Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3179/23.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
NORMA SUPLETIVA
Nº do Documento: RP202404093179/23.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A norma constante do nº 1 do artigo 1096º do C. Civil tem uma natureza supletiva, o que abrange quer a admissibilidade da convenção de que o contrato de arrendamento poderá não ser renovado, quer a previsão de que a renovação do contrato, a ocorrer, poderá ter um prazo diferente daquele de 3 anos que o legislador ali inscreveu.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 3179/23.0T8VNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 1


REL. N.º 858
Juiz Desembargador Relator: Rui Moreira
1º Adjunto: Juiz Desembargador Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira
2º Adjunto: Juiz Desembargador Fernando Vilares Ferreira


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


1. RELATÓRIO

AA e esposa BB, residentes na Rua ..., em Esmoriz, instauraram acção de despejo, sob a forma de processo comum, contra CC com residência na Rua ..., ... em Vila Nova de Gaia,, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento urbano celebrado entre eles, que tinha por objecto a fracção de um prédio urbano destinada a habitação, supra indicada como residência do réu, bem como a condenação deste a proceder à desocupação do imóvel locado e à sua entrega, livre de pessoas e bens, a acrescer com o pagamento do valor das rendas vencidas e vincendas até à efetiva desocupação do locado; acrescidos de juros de mora até integral cumprimento.
Alegaram que o contrato, celebrado inicialmente em 13/2/2013 e pelo período de dois anos, se renovou sucessivamente por períodos de um ano, como decorre do respectivo clausulado, tendo a última renovação ocorrido em 28/2/2022.
Nessas circunstâncias, em comunicação datada de 11/10/2022, comunicaram ao Réu a sua intenção de oposição à renovação, exigindo a entrega do locado, no final do prazo definido, a saber, 28/02/2023. Fizeram-no, afirmam, com a antecedência contratualmente prevista, de 90 dias. Porém, referem que o réu não lhes entregou o locado, motivando a necessidade da presente acção. Rejeitam, a esse propósito, que a renovação ocorrido em 28/2/2022 se tenha verificado pelo período de 3 anos, por não ser essa a solução que decorre do art. 1096º do C. Civil.
O réu contestou alegando que a renovação do contrato de arrendamento em questão, ocorrendo ao abrigo da nova lei do arrendamento (Lei 13/2019, de 13-02), tem um prazo de três anos, ou seja, entendendo que a sexta renovação se deu, não a 28 de fevereiro de 2020, mas sim a 28 de fevereiro de 2022 e que, em 28 de fevereiro de 2022, o contrato de arrendamento se renovou automaticamente por mais três anos, ou seja, até 28 de fevereiro de 2025, data em que o Réu terá, sim, de entregar o imóvel aos senhorios. Por isso, a oposição à renovação do contrato de arrendamento, declarada pelos autores em 11 de outubro de 2022, apenas produzirá os seus efeitos em 28 de fevereiro de 2025.
Referindo a simplicidade das questões a decidir, foi o processo remetido a julgamento sem mais, no termo do qual, perante a validade e regularidade da instância, foi proferida sentença.
Concluiu o tribunal pela procedência da acção, em consequência do que decretou:
“Pelo exposto, o Tribunal julga a acção declarativa procedente e consequentemente:
• Declara-se cessado, por oposição à sua renovação, o contrato de arrendamento urbano no dia 28/02/2023;
• Decreta-se a imediata entrega aos autores do imóvel arrendado e identificado no ponto 1) da petição inicial;
• Condena-se o réu a pagar aos autores a indemnização, prevista e calculada nos termos do artigo 1045.º, n.º 1 do C.C., à razão mensal de 400,00€, devida pela ocupação do imóvel nos meses subsequentes ao término do contrato e até entrega efectiva do locado;
Constituindo-se em mora, o valor da indemnização elevar-se-á para o dobro – artigo 1045.º, n.º 2 do C.P.C.”
É desta sentença que vem interposto recurso, que o réu concluiu alinhando as seguintes conclusões:
“1ª O Tribunal recorrido aplicou, no nosso entender, de forma incorreta o preceituado no nº 1 do artigo 1096º do CC tendo feito uma errada interpretação desse artigo ignorando, tanto a conjugação desse artigo com os demais, como a própria intenção do legislador.
2ª Fundamentou o Mmº Juiz a quo, na sentença ora recorrida, que o nº 1 do artigo 1096º do CC consagra a coexistência de duas tutelas legais: a primeira, a da vontade das partes; a segunda, a legal, caso as partes nada convencionem.
3ª E acrescentou: “…, admitir interpretação contrária levar-nos-ia a admitir que o legislador, com a redação de 2019, teria consagrado a nova figura do contrato de arrendamento urbano para habitação com prazo certo mínimo de quatro anos, sendo o primeiro ano o imperativo mínimo e os restantes três o imperativo de renovação.”
4ª Essa foi a leitura do Mmº Juiz a quo quanto à referência “Salvo estipulação em contrário,…” inserida no nº 1 do artigo 1096º CC.
5ª Mais fundamentou que “A proteção do arrendatário encontra-se, sim, no disposto no artigo 1097º, nº 3 do C.C.”
6ª Porém, e com o devido respeito por posição em contrário, pela leitura da dita Lei 13/2019 de 12 de fevereiro, forçoso será de concluir que o legislador criou, efetivamente, a figura do contrato de arrendamento urbano para habitação com prazo certo de um mínimo, não de quatro anos, mas de três anos.
7ª Contudo, apenas e tão-só, para os contratos de arrendamento que prevejam renovações automáticas e não para aqueles que não as prevejam.
6ª Porquanto, e começando logo pelo nº 3 do artigo 1097º do CC: este artigo consagra que a oposição à primeira renovação do contrato de arrendamento é válida e eficaz, mas só produz efeitos decorridos que sejam três anos da celebração do mesmo.
7ª É pacífico, tanto na Jurisprudência como na Doutrina que, nesse caso, ou seja, de oposição à primeira renovação por parte dos Senhorios, o contrato terá sempre uma duração mínima de 3 anos, por imposição legal.
8ª Contudo, e é nosso entender, se o Senhorio não se opuser à primeira renovação do contrato de arrendamento, este renova-se automaticamente e, por imposição legal, por mais três anos – nº 1 do artigo 1096º CC.
9ª Entender de outra forma seria aceitar que o legislador pretendeu proteger o arrendatário apenas em relação à oposição à primeira renovação por parte do senhorio, mas já não quanto às oposições seguintes. O que não se pode admitir. Pois que,
10ª Tal implicaria que, num contrato de arrendamento celebrado por 1 ano, com previsão de renovações automáticas no seu termo por igual período, caso o senhorio se opusesse à primeira renovação, o arrendatário veria o seu contrato válido e eficaz durante mais dois anos, por o legislador ter, no nº 3 do artigo 1097º do CC, afastado a vontade das partes inseridas no contrato de arrendamento e, imperativamente, obrigado a que o contrato tenha uma duração mínima de 3 anos.
11ª Porém, caso o senhorio não se opusesse à primeira renovação, mas apenas à segunda, o arrendatário já não estaria protegido por esta norma e, se se considerar que o nº 1 do artigo 1096º CC não é uma norma uma norma imperativa no que refere às renovações automáticas mínimas de 3 anos, então, esse arrendatário não estaria abrangido por qualquer tipo de proteção e, em consequência, teria de entregar o locado findos 2 anos de duração do mesmo.
12ª Mais, seguindo o raciocínio de que o nº 1 do artigo 1096º CC não contém uma norma imperativa, mas apenas supletiva, no caso de o senhorio apresentar oposição à primeira renovação, o arrendatário fica, de imediato, a saber que dali a 2 anos terá de entregar o locado possuindo esse período para organizar a sua vida e procurar atempadamente nova habitação para o seu agregado familiar pois aplicar-se-ia o nº 3 do artigo 1097º do CC. Mas, Se o senhorio não apresentar oposição à primeira renovação, e apenas à segunda, o arrendatário fica com 120 dias para organizar a sua vida e procurar nova habitação para o agregado familiar, findos 2 anos de duração do contrato.
13ª Com o devido respeito, estes cenários é que não podem ser de aceitar face ao escopo da Lei 13/2019, de 12 de fevereiro que é, como bem sabemos, garantir maior certeza e segurança jurídica nos contratos de arrendamento em resposta à enorme pressão imobiliária que se vive, de há uns anos a esta parte, com especial incidência no mercado de arrendamento, onde a procura é muita, a oferta é pouca e, a pouca que existe, comporta valores insustentáveis para a maioria dos que a este mercado recorrem.
14ª O senhorio pode, naturalmente, e daí o “Salvo estipulação em contrário” inserido no nº 1 do artigo 1096º do CC estipular que o contrato de arrendamento não se renova no seu termo. E, então, nessa caso, tanto o senhorio como o arrendatário sabem, de antemão, e sem margem para qualquer dúvida que, chegado o contrato de arrendamento ao seu termo, o locado será entregue.
15ª Contudo, caso entenda que o contrato deve prever renovações automáticas, então, há normas que protegem o inquilino e podendo sempre o senhorio exercer o seu direito potestativo e opor-se logo à primeira renovação do contrato sabe, todavia, que essa oposição só produzirá os seus efeitos decorridos que sejam três anos da celebração do mesmo, ou seja, 1 ano por imperativo mínimo legal + 2 anos por imposição do nº 3 do artigo 1097º do CC = 3 anos.
16ª E, caso o senhorio não exerça o seu direito potestativo de oposição à primeira renovação do contrato, o inquilino não deixa de estar protegido: o contrato renova-se no seu termo e, nesse caso, por mais 3 anos, por imposição de período mínimo de renovação inserida no nº 1 do artigo 1096º CC.
17ª É verdade que, caso o senhorio não se oponha à renovação, tal implica que o contrato e arrendamento estará em vigor num mínimo de durante 4 anos (1 ano por imperativo mínimo legal + 3 anos por imposição de renovação), bem assim como a oposição à primeira renovação implica sempre que o contrato de arrendamento estará em vigor num mínimo de 3 anos – ambos por imperativo legal e cumprindo a sua função de estabilidade e segurança no arrendamento.
18ª Só através desta interpretação do nº 1 do artigo 1096º do CC é que se garante e respeita a intenção do legislador de trazer maior certeza, estabilidade e segurança aos arrendatários e se evita a aberração jurídica que resulta de interpretação contrária – o arrendatário só estar protegido na oposição à primeira renovação, mas já não em relação às seguintes.
19ª Podemos concluir, sucintamente, que o Legislador previu, na Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, no caso de os contratos de arrendamento admitirem renovações automáticas, dois momentos distintos de proteção do arrendatário, consoante o Senhorio se oponha à primeira renovação do contrato ou não:
- No caso de o senhorio apresentar oposição à primeira renovação do contrato de arrendamento, aplica-se o previsto no nº 3 do artigo 1097º do CC e o contrato terá uma duração mínima legal de 3 anos: a oposição é válida e eficaz, mas só produz os seus efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo;
- No caso de o senhorio não apresentar oposição à primeira renovação, o contrato renova-se por três anos e sucessivamente até que seja apresentada oposição ficando, assim, garantida, a estabilidade no arrendamento aplicando-se o previsto no nº 1 do artigo 1096ºCC.
20ª Destarte, a carta remetida ao Réu/Apelante pelos aqui Autores/Apelados em outubro de 2022 de intenção de não renovação do contrato de arrendamento não poderia ser considerada, como foi pelo Tribunal a quo, válida e eficaz para a data nela inserida – 28 de fevereiro de 2023.
21ª Tendo, pois, em consideração que o contrato de arrendamento se havia renovado em 28 de fevereiro de 2022 por mais 3 anos, ou seja, até 28 de fevereiro de 2025.
22ª Encontrando-se, assim, o contrato de arrendamento ainda em vigor.
23ª Razão pelo qual entendemos que andou mal a sentença ora recorrida ao decidir que a oposição à renovação do contrato de arrendamento tem-se por validamente exercida para a data de 28 de fevereiro de 2023.
Face ao exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença ora recorrida, sendo substituída por outra que declare inoperante a oposição à renovação do contrato de arrendamento, na data de 28 de fevereiro de 2023, por o mesmo se ter renovado, em 28 de fevereiro de 2022 por mais três anos fazendo assim a tão desejada e habitual JUSTIÇA.”
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Os autores apresentaram resposta ao recurso, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Foi depois recebido nesta Relação.
Cumpre decidir.
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2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 639º e 635º nº 4, do C.P.Civil.
A questão a resolver, extraída de tais conclusões, consiste em determinar o prazo de renovação do contrato de arrendamento que é causa de pedir nos autos, a fim de se determinar se os autores poderiam opor-se à sua renovação quando o fizeram, por referência a um prazo de vigência renovado de um ano, ou se tal contrato se renovou por 3 anos, em 28/2/2022, devendo manter-se em vigor até 2025.
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Para a decisão da questão enunciada, importa ter pressentes os factos dados por provado pelo tribunal recorrido, em termos que não se mostram objecto de controvérsia.
“• FACTOS PROVADOS:
1) Os autores são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma designada pelas letras ..., sita na Rua ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o artigo ...65..., e inscrita na urbana ...96 - AJ, da União de Freguesias ... e ..., Vila Nova de Gaia;
2) No dia 13/02/2013, autores e réu celebraram entre si o “Contrato de arrendamento urbano com prazo certo”, junto com a petição inicial, tendo por objecto o imóvel acima identificado;
3) Contrato com início a 01/03/2013 e termo a 28/02/2015;
4) Estipularam ainda as partes que, após mencionada duração de dois anos, o mesmo se renovaria, por períodos de um ano;
5) Convencionaram ainda as partes que o “Senhorio pode opor-se à renovação automática do presente contrato mediante comunicação ao inquilino, com antecedência mínima de 90 (noventa dias) do termo do contrato”;
6) No dia 01/03/2019, autores e réu outorgaram o “Aditamento ao Contrato de Arrendamento para Habitação Urbana com Prazo Certo”, através do qual acordaram actualizar o valor da renda mensal para 400,00€;
7) Nesse contexto, acordaram igualmente que as restantes cláusulas se mantinham inalteradas;
8) Com data de 11/10/2022, os autores, através de carta registada com aviso de recepção, comunicaram ao réu a sua intenção de oposição à renovação do mencionado contrato, exigindo a entrega do locado, no final do prazo definido, que indicaram como sendo o dia 28/02/2023;
9) A carta acima mencionada recepcionada a 20/10/2022;
10) No dia 09/02/2023, os autores restituíram ao réu, por transferência bancária, a quantia de 400,00€.”
• FACTOS NÃO PROVADOS:
(não se transcrevem, por total irrelevância para a decisão a proferir).
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A questão que importa decidir já foi apreciada em situação idêntica, nesta secção do TRP, no acórdão proferido no processo nº 3223/23.0T8VNG.P1, em 16/1/2024, relatado também pelo ora relator.
As razões que ali se enunciaram mantêm-se pertinentes, pelo que manter-se-ão úteis para a solução da questão sub judice.
Teve-se, então, por exacta a descrição do regime legal a convocar para tal solução que constava da sentença ali recorrida. Por isso, passamos simplesmente a transcrevê-la, como nesse acórdão ficou a constar:
“O regime jurídico aplicável à duração do contrato de arrendamento urbano para habitação e à oposição à renovação do mesmo sofreu alteração durante a vigência do contrato em apreço.
Quando o contrato de arrendamento foi celebrado, estabelecia o n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na redacção que lhe havia sido conferida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, com início de vigência a 12 de Novembro de 2012, que “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.” Já o número seguinte estatuía que, “Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias”.
No que respeita a oposição à renovação pelo senhorio, estabelecia o artigo 1097.º do Código Civil, na redacção conferida pelo mesmo diploma legal, o seguinte:
“1- O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.”
(…)
A 13 de Fevereiro de 2019 entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, que alterou a redacção dos artigos 1096.º e 1097.º do Código Civil pelo seguinte modo:
“Artigo 1096º (Renovação automática)
1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.”
“Artigo 1097º (Oposição à renovação deduzida pelo senhorio)
1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 - Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.os 1, 5 e 9 do artigo 1103.º”
Acrescentou aquela sentença, a este propósito: “A nova redacção do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, continuando a ressalvar estipulação em contrário, prevê que o contrato de arrendamento celebrado com prazo certo se renove automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.
Já o artigo 1097.º do Código Civil ganhou, com a Lei de 2019, um novo número 3 que, sem ressalvar estipulação contratual em sentido diverso, estatui que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data.”
Perante o regime assim descrito, o tribunal a quo entendeu que, mantendo o art. 1096º do CC um caracter supletivo, aos contratos anteriores e em execução ao tempo da sua entrada em vigor se aplicará o prazo de renovação que, para eles, as partes estipularam, não se lhes imponto o prazo de renovação de 3 anos, previsto pela nova redacção para as hipóteses em que as partes nada convencionaram de diferente.
Assim, no caso dos autos, em que o contrato original previa a sua renovação por períodos de um ano, continuará a ser esse o prazo do contrato renovado, pois o art. 1096º não lhe impõe solução diferente.
De resto, na conclusão 19º do seu recurso, o R. traduz perfeitamente a questão, cumprindo apenas aplicar a solução tida por pertinente à situação sub judice.
Temos, assim, que o contrato se renovou em 1/3/2019, não sendo controverso que se manteve em vigor até 28/2/2022. É irrelevante saber se após 1/3/2019 o contrato se renovou por um ano, por três sucessivas vezes, ou por três anos, pois que a esse período haveria de ser aplicada a mesma solução que a aplicável à renovação ocorrida em 1/3/2022. Todavia, sabendo-se que, de qualquer forma, o contrato sempre vigorou até 28/2/2022, importa é definir se em 1/3/2022 a sua renovação ocorreu por um ano ou por três anos.
Saber se então se renovou por períodos sucessivos de um ano, como constava do contrato original, ou se se renovou por 3 anos, por efeito na nova redacção do art. 1096º, nº 1 do C.C., terá por consequência concluir que os AA. declararam tempestivamente a sua oposição à renovação do contrato (por carta de 11 de Outubro de 2022, tendo em vista a cessação do contrato a 28 de Fevereiro de 2023); ou que não o conseguiram, por em 1/3/2022 o contrato se ter renovado por mais 3 anos, respectivamente.
Em qualquer caso, temos por certo que, como dispõe o nº 2 do art. 12º do C. Civil, o novo regime do art. 1096º se aplica, não apenas aos contratos ulteriores a Fevereiro de 2019, como também aos anteriores, como é o caso do contrato dos autos.
Todavia, a referida norma constante do nº 1 desse artigo 1096º tem uma natureza claramente supletiva, isto é, cede perante uma convenção das partes com conteúdo diferente. E a possibilidade de prevenir a solução supletiva do legislador estende-se quer à previsão de que o contrato se não renovará, como também à previsão de que a renovação, a ocorrer, possa ter um prazo diferente daquele de 3 anos que o legislador referiu.
Com efeito, não se compreende que o legislador tivesse pretendido limitar a natureza supletiva a metade do dispositivo da norma. Isso corresponderia a uma técnica legislativa infeliz em que, de resto, o legislador não incorreu, como se constata do teor da regra do nº 3 do art. 1097º, onde ficou clara a sua natureza injuntiva, de que resulta que a oposição à renovação jamais pode ser eficaz antes do prazo de 3 anos.
Tal como não se compreende que o legislador tivesse previsto a possibilidade de as partes convencionarem a não renovação do contrato, proibindo porém que, a haver renovação, não pudessem estipular que esta ocorresse por períodos de 1 ou 2 anos.
Tal como, ainda, a solução resultaria incoerente em face da disposição, essa sim imperativa, do nº 3 do art. 1097º: daqui resulta que o primeiro período de vigência do contrato tenha de ser de três anos, pois que a oposição à renovação não pode ser eficaz antes disso; mas sendo estipulado o prazo de vigência de um ano e devendo a renovação operar por mais três, se as partes a não excluíssem, então sempre estaria previsto um período inicial de vigência do contrato de 4 anos. O que seria incongruente, face à solução de 3 anos do nº 3 do art. 1097º.
Isso mesmo se explica no Ac. do TRL de 10-01-2023, no proc. nº 1278/22.4YLPRT.L1-7 (relator Luis Pires de Sousa, em dgsi.pt), a cujas razões e solução aderimos: “I. A jurisprudência vem entendendo, maioritariamente, que, da redação do Artigo 1096º, nº 1, do Código Civil, dada pela Lei nº 13/2019, de 1.2. (entrada em vigor a 13.2.2019), decorre que, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo imperativo de três anos. II. Dissente-se dessa interpretação porquanto: i. Se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus); ii. A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º; iii. Na lógica da tese referida em I, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Se assim fosse, o disposto no nº3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo. iv. O direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato.”
No mesmo sentido, deste TRP, cfr. Acs. de 9/10/2023 (proc. nº 1467/22.1YLPRT.P1, relator Miguel Baldaia de Morais), de 14/9/2023 (proc. nº 1394/22.2YLPRT.P1, relatora Judite Pires), de 12/7/2023 (proc. nº 19506/21.1T8PRT-A,.P1, relatora Ana Paula Amorim).
Pelo exposto, sem prejuízo de se conhecer a jurisprudência de sinal contrário (por ex., o ac. deste TRP, de 12-10-2023, proc. nº 328/23.1YLPRT.P1, relator Paulo Silva, em dgsi.pt). entendemos ser adequada a solução acima descrita, nos termos da qual, por reconhecimento da validade da estipulação das partes, que previram que o contrato de arrendamento em causa haveria de vigorar por dois anoa, com renovações sucessivas pelo prazo de um ano, se há-de concluir que, em 1/3/2019 o mesmo se renovou por mais um ano e não por três, assim, acontecendo sucessivamente até 2022. E isso porquanto nada impõe diferentemente o nº 1 do art. 1096º do C.C., na sua nova redacção.
Daqui decorre que, tal como decidido pelo tribunal a quo, foi válida e eficaz a comunicação de oposição à resolução do contrato remetida ao R. pelos AA., em Outubro de 2022, para operar em 28/2/2023.
Cumpre, pois, confirmar a decisão recorrida.
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Sumário:
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento ao presente recurso, na confirmação integral da douta decisão recorrida.

Custas pelo apelante.
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Porto, 9 de Abril de 2024
Rui Moreira
Alberto Taveira
Fernando Vilares Ferreira