário Pereira; Ac. de 8-10-2008, proc.º 08S1984, Conselheiro Mário Pereira; Ac. STJ de 18-12-2008, proc.º 08S2277, Conselheiro Sousa Peixoto; AC. STJ de 17-03-2010, proc.º 436/09.1YFLSB, SOUSA GRANDÃO; Ac. STJ 13-04-2011, 216/07.9TTCBR.C1.S1, GONÇALVES ROCHA; (todos disponíveis em www.dgsi.pt]. É também entendimento reafirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o facto de entidade empregadora denominar nos recibos da retribuição determinado pagamento como “ajudas de custo”, não é suficiente para as considerar como tal. À partida, desde que pagas regular e periodicamente, na medida em que pressupõem uma vinculação prévia do empregador e são susceptíveis de gerar uma expectativa de ganha para o trabalhador, essas quantias presumem-se retribuição, recaindo sobre a entidade empregadora, nos termos dos arts. 344.º, n.º 1 e 350.º, n.º 1 do CC, o ónus de provar que essa atribuição patrimonial reveste a natureza de ajudas de custo (o mesmo valendo para outras atribuições, tais como abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes) [Cfr. Ac. STJ de 02-05-2007, proc.º 07S362, Conselheiro Mário Pereira; Ac. de 8-10-2008, proc.º 08S1984, Conselheiro Mário Pereira; Ac. STJ de 18-12-2008, proc.º 08S2277, Conselheiro Sousa Peixoto (disponíveis em www.dgsi.pt)] Como assinalado inicialmente, com a Lei 100/97 o legislador passou a exigir expressamente, para que as prestações recebidas com “carácter de regularidade” integrem a noção de retribuição -para efeitos do regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais - que “não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”. Cremos que com esta inovação o legislador procurou ir ao encontro do entendimento que vinha sendo afirmado pela jurisprudência, interpretando a expressão "todas as prestações" no sentido de nela somente se integrarem as atribuições patrimoniais que constituíssem para o trabalhador uma vantagem económica representativa do rendimento da sua actividade laborativa. Não obstante, importa que nos detenhamos sobre o sentido da expressão “custos aleatórios”. Aleatório significa: - “Que depende de acontecimento incerto”, “Sujeito às incertezas do acaso” [in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org]. - Que depende do acaso ou de circunstâncias imprevisíveis; sujeito a contingências; casual; fortuito [in https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa]. Portanto, serão custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser susceptível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade. Esta é a ideia que está subjacente ao acórdão do STJ de 17-03-2010 [proc.º 436/09.1YFLSB, Conselheiro Sousa Grandão], em cuja fundamentação se encontra o extracto que segue: -«(..) Por seu turno, o n.º 3 do falado artigo 26.º prescreve deste modo: “Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”. Se este normativo começa por apelar ao critério geral de retribuição – que já alude, ele próprio, à regularidade da prestação – para depois adicionar aquelas prestações regulares que não se destinem a compensar custos aleatórios, é forçoso reconhecer que perfilha um conceito mais abrangente, apenas aludindo, para efeitos de exclusão retributiva, à variabilidade e contingência das prestações. No domínio da sinistralidade laboral, o que o legislador pretende é compensar o sinistrado pela falta ou diminuição dos rendimentos provenientes do trabalho: assim se compreende que as prestações reparatórias atendam ao “salário médio”, onde se integram todos os valores que a entidade patronal satisfazia regularmente e em função das quais o trabalhador programava regularmente a sua vida. A matéria de facto provada – ponto n.º 13 – demonstra que as prestações em causa correspondiam a valores fixos e diários – logo, independentes de quaisquer custos ou despesas aleatórias – devidos por cada dia de trabalho – no que se evidencia a sua correspectividade com o trabalho desenvolvido pelo trabalhador, seguramente mais penoso por estar deslocado – sem necessidade de qualquer documento comprovativo. A aludida factualidade – devendo aqui anotar-se que era ónus da Recorrente provar a natureza aleatória dos valores pagos – consequencia que as questionadas prestações integram o conceito de retribuição e, nessa medida, hão-de integrar o cálculo das prestações reparatórias». Nesta mesma linha de entendimento pode assim afirmar-se que o conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários no âmbito da reparação devida por acidente de trabalho, sendo mais amplo que o consagrado no Código do Trabalho, abrange todas as prestações recebidas com carácter de regularidade, desde que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, isto é, “custos de natureza acidental e meramente compensatória” [AC. TR Lisboa de 26 de Março de 2014, proc.º 1837/12.3TTLSB.L1-4, Desembargadora Paula Sá Fernandes, disponível em www.dgsi.pt]. Em contraponto, não são considerados como retribuição os pagamentos que são destinados a reembolsar o trabalhador por despesas já realizadas ou a realizar no cumprimento ou execução da prestação do trabalho em razão de alguma incerteza ou imprevisibilidade, que não são mais do que uma simples compensação de uma diminuição patrimonial, real ou presumida, que nem traz ao trabalhador uma efectiva utilidade ou acréscimo de rendimento do trabalho, nem é sequer susceptível de lhe criar, em termos de razoabilidade, expectativas de ganho. É altura de enfocarmos esta análise na norma aqui aplicável, em concreto o n.º2, do art.º 71.º da Lei 98/2009. Como deixámos afirmado ao confrontar a actual norma, com as normas dos sucessivos regimes jurídicos de reparação dos acidentes de trabalho, continua a dar-se especial relevância ao elemento regularidade, exclui-se da noção de retribuição as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios (em termos similares ao n.º3, do art.º 26.º da Lei 100/97) e, para além disso, desapareceu a remissão para os critérios da retribuição da lei geral, aos quais apelavam ambas as normas que a precederam. Esta última inovação não contende com qualquer das considerações que deixámos atrás. Antes pelo contrário, cremos que o legislador visou deixar bem claro estar-se perante um noção de retribuição não coincidente com a da lei geral, mais ampla que aquela e na qual assume preponderância a regularidade no pagamento. Dito de outro modo, uma noção de retribuição que não pressupõe necessariamente a existência de correspectividade entre as prestações do empregador e a disponibilidade do trabalhador, antes abrangendo também quaisquer outras prestações que tenham causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho, desde que recebidas com carácter de regularidade e não destinadas a compensar o sinistrado por custos aleatórios. Fazendo nossas as palavras do recentíssimo Ac. do STJ de 31-10-2018 [proc.º 359/15.5T8STR.L1.S1, Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt], escreve-se no mesmo o seguinte: -«Para os efeitos daquele artigo 71.º, são retribuição «todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios». Não se faz apelo à contrapartida da efetiva prestação de trabalho, estando-se antes perante uma noção mais ampla onde cabem todas as prestações recebidas pelo sinistrado que não se destinem a compensar custos aleatórios. Outro dos elementos que permitem incluir estas prestações na base de cálculo das reparações é o conceito de regularidade. O conceito de regularidade tem aqui implícita uma dimensão temporal que aponta para a repetição dos pagamentos e a partir daí a dimensão dos rendimentos normalmente auferidos pelo sinistrado. Importa que na ponderação deste conceito não se esqueça que o que está em causa é a perda da capacidade para o futuro do sinistrado e não a fixação da dimensão de rendimentos devidos ao sinistrado. (..)». II.2.3 Revertendo ao caso, resulta dos factos provados que o sinistrado “[..]. Em causa está a quantia de [..] relativamente à qual a Ré empregadora não tinha transferida a responsabilidade infortunística transferida pelo seguro de acidentes de trabalho celebrado com a Ré seguradora. É sabido que a jurisprudência esteve dividida quanto à questão de saber quando deve considerar-se que uma prestação é regular e periódica. Contudo, na esteira do acórdão do STJ de 1 de Outubro de 2015 [publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 212 — 29 de outubro de 2015], - proferido em julgamento ampliado da revista, em processo civil, nos termos do artigo 186.º do CPT – que embora se tenha debruçado sobre a cláusula de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE entre a TAP — Air Portugal, S.A. e o SNPVAC — Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, publicado no BTE 1.ª série n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2006), no percurso lógico para chegar à sua interpretação passou pela questão de saber quando é que se deve entender que há “regularidade e periodicidade” na atribuição de uma determinada prestação pecuniária, vem sendo maioritariamente entendido que esse carácter regular só se verifica se a prestação for paga durante 11 dos 12 meses que se tiverem por referência temporal. [..] Assim, no caso nem se coloca qualquer dúvida, dado que mesmo a entender-se que aquele critério afirmado pelo STJ tem aplicação para efeitos do n.º2, do art.º 71.º da Lei 98/2009, sempre é de concluir estar-se inequivocamente perante uma prestação recebida com carácter de regularidade, como tal integrando a noção de retribuição do n.º2, do art.º 71.º da Lei 98/2009, a menos que se destine a compensar o sinistrado por custos aleatórios. Como deixámos assinalado, não basta a R. denominar aquela prestação nos recibos de vencimento como “ajudas de custo”, para que fique excluída do conceito de retribuição. Beneficiando o sinistrado da presunção legal de que aquela prestação constitui retribuição, sobre a Ré recaía o ónus de ilidir tal presunção (arts. 344.º, n.º 1 e 350º, nº 1, do Cód. Civil), pressupondo isso a alegação e prova de factos de onde resultasse demonstrado que aquele pagamento se destinava a compensar custos aleatórios, isto é, custos de natureza acidental e meramente compensatória. Entende a Recorrente Ré que essa prova foi feita, dado ter-se provado o seguinte: [..] Com o devido respeito por opinião contrária, entende-se que não foram alegados factos nem feita a prova necessária para que se possa ter como demonstrado, com a certeza e o rigor que nos parece exigível, que aquele pagamento cobria ou destinava a compensar o sinistrado por “custos aleatórios”. Passamos a explicar esta asserção. Como defendemos acima, serão custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser susceptível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade. Não é isso que acontece no caso. Tal como se refere no acórdão do STJ de 17-03-2010, acima citado [proc.º 436/09.1YFLSB, Conselheiro Sousa Grandão], também aqui as prestações em causa correspondem a valores fixos e diários “logo, independentes de quaisquer custos ou despesas aleatórias – devidos por cada dia de trabalho – no que se evidencia a sua correspectividade com o trabalho desenvolvido pelo trabalhador”, implicando neste caso - como provado - que o sinistrado fizesse “fora de casa o pequeno-almoço e almoço, diariamente”, mas sem necessidade de qualquer documento comprovativo. É certo, pois, que o autor tomava “fora de casa o pequeno-almoço e almoço, diariamente”, bem assim que aquele pagamento visava reembolsá-lo “por custos com as refeições que efectuava quando estava a fazer transportes”, mas isso não significa necessariamente que tomava aquelas refeições em estabelecimentos de restauração, nem tão pouco que despendesse diariamente o valor de € 12/dia em refeições, pois bem podia fazer-se acompanhar delas já previamente confecionadas em casa, sem custos para além dos que sempre teria que suportar para, como é normal nos nossos usos, tomar diariamente essas refeições. Portanto, na nossa perspectiva, a prova feita não exclui a possibilidade do autor gerir aquele valor, que sabe de antemão lhe vai ser pago por cada dia de trabalho efectivo independentemente de demonstrar qualquer gasto real para além do que normalmente teria no âmbito da sua economia pessoal e familiar, o que se traduz na possibilidade de usar esse valor, acrescendo-o ao magro salário que aufere, para retirar “uma vantagem económica representativa do rendimento da sua actividade laborativa”. Neste quadro, salvo melhor opinião, essas prestações pagas ao autor traduzem, no rigor das coisas, um valor material com repercussão positiva na sua economia pessoal e familiar, que se traduz num rendimento com o qual sabe poder contar mensalmente e, em função dessa certeza, programar regularmente a sua vida. Mas mesmo que não possa ter-se a certeza que o autor assim procede, o certo é que estamos perante um pagamento regular que é efectuado sem necessidade de comprovação das despesas, acrescendo que é perfeitamente possível, na realidade das coisas, que os valores recebidos sejam afectos à sua economia pessoal e familiar. E, sempre com o devido respeito por opinião contrária, esse é o ponto fulcral da questão. Com efeito, o ónus de prova recai sobre a Ré e não sobre o trabalhador sinistrado. Era à Ré que cabia demonstrar estar a suportar custos aleatórios do autor, os quais têm subjacentes, como vimos defendendo e nas palavras do citado acórdão do STJ, “a variabilidade e contingência das prestações”. Ora, pelas razões que vimos expondo, não cremos que essa prova tenha sido feita. Mais, nem a Ré sequer alegou factos que, a provarem-se, fossem idóneos e suficientes para provar estar a suportar custos aleatórios do sinistrado e, logo, afastar a presunção decorrente da regularidade no pagamento da prestação em causa. [..]». Em contraponto, o excelentíssimo 1.º adjunto justificou a sua discordância enunciando no respectivo voto de vencido as razões seguintes: -«Salvaguardando o devido respeito pela posição que fez vencimento, acompanhando-se essa quanto à afirmação de que impende sobre a empregadora o ónus da prova de que as quantias pagas se assumem como custos aleatórios (na senda do que tem sido afirmado pela jurisprudência), já não se acompanha no mais por considerar que, no caso, diversamente do que se conclui, esse ónus foi satisfeito, ao ter-se provado que o sinistrado prestava as funções de motorista de pesados, fazia fora de casa o pequeno-almoço e almoço diariamente e que recebia €12,00 por cada dia de trabalho efetivo prestado, que a Ré descriminava como sendo ajudas de custo, e que visavam reembolsar o trabalhador por custos com as refeições que efetuava quando estava a fazer transportes. Na verdade, a referida factualidade provada satisfaz, na minha ótica, precisamente o que sobre essa questão tem sido afirmado pela jurisprudência (incluindo desta Secção) a respeito do ónus da prova, em conformidade com a posição que tomei no recente acórdão de 22 de outubro de 2018[1], de que fui relator, o que permite concluir que o valor em causa se integra na previsão da parte final do n.º 2 do artigo 71.º da LAT – destina-se a compensar o sinistrado por custos aleatórios. Encurtando razões, para fundamentar a minha posição, remetendo para o que escrevi no referido acórdão[2], não poderemos deixar de ter presente a significação comum da expressão (adjetivo) “aleatório”, permitindo entender que se teve em conta, excecionando-as, as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos que dependem do acaso ou de circunstâncias imprevisíveis, sendo que, num caso como o que se decide, é fundada a afirmação de que era afinal imprevisível o valor de tais custos pois que, enquanto condutor de pesados, dependeriam os mesmos do tipo de refeição, local e até estabelecimento em que fossem prestados os serviços – que dependeria pois do tipo de alimentação, modo e local como satisfaria essa necessidade. Daí que o pagamento da quantia de €12,00 por cada dia de trabalho efetivo prestado se destinasse, de facto, a compensar o trabalhador por custos aleatórios, no caso, como se provou, os “custos com as refeições que efetuava quando estava a fazer transportes” (enquanto motorista de pesados, fazia fora de casa o pequeno-almoço e almoço diariamente e que recebia €12,00 por cada dia de trabalho efetivo prestado), sendo que, compreendendo-se que se visou desse modo facilitar o pagamento desses gastos – assim tornando desnecessário qualquer acerto de contas, prescindindo-se da apresentação de quaisquer faturas –, foi estipulado um valor fixo para as refeições por cada dia de serviço efetivo. Na verdade, tendo por base o elenco factual fixado em 1.ª instância para a decisão jurídica a proferir, o facto de se provar que a analisada prestação visa compensar o trabalhador/sinistrado por concretas despesas acrescidas que tem com a sua alimentação permite dizer que estamos perante a previsão da última parte do n.º 3 do artigo 71.º da LAT – pagamento que se destinava, efetivamente, a compensar o sinistrado por custos aleatórios que tivesse que suportar. Aliás, esclarecendo, sequer se trata de situação propriamente similar ao pagamento do subsídio de alimentação. É que esse subsídio, como o próprio nome indica, não visa afinal pagar as despesas efetivas com a alimentação e sim apenas, diversamente, como que subsidiar de algum modo tais despesas normais, diversamente da prestação que aqui se analisa, face ao que se provou, por ter ela uma causa e uma destinação específica, precisamente aquele pagamento efetivo, assumindo assim uma natureza que permite integrá-la na categoria de ajudas de custo[3] – de resto é com tal designação que constam dos recibos de vencimento – e, portanto, não se podendo sequer dizer que exceda o montante máximo a atribuir para efeito do pagamento de tais despesas com alimentação do trabalhador, muito embora se trate de montante pago em quantia certa relativamente a cada dia de trabalho efetivo, a sua aleatoriedade mantém-se, por essa ter a ver de acordo com a lei não com o que é pago pela entidade patronal e sim, noutros termos, com o tratar-se ou não de prestação que se destina a “compensar o sinistrado por custos aleatórios”, ou seja, é na natureza dos custos, assim o serem ou não imprevisíveis/aleatórios, que determina a aplicação da norma – e neste caso, será afinal imprevisível o preço efetivo das refeições, os quais podem variar conforme o local e tipo de estabelecimento prestador do serviço. E digo seria pois que, afinal, mas por acordo (como se dirá infra, face ao previsto em CCT), foram porém fixados valores fixos, sendo que, como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 12 de julho de 2018[4], poderemos também dizer, como nesse, que “o pagamento acordado visa facilitar o reembolso das despesas com a alimentação e não a beneficiá-lo através da atribuição de um suplemento remuneratório regular. Ou seja, não resultava daí um ganho para o trabalhador no final do mês. Apenas era reembolsado das despesas que havia efetuado”. Aliás, salvaguardando naturalmente o respeito que me merece a posição que fez vencimento, considero que a invocação nas alegações de recurso da cláusula da Convenção Coletiva de Trabalho não se assume no caso como uma verdadeira questão nova, pois que, sendo verdade que na contestação a Ré se limitou a alegar que fazia o pagamento da referida quantia de €12,00 “em cumprimento do estatuído na CCTV aplicável ao sector” (artigo 4.º), sem identificar pois a CCT em causa, se dúvidas houvesse sempre o Tribunal de 1.ª instância poderia ter convidado a mesma Ré a esclarecer a que CCT se referia. É que, afinal, a CCT indicada pela Recorrente[5], objeto aliás de portarias de extensão, prevê efetivamente o pagamento de valores fixos diários para o reembolso das despesas com alimentação/cada refeição[6]’[7], pagamentos esses aí tidos expressamente como ajudas de custo, dando assim sustentação ao que supra mencionei a respeito da natureza de custo aleatório do valor de €12,00 pago no caso ao Sinistrado.[8] Por último, deixo apenas um pequeno exercício de raciocínio, com o único objetivo de melhor deixar esclarecida a minha posição: Estando a entidade patronal vinculada a pagar/suportar os custos com a alimentação do seu trabalhador que tenha de fazer deslocações fora da empresa em serviço, por ser motorista, apresentando este contra reembolso pela entidade patronal dos valores por si despendidos as correspondentes faturas das refeições que tomou, parece-me inquestionável que os valores em causa, ainda que regulares, deverão ser tidos como verdadeiras ajudas de custo, como ainda, para efeitos da norma citada da LAT, visando compensar os custos com a aludida alimentação, que se assumirão então como compensação por “custos aleatórios. Ora, se se aceitar que têm nessas circunstâncias tal natureza, será então caso para perguntar se o facto de porventura vir a ser posteriormente celebrado um qualquer acordo (individual, de empresa ou através de CCT) que defina valores fixos a serem pagos para custear precisamente essa mesma alimentação altera ou não, afinal, a natureza desses custos e correspondentes pagamentos. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, na minha ótica a resposta terá de ser a de que não altera, precisamente porque a natureza dos custos se manteve afinal, apenas variando o modo como passaram a ser compensados, inicialmente contra fatura e depois pela fixação de valores exatos por cada refeição. Ora, é precisamente o caso que se aprecia, sendo que, diga-se por último, existindo CCT que vincula as partes, sequer está na disponibilidade da entidade patronal a possibilidade de deixar de cumprir o aí estipulado. São no essencial estas as razões por que, salvaguardando de novo o devido respeito pela posição que fez vencimento, essa não acompanho». Para que fique completa a transcrição, nas notas de rodapé para onde remete o texto da declaração de voto, consta o seguinte: « [1] Apelação 4442/16.1T8VIS.P1 – então referente à quantia de €19,00 paga pela entidade patronal em cada dia efetivo de trabalho e que se provou que visava reembolsar o trabalhador (motorista, também) “dos gastos com alimentação (pequeno almoço, almoço e jantar) nas viagens que efetuava a mando” da sua entidade patronal”. [2] Na senda aliás da apreciação realizada no Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Maio de 2018, mas aí com a diferença de que a entidade patronal não logrou provar que a quantia paga visasse compensar essas despesas – Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto, in www.dgsi.pt. [3] Como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 2011 (Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, in www.dgsi, muito embora proferido no domínio de aplicação da Lei 100/97, assim seu artigo 26.º, n.º 3, mas que se pode ter por relevante no domínio da atual LAT, face à similitude de redação das normas): “as ajudas de custo não visam, em regra, pagar o trabalho ou a disponibilidade para o trabalho, antes se destinam a compensar as despesas realizadas pelo trabalhador por ocasião da prestação do trabalho ou por causa dele”, sendo que “Só assim não será quando estas compensações excedem as despesas suportadas, pois conforme resulta da parte final do artigo 260º nº 1 do CT/2003, a parte excedente dessas despesas deverá considerar-se retribuição, no caso de se tratar de deslocações frequentes.” [4] Relator Desembargador Moisés Silva, in www.dgsi.pt. [5] Certamente a mesma a que se referia na contestação que apresentou. [6] De resto, quanto à exigência de fatura, assim no BTE n.º9/1980, de 8 de março, cláusula 46.ª da CCT, essa só está estabelecida para os casos de refeições tomadas no estrangeiro. [7] Aliás esse é o regime estabelecido até ao presente, onde se mantém, assim BTE 34/2018, cláusula 57.ª: “a empresa pagará aos trabalhadores todas as refeições que estes por motivo de serviço, tenham de tomar”, fixando-se também valores diários dependendo das refeições em causa. [8] Devo esclarecer, quanto à questão da CCT que a alegação feita neste processo é igual à que foi realizada no processo de cujo acórdão fui relator, tendo então entendido que não havia necessidade de lhe fazer expressa referência por então se ter entendido que se estava perante compensação por custos aleatórios, incluindo que nada obstava a que fosse acordado o pagamento de valor fixo, precisamente para não obrigar à entrega de faturas e acertos de contas. Ora é precisamente isso que, na minha ótica, resulta da CCT, a que as partes estão vinculadas.». II.2.3 Importa, desde já, repor o rigor das coisas quanto a uma das considerações do recorrente. Constando apenas provado [facto 17] que o sinistrado “levava diariamente o seu almoço pré confecionado em casa e, quando se encontrava em zona próxima da sua residência vinha almoçar a casa”, daí não pode de todo retirar-se, como aquela afirma, que deve “admitir-se, portanto, que os pequenos-almoços e o Jantar, quando a essa hora se encontrasse em serviço, eram tomados em restaurantes e ou hotéis”. A recorrente não explica como chega a essa conclusão, mas face à sua alegação parece partir do pressuposto de a entender como uma decorrência lógica, eventualmente por não estar provado que o sinistrado também levava pré confecionado ou tomava em casa os pequenos-almoços e o jantar. Seja como for, essa construção não pode ser acolhida. Além de nem sequer poder extrair-se tal conclusão com base naquelas premissas, por vício na construção do raciocínio, o certo é que cabia à recorrente alegar e provar “que os pequenos-almoços e o Jantar, quando a essa hora se encontrasse em serviço, eram tomados em restaurantes e ou hotéis”, quando nem tal alegou. Feita esta nota, é certo, como refere a recorrente, poder extrair-se da matéria provada, nomeadamente, da conjugação dos factos 16 e 17, que o pagamento de Ajudas de Custo – este provado no facto 15 - correspondia ao cumprimento por parte da Entidade Empregadora /Apelante de uma obrigação legal prevista no CCTV aplicável, em concreto, o Contrato Coletivo de Trabalho Vertical, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego nº 45, de 08/12/2019 e pela portaria de extensão nº49/2020 publicada no DR nº 40/2020 de 26/02/2020. Com efeito, tal obrigação decorre da Cláusula 58.ª (Ajudas de custo diárias), onde se dispõe, para além do mais, o seguinte: -«1- Quando deslocados ao serviço da entidade empregadora, os trabalhadores móveis têm direito, para fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras, a uma ajuda de custo, cujo valor será acordado com a empresa mas que não ultrapasse os limites da isenção previstos anualmente em portaria a publicar pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública para o pessoal da Administração Pública. 2- Os sistemas de cálculo das ajudas de custo praticados no sector pelas entidades empregadoras, para fazer face exclusivamente às despesas mencionadas no número anterior, devem respeitar o princípio da boa-fé, normalidade e razoabilidade sem comprometer a segurança rodoviária e/ou favorecer a violação da legislação comunitária. 3- Independentemente do sistema de cálculo utilizado, o valor das ajudas de custo em cada mês, não pode ser inferior à soma dos valores mínimos das ajudas de custo diárias fixados no anexo III do CCTV. [..]». No ANEXO III, com o título “Cláusulas de expressão pecuniária”, para onde remete o n.º3, da cláusula, consta depois o seguinte: -« Cláusula 58.ª (Ajudas de custo diárias) Número 3 - Trabalhadores móveis, em média a apurar mensalmente, valor da ajuda de custo diária mínima de: – Nacional: 23€. – Ibérico: 26€ . – Internacional: 36,4€. Número 7 - Deslocação a Espanha mas com repouso diário em Portugal: – Pequeno-almoço e ceia: 2,90€. – Almoço e jantar: 9,90€. [..]». Contudo, sublinha-se, na nossa perspectiva não é o facto do CCTV conter essa previsão que, só por si, é bastante para concluir que os pagamentos efectuados a esse título aos trabalhadores, no caso ao sinistrado, não se enquadram no conceito de retribuição definido no n.º2, do art.º 71.º, da alei 98/2009, ao dispor “Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios». Na verdade, independentemente do título a que é paga com carácter de regularidade qualquer prestação a um determinado trabalhador sinistrado, para que se conclua que a mesma não está abrangida no conceito encerrado naquela previsão, é necessário que se verifique, com a certeza e o rigor que nos parece exigível e face às circunstâncias de cada caso concreto, que esse pagamento visava cobrir ou era destinado a compensá-lo por “custos aleatórios”, isto é, na nossa leitura, como referimos na fundamentação acima transcrita do acórdão de 7-12-2018, “[..] que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser susceptível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade”. No caso concreto não resulta dos factos provados se entre a Ré e os seus trabalhadores, mormente o sinistrado, estavam acordados valores diferentes dos previstos no CCTV, designadamente, no Anexo III, ou se eram praticados estes últimos por aplicação supletiva da previsão do n.º3, da cláusula 58.ª. Na verdade, tanto mais que nem sequer foi alegado pelas partes, apenas resultou provado que o sinistrado [facto 15] “Para além do vencimento auferia, ainda todos os meses: a. uma quantia titulada por “ajudas de custo” no montante médio, no ano anterior ao acidente, de 138,94€ (1.528,30€:11 meses)”. Seja como for, o que releva é que esses pagamentos, embora destinados “a reembolsar o trabalhador pelas despesas com o pequeno almoço e/ou almoço, e/ou jantar e/ou pernoita”, eram pagos independentemente do trabalhador realizar esses custos e, por isso mesmo, “correspondia[m] a valores fixos, variando apenas de acordo com o horário de trabalho que lhe estava afetado” e “não implicavam a apresentação de qualquer documento de despesa por parte do trabalhador” [facto 17]. Ademais, como provado, [facto 18] “O falecido BB levava diariamente o seu almoço pré confecionado em casa e, quando se encontrava em zona próxima da sua residência vinha almoçar a casa” e [facto 19] “Habitualmente, não pernoitava fora da sua residência”. Neste quadro factual, salvo o devido respeito, cremos não poder concluir-se, como defende a recorrente, que os pagamentos efectuados ao sinistrado a título de ajudas de custa visavam compensá-lo por “custos aleatórios”. Reiterando-se o entendimento afirmado no processo acórdão de 7-12-2018 [proc.º 959/14.0T8PNF.P1], pelas razões expressas na transcrita fundamentação, que aqui têm inteira aplicabilidade e para as quais remetemos, cremos não ser de lhe reconhecer razão. Merece-nos o maior respeito a posição defendida pelo excelentíssimo 1.º adjunto, aqui invocada pela recorrente, mas pese embora os argumentos impressivos em que se sustenta, não vimos razões para alterar o entendimento que, por maioria, afirmámos. Daí concordar-se com a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, repete-se, apoiando-se naquele acórdão, a qual por comodidade se volta a transcrever: -«(..) Como deixámos assinalado, não basta a R. denominar aquela prestação nos recibos de vencimento como “ajudas de custo”, para que fique excluída do conceito de retribuição. Beneficiando o sinistrado da presunção legal de que aquela prestação constitui retribuição, sobre a Ré recaía o ónus de ilidir tal presunção (arts. 344.º, n.º 1 e 350º, nº 1, do Cód. Civil), pressupondo isso a alegação e prova de factos de onde resultasse demonstrado que aquele pagamento se destinava a compensar custos aleatórios, isto é, custos de natureza acidental e meramente compensatória – o que manifestamente não sucedeu. É certo, pois, que o trabalhador podia tomar fora de casa o pequeno-almoço e almoço, diariamente, bem assim que aquele pagamento visava reembolsá-lo por custos com as refeições que efetuava quando estava a fazer transportes”, mas isso não significa necessariamente que tomava aquelas refeições em estabelecimentos de restauração, nem tão pouco que despendesse diariamente o valor que lhe era atribuído em refeições, pois fazia-se acompanhar delas já previamente confecionadas em casa, sem custos para além dos que sempre teria que suportar para, como é normal nos nossos usos, tomar diariamente essas refeições. Portanto, na nossa perspetiva, a prova feita não exclui a possibilidade de o trabalhador gerir aquele valor, que sabe de antemão lhe vai ser pago por cada dia de trabalho efetivo independentemente de demonstrar qualquer gasto real para além do que normalmente teria no âmbito da sua economia pessoal e familiar, o que se traduz na possibilidade de usar esse valor, acrescendo-o ao salário que aufere, para retirar uma vantagem económica representativa do rendimento da sua atividade laborativa. Neste quadro, essas prestações pagas falecido BB traduzem um valor material com repercussão positiva na sua economia pessoal e familiar, que se traduz num rendimento com o qual sabe poder contar mensalmente e, em função dessa certeza, programar regularmente a sua vida. Tudo para concluir que os valores pagos a título de ajudas de custo ao trabalhador BB, nas condições que se deram como provadas, constituem retribuição para os efeitos do artigo 71º da LAT». Assim, quanto a esta questão improcede o recurso. II.2.4 Avançando para a segunda questão suscitada pela recorrente, alega esta que a sentença errou no segmento “em que foi julgado que os montantes de 14€ x 14 meses e a cláusula 61 no valor de 342,72€ x 13 meses, [..]não haviam sido transferidos para a Seguradora G... SA”. Pelas razões que adiante se enunciarão, faz-se notar, desde já, que a recorrente não impugna a decisão sobre a matéria de facto, antes fazendo apelo aos “factos definitivamente assentes”, imputando à sentença um erro de julgamento na aplicação do direito, designadamente, como refere na conclusão 28.ª, em violação do disposto “na cláusula 21ª da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho, tendo ainda desconsiderado o instituto do enriquecimento sem causa previsto no art. 473 do Código Civil e o princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações consignado no art. 762º nº 2 do mesmo diploma legal”. Da fundamentação da sentença recorrida, com relevo para este ponto consta o seguinte: -«[.] Pelo exposto, podemos concluir que o trabalhador auferia a remuneração anual de 700€ x 14 meses + o complemento salarial de 14€ x 14 meses + a cláusula 61 no valor de 342,72€ x 13 meses +138,94€ x 11 meses, num total de 15.979,70€. Assim, e, em conformidade com as disposições aplicáveis da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (artigos 7º, 8º, n.º 1, 21º, nºs 1 e 3, 23º, 56º, 57º, n. 1, 59º, n. 1, alínea a), 71º, nºs 1, 2 e 3, 73º, n.º 1, e 77º), a Autora tem direito de receber da Ré as seguintes prestações: A pensão anual e vitalícia de 6.391,88€ a partir de a partir de 28.04.2020, dia seguinte ao da morte; o subsídio para despesas de funeral e com transladação a quantia de 2.760,00€ (cfr. art.º 66.º Lei n.º 98/2009); o subsídio por morte no montante de 5.792,28€ nos termos do art.º 65º nº.2, al. b) da mesma lei; e ainda as despesas de transporte no montante de 20€. Sobre o montante da pensão apurada e das indemnizações incidem juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data de seu vencimento, nos termos do artigo 135º, parte final, do Código de Processo do Trabalho. Da medida da responsabilidade das Rés: A celebração do seguro obrigatório de acidentes de trabalho é legalmente enquadrada por uma Apólice Uniforme elaborada pelo Instituto de Seguros de Portugal (atualmente denominado Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões), a qual consta da Portaria n.º 256/2011 de 5 de Julho. Dessa apólice consta, na cláusula 5.ª e a respeito das modalidades de cobertura, o seguinte: “O seguro pode ser celebrado nas seguintes modalidades: a) Seguro a prémio fixo, quando o contrato cobre um número previamente determinado de pessoas seguras, com um montante de retribuições antecipadamente conhecido; b) Seguro a prémio variável, quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro”. No caso, foi ajustado um seguro na modalidade de prémio variável em que era calculado um prémio provisório – com base nos salários pagos no início de cada anuidade – cujo valor poderia vir a ser ajustado (para mais ou, eventualmente, para menos) no prémio definitivo, o qual era determinado por referência às retribuições efetivamente pagas durante o período anual de vigência do contrato. Por isso e à semelhança do que sucede na generalidade dos contratos de seguro de prémio variável, pode-se afirmar que, nos contratos em causa nos autos, as pessoas e as remunerações seguras, i.e. aquelas em cujo valor na base assenta o cálculo das responsabilidades cobertas pelo seguro (cfr. n.º 1 da cláusula 21.ª da Apólice Uniforme acima aludida) são mudáveis porque a sua identidade e o valor em causa estão intrinsecamente ligados ao que a tomadora do seguro inscreva nas folhas de salários remetidas à seguradora (neste sentido, Ac. do STJ de 17.03.2010, proferido no processo n.º 275/06.1TTPDL.1.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.). Importa ainda reter que a responsabilidade pela determinação da retribuição segura é uma incumbência exclusiva da tomadora do seguro (cfr. n.º 1 da cláusula 21.ª da referida Apólice Uniforme). Assim e ponderando estes aspetos e analisando as folhas de remuneração que foram enviadas pela Ré empregadora para a Ré seguradora, constatamos que nelas constam apenas 2 verbas: uma relativa ao vencimento (rubrica P) e outra relativa a “subsídios regulares não permanentes” rubrica “X”, sem que se tenha feito qualquer discriminação, nem referido quais as partes que compunham esta última verba que eram pagas 11, 12 ou 14 vezes por ano. Além disso, nenhuma das componentes dessa verba era “não permanente”, pois a cláusula 61 e o complemento salarial (cláusula 59ª do CCTV) são de caráter permanente. Ora, ninguém, colocado na posição do declaratário normal (cfr. artigo 236º, n. 1 do código Civil) pode deduzir que nessa 2ª verba de “subsídios regulares não permanentes” estejam incluídas verbas permanentes fixas, pagáveis 13 ou 14 vezes por ano, se nada for mais esclarecido pelo tomador do seguro. Logo, não era exigível à Ré seguradora que deduzisse ou adivinhasse que essa verba continha a cláusula 61º x 13 meses e o complemento salarial x 14 meses. Isto significa que a Ré seguradora só responde pelo montante das verbas transferidas, que aceitou ser de 342,72€ x 12 meses (de montante superior até ao que consta nas folhas), como aliás lhe foi participado pela Ré empregadora (ver participação de 29.04.2020) e inclusive reclamado pela própria Autora na tentativa de conciliação. Assim sendo, a Ré seguradora responde pelo pagamento de uma pensão anual e vitalícia de 5.565,06€, calculada com base na retribuição anual de 700,00€ X 14 meses + 342,72€ X 12 meses = 13.912,64€, correspondente ao valor transferido, pelo que cabe à Ré empregadora a responsabilidade pelo pagamento da diferença, ou seja de uma pensão anual e vitalícia de 826,82€ (cfr. artigo 23º, n. 1, alínea a) da referida Portaria.». Começa a recorrente por defender que tendo em conta os factos definitivamente assentes, verifica-se que no confronto com as folhas de férias enviadas pela Empregadora e aqui Apelante à Seguradora - dadas por expressamente reproduzidas no ponto 18 da decisão sobre a matéria de facto - que aquela mencionou nas mesmas as importâncias de 14€ x 14 meses e a cláusula 61 no valor de 342,72€ x 13 meses por ano. Adicionando-se todos os valores mencionados nas referidas folhas de férias atinentes ao período de referência – ano anterior ao dia do acidente – constata-se aritmeticamente que todos aqueles valores foram transferidos – 14 euros em 14 meses e 342,72 em 13 meses – tal como decorre igualmente do ponto 19 daquela decisão sobre a matéria de facto. Suporta essa posição, alegando um eventual erro do Tribunal a quo na interpretação do nº 1 da cláusula 21ª da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho. No seu entender, da referida cláusula “a alusão feita à determinação apenas pode querer dizer que é da responsabilidade do Tomador do Seguro indicar à Seguradora em cada momento os montantes que paga a cada Trabalhador, não impondo em parte alguma uma discriminação minuciosa e detalhada de cada componente salarial”. Mais defende que tratando-se de um seguro na modalidade de prémio variável, a Seguradora aceita que lhe sejam transferidas todas as remunerações pagas a cada Trabalhador, procedendo no final de cada ano ao acerto que se mostrar devido por comparação com o prémio pago na anuidade anterior, em função do eventual aumento da massa salarial comunicada. Conclui que não pode julgar-se não transferida a totalidade de tais importâncias para efeitos da sua inclusão no cálculo da pensão por morte, sob pena de, além do mais, se estar a privilegiar uma solução meramente formal em detrimento da verdade material, o que seria ilegal, por violador do princípio da boa-fé negocial previsto no art. 762º no 2 do Código Civil. Tendo a Tomadora do Seguro /Apelante pago o prémio anual calculado com base no acumulado constante das folhas de férias, a decisão de excluir do cálculo da pensão por morte aqueles mencionados montantes apenas com base numa irregularidade formal, constituiria um claro enriquecimento sem causa, por banda da seguradora, à custa do correspondente empobrecimento da Tomadora do Seguro. Respondeu a seguradora, que dos documentos invocados pela recorrente empregadora resulta o que foi dado como provado quanto ao montante em função do qual foi transferida a responsabilidade infortunística. E, que nenhum vício há a apontar à sentença na aplicação do direito aos factos. Diremos, desde já, que a pretensão da recorrente não pode ser acolhida. Como começámos por referir, a recorrente não impugna qualquer um dos factos relevantes para a apreciação desta questão. São eles os seguintes: 7. A 2.ª Ré, A..., Lda, à data do acidente, havia transferido a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho relativamente a BB, para a 1.ª Ré, G..., SA, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., e pelo menos pelo SA de 700,00€ X 14 meses + 342,72€ X 12 meses (clausula 61 ) = SA de 13.912,64€. 14. Em abril de 2020, pelo trabalho prestado, o trabalhador auferia o vencimento mensal de 700,00€ x 14 meses 15. Para além do vencimento auferia, ainda todos os meses: a. uma quantia titulada por “ajudas de custo” no montante médio, no ano anterior ao acidente, de 138,94€ (1.528,30€:11 meses); b. Complemento salarial de 14,00€ x 14 meses; c. Cláusula 61, no valor de 342,72€, correspondente a 22 dias de trabalho x 13 meses – cfr. recibos de vencimento anexos à p. i.. 21. O contrato de seguro celebrado entre as Rés é um contrato com prémio variável, sendo o seu objeto enformado pelo conteúdo das folhas de férias enviadas à seguradora cujas cópias foram juntas através do requerimento de 20.05.2021 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 22. O valor global declarado pela Ré entidade patronal à Ré seguradora nas folhas de remuneração enviadas mensalmente, relativamente ao ano anterior ao acidente para além do vencimento, está inserido na rubrica “X” que corresponde a “subsídios de caráter regular, não permanente” e ascende a 3.327,72€ - cfr. documentos anexos à participação da seguradora de 06.05.2021 e ao requerimento de 20.05.2021. Deve assinalar-se que a referência feita pela recorrente aos factos provados 18 e 19 é incorrecta, eventualmente por lapso, mas tornando ininteligível a sua construção, tanto mais que de nenhum dos factos consta - como afirma reportando-se ao facto 19 -, que comunicou à seguradora que o sinistrado auferia importâncias de 14€ x 14 meses e a cláusula 61 no valor de 342,72€ x 13 meses por ano. O que efectivamente foi comunicado pela recorrente à seguradora quanto ao valor das retribuições pagas ao sinistrado e respectiva discriminação, ou seja, a que título, é o ponto fulcral desta questão. Ora, não tendo sido impugnados os factos provados, afirmando até a recorrente estarem definitivamente assentes, não faz sentido vir argumentar que da soma aritmética dos valores mencionados nas folhas resulta que “ todos aqueles valores foram transferidos – 14 euros em 14 meses e 342,72 em 13 meses”, quer por isso decorrer, como invoca, do “ ponto 19 daquela decisão sobre a matéria de facto”, por esse ponto não referir essa matéria, quer ainda por resultar claramente do ponto 22 que “O valor global declarado pela Ré entidade patronal à Ré seguradora nas folhas de remuneração enviadas mensalmente, relativamente ao ano anterior ao acidente para além do vencimento, está inserido na rubrica “X” que corresponde a “subsídios de caráter regular, não permanente” e ascende a 3.327,72€ - cfr. documentos anexos à participação da seguradora de 06.05.2021 e ao requerimento de 20.05.2021” . Dito de outro modo, não é viável pretender através desta questão de direito, ou seja, sustentada na alegada interpretação incorrecta da cláusula 21.ª da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho, que se contrarie o que está provado naquele facto, para se concluir que o valor global declarado, em termos concretos, por si nas folhas de remuneração enviadas mensalmente à seguradora, relativamente ao ano anterior ao acidente para além do vencimento – “inserido na rubrica “X” que corresponde a “subsídios de caráter regular, não permanente”- , afinal era superior aos 3.327,72€ provados, ou seja, para se passar a considerar que os valores declarados, sinalizados por si como “subsídios de caráter regular, não permanente” , totalizavam 4 651,36 €. Com efeito, para que melhor se perceba, feitos os devidos cálculos, “14 euros em 14 meses e 342,72 em 13 meses”, totaliza 4 651,36 €. A recorrente faz esta construção procurando tirar proveito do facto do Tribunal a quo na fundamentação da decisão de direito se ter debruçado sobre o nº 1 da cláusula 21ª da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho. Embora a fundamentação da sentença quanto a este ponto não seja imediatamente perceptível, cremos que o Tribunal a quo entendeu proceder à aludida indagação para se pronunciar quanto à posição da Ré empregadora, que na contestação afirmou, no que aqui releva, o seguinte: «35.º De todo o ora alegado resulta, apoditicamente, o seguinte: - o sinistrado não auferia, nem lhe era devida, atenta a sua antiguidade na empresa da co-ré contestante (menos de três anos), qualquer quantia mensal a título de diuturnidades; - consequentemente, o complemento salarial especifico da sua atividade de motorista, previsto na cláusula 61a do CCT aplicável, era apenas de €342,70, correspondente a 48% da soma da remuneração mensal de €700,00 com o complemento salarial de €14,00, pago em 13 meses ano; - tal quantia era transferida para a co-ré Seguradora na sua integralidade». Ou seja, o tribunal a quo quis dar resposta a esta afirmação final da recorrente- tal quantia era transferida para a co-ré Seguradora na sua integralidade –, que foi feita sem que dela resulte concretamente como procedeu, em termos de comunicação à seguradora dos valores pagos ao sinistrado. Diga-se, ainda, para que melhor fique contextualizada a questão, que na tentativa de conciliação a Ré entidade empregador declarou aceitar “[..] aceitar o salário mensal de 700,00€ x 14 meses + 342,72 x 14 meses (cláusula 61.ª)= 13.912,64”. Como se vê, não assumiu pagar ao sinistrado quer o complemento da cláusula 61.ª 13 vezes por ano, quer o complemento salarial de € 14,00, pago em 13 meses ano. Fê-lo, apenas, nos termos acima referidos já na contestação, após a autora reclamar o complemento salarial de € 14,00 e o complemento da cláusula 61.º. Mais se diga, que em resposta à contestação da seguradora, a qual manteve a posição assumida na tentativa de conciliação aceitando estar a responsabilidade transferida apenas pelo valor de 700€ x14 + 342,00€ x 12, a recorrente veio dizer que reiterava o alegado na contestação, acrescentando, no essencial, que [2.º]”O cálculo do prémio do seguro de acidentes de trabalho era efetuado a partir da declaração de remunerações remetidas pela co-ré empregadora para a Segurança Social”, não aceitando [5.º] “que o complemento remuneratório previsto na cláusula 61a do CCT aplicável não se mostrasse transferido em 13 meses por ano”, para afirmar que [6.º] Todas as quantias remuneratórias pagas ao sinistrado, à exceção das ajudas de custo, encontravam-se transferidas para aquela seguradora,[7.º] pelo que a indemnização devida à A., a pagar exclusivamente pela Seguradora, deverá refletir a totalidade das remunerações processadas e pagas, salvo as mencionadas ajudas de custo”. Como bem se vê, em momento algum a recorrente concretizou quais as retribuições efectivamente declaradas no ano anterior ao sinistro, desde logo, para evidenciar ter declarado o valor relativo à cláusula 61.ª do CCTV como sendo o devido e pago 13 vezes no ano. Para além disso, nesta resposta à contestação da seguradora, nada aludiu em concreto quanto ao complemento salarial de €14,00 x 13. Cabe notar que o Tribunal a quo, embora procedendo àquela indagação, manteve presente que estava já balizado pelo que considerara provado a este propósito, designadamente, no ponto 7 - em virtude da Ré seguradora o ter aceite na tentativa de conciliação e na contestação-, ou seja, que a ré empregadora tinha a responsabilidade infortunística transferida “pela apólice n.º ..., e pelo menos pelo SA de 700,00€ X 14 meses + 342,72€ X 12 meses (clausula 61 ) = SA de 13.912,64 “, bem assim no ponto 22, acima transcrito, mas que se repete: “O valor global declarado pela Ré entidade patronal à Ré seguradora nas folhas de remuneração enviadas mensalmente, relativamente ao ano anterior ao acidente para além do vencimento, está inserido na rubrica “X” que corresponde a “subsídios de caráter regular, não permanente” e ascende a 3.327,72€ - cfr. documentos anexos à participação da seguradora de 06.05.2021 e ao requerimento de 20.05.2021”. Refira-se, ainda, que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo consignou o seguinte: -«DD é profissional de seguros e trabalha para a Ré seguradora desde 1999. Emite apólices de seguro. Disse que no caso em apreço, o prémio é variável: é feita uma estimativa e o valor é acertado no final do ano de acordo com o valor total das remunerações transferidas. O cliente/segurado envia as folhas de remuneração mensais que são enviadas para a Segurança Social, que confirmou serem as que se encontram juntas aos autos através do requerimento de 20.05.2021. Desde 2018 que foi uniformizada esta forma de envio. Todos os clientes podem aceder ao site e lançar os ficheiros no site da seguradora. O sinistrado só tinha 2 verbas: 700€ e outra verba relativa a “subsídios de carater regular não permanente” correspondente à rubrica “X”. Esses valores foram e são lançados pelo cliente. Fez a média em relação aos 12 meses anteriores à data do acidente relativamente à 2ª verba, conforme a declaração apresentada pelo cliente, que não discrimina esta verba. A seguradora limita-se a aceitar, sendo esse valor declarado que entra para o cálculo do prémio. A companhia de seguros não confere os recibos de vencimento». Daí que o Tribunal a quo se tenha pronunciado, agora no plano do direito, dizendo: «[..] Logo, não era exigível à Ré seguradora que deduzisse ou adivinhasse que essa verba continha a cláusula 61º x 13 meses e o complemento salarial x 14 meses. Isto significa que a Ré seguradora só responde pelo montante das verbas transferidas, que aceitou ser de 342,72€ x 12 meses (de montante superior até ao que consta nas folhas), como aliás lhe foi participado pela Ré empregadora (ver participação de 29.04.2020) e inclusive reclamado pela própria Autora na tentativa de conciliação». Por conseguinte, se a recorrente queria que este Tribunal de recurso chegasse à conclusão que refere, então deveria ter impugnado o facto 22, o que não fez, para evidenciar que efectivamente tinha comunicado os pagamentos devidos ao sinistrado nos termos que afirmou conclusivamente na contestação, de modo a que passasse a constar provado que o valor global declarado à seguradora, nos termos descritos no facto, ou seja, mediante o envio mensal das folhas de remuneração “(..) relativamente ao ano anterior ao acidente para além do vencimento, está inserido na rubrica “X” que corresponde a “subsídios de caráter regular, não permanente” e ascende [..]”, ao invés dos 3.327,72€ apurados e ali fixados, a 4.651,36€. Não o tendo feito, esta linha de argumentação sucumbe irremediavelmente. De todo o modo, para que não lhe restem dúvidas, sempre se dirá concordar-se com a interpretação feita pelo Tribunal a quo relativamente à cláusula 21.ª n.º1, da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho. Seguem as razões. Conforme provado, a responsabilidade infortunística estava transferida pela apólice n.º ..., decorrendo da mesma, como aceite pelas partes e assumido pelo tribunal a quo na fundamentação, estar-se perante a modalidade “ Seguro a prémio variável”, ou seja, na definição da al. b, da cláusula 5.ª, das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem [Portaria n.º 256/2011, de 5 de julho] a que se verifica “[..] quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro”. Por seu tuno, o n.º 1 da cláusula 21.ª, estabelece que “A determinação da retribuição segura, valor na base do qual são calculadas as responsabilidades cobertas por esta apólice, é sempre da responsabilidade do tomador do seguro”, logo acrescentando o n.º2, que “O valor da retribuição segura deve abranger, tanto na data de celebração do contrato como a cada momento da sua vigência, tudo o que a lei considera como elemento integrante da retribuição e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar a pessoa segura por custos aleatórios, que incluem designadamente os subsídios de férias e de Natal”. Por último, no que aqui releva, estabelece a cláusula 24.ª, com a epígrafe “Obrigações do tomador do seguro quanto a informação relativa ao risco”, o seguinte: 1 - Para além do previsto no capítulo ii, o tomador do seguro obriga-se: a) A enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, cópia das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo no envio mencionar a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho, (e indicar ainda os praticantes, os aprendizes e os estagiários); Defende a Recorrente, reportando-se ao n.º 1, da cláusula 21.ª, que “a alusão feita à determinação apenas pode querer dizer que é da responsabilidade do Tomador do Seguro indicar à Seguradora em cada momento os montantes que paga a cada Trabalhador, não impondo em parte alguma uma discriminação minuciosa e detalhada de cada componente salarial”. Concordamos que não é exigível que a discriminação seja minuciosa, mas como decorre da conjugação daquela cláusula com o n.º 1, al. a), da cláusula 24.ª, a entidade empregadora deve não só enviar “cópia declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, relativas às retribuições pagas no mês anterior”, como também deve, nesse envio, “mencionar a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho”. Ora, como decorre do facto provado 22 – que foi considerado assim face face ao teor dos documentos enviados à ré seguradora - na rubrica “X” que corresponde a “subsídios de caráter regular, não permanente” a soma total do ano anterior ascende a 3.327,72€. E, como referiu o tribunal na fundamentação objecto da discordância da recorrente, sem que a Recorrente “tenha feito qualquer discriminação, nem referido quais as partes que compunham esta última verba que eram pagas 11, 12 ou 14 vezes por ano”. Daí que o tribunal a quo tenha concluído, e bem, “Ora, ninguém, colocado na posição do declaratário normal (cfr. artigo 236º, n. 1 do código Civil) pode deduzir que nessa 2ª verba de “subsídios regulares não permanentes” estejam incluídas verbas permanentes fixas, pagáveis 13 ou 14 vezes por ano, se nada for mais esclarecido pelo tomador do seguro. Logo, não era exigível à Ré seguradora que deduzisse ou adivinhasse que essa verba continha a cláusula 61º x 13 meses e o complemento salarial x 14 meses”. Por conseguinte, não se reconhece razão à Recorrente, sucumbindo também aqui o seu recurso. II.3 Recurso subordinado da autora Insurge-se a recorrente quando à decisão sobre a matéria de facto pelo tribunal a quo, nomeadamente, quanto ao que considerou provado na alínea a) do facto 15. E, consequentemente, na aplicação do direito, ao fixar a pensão anual e vitalícia a que tem direito na qualidade de beneficiária legal, nos termos estabelecidos no art.º 59.º n.º 1, al. a) da Lei 98/2009. Alega a recorrente que dos recibos de vencimento juntos aos autos, resulta que o autor esteve de baixa em 17 dias de junho de 2019, em 31 dias de julho de 2019 e em 2 dias de agosto de 2019, o sinistrado esteve em situação de “baixa por seguro”, bem como que, em 10 dias de agosto de 2019, esteve em situação de “baixa de seguro percentual”. Resulta, ainda, que pelo menos desde junho de 2018, o trabalhador sempre recebeu, mensalmente, uma verba a título de “ajudas de custo – nacional”. Nessa consideração, defende que para cálculo da retribuição anual normal do sinistrado, para efeitos do artigo 71.º da LAT, só se vislumbra uma de duas formas: (i) ou, nos 12 meses anteriores ao acidente, somar todas as quantias recebidas, a título de “ajudas de custo - nacional”, de seguida, dividir o somatório pelo n.º de meses a que dizem respeito e, por fim, multiplicar tal resultado por 12 meses; (ii) ou, para somatório das verbas recebidas a título de “ajudas de custo - nacional”, ter em conta os 12 meses anteriores ao acidente em que foram efetivamente recebidas e, de seguida, dividir tal montante por 12. Mais refere que o cálculo do valor anual recebido pelo malogrado sinistrado a título de “ajudas de custo - nacional” não deverá ser multiplicado por 11 meses, como consta da douta sentença, mas sim por 12 já que, desde logo, efetivamente o trabalhador recebia-a mensalmente - excetuando-se a título de subsídio de férias e natal -, como resulta dos recibos. Ademais, considerando-se tal verba retribuição para efeitos do artigo 71.º da LAT, sempre será de ter em conta o vertido no n.º 3, ou seja, que a retribuição anual resulta do produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida de outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com caráter de regularidade. Prossegue, referindo que tendo em consideração a prova documental, como base de cálculo das prestações devidas à Recorrente por força do acidente de trabalho do seu malogrado marido, será de ter em conta a retribuição anual correspondente a: Eur. 700,00 x 14 meses + o complemento salarial de Eur. 14,00 x 14 meses + a cláusula 61 no valor de Eur. 342,72 x 13 meses + Eur. 160,75 x 12 meses, o que totaliza o montante anual de Eur. 16.380,36. E, em consequência, ser o facto provado 15, passando a redacção a ser a seguinte: “15. Para além do vencimento auferia, ainda todos os meses: a. uma quantia titulada por “ajudas de custo” no montante médio, no ano anterior ao acidente, de 160,75€ (Eur. 1.929,00:12 meses); b. Complemento salarial de 14,00€ x 14 meses; c. Cláusula 61, no valor de 342,72€, correspondente a 22 dias de trabalho x 13 meses – cfr. recibos de vencimento anexos à p. i. e à contestação da 2.ª R..” Nessa consideração, e no que aqui releva, defende que a em conformidade com as disposições aplicáveis da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, tem direito a receber uma pensão anual e vitalícia de € 6.552,14 a partir de a partir de 28.04.2020, dia seguinte ao da morte. Concluiu que a sentença violou o disposto nos artigos 71.º da LAT. Sem prejuízo da razão que possa assistir à recorrente autora, deve assinalar-se que a sua argumentação com vista à impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto à alínea a) do ponto 15, não cuida de destrinçar entre os eventuais erros na apreciação e fixação da matéria de facto e na aplicação do direito, referindo-se do mesmo passo a ambos e socorrendo-se de fundamentos de facto e de direito. Ora, o direito aplica-se aos factos e, logo, em termos lógicos, a fixação destes precede necessariamente a determinação e a interpretação do direito. Impõe-se, pois, começar pela impugnação da decisão sobre a matéria de facto, atendendo aos elementos de prova indicados e argumentos a propósito. A apreciação dos demais argumentos, nomeadamente, no que concerne à interpretação e aplicação em concreto do art.º 71.º da LAT, terá o momento próprio a jusante, quando atentarmos na impugnação por alegado erro de direito. II.3.1 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto No que concerne à impugnação do que consta provado na alínea a) do facto 15 cabe começar por dizer que a recorrente cumpre os ónus de impugnação da matéria de facto que se entendem exigíveis face ao disposto no art.º 640.º do CPC.. Em suma, identifica o facto impugnado e indica a resposta alternativa; indica os meios de prova que na sua perspectiva conduzem a resposta diferente, no caso prova documental; e, formula juízo crítico, oferecendo as razões que, no seu entender, justificam a alteração. No facto provado 15, na parte impugnada, consta o seguinte: -«15. Para além do vencimento auferia, ainda todos os meses: a. uma quantia titulada por “ajudas de custo” no montante médio, no ano anterior ao acidente, de 138,94€ (1.528,30€:11 meses); [..]». Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, no que aqui releva, consta o seguinte: «Para além dos factos admitidos por acordo, na formação da sua convicção o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objetivos fornecidos pelos documentos supra referenciados na decisão da matéria de factos e ainda pela [..] participação da seguradora de 06.05.2020 e documentos anexos (apólice, folhas de remunerações e participação da patronal), bem como os documentos juntos pelas partes com os respetivos articulados e requerimento de 20.05.2021, conjugado com o depoimento das testemunhas inquiridas [..] Assim, da prova produzida constata-se que o valor do vencimento e demais remunerações que o falecido BB auferia à data do acidente estão comprovadas através do recibos de vencimento anexos à p. i.. O valor médio das ajudas de custo foi retirado dos mesmos recibos de vencimento, através da média dos valores constantes dessa verba durante o ano anterior ao do acidente. [..]». Alega a recorrente que dos recibos de vencimento juntos aos autos, resulta que o autor esteve de baixa em 17 dias de junho de 2019, em 31 dias de julho de 2019 e em 2 dias de agosto de 2019, bem como que, em 10 dias de agosto de 2019, esteve em situação de “baixa de seguro percentual”. Resulta, ainda, que pelo menos desde junho de 2018, o trabalhador sempre recebeu, mensalmente, uma verba a título de “ajudas de custo – nacional”. Nessa consideração, discorda do que se considerou provado na al. a) do ponto 15, pretendendo que se dê como provado que [15] «Para além do vencimento auferia, ainda todos os meses: a. uma quantia titulada por “ajudas de custo” no montante médio, no ano anterior ao acidente, de 160,75€ (Eur. 1.929,00:12 meses)»; Vejamos então. Começaremos por assinalar a nossa discordância quanto à formulação conferida à impugnada alínea a) do ponto 15, dado que ao considerar provado que o sinistrado auferia “uma quantia titulada por “ajudas de custo” no montante médio, no ano anterior ao acidente, de 138,94€ (1.528,30€:11 meses)”, o Tribunal a quo deu como provada uma conclusão, acrescendo que para chegar a ela teve definir uma forma de cálculo a partir da interpretação que fez do art.º 71.º da Lei 98/2009, nomeadamente, quanto aos meses que considerou para obter aquele valor global e às razões para o dividir por 11. Com o devido respeito, esse juízo deveria ser formulado a jusante, na aplicação do direito, cabendo aqui apenas dar como provados os valores que foram auferidos a título de ajudas de custo num período que torne viável a aplicação das diversas soluções de direito possíveis, ou seja, que se podem considerar adequadas e razoáveis para aplicação daquele normativo, designadamente, definindo os meses que devem ser atendidos no caso em concreto para o cálculo da retribuição anual, dado que não lhe foram efectuados pagamentos àquele título devido a situações de baixa, mas que normalmente seriam realizados não fora aquela circunstância. Por essas precisas razões, também não pode acolher-se a pretensão da recorrente, no sentido de ser alterada a matéria em causa, para se passar a considerar como provado uma outra conclusão, pressupondo a mesma apreciação prévia em termos de direito, quanto ao art.º 71.º da LAT. Não obstante, tal não impede que se prossiga com a apreciação da impugnação para indagar se há o aludido erro na decisão sobre a matéria de facto. De resto, assinala-se, este Tribunal ad quem tem até o dever de enveredar por ela, dado existirem elementos documentais e, também, o acordo das partes, que permitem o conhecimento e decisão da questão, assim decorrendo do disposto nos art.ºs 662.º 1 e 663.º n.º 2, este a conjugar com o art.º 607.º n.º 4, todos do CPC, deste último resultando que o juiz deve tomar em consideração na fundamentação os factos admitidos por acordo e os provados por documento ou confissão reduzida a escrito, “pelo que os factos admitidos por acordo ou plenamente provados por documento que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito” [Ac. TRP de 14-03-2016 [proc.º 1242/11.9TTVNG.P1, Desembargadora Maria José Costa Pinto, disponível em www.dgsi.pt]. O acidente dos autos ocorreu no dia 27.04.2020 (facto 5], ou seja, praticamente no final desse mês. Como alega a recorrente, dos recibos de vencimento juntos pelas partes, retira-se que desde o início da relação de trabalho subordinado entre o falecido sinistrado e a Ré, em junho de 2018 [facto 4] eram pagas mensalmente quantias a título de ajudas de custo, só não surgindo nos mesmos esse pagamento quando consta indicação de ter estado em baixa médica. Diga-se, ainda, que a autora alegou esses valores mensais na petição inicial, nomeadamente, no art.º 30- com indicação discriminada das quantias pagas a título de ajudas de custo em cada mês -, tendo a Ré empregadora assumido no art.º 1.º da sua contestação, que aceitava expressamente, entre outros, o art.º 30 “ por corresponderem à verdade, os factos alegados”. Mais se diga que a Ré seguradora não pôs em causa esses documentos nem as alegações da autora e este propósito, além do mais no aludido art.º 30.º da pi, apenas enfocando a sua defesa na afirmação dos valores comunicados pela Ré empregadora para efeito da cobertura de risco. Recorde-se, também, estar provado no ponto 17, que “ A verba de ajudas de custo referida em 15) a) era processada e paga mensalmente ao sinistrado, de forma contante e regular, e correspondia a valores fixos, variando apenas de acordo com o horário de trabalho que lhe estava afetado, […]». Concretizando, dos recibos e do alegado pela autora e aceite pelas Rés, máxime a Ré empregadora, resulta que a título de “ajudas de custo”, mensalmente foram efectuados ao sinistrado, excepto nos meses em que esteve de baixa, os pagamentos seguintes: i) Abril 2020 – 159,60€; ii) Março 2020 – 201,60€; iii) Fevereiro 2020– 205,20€; iv) Janeiro 2020 – 165,40€; v) Dezembro 2019 – 136,00€; vi) Novembro 2019 – 144,00€; vii) Outubro 2019 -192,00; viii) Setembro 2019 – 128,00€; ix) Agosto 2019 – 112,00€; x) Julho 2019 – não recebeu, baixa de 30 dias; xi) Junho 2019 – não recebeu, baixa de 17 dias; xii) Maio de 2019 – 143 €; xiii) Abril 2019 – 189,50 €; xiv) Março 2019 – 153 €; Tendo-se presente que a fixação da matéria de facto quanto a estes pagamentos releva para a aplicação do art.º 71.º da LAT, que manda atender à retribuição anual, tendo em vista as soluções possíveis de direito na interpretação das disposições desse artigo, não tem interesse útil atentar nos valores pagos àquele título nos demais meses entre Junho de 2018 e Fevereiro de 2019. Assim, decide-se alterar a alínea a) do ponto 15, para passar a constar provado o seguinte: 15. Para além do vencimento auferia, ainda todos os meses: a. uma quantia titulada por “ajudas de custo” – excepto nos meses em que não prestou trabalho por baixa médica – que para além dos meses de Junho 2018 a Fevereiro de 2019, nos meses de Março de 2019 a Abril de 2020, foram as seguintes: i) Abril 2020 – 159,60€; ii) Março 2020 – 201,60€; iii) Fevereiro 2020– 205,20€; iv) Janeiro 2020 – 165,40€; v) Dezembro 2019 – 136,00€; vi) Novembro 2019 – 144,00€; vii) Outubro 2019 -192,00; viii) Setembro 2019 – 128,00€; ix) Agosto 2019 – 112,00€; x) Julho 2019 – não recebeu, baixa de 30 dias; xi) Junho 2019 – não recebeu, baixa de 17 dias; xii) Maio de 2019 – 143 €; xiii) Abril 2019 – 189,50 €; xiv) Março 2019 – 153 €; II.3.2 Impugnação por erro de direito Alega a recorrente autora que o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do art.º 71.º da LAT, ao ter concluído “que o trabalhador auferia a remuneração anual de 700€ x14 meses + o complemento salarial de 14€ x 14 meses + a cláusula 61 no valor de 342,72€ x 13 meses + 138,94€ x 11 meses, num total de 15.979,70€”, vindo a fixar à autora, para além das demais prestações que lhe são devidas, “A pensão anual e vitalícia de 6.391,88€ a partir de a partir de 28.04.2020, dia seguinte ao da morte”. E, defende, com os fundamentos inicialmente referidos, que o valor a considerar relativamente à retribuição paga a título de ajudas de custo deverá ser de 160,75€ (Eur. 1.929,00:12 meses), por consequência, tendo direito a uma pensão anual e vitalícia de €6.552,14 a partir de 28.04.2020, dia seguinte ao da morte. Melhor precisando, o que está em causa é o efeito da consideração do valor de “138,94€ x 11 meses” e, logo, do “total [anual] de 15.979,70€” para a condenação “da entidade empregadora A... Ldª a pagar à mesma beneficiária AA, a pensão anual e vitalícia de 826,82€ [..]”, constante da alínea c), do dispositivo da sentença. Ou seja, entende a recorrente autora que o Tribunal a quo errou ao fixar a parte da pensão anual e vitalícia da responsabilidade da ré empregadora. Começaremos por referir que da fundamentação do Tribunal a quo não se retira como chegou ao valor de € 138,94, nem tão pouco qual a razão da multiplicação por 11 meses. Mais, assim como também não resulta explicado qual o factor aplicado ao total de 15.979,70€, para do cálculo resultar uma pensão anual e vitalícia no valor de 6.391,88€. Começando por este último ponto, perfila-se uma questão prévia, não só para aferir se o Tribunal a quo decidiu com acerto ao aplicar o disposto no art.º 59.º da Lei n.º 98/2009, mas também para ficar desde já decidido se a recorrente tem razão ao pedir aquela pensão, sem que também explique como chega a esse valor único, à luz do disposto no referido artigo. O art.º 59.º, da LAT, com a epígrafe “Pensão ao cônjuge, ex-cônjuge e pessoa que vivia em união de facto com o sinistrado”, dispõe, no que aqui interessa, o seguinte: «1 - Se do acidente resultar a morte do sinistrado, a pensão é a seguinte: a) Ao cônjuge ou a pessoa que com ele vivia em união de facto - 30 % da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40 % a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho; [..]». No caso, tendo em conta o valor considerado como retribuição anual e o fixado como pensão, constata-se que o Tribunal a quo aplicou a percentagem de 40%. Do mesmo modo, considerando os valores que estão na base da pretensão da recorrente, conclui-se que igualmente está a apelar à aplicação daquela mesma percentagem. Ora, se é certo que neste momento, assim como à data da prolação da sentença essa era já a percentagem a aplicar, também não o é menos que há um período anterior em que a percentagem correcta a atender para a fixação da pensão anual e vitalícia é antes a de de 30%, pelo facto da autora só ter atingido a idade (legal) de reforma por velhice em 27-09-2021, quando a pensão é devida desde 28-04-2020. Com efeito, resulta claramente da transcrita norma que estão previstas duas percentagens distintas: i) 30% até que o beneficiário ali referido perfaça a idade de reforma por velhice; 40 % a partir da idade de reforma por velhice, ou independentemente da idade, sempre ou desde que se passe a verificar uma situação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a capacidade para o trabalho do beneficiário. No caso não está provado nem foi alegado que a autora seja portadora de deficiência ou sofra de doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, pelo que apenas cabe tomar em conta o factor idade. Buscando nos factos provados, constata-se que a autora nasceu em .../.../1955 [facto 1]. Por outro lado, nos termos da Portaria n.º 50/2019, de 8 de fevereiro, “[A] idade normal de acesso à pensão de velhice do regime geral de segurança social em 2020 [..] é 66 anos e 5 meses”. Não olvidamos que entretanto foi publicada a Portaria n.º 53/2021, de 10 de março, que alterou aquela a idade normal de acesso à pensão de velhice do regime geral de segurança social para os 66 anos e 7 meses, mas essa alteração passou a vigorar para o presente ano de 2022, sendo por isso irrelevante para o caso. Com efeito, tendo o acidente de trabalho ocorrido em 27-04-2020, e sendo a pensão anual e vitalícia a fixar devida desde o dia seguinte ao do falecimento do sinistrado [art.º 56.º 2, da LAT], o que releva para o efeito em causa é a regra vigente à data de 28-04-2020, ou seja, os 66 anos e 5 meses. Ora, nessa data - 28-04-2020 – a autora tinha 65 anos e 2 meses de idade, só vindo a completar 66 anos e 5 meses em 27 de Julho de 2021, data a partir da qual passou então a ser-lhe devida a pensão calculada com base na percentagem de 40%. Logo, no tempo intermédio entre 28-04-2020 e 26 de Julho de 2021, a percentagem a considerar para a sua fixação é 30%. Arrumada esta questão, importa agora atentar no art.º 71.º da Lei 98/2009, designadamente nos seus n.º 1 a 3, por serem as disposições que aqui relevam, onde consta estabelecido o seguinte: 1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente. 2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. 3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade. No recurso da Ré empregadora foi já resolvida a questão de saber se as quantias pagas ao falecido sinistrado a título de ajudas de custo integram a noção de retribuição do n.º2, nada mais se mostrando relevante acrescentar neste ponto. A questão que aqui se colocada é a de saber como deve ser determinada “a retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente”, quando no caso concreto, em virtude de baixa médica, ou seja, por razões alheias à vontade e possibilidade de controle pelo sinistrado, este esteve impedido de cumprir normalmente a sua prestação laboral e, logo, no ano imediatamente anterior houve meses em que não se reuniram as condições para lhe ser devido o pagamento das quantias que lhe eram pagas [facto 17] “mensalmente [..], de forma constante e regular, e correspondia[m] a valores fixos, variando apenas de acordo com o horário de trabalho que lhe estava afetado regularmente”, a título de ajudas de custo. Em caso similar, pronunciou-se sobre esta precisa questão o já acima citado Acórdão desta Relação e Secção de 14-03-2016 [proc.º 1242/11.9TTVNG.P1, Desembargadora Maria José Costa Pinto, disponível em www.dgsi.pt], constando da sua fundamentação, no que aqui releva, o seguinte: -«[..] A questão que se coloca resulta, tão só, do facto de estes complementos salariais constituírem uma retribuição de valor que varia de mês para mês e de o caso sub judice ter a particularidade de o sinistrado ter sofrido o sinistro em 13 de Outubro de 2010, depois de um período de baixa médica que se desenrolou entre 16 de Novembro de 2009 e 2 de Setembro de 2010, o que determinou que no período de 12 meses antes do acidente, o mesmo não tenha percebido em todos esses meses a retribuição devida pela prestação de trabalho, incluindo os referidos complementos salariais - facto b). A sentença sob recurso [..] Não podemos acompanhar este raciocínio no que diz respeito à consideração, para apuramento do valor da retribuição variável, dos pagamentos efectuados nos doze meses anteriores à data do acidente (que se deu em 13 de Outubro de 2010), isto é, aos pagamentos verificados entre Outubro de 2009 e Setembro de 2010, quando é sabido que o A. esteve de baixa médica por doença entre 16 de Novembro de 2009 e 02 Setembro de 2010 – facto b) – ou seja, durante a maior parte desse período. Com efeito, não pode perder-se de vista que a retribuição a atender como base para o cálculo das prestações devidas por acidente de trabalho é a retribuição anual ilíquida “normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente” (n.º 1 do artigo 71.º da LAT). Ora de modo algum pode qualificar-se como “normal” em termos retributivos o período em que o sinistrado está impedido de exercer as suas funções laborais por doença e, por esse motivo, não aufere a retribuição devida pelo trabalho prestado [cfr. o art. 255.º, n.º 2, alínea a) do Código do Trabalho] maxime quando o período de doença se prolonga de modo a determinar a suspensão do vínculo, como aconteceu no caso em análise [cfr. o artigo 296.º, n.º 1 do Código do Trabalho]. Se estas contingências – que não podem considerar-se “normais” – determinam o não percebimento, quer da retribuição-base, quer dos complementos salariais auferidos em todos os meses de actividade do ano, entendemos que não podem as mesmas relevar para alterar o que deve entender-se por retribuição “normalmente devida” ao sinistrado no contexto do desenvolvimento normal ou comum do contrato de trabalho, o qual pressupõe a prestação de trabalho e o pagamento da inerente retribuição (artigo 11.º do CT). Deve notar-se que todo o regime que emerge do artigo 71.º confere uma evidente prevalência ao critério da “normalidade” do devido ao sinistrado para a definição do módulo retributivo a atender para efeitos da reparação dos acidentes de trabalho. Assim acontece com o conceito de “retribuição anual” constante do n.º 3 (que não se baseia na retribuição concreta mas no produto que resulta da multiplicação por 12 vezes a retribuição mensal, acrescida dos subsídios de férias e de Natal e outras remunerações anuais que revistam carácter de regularidade) e com a referência que é feita no n.º 4 do artigo 71.º aos casos em que a retribuição do dia do acidente é distinta da “normal”, bem como com a solução ali adoptada com a ponderação da média dos dias de trabalho prestados nesse ano. O mesmo sucede com o regime previsto no n.º 7 para os praticantes, aprendizes, estagiários ou formandos (salvaguardando-os da contingência de terem sofrido o acidente quando ainda não estavam aptos a exercer como trabalhadores a actividade em que se acidentaram), com o regime previsto no n.º 8 para o trabalho não regular e para os trabalhadores vinculados a mais do que um empregador e com o regime previsto no n.º 9 para os trabalhadores a tempo parcial, cujas prestações são calculadas com base na retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro. A propósito dos trabalhadores a tempo parcial, o Supremo Tribunal de Justiça teve ocasião de recentemente se pronunciar decidindo no seu Acórdão de 2015.12.17[9], emitido no âmbito da Lei n.º 100/97, mas aqui com inteira pertinência, que as prestações a conferir a trabalhadores a tempo parcial devem ser calculadas com base na retribuição correspondente ao período normal de trabalho a tempo inteiro. Segundo aí se discorre: «A consideração da retribuição normal correspondente ao dia do acidente e não da retribuição efetivamente paga ao sinistrado é expressamente prevista no n.º 5 do citado artigo 26.º, norma que o n.º 9 deste artigo manda aplicar aos trabalhadores a tempo parcial, o que objetiva uma reparação mais adequada dos danos emergentes da redução na capacidade de trabalho ou de ganho emergente de acidente de trabalho. Efetivamente, se fosse considerada relevante para o cálculo das prestações devidas a trabalhadores a tempo parcial a retribuição efetivamente paga ao sinistrado, ficaria por ressarcir a perda da capacidade de trabalho e de ganho em consequência do acidente, na parte complementar do dia normal de trabalho não ocupado com a atividade prestada ao responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente. O que se compreende, uma vez que o acidente de trabalho não afeta apenas a capacidade de trabalho para aquela atividade desempenhada a tempo parcial, mas também para qualquer outra atividade que o trabalhador pudesse exercer no período normal de trabalho, diminuindo-lhe a capacidade de ganho durante todo o tempo possível de desempenho da correspondente atividade profissional.» Só esta solução é compatível com o “princípio infortunístico da necessidade de repor, por inteiro, a capacidade de ganho da vítima”[10]. E por isso o critério do que “normalmente” é devido deve igualmente estar presente no espírito do julgador quando lhe é pedido que, na falta dos elementos indicados nos n.ºs 1 a 4 do artigo 71.º, proceda ao cálculo “segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos” (n.º 5 do artigo 71.º). Está em causa o carácter “normal” e não excepcional ou esporádico da retribuição. Ao aludir a “retribuição anual ilíquida”, a lei não pretende significar que se deva atender em quaisquer circunstâncias à retribuição efectivamente auferida pelo sinistrado durante o ano que precedeu o acidente mas, por um lado, determinar o cálculo da retribuição tendo por base um determinado período temporal – justamente para salvaguardar a base de cálculo das prestações de contingências no contrato que se afastem da normalidade – e, por outro, precisar que a retribuição a atender é ilíquida e não líquida[11]. Basta atentar que o trabalhador pode ser vítima de um acidente de trabalho logo num dos primeiros dias em que inicia a actividade para um determinado empregador e nem por isso no cálculo da pensão a que o mesmo tenha direito deixará de se ter em conta a retribuição que normalmente ele auferiria nesse ano. Assim, na impossibilidade de descortinar no ano que precedeu o acidente qual é o valor da capacidade laboral “normal” de sinistrado (pois que este esteve doente na maior parte desse período anual), afigura-se-nos razoável que se lance mão do período de trabalho contínuo mais recente que é possível apurar em que o sinistrado esteve ao serviço do empregador a desempenhar com normalidade as suas funções laborais. Ou seja, deverá lançar-se mão do período de um ano que precedeu o tempo em que o sinistrado esteve com baixa por doença para alcançar aquele valor base de cálculo, tal como fez o A. na sua petição inicial, por se nos afigurar ser a forma mais fidedigna de avaliar qual é a retribuição anual ilíquida “normalmente devida” ao sinistrado”. Concordamos e subscrevemos com este entendimento, cuja sólida e pertinente argumentação dispensam outras considerações. Assim, transpondo-o para o caso em apreço, atento o que se considerou provado no facto 15, os meses e valores a considerar, ou seja, os 12 imediatamente anteriores em que ocorreram os pagamentos em causa, são os seguintes: i) Abril 2020 – 159,60€; ii) Março 2020 – 201,60€; iii) Fevereiro 2020 – 205,20€; iv) Janeiro 2020 – 165,40€; v) Dezembro 2019 – 136,00€; vi) Novembro 2019 – 144,00€; vii) Outubro 2019 -192,00; viii) Setembro 2019 – 128,00€; ix) Agosto 2019 – 112,00€; xii) Maio de 2019 – 143€; xiii) Abril 2019 – 189,50 €; xiv) Março 2019 – 153 €; Feita a soma desses valores apura-se que o valor desta componente da retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, era 1 929,30 €. Com base no valores que considerou provados, concluiu o Tribunal a quo o seguinte: -«[..] Isto significa que a Ré seguradora só responde pelo montante das verbas transferidas, que aceitou ser de 342,72€ x 12 meses (de montante superior até ao que consta nas folhas), como aliás lhe foi participado pela Ré empregadora (ver participação de 29.04.2020) e inclusive reclamado pela própria Autora na tentativa de conciliação. Assim sendo, a Ré seguradora responde pelo pagamento de uma pensão anual e vitalícia de 5.565,06€, calculada com base na retribuição anual de 700,00€ X 14 meses + 342,72€ X 12 meses = 13.912,64€, correspondente ao valor transferido, pelo que cabe à Ré empregadora a responsabilidade pelo pagamento da diferença, ou seja de uma pensão anual e vitalícia de 826,82€ (cfr. artigo 23º, n. 1, alínea a) da referida Portaria». Para que melhor se perceba, recorda-se o Tribunal a quo concluíra previamente “[..] que o trabalhador auferia a remuneração anual de 700€ x 14 meses + o complemento salarial de 14€ x 14 meses + a cláusula 61 no valor de 342,72€ x 13 meses + 138,94€ x 11 meses, num total de 15.979,70€”, nessa consideração, assumindo o que considerou provado alínea a) do ponto 15, ou seja, que o sinistrado auferia “uma quantia titulada por “ajudas de custo” no montante médio, no ano anterior ao acidente, de 138,94€ (1.528,30€:11 meses)”, ponto que alterámos acima. Para além disso, como questionou a recorrente, note-se que naquela conclusão o Tribunal a quo procedeu à multiplicação do valor de 138,94€ por 11 meses, sem que da fundamentação resultem explicadas as razões. Seja como for, esse procedimento mostra-se incorrecto, não tendo cobertura no disposto no art.º 71.º n.ºs 1 a 3, da Lat, máxime neste último, onde se refere claramente que se entende “ por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal”. Num parêntesis, importa recordar que nos termos do art.º 79.º da LAT, no que aqui releva, [n.º 1] “O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro” e [n.º4] “Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação àquela retribuição [..]”, caso em que [n.º5] ”[..] o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, [..] na respectiva proporção”. Assim, tendo-se concluído acima que a componente da retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado à data do acidente, respeitante aos valores pagos sob o título de ajudas de custo, totalizava 1 929,30€, montante que não se encontra coberto pelo seguro de acidentes de trabalho, bem assim tendo em conta as outras prestações igualmente não cobertas, para determinação da responsabilidade proporcional da entidade empregadora pela parte correspondente da pensão anual e vitalícia devida à beneficiária autora nos termos estabelecidos no art.º 59.º n.º1, al. a), da LAT, há a considerar as retribuições seguintes: i) 342,72 x 1, correspondente ao valor devido num mês por força da cláusula 61.ª; ii) 14 x 14 €, perfazendo o total de €196; iii) 1 929,30€. Por conseguinte, o valor da parte da retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente – composta pelas prestações não cobertas pelo seguro – é de 2.468,02€. Logo, tendo presente o que acima elucidámos quanto à percentagem a considerar na fixação da pensão face à idade da beneficiária no dia seguinte à data da morte do sinistrado, a pensão que lhe é devida, na parte da responsabilidade da entidade empregadora, tem os valores seguintes: - 740,41€ [2 468,02 € x 30%], desde 28-04-2020 até 26 de Julho de 2021; - 987,21€ [2 468,02€ x 40%., a partir de 27 de Julho de 2021. Consequentemente, cabe revogar e alterar a sentença na parte recorrida agora em apreço, ou seja, a alínea c) do dispositivo, onde consta a condenação da “entidade empregadora A... Ldª a pagar à mesma beneficiária AA, a pensão anual e vitalícia de 826,82€, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% a contar de 28.04.2020 até efetivo e integral pagamento”, para se condenar a “entidade empregadora A... Ldª a pagar à mesma beneficiária AA, uma pensão anual e vitalícia, nos montantes de 740,41€ [2 468,02€ x 30%], desde 28-04-2020 até 26 de Julho de 2021, e de 987,21€ [2 468,02€ x 40%., a partir de 27 de Julho de 2021, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% a contar de 28.04.2020 até efetivo e integral pagamento”. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar os recursos nos termos seguintes: i) Recurso da Ré entidade empregadora: improcedente, confirmando-se a sentença na parte recorrida; ii) Recurso subordinado da autora: - Procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto; - Procedente o recurso, revogando-se e alterando-se a sentença na parte recorrida - alínea c) do dispositivo -, para se condenar a “entidade empregadora A... Ldª a pagar à mesma beneficiária AA, uma pensão anual e vitalícia, nos montantes de 740,41 € [2 468,02 € x 30%], desde 28-04-2020 até 26 de Julho de 2021, e de 987,21 € [2 468,02 € x 40%., a partir de 27 de Julho de 2021, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% a contar de 28.04.2020 até efetivo e integral pagamento”. Custas [art.º 27.º do CPC]: i) Do recurso da Ré empregadora, a cargo desta, atento o decaimento; ii) Do recurso subordinado da autora, a cargo da Ré empregadora, atento o decaimento. Porto, 3 de Outubro de 2022 Jerónimo Freitas Nelson Fernandes: [Vencido quanto à questão enunciada no ponto II.2.1 e do acórdão, pelas razões constantes da declaração de voto de vencido que consta no acórdão desta Relação e Secção de 07-12-2018, relatado pelo aqui relator e com intervenção dos mesmos adjuntos [proc.º 959/14.0T8PNF.P1, disponível em www.dgsi.pt], da qual dá conta este acórdão transcrevendo-a textualmente no ponto II.2.2, bem como, por decorrência, quanto ao ponto II.3.2..] Rita Romeira |