Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10757/07.2TBVNG-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: INSOLVÊNCIA
PENHORA DE IMÓVEL DOADO
PROTESTO DE REIVINDICAÇÃO
Nº do Documento: RP2025101310757/07.2TBVNG-C.P1
Data do Acordão: 10/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O disposto nos artigos 85º e 88º do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas visa que a insolvência seja a execução universal do património do devedor declarado insolvente e de modo a que os credores do insolvente tenham um tratamento igualitário, sem prejuízo das garantias atendíveis em sede de processo de insolvência (artigo 140º, nº 3 do CIRE) e tem como pressuposto essencial que esses procedimentos incidam sobre bem ou bens que integrem ou possam integrar a massa insolvente.
II - Apesar de o imóvel penhorado ter após a penhora deixado de ser da titularidade do executado declarado insolvente, porque a penhora no âmbito da ação executiva de que estes autos foram extraídos foi registada antes do ato translativo do direito de propriedade sobre o bem penhorado, é oponível à adquirente do bem penhorado por doação (artigo 819º do Código Civil), sendo esta circunstância que permite o prosseguimento da ação executiva para venda coerciva de um bem que deixou, entretanto, de ser da titularidade do executado insolvente, não integrando a massa insolvente e justificando um tratamento jurídico distinto daquele em que o bem penhorado integra a massa insolvente.
III - O protesto pela reivindicação tem as consequências jurídicas previstas no artigo 840º do Código de Processo Civil e nestas não se inclui a suspensão da ação executiva até que seja julgada a ação declarativa intentada para obter o reconhecimento do direito próprio incompatível com a transmissão do direito de propriedade do imóvel em sede de ação executiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 10757/07.2TBVNG-C.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 10757/07.2TBVNG-C.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório

Em 01 de julho de 2027, com referência às Varas Mistas de Vila Nova de Gaia, processo nº 413/00, do 2º Juízo, com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, AA e BB instauraram ação executiva sob forma comum, para pagamento de quantia certa, com base em sentença homologatória de transação, contra CC, DD, EE e FF que já usou FF, nomeando à penhora um imóvel, bens móveis e contas bancárias.

Em 25 de fevereiro de 2022 foi junta aos autos cópia de descrição predial referente ao imóvel descrito sob o nº ..., da Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, inscrito na matriz urbana sob o artigo ... da qual consta, além do mais, a inscrição de penhora pela apresentação 43, de 25 de janeiro de 2006, para garantia do pagamento de € 112.157,98[1], sendo sujeito ativo AA casada com BB e sujeito passivo DD e marido CC e a inscrição de aquisição pela apresentação 25, de 27 de janeiro de 2006, por doação, a favor de GG, sendo sujeitos passivos DD e marido CC.

Em 06 de julho de 2023, AA veio requerer a adjudicação do imóvel penhorado, pelo valor de € 200.000,00.

Notificados para, querendo, se pronunciarem sobre a modalidade da venda, os exequentes vieram requerer a venda por leilão eletrónico, pelo valor de € 200.000,00, publicitando-se a pretensão dos exequentes de que o imóvel lhes seja adjudicado por tal valor.

Em 23 de agosto de 2023, GG protestou pela reivindicação do imóvel penhorado, concluindo o seu requerimento do seguinte modo:

Termos em que requer a v. exa, com a urgência que a situação impõem, que seja lavrado termo de protesto pela reinvidicação e, caso a venda em curso se venha a concretizar, sejam tomadas todas as cautelas para que:

a) o bem imóvel não seja entregue ao comprador e o produto da venda não seja entregue aos exequentes sem prévia prestação de caução;

b) em caso de pedido de adjudicação apresentado pelos exequentes: o mesmo não seja deferido enquanto os exequentes não prestem caução da totalidade do preço e, mesmo depois de proferido o despacho, não se proceda à entrega do bem imóvel aos adjudicatários; e

c) sejam asseguradas as demais garantias de restituição do bem imóvel à requerente, julgada que seja procedente a ação de reinvidicação, devendo seguir-se os demais trâmites processuais até final.

Em 20 de fevereiro de 2024, após a junção aos autos de anúncio publicitando a declaração de insolvência de CC[2], os exequentes requereram o prosseguimento da execução contra os outros executados.

Em 09 de dezembro de 2024, GG veio requerer a nulidade da decisão do agente de execução de venda nestes autos da totalidade do imóvel penhorado.

Em 10 de janeiro de 2025, foi proferido o seguinte despacho[3]:

A interveniente GG veio requerer a declaração de nulidade da decisão do agente de execução de venda nestes autos da totalidade do imóvel penhorado (com a propriedade registada em nome da interveniente), pelo menos na sua totalidade, considerando que o executado CC foi declarado insolvente, a implicar a suspensão da execução.

Vejamos:

O imóvel penhorado, que se mostra descrito na CRPredial de Santa Maria da Feira sob o n.º 689, contém as seguintes inscrições relevantes:

- Penhora da execução, sob a ap. ..., de 25.01.2006, tendo como sujeito passivo os executados DD e CC, casados no regime de comunhão geral;

- Aquisição, por doação, a favor da interveniente GG, pela ap. ..., de 27.01.2006, tendo os executados como sujeitos passivos.

Ora, é verdade que o executado CC foi declarado insolvente em 2024.

Acontece que, quanto à insolvência do devedor do crédito exequendo, a mesma é irrelevante para a situação dos autos, uma vez que o bem penhorado sobre o qual prossegue a execução não integra a massa insolvente do insolvente, nos termos do art. 46.º do CIRE – pois, à data da insolvência, era da propriedade da interveniente GG -, e, como tal, não estão preenchidos os pressupostos da suspensão de diligências executivas quanto a tal bem, nos termos do art. 88.º, n.º 1, do CIRE, tanto mais que esse bem não poderá ser, como não foi – conforme elementos do processo de insolvência juntos – apreendido para a massa insolvente, e, por isso, também não poderá ser vendido no processo de insolvência.

Assim sendo, inexiste qualquer fundamento para obstar ao prosseguimento da execução quanto ao bem imóvel em causa, nomeadamente com a sua venda, sendo certo que, importa salientar, o facto de o imóvel ter sido transmitido a terceiro não devedor após a penhora, ainda que seja válido, não é oponível à execução/penhora, nos termos do art. 819.º do CC.

A arguição da interveniente é, pois, improcedente.

Nestes termos, indefere-se o requerido pela interveniente.

Custas do incidente pela interveniente, com taxa de justiça que se fixa em 1 UC (art. 7.º, n.º 4, do RCP e tabela II anexa), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.

Notifique.

Em 28 de janeiro de 2025, inconformada com a decisão que precede, GG interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões[4]:

1ª.- Segue nos autos proferido despacho que indefere o pedido de declaração de nulidade da decisão do agente de execução, em que decide proceder à venda da totalidade de imóvel penhorado (com propriedade registada a favor da recorrente);

2ª.- Venda assim em curso, pese embora a suspensão da instância executiva quanto ao executado CC, na sequência da sentença de declaração de insolvência do mesmo, com caráter pleno e com pedido de exoneração do passivo restante;

3ª.- O despacho ao indeferir a arguida nulidade e ao permitir a prossecução da diligência de venda, no circunstancialismo de suspensão da instância executiva por insolvência, com caráter pleno, do executado CC, padece de nulidade, já que ofende e viola lei expressa, em particular arts 88º, 235.º, 236.º, 244.º e 245.º todos do CIRE, nulidade de conhecimento oficioso e invocável por qualquer pessoa;

Pois que:

4ª.- No que às execuções diz respeito, da conjugação entre o art.º 85º, nº 2 e o art.º 88º, nº 1 ambos do CIRE, resulta o seguinte regime geral:

- Todas as execuções contra o insolvente se suspendem;

- Se nessas execuções não existir qualquer bem integrante da massa insolvente penhorado, o processo não é remetido para apensação ao processo de insolvência;

- Se nessa execução existirem bens integrantes da massa insolvente penhorados, o processo é remetido para apensação ao processo de insolvência.

5ª.- Ora, aplicado ao caso sub judice, tendo ocorrida ope legis a suspensão da instância executiva, quanto ao executado CC, por insolvência, com caráter pleno, a mesma deve permanecer suspensa até ao encerramento do processo de insolvência, como aliás resulta de determinação judicial notificada ao Agente de Execução aos 06-02-2024;

6ª.- Caso seja o processo de insolvência encerrado nos termos das als. a) e d) do art 230º do CIRE, o processo de execução extingue-se nos termos do art 88 n.º 3 do CIRE;

7ª.- Caso o processo de insolvência termine com despacho final de concessão de exoneração do passivo restante, nos termos dos arts 235.º; 236.º; 244.º; 245.º todos do CIRE, tal facto determina a extinção da execução quanto ao executado CC, por extinção do crédito exequendo;

8ª.- Ora, permitir a venda do bem imóvel penhorado, na sua totalidade, designadamente na quota parte ideal atribuída ao executado CC, o que está, de facto, a permitir é o prosseguimento da instância executiva, pese embora ter pleno conhecimento da declaração de insolvência, com caráter pleno, do executado CC, prosseguimento pois contra lei expressa e constitui, até, uma afronta aos princípios e regras do processo de insolvência;

9ª – Venda, aliás, que poderá a vir mostrar-se totalmente inútil e sem efeito, caso a ação de reinvidicação proposta, na sequência de termo de protesto elaborado nos autos, seja procedente;

10 - O despacho sob recurso viola o disposto no art. 13º da CRP, e o disposto nos arts. 88º, 235.º, 236.º, 244.º e 245.º todos do CIRE.

Em 12 de fevereiro de 2025, também inconformado com a decisão proferida em 10 de janeiro de 2025, CC interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª.- Nos autos foi proferido despacho que indefere o pedido de declaração de nulidade da decisão do agente de execução, nos termos da qual o Agente de execução decide proceder à venda da totalidade de imóvel penhorado e que foi penhorado, como tal, ao executado recorrente;

2ª.- Venda assim em curso, pese embora a suspensão da instância executiva quanto ao executado recorrente, na sequência da sentença de declaração de insolvência do mesmo, com caráter pleno e com pedido de exoneração do passivo restante;

3ª.- O despacho ao indeferir a arguida nulidade e ao permitir a prossecução da diligência de venda, no circunstancialismo de suspensão da instância executiva por insolvência, com caráter pleno, do executado recorrente, padece de nulidade, já que ofende e viola lei expressa, em particular arts 88º, 235.º, 236.º, 244.º e 245.º todos do CIRE, nulidade de conhecimento oficioso e invocável por qualquer pessoa, em particular pelo executado, já que este é parte principal e o despacho tem efeitos diretos na posição processual do mesmo;

4ª.- No que às execuções diz respeito, da conjugação entre o art.º 85º, nº 2 e o art.º 88º, nº 1 ambos do CIRE, resulta o seguinte regime geral:

- Todas as execuções contra o insolvente se suspendem;

- Se nessas execuções não existir qualquer bem integrante da massa insolvente penhorado, o processo não é remetido para apensação ao processo de insolvência;

- Se nessa execução existirem bens integrantes da massa insolvente penhorados, o processo é remetido para apensação ao processo de insolvência.

5ª.- No caso em apreço, tendo ocorrida ope legis a suspensão da instância executiva, quanto ao executado recorrente, por insolvência, com caráter pleno, a mesma deve permanecer suspensa até ao encerramento do processo de insolvência, como aliás resulta de determinação judicial notificada ao Agente de Execução aos 06-02-2024;

6ª.- Caso seja o processo de insolvência encerrado nos termos das als. a) e d) do art 230º do CIRE, o processo de execução extingue-se nos termos do art 88 n.º 3 do CIRE;

7ª.- Caso o processo de insolvência termine com despacho final de concessão de exoneração do passivo restante, nos termos dos arts 235.º; 236.º; 244.º; 245.º todos do CIRE, tal facto determina a extinção da execução quanto ao executado recorrente, por extinção do crédito exequendo;

8ª.- Permitir a venda do bem imóvel penhorado, na sua totalidade, designadamente na quota parte ideal atribuída ao executado recorrente, o que está, de facto, a permitir é o prosseguimento da instância executiva, pese embora ter pleno conhecimento da declaração de insolvência, com caráter pleno, do executado recorrente, prosseguimento pois contra lei expressa e constitui, até, uma afronta aos princípios e regras do processo de insolvência;

9 - O despacho sob recurso viola, entre outros, o disposto no art. 13º da CRP, e o disposto nos arts. 88º, 235.º, 236.º, 244.º e 245.º todos do CIRE.

O recurso interposto por GG foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.

Por seu turno, o recurso interposto por CC não foi admitido com fundamento em intempestividade, decisão que transitou em julgado.

Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso, com o acordo dos restantes membros do coletivo, dispensaram-se os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

A única questão a decidir é a de determinar se a venda do imóvel penhorado pode prosseguir quando um dos executados, anterior contitular do imóvel penhorado, foi declarado insolvente após a penhora e doação a terceiro desse bem.

3. Fundamentos de facto

Os factos necessários e suficientes para conhecimento do objeto do recurso constam do relatório deste acórdão e resultam da consulta dos autos da ação executiva de que estes foram extraídos através da funcionalidade citius “Visualizar processo na origem” e que, nesta vertente estritamente adjetiva, têm força probatória plena.

4. Fundamentos de direito

A venda do imóvel penhorado pode prosseguir quando um dos executados, anterior contitular do imóvel penhorado, foi declarado insolvente após a penhora e doação a terceiro desse bem?

A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida porque, em seu entender, por força da conjugação do disposto nos artigos 85º, nº 2 e 88º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[5], a ação executiva não pode prosseguir na parte referente ao executado declarado insolvente e extinguir-se-á ulteriormente nos termos previstos no nº 3 do artigo 88º e no nº 1 do artigo 245º, ambos do referido código.

Cumpre apreciar e decidir.

Antes de mais, recordemos os normativos pertinentes.

“O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” (artigo 1º, nº 1, do CIRE).

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 85º do CIRE “[d]eclarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo valor possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.”

“O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos de insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efetuado qualquer ato de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente” (artigo 85º, nº 2, do CIRE).

No que respeita às ações executivas, prescreve o nº 1 do artigo 88º do CIRE que “[a] declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.”

“Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do nº 2 do artigo 85.º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente” (artigo 88º, nº 2 do CIRE).

“As ações executivas suspensas nos termos do nº 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do direito de reversão legalmente previsto” (artigo 88º, nº 3 do CIRE).

“1. Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento:

a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º;

(…)

d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente” (alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 230º do CIRE).

Finalmente, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 245º do CIRE, “[a] exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem exceção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 217.º”

A nosso ver, as previsões legais que antes se citaram visam que a insolvência seja a execução universal do património do devedor declarado insolvente e de modo a que os credores do insolvente tenham um tratamento igualitário, sem prejuízo das garantias atendíveis em sede de processo de insolvência (artigo 140º, nº 3 do CIRE).

Porque assim é, todos os normativos antes citados relativos a ações de natureza patrimonial, sejam elas declarativas ou executivas têm como pressuposto essencial que esses procedimentos incidam sobre bens que integrem ou possam integrar a massa insolvente.

Ora, no caso dos autos, em 25 de janeiro de 2006, foi registada a penhora de um bem imóvel da titularidade dos executados CC e DD e, volvidos dois dias, foi registada a aquisição por doação a favor da recorrente.

O executado CC foi declarado insolvente em 02 de fevereiro de 2024.

O bem penhorado cuja venda se promove na ação executiva de que este recurso foi extraído saiu da esfera jurídica do executado ora declarado insolvente mais de dezoito anos antes da declaração de insolvência do mesmo, bem que, por isso, não integra a massa insolvente e que também não é passível de a ela reverter em virtude de o ato translativo do direito de propriedade ter ocorrido muito para além do prazo em que pode ser exercida a resolução em benefício da massa insolvente (vejam-se os artigos 120º e 121º do CIRE).

Apesar de o imóvel ter após a penhora deixado de ser da titularidade do executado declarado insolvente, porque a penhora no âmbito da ação executiva de que estes autos foram extraídos foi registada antes do ato translativo do direito de propriedade sobre o bem penhorado, é oponível à adquirente do bem penhorado por doação (artigo 819º do Código Civil).

É esta circunstância que permite o prosseguimento da ação executiva para venda coerciva de um bem que deixou, entretanto, de ser da titularidade do executado insolvente e que deste modo não integra a massa insolvente e que justifica um tratamento jurídico distinto daquele em que o bem penhorado integra a massa insolvente.

E porque assim é, as eventuais sobras em resultado da venda do imóvel penhorado não reverterão para a massa insolvente do executado CC, mas sim para a titular inscrita do bem penhorado.

O protesto pela reivindicação deduzido pela ora recorrente tem as consequências jurídicas previstas no artigo 840º do Código de Processo Civil e nestas não se inclui a suspensão da ação executiva até que seja julgada a ação declarativa intentada para obter o reconhecimento do direito próprio incompatível com a transmissão do direito de propriedade do imóvel.

Pode assim concluir-se, com segurança, que a decisão recorrida não violou os artigos 13º da Constituição da República Portuguesa, nem os artigos 88º, 235º, 236º, 244º e 245º, todos do CIRE.

O recurso improcede, sendo as custas da responsabilidade da recorrente por força do seu decaimento total (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por GG e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida proferida em 10 de janeiro de 2025.

Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


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O presente acórdão compõe-se de nove páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 13/10/2025
Carlos Gil
Mendes Coelho
José Eusébio Almeida
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[1] Este valor corresponde à soma da quantia exequenda no montante de € 106.817,12 com as despesas prováveis computadas em € 5.340,86.
[2] A declaração de insolvência foi proferida em 02 de fevereiro de 2024, pelo meio-dia, no processo nº 397/24.7T8OAZ, no Juízo de Comércio do Oliveira de Azeméis, Juiz I.
[3] Notificado às partes por expediente remetido nesse dia.
[4] No final, a recorrente pede “a revogação do despacho judicial proferido aos 10/01/2025 e sendo em sua substituição proferido despacho que decida manter a instância executiva suspensa quanto ao executado CC, com inerente suspensão de todas as diligências executivas, designadamente no que concerne à venda da totalidade do bem imóvel penhorado ao mesmo, até prolação de decisão final a proferir no processo de insolvência, seja de exoneração do passivo restante seja de cessação antecipada, com consequente melhor realização do direito e da justiça.”
[5] Doravante identificado com o acrónimo “CIRE”.