Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2084/23.4T8OVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO
CONSULTA DO PROCESSO
EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA
IRREGULARIDADE
SANAÇÃO
Nº do Documento: RP202406052084/23.4T8OVR.P1
Data do Acordão: 06/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO / CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O arguido foi autorizado a consultar o processo, e tal pedido de consulta não sendo prévio à decisão administrativa, não coartou qualquer direito de defesa do arguido que pudesse questionar previamente a decisão tomada.
II - Sendo a consulta posterior a tal decisão, o não acesso imediato para instrução do recurso de impugnação, também não lhe coartou qualquer direito de defesa, isto porque ao abrigo do disposto no art. 62º do RGCO, os autos são enviados ao M.P. que depois os apresenta ao juiz, o qual passa a ter acesso a todo o processado.
III - Analisando o teor da peça processual de impugnação apresentada pelo arguido, este estava plenamente ciente e a par dos factos que lhe foram imputados e em que se baseou o decisor administrativo.
IV - Tendo invocado a não notificação do seu advogado fora do prazo de arguição da irregularidade, esta encontra-se sanada pelo decurso do prazo de invocação e ainda porque o recorrente decidiu prevalecer-se do exercício do ato irregular, ao apresentar a impugnação.
V - Exerceu o seu direito de defesa, impugnando a decisão administrativa da qual demonstrou ter ficado ciente e apto a impugná-la, como fez em termos que ultrapassam a mera arguição da alegada nulidade da atuação da autoridade administrativa.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2084/23.4T8OVR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Ovar

Acordam, em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No Processo de contraordenação em epígrafe identificado do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto julga-se o recurso interposto por AA
improcedente e mantém-se a condenação proferida pela ANSR.

Inconformado, veio o arguido interpor recurso, pugnando pelo seu provimento com os fundamentos que constam da motivação, e formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“CONCLUSÕES:
i. A ANSR, tendo recebido do arguido tanto o requerimento de consulta do processo, como a invocação da questão da falta de notificação do seu mandatário relativamente à decisão condenatória e violação do art. 47? do RGCO, assim como os argumentos apresentados no recurso de impugnação judicial, ignorou todas as 3 questões.
ii. Errou o Tribunal A Quo, ao considerar que a nulidade ou irregularidade da questão da FALTA DE NOTIFICAÇÃO do mandatário no processo estava sanada.
iii. Não está sanada, não só porque foi devidamente invocada pelo arguido ele mesmo - (TANTO no seu requerimento inicial de interposição de recurso, como no próprio recurso, nas suas alegações e conclusões) - como pelo mandatário do arguido excluído do processo pela ANSR.
iv. O aqui mandatário, sendo notificado pela primeira vez em 14.11.2023 PELO TRIBUNAL NO ÂMBITO DESTE PROCESSO, em 15.11.2023, invocou devidamente os factos dos quais se inferia a nulidade ou irregularidade da violação do art. 472 do RGCO, ASSIM COMO invocou a NULIDADE DOS REFERIDOS FACTOS, quando refere nessa sua resposta: "Nos termos deste artigo, não tendo eu sido notificado dos termos e andamento do processo em causa, todo o processado será nulo após a junção aos autos da procuração em janeiro de 2022.
v. E tal facto será inquestionável, apesar do tribunal a quo considerar, INDEVIDAMENTE E DE FORMA NO MÍNIMO ESTRANHA, que o mandatário ignorou essa questão.
vi. Invocada devidamente a referida nulidade por parte do mandatário nesta resposta ao tribunal a 15.11.2023, considerando que o recurso tinha sido apresentado pelo próprio arguido, fora o mesmo a redigi-lo, não restava ao aqui ex-representante legal do arguido informar o tribunal que fora excluído do processo, e que deveria ser ao arguido que deveria corresponder-se e solicitar a correção do recurso interposto. Porque fora o arguido a apresentar os seus próprios argumentos.
vii. Deveria o Tribunal A Quo ter considerado violado o art. 472 nº 1 do RGCO no presente processo e assim, ter declarado nulos todos os atos no mesmo praticados a partir do momento em que o mandatário constituído no mesmo foi ignorado das movimentações processuais, nomeadamente quanto à questão da notificação da decisão condenatória ao referido mandatário forense.
viii. Refere a Sentença ora recorrida, no seu Ponto II da Fundamentação o seguinte:
ix. Factos não provados: A. Ao arguido não foi permitida a consulta do processo, enquanto estava a ser instruído na ANSR.
x. Ora, não deveria o Tribunal A Quo ter dado estes factos como não provados, devendo sim ter considerado que a ANSR não facultou de forma indevida a consulta do processo, questão esta que esta entidade NEM SEQUER SE PRONUNCIOU ALGUMA VEZ NO PROCESSO. O Tribunal A Quo viola assim o art. 32º, nº 10 da CRP.
xi. A sentença do Tribunal A Quo - tendo mantido as penas aplicadas na decisão administrativa e não tendo atendido à arguição de nulidade processual relativamente à falta de consulta do processo que não foi disponibilizada pela ANSR - deu cobertura à violação do princípio do direito de defesa do arguido constitucionalmente previsto no art. 32º, nº 10 da CRP, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
xii. Deveria ter o Tribunal A Quo ter reconhecido esta nulidade invocada pelo arguido no seu recurso de impugnação judicial da decisão administrativa da ANSR e consequentemente, deveria ter revogado a decisão ora recorrida substituindo por outra que anulasse todos os atos processuais desde a falta de notificação do mandatário da decisão condenatória e desde o momento em que a ANSR não concedeu na consulta do processo.
xiii. Ao ter posto em causa este direito de defesa Ab initio, não pode a Sentença dar como provados os factos que deu como provados constantes do probatório para os quais se remete e dão por integralmente reproduzidos, para os devidos efeitos, já que, o recurso interposto nem sequer se pôde pronunciar sobre os mesmos de forma instruída.
xiv. Tal situação consubstancia uma nulidade insanável prevista nos art. 119º, al. C) do CPP o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
xv. Deveria o Tribunal A Quo ter considerado violado o art. 47º nº 1 do RGCO no presente processo e assim, ter declarado nulos todos os atos no mesmo praticados a partir do momento em que o mandatário constituído no mesmo foi ignorado das movimentações processuais, nomeadamente quanto à questão da notificação da decisão condenatória ao referido mandatário forense.
Termos em que deverá ser revogada a Sentença recorrida, substituindo-se por outra que declare a nulidade de todos os actos processuais posteriores à falta de notificação da decisão condenatória da ANSR ao mandatário do arguido constituído em fase administrativa e ao pedido de consulta do processo por parte do arguido em sede de impugnação judicial, a fim de se retomar o processo com os devidos termos legais a partir desse ponto.

Admitido o recurso, o Ministério Público veio responder pugnando pelo seu não provimento e pela manutenção da decisão recorrida, concluindo:

“Daí que bem andou a Mmª Juíza a quo ao manter a decisão da autoridade administrativa e a consequente condenação do arguido, atenta a factualidade provada.
Por todo o exposto, considerando que a douta sentença recorrida não padece de qualquer vício que inquine a sua validade, afigura-se-nos que deverá ser mantida, improcedendo o recurso apresentado pelo arguido.”

Nesta Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso da arguida, concluindo “ Ora, no caso concreto, atenta a simplicidade dos autos e dos factos imputados ao arguido, dos quais o mesmo teve pleno conhecimento, e tendo o mesmo apresentado impugnação judicial onde inclusivamente discute a verificação do elemento subjectivo referente à infracção que lhe é imputada, não há dúvida de que o mesmo exerceu o seu direito de defesa, devendo a irregularidade cometida ser considerada sanada.
Por outro lado, entende-se que a decisão administrativa, agora confirmada pela sentença recorrida, encontra-se suficientemente fundamentada, permitindo ao arguido saber exactamente os factos que lhe foram imputados, a infracção cometida, a sanção prevista para essa infracção e a medida concreta dessas sanções (pena principal e acessória).”

Não houve resposta ao parecer.
Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II. Fundamentação
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

In casu, os recursos, delimitados pelas conclusões da respetiva motivação, tem por objeto as questões seguintes:
Da nulidade da Decisão Administrativa, por falta de indicação dos elementos típicos da contraordenação.
Violação do direito de defesa.
Falta de notificação da decisão administrativa ao mandatário.

II. A decisão recorrida
Importa apreciar tais questões tendo presente o teor da decisão recorrida e os factos que dela constam, e respectiva motivação e que se transcrevem:
I – RELATÓRIO
AA veio interpor recurso da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que lhe aplicou uma coima no valor de €375,00 e a aplicação de uma sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 84º, nºs 1 e 4, 138º e 145º, al. n), todos do Código da Estrada, requerendo a declaração de nulidade da decisão administrativa.
Para tanto e em síntese veio o mesmo alegar que:
- não lhe foi permitida a consulta do processo, assim se impedido o cabal exercício do seu direito de defesa;
- o mandatário do arguido não foi notificado da decisão contraordenacional;
- a decisão não fundamenta a verificação do elemento subjetivo;
- Falta de assinatura digital.
**
O Ministério Público remeteu os autos à distribuição.
Nos termos do art. 64º do Decreto – Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, e porque a isso não se opuseram o MP e o arguido, não se determinou a realização de audiência de julgamento.
Não existem questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa de que cumpra conhecer.
II - FUNDAMENTAÇÃO
De Facto
Factos provados:
1. No dia 12.03.2021, pelas 09:50h, na Rua ..., freguesia ..., concelho de Ovar, o arguido AA, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula UG-..-.., enquanto fazia uso continuado de um telemóvel, que segurava na mãe esquerda.
2. Com a conduta descrita o arguido revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas do direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência, que o trânsito de veículos aconselha, e, no momento, se lhe impunham.
3. Agiu de forma livre e consciente, sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.
Factos não provados:
A. Ao arguido não foi permitida a consulta do processo, enquanto estava a ser instruído na ANSR.
Motivação da decisão de facto:
O tribunal atendeu ao auto de contra ordenação junto a fls. 1, para prova dos factos provados.
O elemento subjectivo resulta necessário em face do apuramento da conduta descrita em 1º, dele decorrendo mediante o recurso às regras da experiência e normalidade dos factos. Ou seja, das duas uma, ou o arguido conduzia fazendo uso do telemóvel por desatenção, ou o fazia de forma voluntária, com consciência de que conduzia enquanto praticava uma CO, e querendo fazê-lo. Ora, considerando o princípio do in dubio pro reo, a respeito do qual, e com interesse no caso, escreveu Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: “Todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos “à dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como “provados”. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio (princípio da investigação) obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova - não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo.”, e, porquanto, não foram apurados factos que permitam, com certeza, concluir por uma conduta dolosa, apenas se poderá imputar a conduta por negligência inconsciente ao arguido. A propósito da aplicação deste princípio, nesta sede contra-ordenacional, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25.9.2001, disponível em www.dgsi.pt: “quanto à prova do tipo de culpa (dolo, ou mera negligência) que concorra no caso concreto, como, de resto, relativamente a qualquer outro facto relevante para a decisão de aplicação e graduação da coima, vale o princípio de in dubio pro reo.”
No que respeita à impossibilidade de consulta dos autos, alegada pelo recorrente, o mesmo não faz prova disso, nem se propõe a fazê-lo, na medida em que não indica testemunhas no recurso, nem apresenta qualquer elemento documental que o comprove.
De Direito
São, essencialmente, quatro os pontos em que se funda o recurso interposto e dos quais entende o recorrente deve resultar a sua absolvição.
Da violação do direito de defesa:
Entende o recorrente que, por lhe ter sido negada a consulta do processo, não pôde exercer o seu direito de defesa em toda a sua plenitude. Desde logo, não se prova que tenha existido qualquer pedido de consulta a quando da notificação efectuada nos termos do artigo 50º do RGCO, que haja sido rejeitado, nem, doutra banda, se esclarece quais são os elementos do processo de que não teve conhecimento e que foram usados para fundamentar a condenação, tanto mais quando o processo é simples e a prova dos factos se sustenta no auto de contraordenação de que teve o arguido devido conhecimento, não se vendo em que medida o contraditório não haja sido devidamente assegurado.
Não houve, consequentemente, violação do direito de defesa do arguido, improcedendo a alegação a este respeito.
Falta de notificação da decisão administrativa ao mandatário:
É certo que o arguido juntou procuração, constituindo defensor na fase administrativa do processo.
É também certo que, de acordo com elementos juntos ao processo, ainda que o arguido haja sido notificado, a 25.04.2022, não consta que tal decisão tenha sido notificada ao defensor, como o determina o artigo 47º, nº2 do DL 433/82, de 27 de Outubro (RGCO).
Na verdade, apesar de o Código da Estrada constituir lei especial e impor, nos seus artigos 175º e 176º a notificação do infractor, o certo é que tem de se entender que se mantém a obrigatoriedade de notificação do advogado, prevista pelo referido artigo 47º, pois que não é afastada por aquelas normas, antes impondo-se também a notificação do próprio infractor e não uma mera comunicação, como decorre daquela norma do RGCO.
Não cominando a lei, todavia, que tal falta encerre uma nulidade, por força da remissão operada pelo artigo 41º do RGCO, tem de concluir-se que tal vício deve ser cominado com irregularidade, nos termos do artigo 123º do Código de Processo Penal.
De acordo com esta norma, a irregularidade deve ser arguida nos três dias seguintes a contar daquele em que o interessado, não tendo assistido ao acto irregular, seja notificado para qualquer termo do processo ou tenha nele intervindo em qualquer acto praticado.
O arguido que, como se disse, foi notificado, apesar de alegar esta questão, apresenta também impugnação judicial.
Por sua vez, o Sr. Advogado por ele constituído nos autos, tomou conhecimento desta falta de notificação, conforme decorre do requerimento atravessado a 15.11.2023, sem que haja arguido qualquer irregularidade ou ratificado a impugnação judicial apresentada, antes expressamente afirmando nada ter a ver com ela, afirmando dever ser o próprio arguido notificado nos termos e para os efeitos que se havia notificado o seu defensor. Tem com isto de se entender que o mesmo não pretende introduzir-lhe qualquer alteração.
Desta forma, e porquanto o arguido apresentou impugnação judicial, deve ter-se esta irregularidade como sanada pois que o impugnante demonstrou bem conhecer a decisão, tanto assim que a impugna.
Da nulidade da Decisão Administrativa:
Determina o artigo 58º do DL 433/82, de 27 de Outubro que:
“1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
2 - Da decisão deve ainda constar a informação de que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º;
b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
3 - A decisão conterá ainda:
a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;
b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima.”
Os requisitos definidos por este artigo visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o qual só se verificará com um conhecimento efectivo e perfeito dos factos imputados, razões que os sustentam, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente tal decisão.
Entendem, assim, os Conselheiros Simas Santos e Lopes de Sousa, em Contra- Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3° ed., Lisboa, 2006, pg. 387, que as exigências feitas no citado artigo 58º “devem considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes
para permitir ao arguido o exercício desses direitos” Escreveu-se, a este propósito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6.2.2013, disponível em www.dgsi.pt, que: “Mesmo aqueles para quem o incumprimento do dever de fundamentação da decisão administrativa constitui nulidade nos termos do artigo 379° do Código de Processo Penal, são forçados a admitir que “uma vez que tal decisão é proferida no domínio de uma fase administrativa sujeita às características da celeridade e simplicidade aquele dever de fundamentação deve assumir uma dimensão menos intensa em relação a uma sentença. O que deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando-lhe um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, já em sede de impugnação judicial ao tribunal conhecer o processo lógico da formação da decisão administrativa” (Ac. da Rel. de Coimbra de 4-6-2003, Col. De Jur. Ano XXVIII, tomo 3, pág 40; no mesmo sentido sublinhando que os preceitos do processo penal deverão ser devidamente adaptados cfr. Ac. da Rel. de Coimbra de 23-4-2000, procº nº 1223/03, in www.trc.pt). Acresce que, devendo a fundamentação ser tanto mais pormenorizada quanto mais complexa é a questão a decidir, no caso dos autos, a questão se reveste extrema simplicidade, não requerendo nenhuma fundamentação especial para que se tome clara para a arguida como de resto, para qualquer cidadão. No caso concreto, a fundamentação da decisão é mais do que suficiente, uma vez que a arguida, através da impugnação que deduziu nos autos, demonstrou conhecer perfeitamente os factos que lhe eram imputados e a razão por que tais factos lhe foram imputados, sendo certo, por outro lado que, é óbvio, face ao seu teor, qual o processo lógico da formação daquela decisão Administrativa.
Ora, o arguido alega a falta de fundamentação da sentença no que respeita ao elemento objectivo.
A decisão administrativa imputa ao arguido conduzir um veículo automóvel, enquanto fazia uso continuado de um telemóvel na mãe esquerda. Mais é ali referido que o fez com desatenção e irreflectida inobservância das normas do direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência, que o trânsito de veículos aconselha, e, no momento, se lhe impunham. Portanto, a conduta objectiva está perfeitamente fundamentada, por remissão para o auto e por mesmo ali se referir ter a mesma sido presenciada pelo autuante. E, quanto à conduta subjectiva, a qual é, de resto aquela que, neste âmbito, é objecto da impugnação, também se entende não padecer a decisão de qualquer vício, precisamente em face daquela simplicidade da questão e da circunstância de ser notório o processo lógico da formação da decisão e a sua compreensão pelo recorrente. Note-se que, o que é imputado ao arguido é aquilo que, necessariamente, o tem de ser. O arguido conduzia, de facto, um veículo enquanto fazia uso de telemóvel que segurava de forma continua na mão. Pelo menos, fazia-o da forma descrita, ou seja, com desatenção e de forma irreflectida. Para o mais, que até podia ter sucedido, ou seja, para que se considerasse provado que o arguido o fez de forma consciente, querida e sabida, é que se poderia invocar a falta de fundamentação ou a falta de elementos para se chegar a tal conclusão.
O mesmo é dizer-se, a negligência inconsciente, necessariamente, estará presente naquela conduta
descrita, caso houvesse imputação dolosa, que, repita-se, até pode ter sucedido, é que deveria constar da decisão a fundamentação para que se pudesse chegar a esse facto, em virtude de o mesmo não ser notório e necessário em face da conduta objectiva e constante daquela decisão.
Esta questão, de resto, resulta da fundamentação de facto supra efectuada, que mais não é do que
uma conclusão natural do que é afirmado na decisão administrativa e, claramente, entendida pelo recorrente.
Não pode, assim, assacar-se qualquer vício de fundamentação à decisão administrativa.
Da falta de assinatura da decisão contraordenacional
A decisão está devidamente assinada, assim se cumprindo a obrigação prevista pelo artigo 151º, nº1, al. g) do CPA, sendo que não está em causa qualquer assinatura electrónica, pelo que não se pode falar em falta de certificação da mesma.
Assim sendo, e porque não há outras questões de que oficiosamente se deva tomar conhecimento, tem de concluir-se não haver qualquer reparo a fazer-se à decisão contra- ordenacional, devendo a mesma ser mantida.
III – DECISÃO
Em face do exposto julga-se o recurso interposto por AA improcedente e mantém-se a condenação proferida pela ANSR.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC – 8º, nº7 do RCP, 92º do DL 433/82 de 27 de Outubro e 513º e 514º do CPP.
Notifique e deposite.
Após trânsito, comunique a presente sentença à autoridade administrativa – art.º 70.º, n.º4 do DL n.º 433/82, de 27.10.”

Decisão administrativa.
““DECISÃO

AUTO DE CONTR-ORDENAÇÃO n. ...

Vistos os autos cumpre decidir, nos termos do art. 181. do Código da Estrada, pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, na redacção actualmente em vigor/

Assim,

1. Conforme auto de contraordenação n. ..., levantado pela GNR, o(a) arguido AA, portador do Bilhete de Identidade n. ..., do título de condução n. ... e do número fiscal n. ..., residente em Avenida ..., ... Vila Nova de Gaia, Portugal vem acusado (a) do seguinte:
1.No dia 2021/03/12, pelas 09:50 horas no local Rua ..., ..., comarca Aveiro, juizo local de Ovar conduzindo o veículo automóvel ligeiro passageiros, com matricula UG-..-.. praticou a seguinte infração: o condutor fazia uso de aparelho radiotelefónico (telemóvel) durante a condução, sendo um uso continuado na mão esquerda. Tal facto constitui contraordenação ao disposto no art. 84. n. 1 do Código da Estrada sancionável com coima de Euros 250.00 a Euros 1250.00, nos termos do art. 84. n. 4 do mesmo diploma e ainda com sanção acessória de inibição de conduzir de 1 a 12 meses por força dos artigos 138.° e 145.° n. 1 alinea n), todos do Código da Estrada.
2. No dia 2021/03/12, foi o (a) arguido (a) notificado (a) pessoalmente, nos termos dos art.s175. e 176º do Código da Estrada. 0(A) arguido (a) veio apresentar a sua defesa, não tendo efetuado o pagamento voluntário da coima.
3. A contraordenação pela qual o(a) arguido (a) vem acusado é classificada como grave, sendo sancionável com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos conjugados do art. 136. e do art. 145.°, todos do Código da Estrada.
4. O auto de contraordenação faz fé em processo de contra-ordenação, até prova em contrário, quanto aos factos presenciados pela entidade autuante, quando levantado nos termos dos n.°s 1 e 2 do art.° 170. do Código da Estrada, tal como, nos termos do n. 4 do mesmo artigo, quando tenha por base os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares. No caso em apreço, verifica-se que os pressupostos daquela disposição legal foram observados.
5. O(A) arguido (a) veio apresentar defesa através de advogado sem procuração. Nessa sequência, em 28/12/2021, foi o advogado signatário da defesa notificado para, no prazo de10 (dez) dias, juntar procuração aos autos, com ratificação do processado, bem como indicar número de identificação civil das testemunhas arroladas, sob pena de as mesmas não serem inquiridas. Procedeu-se igualmente à notificação do arguido, através de carta simples.
Em 06/01/2022, foi apresentada procuração e uma nova defesa. Quanto esta, importa referir que, de acordo com o art. 175., n. 2 do Código da Estrada, o prazo legal para apresentação de defesa é de 15 (quinze) dias úteis após a notificação do auto de contraordenação.
No caso em apreço, o arguido, tendo sido notificado do auto de contraordenação em 12/03/2021, apresentou a segunda defesa em 06/01/2022.
Ora, verificando-se que o articulado em questão foi apresentado fora do prazo limite daqueles 15 (quinze) dias úteis, o mesmo não poderá ser apreciado em virtude de se considerar extemporâneo. Alega o arguido, na defesa apresentada em 13/04/2021, que não praticou a infração, que nunca conduziu fazendo uso indevido de telemóvel, durante a marcha do veículo, e que o auto de contraordenação não refere a que título está acusado, se a título de dolo ou negligência, elementos sem os quais não poderá exercer convenientemente o seu direito defesa, arguindo a respetiva nulidade.
Continua alegando que o auto contraordenação tem aposta uma assinatura digitalizada que não é válida nos termos dos arts. 123.°, n. 1, g) do CPA e 157. do CPC, que a assinatura é um requisito obrigatório nos termos do art. 123. do CPA para que se produza um ato administrativo, que, não existindo assinatura, não existe ato administrativo sequer, por isso, auto não faz fé pública dos factos descritos no mesmo e que o auto de contraordenação é um ato administrativo inexistente nos termos do CPA, sendo nulos todos os atos posteriormente praticados à sua emissão.

Conclui requerendo a absolvição do arguido e o arquivamento do processo.
Arrolou duas testemunhas. No entanto, considerando que os respetivos números de identificação civil não foram indicados, as mesmas não serão inquiridas. Analisada a defesa apresentada, importa referir que a procedência da defesa está dependente da prova apresentada, V.g. prova documental, testemunhal e pericial (cfr. nº2 do art. do Código da Estrada). Assim, o ónus da prova cabe ao arguido quanto aos factos que alega em sede de defesa. Ao contrário do que vem alegado, não se verifica a nulidade arguida em sede de defesa. Com efeito, foi dado integral cumprimento ao disposto no n. 1 do art. 170º do Código do Estrada, uma vez que o auto de contraordenação menciona os factos que constituem infração, o dia, hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou e a identificação do agente da infração. Por outro lado, o arguido foi notificado de todos os elementos previstos no art. 175., n. 1 do Código Estrada, tendo sido garantidos os direitos de audiência e de defesa do arguido, na medida em que, nos termos dos n.s 2 e 3 da referida norma, foi-lhe concedido um prazo de 15 dias úteis para, nomeadamente, apresentar por escrito defesa e querendo, indicar testemunhas e outros meios de prova. No que se refere ao elemento subjetivo, importa chamar à colação o que foi decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n." 338/18.0T98GR, L1-3, que se transcreve: "Na verdade, a prática de determinadas infrações, como sejam as estradais, pressupõe que o agente, como no nosso caso, se encontre habilitado a conduzir veículos automóveis. Ora, esta habilitação legal impõe, como pressuposto anterior e lógico, conhecimento das regras legais a que tal condução está sujeita. Deste modo, a violação das egras estradais traduz desde logo o conhecimento da ilicitude da conduta. E o conhecimento faz parte da culpa ou dolo, ainda que eventual.”
Cumpre ainda referir que, não obstante o que invoca, tal não impediu o arguido de apresentar a sua defesa.
Quanto à alegada inexistência do ato administrativo por falta de aposição de assinatura digitalizada valida, importa referir que o argumento invocado pelo arguido não colhe. Com efeito, o auto de contraordenação em apreço foi assinado manualmente pelo agente autuante. Pelo exposto, considerando que o arguido não logrou afastar a veracidade e fé pública dos factos descritos no auto de contraordenação, considera-se a defesa apresentada improcedente.
Face aos elementos existentes no processo, consideram-se provados os factos constantes do auto de contraordenação.
Com a conduta descrita o (a) arguido (a) revelou desatenção e irrefletida inobservância das normas de direito rodoviário, atuando com manifesta falta de cuidado e prudência que trânsito de veículos aconselha e no momento lhe impunham, agindo de forma livre consciente, bem sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.

Assim, os factos descritos e provados levam a concluir que a infração foi praticada título de negligência, nos termos do art. 133° do Código da Estrada, porquanto o arguido não procedeu com o cuidado a que estava obrigado.
8. Nestes termos, ponderados os elementos determinantes da medida de sanção constantes no artigo 139. do Código da Estrada (nomeadamente, o facto de o arguido não ter averbado no seu registo de condutor a prática de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave),aplico ao arguido uma coima no valor de Euros 375.00 (trezentos e setenta cinco Euros) e determino a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, devendo o arguido entregar o seu título de condução, no prazo e local abaixo indicados, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, nos termos do n. 3 do art. 160. do Código da Estrada. Adverte-se ainda que:

A decisão torna-se definitiva e exequível 15 (quinze) dias úteis após a sua notificação se não for nesse prazo impugnada judicialmente, considerando-se a notificação efetuada na data em que for assinado aviso de receção ou no terceiro dia útil após essa data, quando o aviso for assinado por pessoa diversa do arguido.

A definitividade da presente decisão ou, no caso de impugnação judicial, o trânsito em julgado da sentença, determina a subtração de 3 pontos, nos termos do disposto no artigon148. do Código da Estrada.

Em caso de impugnação judicial, esta deve ser dirigida ao Juiz de Direito do Tribunal da área onde se verificou a infração, devendo conter obrigatoriamente alegações e conclusões, deve ser enviado para a entidade administrativa que proferiu a presente decisão ou entregue no Comando Territorial/Destacamento de Trânsito da GNR ou Comando Metropolitano/Distrital Secção de Contraordenações de Trânsito da PSP, do distrito d área da sua residência.
O Tribunal pode decidir a impugnação judicial mediante audiência ou, caso o(a) arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.

No caso de não impugnar judicialmente a presente decisão, deverá, no prazo de 15 dias úteis após o termo do prazo de recurso:

Pagar a coima aplicada ou nesse mesmo prazo e desde que o valor mínimo da coima aplicável seja superior a 2 UC (Euros 210), requerer o seu pagamento em prestações mensais de valor não inferior a Euros 50 pelo período máximo de doze meses.

Entregar o seu título de condução no Comando Territorial/Destacamento de Trânsito da GNR ou no Comando Metropolitano/Distrital -Secção de Contraordenações de Trânsito da PSP, do distrito da área da sua residência, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.

A carta de condução quando emitida a favor de quem ainda não se encontrava legalmente habilitado para conduzir qualquer categoria de veículos está sujeita ao regime probatório durante os três primeiros anos de validade.

Se, durante este período, for instaurado procedimento pela prática de crime rodoviário contraordenação muito grave ou segunda contraordenação grave, o regime probatório mantem-se até que a respetiva decisão transite em julgado ou se torne definitiva. A condenação determina a caducidade da carta de condução e implica a submissão a novo exame de condução.

O pagamento da coima em prestações pode, ainda, ser requerido até ao envio do processo a tribunal para execução.

A falta de pagamento de alguma das prestações implica o imediato vencimento das demais.

Liquidem-se as custas em conformidade com o art.° 185. do Código da Estrada, as quais são no montante de Euros 52.50 (cinquenta e dois Euros e cinquenta cêntimos).

Notifique-se nos termos dos art. 46.° e 47. do DL 433/82 de 27 de Outubro.

Oeiras, 12 de Abril de 2022.

II. Do Recurso

Vejamos.
Questão prévia.
Junção de documentos com o recurso interposto.
É o seguinte o teor dos preceitos em causa:
«Artigo 165.º
(Quando podem juntar-se documentos)
1 – O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.»
«Artigo 428.º
(Poderes de cognição)
As relações conhecem de facto e de direito.»
«Artigo 431.º
(Modificabilidade da decisão recorrida)
Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º; ou
c) Se tiver havido renovação da prova.»

Diferentemente do que sucede no processo civil (cf. os artigos 425.º e 651.º, n.º 1, e, no caso dos recursos de revista, o artigo 680.º, todos do Código de Processo Civil), o CPP não admite que se juntem documentos com as alegações de recurso, mesmo nos casos de superveniência objetiva. No âmbito deste Código rege o já mencionado artigo 165.º, n.º 1: o «documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência». No domínio processual penal, a inadmissibilidade da junção de documentos em sede de recurso para a relação que abrange a matéria de facto corresponde ao entendimento dominante.
Com efeito, o requerimento de interposição do recurso de decisão proferida pela 1.ª instância é sempre motivado, devendo a motivação enunciar especificamente os fundamentos do recurso (artigos 411.º, n.º 3, e 412.º, n.º 1, ambos do CPP).
Por outro lado, importa não esquecer as questões de conhecimento oficioso: deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova), em ordem a «fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto» e à verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas (cf., entre muitos, e com remissão para a jurisprudência constante, os Acórdãos do Supremo Tribunal de justiça de 9.01.2019, P. n.º 5/17.2GCMRA.S1, e de 10.04.2019, P. n.º 107/17.5JAFAR.E1.S1).
É neste quadro que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada pela relação, nas condições previstas no referido artigo 431.º do CPP., sendo certo que no âmbito das contraordenações conhece-se apenas de direito quanto ao demais, art. 75º do RGCO.
Atentando no preceito do Código de Processo Penal, verifica-se que o convocado art. 165º nº 1 do Código de Processo Penal determina que a prova documental seja junta no decurso do inquérito ou da instrução, ou até ao encerramento da audiência em 1ª instância apenas no caso de não ter sido possível ao apresentante a sua junção em momento anterior, competindo-lhe alegar e provar essa impossibilidade. Acresce que, renovar a prova não é produzir nova prova, mas produzir de novo, agora perante a relação, prova que foi apreciada em 1ª instância, proporcionando ao tribunal superior a possibilidade de sanar os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável da fundamentação ou de erro notório na apreciação da prova. Deste modo, a norma do art. 423º do CPP em nada colide, antes se mostrando em harmonia, com o disposto no art. 165º do Código de Processo Penal.
Por isso tem a jurisprudência entendido que, em processo penal, encerrada a audiência em 1ª instância, deixa de ser admissível a junção de novos documentos. [Cfr. acórdãos do STJ de 30-11-1994 (CJ-STJ, II, III, pág. 262) e de 30-10-2001 -Proc. 1645/01-3ª Sec (www.stj.pt/criminal2001.pdf), destacando-se na jurisprudência das relações, como meros exemplos, os acs. de 17-04-2007 – Proc. 2989/07 da Relação de Lisboa, de 9-12-2004 – Proc. 150/04 da Relação do Porto, de 10-11-1999 Proc. 2182/99 da Relação de Coimbra (CJ, XXIV – V, pág. 47), de 2-02-2016 – Proc. 51/15.0GFELV.E1 da Relação de Évora e de 2-11-2015 – Proc. 44/08.4TAVN.G1 da Relação de Guimarães].
No caso dos presentes autos, constata-se que a requerida junção dos documentos, ocorre em face posterior à prolação da decisão da primeira instância, não sendo admissível nesta sede voltar a reapreciar a matéria com base em nova documentação mesmo quando esses documentos foram produzidos após aquele momento, só então sendo do conhecimento do arguido, tanto mais que os ora juntos, podendo ter sido apresentados antes não foram sujeitos ao crivo da 1ª instância.
O Código de Processo Penal contém norma própria respeitante à apresentação de documentos, a qual, diferentemente do que sucede em processo civil, não contém previsão acerca da apresentação de documentos com a motivação de recurso, nem mesmo se se tratar de documentos supervenientes à audiência de 1ª instância.
Tal assim sucede por se tratar de uma opção do legislador do Código de Processo Penal, pois quando este definiu as regras que nesta matéria vigoram em processo penal, necessariamente conhecia os preceitos do Código de Processo Civil, e deles se quis afastar.
Tal como se ponderou no acórdão nº 406/03 do Tribunal Constitucional, “a intempestividade da junção de documentos supervenientes, na fase de recurso para a relação, está diretamente conexionada com os termos em que a lei regula os recursos em processo penal, particularmente, no que concerne à reapreciação da matéria de facto.”
Os recursos têm sido considerados um remédio jurídico para pôr fim a um erro in procedendo ou in judicando, constituindo “meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas” (J. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil – Anotado, vol, 3, pág, 98). Ao tribunal superior não compete, pois, proferir decisão sobre questões que não tenham sido colocadas ao tribunal recorrido, nem pronunciar-se sobre novos elementos de prova, mas, circunscrevendo-se aos elementos probatórios que este último tribunal teve ao seu dispor, analisar a decisão por ele proferida, aferindo da sua conformidade com as provas e com as normas legais. Por isso se defende que “a admissão de um documento por pertinente implica que o recurso não verse integralmente sobre as provas produzidas que constituíram o meio de convicção do juiz de primeira instância, mas, também, sobre algo distinto que é o documento” (António Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, pág. 697).
Merece, por conseguinte, concordância, a afirmação [de que] “levar em consideração os documentos apresentados no recurso significa continuar a produção da prova já produzida no julgamento da primeira instância em vez de conhecer apenas da decisão recorrida. Seria apreciar a decisão recorrida com base em prova que não tenha sido produzida na altura em que esta foi proferida.”
Tal interpretação de modo algum fere os princípios ou preceitos constitucionais.
Conforme afirmou o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 406/03, “a Constituição (maxime, artigo 32º n.º 1), se assegura o direito ao recurso, deixa, no entanto, ao legislador ordinário uma margem de livre conformação na regulação do recurso, não impondo, de modo algum, que esta se traduza na permissão de um segundo julgamento da questão decidida em 1ª instância. Nesta lógica se compreende, sem vício de inconstitucionalidade, a proibição de junção de documentos supervenientes com vista a alterar a matéria de facto dada como provada em 1ª instância”.
Se e na medida em que se o documento superveniente à produção da prova tiver potencialidade para pôr em causa a justiça da condenação, sempre fica em aberto a possibilidade do recurso extraordinário de revisão. Como expressamente se referiu no sobredito acórdão nº 406/03, “o arguido não fica desprovido de meios de defesa, podendo fazer valer uma decisão judicial superveniente, que o beneficia, incompatível com a decisão que o condenou definitivamente, através do recurso de revisão, nos termos previstos no artigo 449º alíneas a), b) e c) do CPP, sendo certo que o princípio constitucional em causa (garantias de defesa do arguido) se basta com a previsão de uma meio procedimental idóneo para o arguido efetivar essas garantias» (assim, v., entre muitos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6.07.2017, Processo n.º 147/13.JELSB.L1.S2).
E, em resposta ao argumento de que tal entendimento implica uma postergação para momento posterior ao trânsito em julgado da decisão final, de uma defesa que o arguido já estava em condições de apresentar em sede de recurso ordinário, pode dizer-se que a solução de fechar as portas dos recursos ordinários à avaliação de novas provas, mesmo que elas sejam supervenientes à prolação das decisões recorridas, e ao remeter a sua apreciação para um momento posterior ao trânsito em julgado da decisão final, introduz limitações temporais à produção dessas provas, permitindo que o processo termine com uma condenação e se inicie o cumprimento da respetiva pena, sem que elas tenham sido valoradas.
Todavia, há que ter presente que a possibilidade de novos meios de prova serem valorados pelo tribunal de recurso, o que, não se esqueça, poderia também acontecer por iniciativa da acusação, introduziria sérias perturbações e dilações à tramitação da instância recursória, pondo em causa a estabilidade e celeridade da sua tramitação, apresentando-se como uma solução dificilmente praticável.
Daí que, existindo interesses e valores dignos de tutela que justificam que se fixe um marco temporal na tramitação processual para a apresentação de provas, que exclua a fase de processamento do recurso ordinário, o legislador tenha liberdade para compatibilizar os diferentes valores em jogo, impedindo a produção de novas provas em sede de recurso ordinário, mesmo que supervenientes, mas assegurando, designadamente, que as mesmas poderão fundamentar a dedução imediata de um recurso de revisão, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, com uma tramitação caracterizada pela celeridade e pela possibilidade de ser ordenada a suspensão do cumprimento da pena entretanto iniciada, como sucede com as regras do recurso extraordinário de revisão acima descritas. É uma solução de distribuição dos custos do sacrifício de valores que respeita as exigências de proporcionalidade e que preserva o conteúdo essencial daqueles.
Além disso, não está excluída também a possibilidade de documentos supervenientes, com determinadas características, poderem excecionalmente relevar em mecanismos como o reenvio para novo julgamento ou de renovação da prova, em caso de deteção dos vícios referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Os documentos ora apresentados pelo recorrente pretendem, sobretudo, evidenciar as dificuldades de acesso à consulta dos autos em sede administrativa. Todavia, não foram apresentados para análise na 1ª instância.
E, sendo assim, não é admissível a junção de prova documental com o presente recurso.
Prosseguindo:
A decisão recorrida não sufragou o entendimento de que a decisão administrativa era nula com base na preterição do dever de fundamentação nos termos do art.º 58.º, n.º 1, do RGCO.

O art.º 1.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) – DL nº 433/82, de 27.10, define contraordenação como todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima e nos termos do n.º 1 do art.º 8.º só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

Considerando as normas legais acima citadas não poderemos deixar de concluir que um dos princípios basilares do direito contraordenacional é o princípio da culpa. E para que exista culpabilidade do agente no cometimento do facto é necessário que o mesmo lhe possa ser imputado a título de dolo ou negligência, “consistindo o dolo no propósito de praticar o facto descrito na lei contraordenacional e a negligência na falta de cuidado devido, que tem como consequência a realização do facto proibido por lei” (cf. Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contraordenações – Anotações ao Regime Geral, 2007, 4ª edição, pág.139).
Enquanto elemento subjetivo do tipo, o dolo pressupõe a vontade de o realizar, conhecendo o agente todas as suas circunstâncias fácticas objetivas. É precisamente o elemento subjetivo do crime/contraordenação, com referência ao momento intelectual (conhecimento do carácter ilícito da conduta), ao momento volitivo (vontade de realização do tipo objetivo de ilícito), ao momento emocional (conhecimento do carácter proibido da conduta), que permite estabelecer o tipo subjetivo de ilícito imputável ao agente através do enquadramento da respectiva conduta como dolosa ou negligente e dentro destas categorias, nas vertentes do dolo direto, necessário ou eventual e da negligência simples ou grosseira.

Dispõe o art.º 58.º do RGCO que a «decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) [a] descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas», havendo de considerar-se tais exigências (…) satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
De facto, os ditos requisitos visam, precisamente, a salvaguarda da possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa de consagração constitucional (cf. artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa), que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão (Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contraordenações – Anotações ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 2.ª edição de Janeiro de 2003, Vislis Editores, p.334; assim como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.01.2007, processo n.º 06P3202, Henriques Gaspar).

Por isso, e pese embora não se preveja no diploma legal sob análise a consequência derivada da ausência da menção dos elementos indicados, a aplicação subsidiária dos preceitos do processo criminal (ex vi artigo 41.º do referido regime) haverá de determinar a nulidade da decisão, de harmonia com o disposto no artigo 379.°, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do Código de Processo Penal.

Em síntese «decisão administrativa que não contenha os requisitos do artigo 58.º, do referido Diploma, está ferida de nulidade, sendo-lhe aplicável a disposição do artigo 379.º, n.º 1, al. b) e c), do C.P.P., sendo estas, incontestavelmente de conhecimento oficioso pelo Tribunal» (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.07.2011, processo n.º 990/10.5T2OBR.C1; bem como, inter alia, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.11.2009, processo n.º 686/08.8TTOAZ.P1), ainda acórdão da Relação do Porto de 09.11.22 relatado por Eduarda Lobo e acórdão da Relação do Porto de 8.11.23, relatora Paula Natércia Rocha.
Deste modo, e sem descurar que à «decisão administrativa não é exigível o rigor formal que deve informar uma decisão criminal, havendo apenas que acatar o disposto no artigo 58.º do RGCO», devendo «as exigências de fundamentação da decisão da autoridade administrativa (…) ser menos profundas do que as exigidas para os processos criminais» (acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09.07.2009, processo n.º2761/08-1) - sendo que a natureza tendencialmente mais simplificada e menos formal do procedimento contraordenacional não pode constituir justificação para a não descrição de modo compreensível do elemento subjetivo da contraordenação, –, é na própria definição do que seja uma contraordenação que se deteta tratar-se de «todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima» (artigo 1.º do R.G.C.O.), acrescentando-se que só «é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência» (artigo 8.º do mesmo diploma legal).
De facto, e como acima já deixámos expresso, «dos princípios basilares do direito contraordenacional é o princípio da culpa», sendo «necessário que [o facto] possa ser imputado a título de dolo ou negligência, consistindo o dolo no propósito de praticar o facto descrito na lei contraordenacional e a negligência na falta do cuidado devido, que tem como consequência a realização do facto proibido por lei» (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.03.2009, processo n.º529/08.2TBTMR.C1, por apelo aos ensinamentos de Jorge Figueiredo dias, in “O Movimento da Descriminalização”, em Jornadas de Direito Criminal.

Por outras palavras, bem mais elucidativas, a «imputação de factos tem de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que são relevantes para caracterizarem o comportamento contraordenacional, incluindo as circunstâncias de tempo e de lugar», e deve, «além disso, (…) conter os elementos do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional» (acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 06.11.2008, processo n.º 08P2804).
Conforme o preceituado no n.º 1 do art.º 58.º do RGCO, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a identificação dos arguidos; b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias.
É controvertida a questão de saber a consequência processual resultante da omissão destes requisitos.
Há quem defenda que consubstancia uma nulidade, por aplicação subsidiária dos preceitos do processo criminal relativos às decisões condenatórias, em consonância com o preceituado no artigo 41.º do RGCO, nomeadamente, o regime previsto nos artigos 374.º, n.ºs 2 e 3 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal – neste sentido, cf. Manuel Sima Santos e Jorge Lopes de Sousa, “Contraordenações, Anotações ao Regime Geral”, 2.ª
edição, dezembro de 2002, Vislis Editores, págs. 334 e 335, anot. 4.
Por outro lado, há quem defenda que consubstancia uma mera irregularidade (aplicando-se o regime previsto no artigo 123.º do Código de Processo Penal) – neste sentido, cf. António Beça Pereira, “Regime Geral das Contraordenações e Coimas Anotado”, 6.ª edição, Almedina, março de 2005, pág. 109, anot. 2.
No âmbito da primeira das posições enunciadas – aplicação do regime das nulidades da sentença – defendem os Ilustres Comentadores referidos que, além do mais, se trata de vício de conhecimento oficioso, por entenderem que, se o artigo 380.º do Código de Processo Penal ao estabelecer que o regime das irregularidades da sentença, de menor importância, compreende o conhecimento oficioso, deverá concluir-se que também valerá este conhecimento oficioso para as nulidades previstas no artigo 379.º, “pois seria incongruente um regime legal em que houvesse a preocupação de correção oficiosa de irregularidades de menor importância e não se possibilitasse ao tribunal corrigir as de maior gravidade” (cfr. ob. loc. cit.).
Entendemos que, tendo em conta que a decisão administrativa proferida em processo contraordenacional segue a estrutura da sentença em processo penal (cf. art.º 374.º do Código de Processo Penal), ainda que de forma simplificada e proporcionada à fase administrativa daquele processo, colocada a necessidade de fundamentação e radicando a mesma num incontornável direito a conhecer as razões do sancionamento, é evidente que o mesmo é comum aos dois tipos de processo, afigurando-se-nos que o incumprimento dos requisitos enumerados no n.º 1 do art.º 58.º do RGCO implica a existência de uma nulidade, nos termos do art.º 379.º do Código de Processo Penal.
A propósito desta matéria o tribunal a quo expressou que “Da nulidade da Decisão Administrativa:
Determina o artigo 58º do DL 433/82, de 27 de Outubro que:
“1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
2 - Da decisão deve ainda constar a informação de que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º;
b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
3 - A decisão conterá ainda:
a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;
b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima.”
Os requisitos definidos por este artigo visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o qual só se verificará com um conhecimento efectivo e perfeito dos factos imputados, razões que os sustentam, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente tal decisão.
Entendem, assim, os Conselheiros Simas Santos e Lopes de Sousa, em Contra- Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3° ed., Lisboa, 2006, pg. 387, que as exigências feitas no citado artigo 58º “devem considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes
para permitir ao arguido o exercício desses direitos” Escreveu-se, a este propósito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6.2.2013, disponível em www.dgsi.pt, que: “Mesmo aqueles para quem o incumprimento do dever de fundamentação da decisão administrativa constitui nulidade nos termos do artigo 379° do Código de Processo Penal, são forçados a admitir que “uma vez que tal decisão é proferida no domínio de uma fase administrativa sujeita às características da celeridade e simplicidade aquele dever de fundamentação deve assumir uma dimensão menos intensa em relação a uma sentença. O que deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando-lhe um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, já em sede de impugnação judicial ao tribunal conhecer o processo lógico da formação da decisão administrativa” (Ac. da Rel. de Coimbra de 4-6-2003, Col. De Jur. Ano XXVIII, tomo 3, pág 40; no mesmo sentido sublinhando que os preceitos do processo penal deverão ser devidamente adaptados cfr. Ac. da Rel. de Coimbra de 23-4-2000, procº nº 1223/03, in www.trc.pt). Acresce que, devendo a fundamentação ser tanto mais pormenorizada quanto mais complexa é a questão a decidir, no caso dos autos, a questão se reveste extrema simplicidade, não requerendo nenhuma fundamentação especial para que se tome clara para a arguida como de resto, para qualquer cidadão. No caso concreto, a fundamentação da decisão é mais do que suficiente, uma vez que a arguida, através da impugnação que deduziu nos autos, demonstrou conhecer perfeitamente os factos que lhe eram imputados e a razão por que tais factos lhe foram imputados, sendo certo, por outro lado que, é óbvio, face ao seu teor, qual o processo lógico da formação daquela decisão Administrativa.
Ora, o arguido alega a falta de fundamentação da sentença no que respeita ao elemento objectivo.
A decisão administrativa imputa ao arguido conduzir um veículo automóvel, enquanto fazia uso continuado de um telemóvel na mãe esquerda. Mais é ali referido que o fez com desatenção e irreflectida inobservância das normas do direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência, que o trânsito de veículos aconselha, e, no momento, se lhe impunham. Portanto, a conduta objectiva está perfeitamente fundamentada, por remissão para o auto e por mesmo ali se referir ter a mesma sido presenciada pelo autuante. E, quanto à conduta subjectiva, a qual é, de resto aquela que, neste âmbito, é objecto da impugnação, também se entende não padecer a decisão de qualquer vício, precisamente em face daquela simplicidade da questão e da circunstância de ser notório o processo lógico da formação da decisão e a sua compreensão pelo recorrente. Note-se que, o que é imputado ao arguido é aquilo que, necessariamente, o tem de ser. O arguido conduzia, de facto, um veículo enquanto fazia uso de telemóvel que segurava de forma continua na mão. Pelo menos, fazia-o da forma descrita, ou seja, com desatenção e de forma irreflectida. Para o mais, que até podia ter sucedido, ou seja, para que se considerasse provado que o arguido o fez de forma consciente, querida e sabida, é que se poderia invocar a falta de fundamentação ou a falta de elementos para se chegar a tal conclusão.
O mesmo é dizer-se, a negligência inconsciente, necessariamente, estará presente naquela conduta
descrita, caso houvesse imputação dolosa, que, repita-se, até pode ter sucedido, é que deveria constar da decisão a fundamentação para que se pudesse chegar a esse facto, em virtude de o mesmo não ser notório e necessário em face da conduta objectiva e constante daquela decisão.
Esta questão, de resto, resulta da fundamentação de facto supra efectuada, que mais não é do que
uma conclusão natural do que é afirmado na decisão administrativa e, claramente, entendida pelo recorrente.
Não pode, assim, assacar-se qualquer vício de fundamentação à decisão administrativa.”
Indo à decisão administrativa dela resulta Ao contrário do que vem alegado, não se verifica a nulidade arguida em sede de defesa. Com efeito, foi dado integral cumprimento ao disposto no n. 1 do art. 170º do Código do Estrada, uma vez que o auto de contraordenação menciona os factos que constituem infração, o dia, hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou e a identificação do agente da infração.(…) Face aos elementos existentes no processo, consideram-se provados os factos constantes do auto de contraordenação.
Com a conduta descrita o (a) arguido (a) revelou desatenção e irrefletida inobservância das normas de direito rodoviário, atuando com manifesta falta de cuidado e prudência que trânsito de veículos aconselha e no momento lhe impunham, agindo de forma livre consciente, bem sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.
Assim, os factos descritos e provados levam a concluir que a infração foi praticada título de negligência, nos termos do art. 133° do Código da Estrada, porquanto o arguido não procedeu com o cuidado a que estava obrigado.”
O tribunal a quo deu como provado: «Factos provados:
1. No dia 12.03.2021, pelas 09:50h, na Rua ..., freguesia ..., concelho de Ovar, o arguido AA, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula UG-..-.., enquanto fazia uso continuado de um telemóvel, que segurava na mão esquerda.
2. Com a conduta descrita o arguido revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas do direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência, que o trânsito de veículos aconselha, e, no momento, se lhe impunham.
3. Agiu de forma livre e consciente, sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.”
Em face do ora exposto, pode verificar-se que com a decisão da A.N.S.R., ficou o arguido ciente, além do mais, que lhe vinha imputada a condução do veículo automóvel de matrícula UG-..-.., na Rua ..., em Ovar, no dia 12/3/2012, pelas 9:50horas, enquanto fazia uso continuado de um telemóvel.
E ficou ciente de que tal facto constitui contraordenação ao disposto no artº 84º 1 do Código da Estrada, sancionado com coima entre 250,00€ e 1.250,00€, nos termos do nº 4 do artº 84º do mesmo diploma e ainda com sanção acessória de inibição de conduzir de 1 a 12 meses por força dos artºs 138º e 145º nº 1 al. n) do C.E. E tal é patente no texto do auto de contraordenação.
Pelo que a decisão da autoridade administrativa se mostra devidamente fundamentada, quanto ao elemento objetivo – a condução do veículo automóvel enquanto fazia uso continuado de um telemóvel - e subjetivo – dizendo-se que conduzia «revelando desatenção e irrefletida inobservância das normas de direito rodoviário atuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contraordenacional».
E em sede de motivação o tribunal a quo sobre tal se pronuncia “O tribunal atendeu ao auto de contra ordenação junto a fls. 1, para prova dos factos provados.
O elemento subjectivo resulta necessário em face do apuramento da conduta descrita em 1º, dele decorrendo mediante o recurso às regras da experiência e normalidade dos factos. Ou seja, das duas uma, ou o arguido conduzia fazendo uso do telemóvel por desatenção, ou o fazia de forma voluntária, com consciência de que conduzia enquanto praticava uma CO, e querendo fazê-lo. Ora, considerando o princípio do in dubio pro reo, a respeito do qual, e com interesse no caso, escreveu Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: “Todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos “à dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como “provados”. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio (princípio da investigação) obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova - não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo.”, e, porquanto, não foram apurados factos que permitam, com certeza, concluir por uma conduta dolosa, apenas se poderá imputar a conduta por negligência inconsciente ao arguido.”
A este propósito há que salientar que, quanto ao elemento subjetivo, “enquanto a culpa penal comporta um juízo de censura ético-jurídica, a culpa no âmbito do direito contraordenacional, corresponde a um juízo de censura de violação de um dever legal” e que tal se influi da própria factualidade objetiva, já que conduzir a falar ao telemóvel fazendo uso continuado do mesmo com a mão esquerda para tal, por si revela falta de prudência e de cuidado conduta que está proibida e devidamente sancionada no código de Estrada.
– AC. TRC –proc. 2368/15.5T8CBR.C1 de 13/10/2016 in www.dgsi.pt
A decisão da autoridade administrativa assim como a do tribunal a quo cumpre os requisitos do artº 58º do DL 433/82 de 27.10, não padecendo de nulidade, permitindo ao arguido um efetivo exercício dos seus direitos de defesa.

Refere o recorrente que não lhe foi permitida a consulta do processo, assim se impedindo o cabal exercício do seu direito de defesa, reclamando a anulação de todo o processado posterior.
Critica a sentença ao dar como não provado que “Ao arguido não foi permitida a consulta do processo, enquanto estava a ser instruído na ANSR”, invocando que foi prejudicado no exercício do seu direito de defesa.
Considera que a decisão do Tribunal a quo - ao manter as sanções aplicadas pela ANSR, ao dar como provados os factos que assim considerou, não atendendo à arguição da nulidade processual - não considerou os direitos de defesa do arguido o que entende configurar a nulidade prevista no artº 119º al. c) do CPP.
A este propósito o tribunal a quo referiu. “Da violação do direito de defesa:
Entende o recorrente que, por lhe ter sido negada a consulta do processo, não pôde exercer o seu direito de defesa em toda a sua plenitude. Desde logo, não se prova que tenha existido qualquer pedido de consulta a quando da notificação efectuada nos termos do artigo 50º do RGCO, que haja sido rejeitado, nem, doutra banda, se esclarece quais são os elementos do processo de que não teve conhecimento e que foram usados para fundamentar a condenação, tanto mais quando o processo é simples e a prova dos factos se sustenta no auto de contraordenação de que teve o arguido devido conhecimento, não se vendo em que medida o contraditório não haja sido devidamente assegurado.
Não houve, consequentemente, violação do direito de defesa do arguido, improcedendo a alegação a este respeito.”

Dispõe o artº 50º do RGCO que" Não é permitida a aplicação de uma coima ou medida de segurança sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de num prazo razoável, se pronunciar sobre a Contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que ocorre"
Tal omissão, viola o direito de audição e de defesa do arguido, direitos esses com consagração constitucional – cfr. art. 32°, n° 10 da C.R.P. que dispõe que “Nos processos de Contra-ordenação bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.
Daí que, a ter ocorrido a violação desses direitos do arguido, se verificaria a nulidade insanável a que alude o art. 119°, n°1 al. c) do C.P.P., aplicado subsidiariamente ao processo de contra-ordenações por força do art. 41°, n°1 do RGCO
Porém, no caso, não obstante a argumentação apresentada, não nos parece que resulte dos autos que o arguido tenha sido prejudicado no exercício do seu direito de defesa.
Compulsados os autos verifica-se que a autoridade administrativa decidiu em 12.04.22.
A decisão foi notificada ao recorrente em 20.04.22.
Em 29.04.22, o arguido solicita a consulta do processo a fim de melhor instruir o recurso de impugnação da decisão administrativa e em simultâneo remete o recurso de impugnação.
Na sequência de tal pedido de consulta a ANSR autorizou a consulta em 17.10.23, notificando o arguido para tal.
Em 12 de dezembro de 2023 volta a solicitar a consulta do processo, solicitando novo prazo para impugnar, mas apresentando em simultâneo novo recurso de impugnação assinado por si.
Donde desde já se pode constatar que o recorrente pediu a consulta do processo já depois de proferida a decisão administrativa e fê-lo a fim de poder melhor instruir o recurso de impugnação da decisão administrativa que logo apresentou. E também resulta que a autoridade administrativa deferiu tal consulta disso dando conta ao arguido.
Ora, dispõe o artº 50º do RGCO que" Não é permitida a aplicação de uma coima ou medida de segurança sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de num prazo razoável, se pronunciar sobre a Contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que ocorre"
Tal omissão, viola o direito de audição e de defesa do arguido, direitos esses com consagração constitucional – cfr. art. 32°, n° 10 da C.R.P. que dispõe que “Nos processos de Contraordenação bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.
Daí que, a ter ocorrido a violação desses direitos do arguido, se verificaria a nulidade insanável a que alude o art. 119°, n°1 al. c) do C.P.P., aplicado subsidiariamente ao processo de contraordenações por força do art. 41°, n°1 do RGCO
Porém, no caso, não obstante a argumentação apresentada, não nos parece que resulte dos autos que o arguido tenha sido prejudicado no exercício do seu direito de defesa.
De facto ora recorrente foi dada oportunidade para se defender e o mesmo exerceu tal direito como resulta de fls. 3 e depois de fls. 12 dos autos de contraordenação. Foi dada oportunidade ao recorrente para juntar procuração e identificar as testemunhas por si apresentadas. Disso dá conta a própria decisão administrativa.
Posto isto, pode desde concluir-se que o arguido foi autorizado a consultar o processo. E que tal pedido de consulta não sendo prévio à decisão administrativa, não coartou qualquer direito de defesa do arguido que pudesse questionar previamente a decisão tomada.
Sendo posterior a tal decisão, o não acesso imediato para instrução do recurso de impugnação, também não lhe coartou qualquer direito de defesa, isto porque ao abrigo do disposto no art. 62º do RGCO, os autos são enviados ao M.P. que depois os apresenta ao juiz, o qual passa a ter acesso a todo o processado. Além de que como se pode analisar do teor da peça processual de impugnação apresentada pelo arguido, este estava plenamente ciente e a par dos factos que lhe foram imputados e em que se baseou o decisor administrativo.
Com efeito, o arguido foi notificado nos termos do artº 50º do RGCO, não se verificando que, sequencialmente ao cumprimento dessa notificação, tenha havido qualquer pedido de consulta dos autos que tenha sido rejeitado pela autoridade administrativa.
Daí que não mereça reparo que a sentença a quo recorrida tenha considerado como não provado que «Ao arguido não foi permitida a consulta do processo, enquanto estava a ser instruído na ANSR. »
Por outro lado, o arguido não esclarece quais os elementos dos autos, usados para fundamentação da sua condenação, que lhe foram omitidos e de que não teve conhecimento e de que, consequentemente, se não pode defender.
Note-se que é patente a simplicidade do processo com a prova dos factos a reconduzir-se ao auto de notícia, de que o arguido teve conhecimento com possibilidade de exercer o contraditório, como de facto, oportunamente, exerceu.
Pelo que o arguido não viu precludido o seu direito de defesa.
Improcede o recurso nesta parte.

Quanto à falta de notificação da decisão administrativa ao mandatário constituído, como o refere a douta sentença recorrida, é um facto que, ainda em fase administrativa, o arguido juntou aos autos procuração.
E, verifica-se ainda que, apesar da notificação ao arguido da decisão da autoridade administrativa, não resulta dos autos a notificação desta ao seu Mandatário, como determinado pelo artº 47º nº 2 do RGCO.
Porém, os artºs 175º e 176º do Código da Estrada impõem a notificação do infrator, sem que, todavia, seja prevista também, a notificação do seu advogado/defensor.
E ainda que a notificação ao infrator se imponha por força da lei especial – o Código da Estrada, sendo certo que vem imputado ao arguido infração estradal – certo é, que esta não
afasta a aplicabilidade do disposto no artº 47º e logo, a notificação do defensor.
A ausência de tal notificação, não é cominada pela lei com nulidade, pelo configurando apenas uma mera irregularidade, como se extrai do disposto no artº 123º do C.P.P., a arguir nos termos definidos por este normativo. (acs. TRL de 1.295 e 3.12.03).
Tendo presente o disposto no art. 123º do CPP, a arguição de tal irregularidade só pode ocorrer no próprio ato ou nos três dias subsequentes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo, o que significa que no caso dos autos o arguido tinha três dias a contar da notificação da decisão administrativa para invocar tal irregularidade.
Ora, a decisão foi tomada em 12 de abril de 2022, o arguido foi notificado em 20.04.22, no seu endereço por terceira pessoa BB, pelo que a notificação considera-se efetuada no 3º dia útil posterior à data em que for assinado o aviso de receção, art. 176º, n º 1, al. b) e nº 4 e 8 do Cód. da estrada e 46º e 47º do RGCO, pelo que tal irregularidade devia ter sido suscitada até ao dia 26 de abril de 2022. E tendo já sido conhecida pelo arguido recorrente, mas invocada de forma intempestiva pelo próprio não pode agora o seu mandatário voltar a invocá-la em seu nome.
Ora, da análise do processado o recorrente invoca a não notificação do seu advogado no requerimento apresentado no dia 29.04.22 e portanto fora daquele prazo, pelo que estaria sanada pelo decurso do prazo de invocação e ainda porque o recorrente decidiu prevalecer-se do exercício do ato irregular, ao apresentar a impugnação.
Explicando, como salienta o Tribunal a quo, o arguido, apesar de alegar esta questão, apresenta também impugnação judicial, demonstrando conhecer a decisão da autoridade administrativa.
Por sua vez, o Sr. Advogado por ele constituído nos autos, tomou conhecimento desta falta de notificação, conforme decorre do requerimento datado de 15.11.2023 e sem que haja ratificado a impugnação judicial apresentada pelo arguido, refere mesmo nada ter a ver com a mesma e que deveria ser o próprio arguido notificado nos termos e para os efeitos que se havia notificado o defensor, ou seja para apresentar conclusões, o que aquele fez em 12.12.23.
Eis o seu teor: “Exma. Senhora Juiz.
Em resposta ao ofício recebido tenho a referir o seguinte:
Refere o art. 47º do CE o seguinte:
Artigo 47º
Da notificação
1 - A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista.
2 - A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado.
3 - No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho.
4 - Se a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo da impugnação só começa a correr depois de notificada a última pessoa.
Ora, se repararmos, no presente processo, o arguido estava representado por mim, desde, pelo menos, Janeiro de 2022,
Desde que foi junta procuração com ratificação do processado em janeiro de 2022, o aqui mandatário nunca foi mais notificado de nenhuma notificação no âmbito deste processo, a não ser do envio de um recurso a tribunal por parte a ANSR em novembro de 2023, tudo como consta dos autos.
Envio este alheio à minha pessoa e já como facto consumado sem possibilidade ele próprio de recurso em si mesmo, já que foi mero expediente.
Ora, nos termos do art. 47º do CE eu teria de ter sido notificado da decisão e da sua possibilidade de consulta no âmbito deste patrocínio forense, o que NUNCA aconteceu.
Nos termos deste artigo, não tendo eu sido notificado dos termos e andamento do processo em causa, todo o processado será nulo após a junção aos autos da procuração em janeiro de 2022.
No entanto, está um recurso em causa neste processo.
Tendo eu acedido ao processo reparo que este recurso foi apresentado pelo próprio arguido que reclama que tem advogado no processo e que deveria o mesmo ser notificado da decisão administrativa.
Este recurso foi apresentado pelo arguido e não por mim. Basta ver a assinatura de quem apresentou recurso.
Manda a matemática da lei que seja então o mesmo notificado no âmbito deste processo e não a minha pessoa, que foi posta fora do processo após a junção aos autos da procuração.
A ANSR tudo ignorou.
O arguido está sozinho neste processo e desacompanhado de advogado desde que foi notificado da decisão condenatória e apresentou recurso por si mesmo.
Mas de facto, apresentou recurso e com ele os seus argumentos.
Deverá assim o arguido ser notificado diretamente para retificar o seu recurso e seguir com os termos do processo.
Como tal, eu mantenho-me fora do processo, já que, pelos vistos do mesmo fui escorraçado pela própria ANSR em violação do art. 47º do RGIMOS.
ED
CC”
Ora, o que resulta dos autos é que o arguido através da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, revelou estar bem ciente do seu conteúdo.
Daí que o que se constata é que, não só o arguido não demonstra ter sido prejudicado no exercício do seu direito de defesa, como o vem a exercer, impugnando a decisão administrativa da qual demonstra ter ficado ciente e apto a impugná-la, como efetivamente faz, em termos que ultrapassam a mera arguição da alegada nulidade da atuação da autoridade administrativa.
Pelo que será de invocar no caso, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2003 (Publicado no Diário da República, n.º 21, Série I - A, de 25 de Janeiro de 2003) - reportado a questão conexa com o direito de defesa do arguido – e do qual resulta, além do mais, que "se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41º, nº 1, do regime geral das contra- ordenações]. (…)”.
Parece-nos que o assim decidido terá de ser aplicado ao caso vertente, já que o arguido, ao impugnar a decisão da ANSR, não se quedou pela mera arguição da irregularidade ocorrida em fase administrativa, discutindo o teor da própria decisão administrativa, o que, a nosso ver conduz à aplicabilidade do disposto no artº 121º 1 al. c) do CPP, o qual não pode deixar de ter aplicabilidade no caso das meras irregularidades.
Pelo que não assiste razão ao arguido/recorrente.

Assim, e por força do que se deixa expresso, a decisão recorrida deverá manter-se, julgando-se, por isso, improcedente o recurso apresentado.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando a decisão a decisão a quo nos seus precisos termos.

Custas a cargo do recorrente que fixo em 4 Ucs.

Notifique.

Sumário
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Porto, 05 de junho de 2024
Paulo Costa
José Quaresma
Donas Botto

(Elaborado e revisto pelo relator- artigo 94º, n.º 2, do CPP