Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RUI PENHA | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO FORMALISMO DO ACORDO DEVER DE CUMPRIR O FORMALISMO ALEGAÇÃO ABUSIVA DA ILEGALIDADE DO ACORDO | ||
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Nº do Documento: | RP202203143807/20.8T8MTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/14/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Sendo o objeto do recurso delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar nestas quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda e qual o sentido da decisão que em seu entender deve ser proferida, quanto à mesma, sob pena de rejeição da impugnação. II - Tendo resultado provado que o trabalhador, informático, tinha que estar disponível 24 horas por dia para prestar a sua actividade laboral para a ré, sem um horário definido, tendo a liberdade de organizar o seu horário de trabalho, da forma que fosse mais conveniente à prestação da sua atividade, repartindo a suas horas de trabalho semanal pelos diferentes dias da semana, verifica-se um acordo de isenção de horário de trabalho. III - Neste caso, impendia sobre a entidade patronal a obrigação de dar cumprimento ao formalismo do regime de isenção de horário de trabalho do trabalhador previsto no art. 177º, nº 1 e 3, do CT de 2003, pelo que se tem por abusiva a alegação da invalidade do acordo por falta de cumprimento de tal formalismo. IV - O subsídio de isenção de horário de trabalho não integra o conceito de retribuição para efeitos do subsídio de Natal. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc.º 3807/20.9T8MTS.P1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório AA, residente na Avenida ..., ..., ..., patrocinado por mandatário judicial, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Q..., Lda., com sede na Rua ..., ..., .... Formula os seguintes pedidos: a) A Ré condenada ao pagamento da compensação devida a título de isenção de horário, pelo valor de €90.000 (noventa mil euros), reconhecendo ao Autor esse direito, assim como dos juros vencidos e vincendos à taxa legal. b) E, condenada ao pagamento de indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos, em valor nunca inferior a €30.000,00 (trinta mil euros) indemnização esta que visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, devendo ser significativa, e não meramente simbólica, atendendo ao justo grau de compensação, e fixada segundo critérios de equidade, atendendo às circunstâncias referidas no art. 494º do CC. Alega em síntese que: O Autor trabalhava na empresa Q... desde 2005, como informático nas áreas de sistemas e redes, e também passagem de cabo; Na sua atividade laboral, prestava além dos serviços de técnico de informática, serviços comerciais dentro desta área a vários clientes da Ré; O Autor prestava serviços 24h; o A. era acionado para prestar serviços que estavam relacionados com a área de sistemas de rede; era o Autor a única pessoa qualificada para os desempenhar dentro da empresa da Ré; durante 15 anos, o A. sempre trabalhou sem horário e muitas vezes mais de 14h por dia, desempenhando todas as tarefas que lhe foram propostas e sendo responsável pelos serviços a que a empresa estava obrigada pelos contratos de prestação de serviços assumidos pela Ré, até em férias, altura em que não deixava de atender chamadas, tratar de e-mails e até ajudar a alguma resolução de problemas; O A. acabou por entrar num quadro de ansiedade e depressão que motivaram um atestado de incapacidade para trabalhar durante 4 meses, no ano 2019, que se iniciou a 24/01/2019, terminando a 22/05/2019. Realizou-se audiência da partes, à qual a ré não compareceu. A ré veio contestar, alegando em síntese: O trabalhador aqui Autor nunca prestou o seu trabalho em regime de isenção de horário; Pelo contrário, ficou na liberdade de organizar o seu horário de trabalho, prestando as 40 horas de trabalho semanais acordadas com a aqui Ré, da forma que lhe fosse mais conveniente à prestação da sua atividade; Por conveniência do Autor e tendo em conta a existência de inúmeros trabalhos possíveis de realizar à distância e a qualquer hora, este agendava-os conforme pretendia; A Ré desconhece a prestação de trabalho suplementar, nem nunca o mesmo foi solicitado; Quanto aos alegados danos não patrimoniais nega-se veemente a sua existência, o seu nexo causal com a atuação da Ré, bem como a culpa desta na sua produção, caso se provasse a existência.” Foi fixado à acção o valor de €120.000,00. Foi proferido despacho saneador e dispensada a audiência prévia e condensação do processo. A ré veio juntar certidão de processo criminal no qual foi arguido o autor, tendo o mesmo sido condenado, nomeadamente no pagamento de uma indemnização à lesada, a que fizera referência no art. 21º da petição inicial. O autor respondeu, concluindo por pedido da condenação da ré como litigante de má fé. A ré respondeu concluindo pela improcedência deste pedido. Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova testemunhal nela produzida. Foi proferida sentença, com fixação da matéria de facto provada e não provada, decidindo-se a final “julgo improcedentes os pedidos formulados pelo autor, pelo que deles absolvo a ré.” Inconformado interpôs o autor o presente recurso de apelação, concluindo: ……………… ……………… ……………… Termos em que, deve ser revogada a douta sentença recorrida e, substituída por douto acórdão que: Deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, dar sem efeito a douta sentença do tribunal a quo, que condene a Autora ao pagamento da compensação por isenção de horário e dos danos não patrimoniais. A ré alegou, concluindo: ……………… ……………… ……………… O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, tendo emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso, parecer a que as partes não responderam, depois de devidamente notificadas para o efeito. Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir. O âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº. 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas. Questões colocadas: I- Impugnação da matéria de facto; II- Do direito a retribuição por isenção de horário de trabalho e da indemnização por danis não patrimoniais. II - Fundamentação de facto Na sentença recorrida considerou-se: “Estão provados os seguintes factos: 1- O autor trabalhava na empresa ré desde 2005 como informático nas áreas de sistemas e redes, e também passagem de cabo. 2- Na sua atividade laboral autor prestava ainda serviços comerciais dentro dessa área a vários clientes da Ré. 3- Autor e ré nunca reduziram a escrito as condições da relação de trabalho que acordaram. 4- O autor tinha de estar disponível 24 horas por dia, dado os contratos de atendimento permanente que a ré mantinha com determinados clientes, nomeadamente a X..., a Y..., Lda. e a T..., Lda. 5- Desde 2005 que o autor sempre trabalhou sem um horário definido, chegando mesmo a atender clientes em período de férias. 6- O autor esteve em situação de incapacidade temporária para o trabalho por doença de 24/1/2019 a 22/5/2019. 7- No dia 31 de janeiro de 2020 o autor reuniu com o legal representante da Ré, Sr. BB, acompanhado pela mandatária Dra. CC, e que o contrato de trabalho cessaria nessa data. 8 - Nessa reunião foi ainda discutida a possibilidade de, mediante acordo, ser devolvido ao autor ou pago o valor correspondente a ferramentas que pertenciam ao autor e este disponibilizou à ré no início da relação laboral. 9- Por email datado de 21/12/2017 remetido ao gerente da ré, BB, o autor mostrou-se grato àquele por ter feito mais por ele do que alguma vez a sua própria família fez ou faria e mostrando-lhe a sua profunda admiração e agradecimento pelo apoio e ensinamentos que lhe havia transmitido. 10- Com datas de 1 e de 3 de fevereiro de 2020 o autor enviou emails ao gerente da ré e seus trabalhadores, que intitulara de “despedida”, a engrandecer o projeto da ré, bem como as pessoas com que trabalhara, em especial o Sr. Eng. BB, considerando que o fizeram crescer como homem e profissional e que mereciam o seu agradecimento, bem como a pedir desculpa por algum mal que tenha causado à equipa, mas que não foi propositado, e a considerar que tem uma amizade de 26 anos com o gerente da Ré, com quem sempre ultrapassara dificuldades e vivera muitas alegrias. 11 - O autor tinha a liberdade de organizar o seu horário de trabalho, da forma que fosse mais conveniente à prestação da sua atividade, repartindo a suas horas de trabalho semanal pelos diferentes dias da semana. 12- Já em 1999 o autor tomava medicação por problemas depressivos. 13- Na sequência de acidente de trabalho sofrido pelo autor a 14/11/219, este ficou numa situação de incapacidade temporária absoluta até, pelo menos, ao fim do contrato de trabalho – 31/1/2020. 14- O autor auferia uma retribuição base de €1.670,00, com referência a 40 horas semanais. De resto não se provou: Da petição inicial: - que o autor fosse a única pessoa qualificada na ré para prestar serviços aos clientes relacionado com sistemas de rede; - que muitas vezes o autor trabalhasse mais de 14 horas por dia; - que o autor fosse manifestando descontentamento perante a ré por entender que devia estar a auferir valor correspondente à isenção de horário que praticava, e que lhe havia sido prometido; - que sempre que o sócio gerente da Ré, o Sr. BB era confrontado com os descontentamentos do aqui Autor, mostrava imediatamente desagrado, vindo a relação laboral a deteriorar-se ao longo dos anos devidas as inúmeras promessas não realizadas; - que o gerente da ré afirmava que “não era política da empresa pagar horas extra”, que isso era uma obrigação dos trabalhadores para ajudar a empresa; - que se tratassem de situações cíclicas, que perduraram longos anos, vários desentendimentos entre o autor e a ré, tanto mais que havia uma relação de amizade além da laboral, atritos, pressão psicológica, que levaram o autor à doença e que tenha determinado a situação de incapacidade para o trabalho referida em 6.; - que mesmo estando em casa, e com recomendação médica para descansar, continuava a ser importunado pela Ré, na pessoa do Sr. BB (sócio gerente), com serviços e tarefas a realizar, visto que era quem tinha as competências para tal; - que quando o autor estava no 3º mês de baixa médica, o gerente da ré iniciou manobras de coação sobre o autor retirando-lhe a viatura de serviço, e insinuando constantemente que iria passar as suas funções a outros colegas, que (supostamente) mais beneficiavam a empresa; - que quando o autor retomou o trabalho, após baixa médica, era diariamente humilhado, quer pela entidade patronal, quer pelos colegas; - que por força desse ambiente no trabalho o autor tenha começado e continue a tomar os seguintes fármacos: Zareflix, Escitalopram, Efexor (antidepressivos), e Xanax como ansiolítico; - que em outubro de 2019, por se aperceber que não conseguia aguentar a pressão psicológica e as condições laborais em que se encontrava, vendo o seu estado de saúde física e mental completamente a deteriorar-se, o autor tenha comunicado então à Ré, na pessoa do Sr. BB (sócio gerente) que pretendia cessar a relação laboral, sendo que nesta data, consegui-o a Ré, através de novas promessas, voltar a dissuadir o autor de o fazer; - que nessa reunião tenha ficado acordado que a ré pagaria ao autor os dois meses de férias em dívida, que devolveria as ferramentas do trabalhador no valor de cerca €4500, e devolveria o número de telefone do autor que era seu e tinha sido cedido à empresa. - que às ferramentas referidas em 8. tivesse sido pelas partes atribuído o valor de €4.500,00 e que aquelas fossem constituídas por: - Mala de ferramentas várias no valor total de €1000 - Máquina de conectorização de fibra ótica no valor de €1200 - Walkie Talkies no valor de €300 - Rebarbadora e máquina de furar no valor de €1700 - Máquina de etiquetas no valor de €150 - Pistola de cola quente da marca Bosch no valor de €150 - que esse acordo, que ficaram de transpor para um documento escrito, nunca chegou a ser assinado porque a Ré nunca mais atendeu o telefone ou respondeu a qualquer e-mail; Da contestação: - que em 9 de fevereiro de 2010 o aqui Autor se tenha tornado sócio da ré, por iniciativa do Eng. BB; - que no momento referido em 7. o gerente da ré tenha solicitado que fosse enviada carta de denuncia para a empresa, devendo abster-se desde aquele momento de contacto com os clientes da empresa e que “devolvesse” a quota que lhe pertence na estrutura societária da mesma, fazendo-se posteriormente, o competente acerto de contas; - que tenha sido o autor quem procurou o gerente da ré pedindo-lhe emprego no ano de 2005; - que o autor tivesse preferência em não trabalhar e certas horas do dia, para o fazer à noite ou preferindo trabalhar ao sábado de manhã, ao invés de o fazer nas folgas da sua, à altura, mulher, que trabalhava ao Sábado; - que o horário móvel acordado entre as partes evitasse a prestação de trabalho suplementar; - que houvesse dias que o autor trabalhasse menos de 8 horas diárias; - que nunca tivesse sido pedido ao autor que atendesse chamadas, respondesse a emails ou auxiliasse na resolução de qualquer problema em período de férias dias de descanso ou feriado; - e que o tenha feito com o desconhecimento da ré, apenas por boa vontade ou no seu próprio interesse; - que o autor tenha falado sobre um problema de depressão crónica com o Eng. BB, pedindo-lhe ajuda pois tratar-se-ia de problema hereditário, pelo que este o encaminhou para o seu irmão que é médico de profissão; - que o autor tenha sido acompanhado em várias consultas no Hospital ... e desde sempre tomara medicação, cuja falta se denotava de imediato; - que quando o autor não tomava a medicação, a sua relação com as chefias e com os colegas tornava-se insuportável;” III - O Direito 1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto Nas conclusões das suas alegações refere o recorrente: a) Na conjugação da prova que foi produzida/ou pela falta de prova, são manifestos os erros na avaliação, além de que toda a motivação da Juiz ad quo é contraditória entre si, pelo que existem e se encontram razões bastantes para alterar a factualidade apurada pelo tribunal a quo e assim, alterar a Sentença de que se recorre, para que a Autora seja condenada a pagar compensação a título de isenção de horário e dos danos morais decorrentes da situação laboral. b) A par da prova documental, a prova testemunhal foi perentória em demonstrar como funcionava na prática a jornada laboral do aqui Apelante, como se pode ver pela matéria dada como provada e não provada, mas que resultam numa decisão muito diferente da esperada. c) Faltou, assim, a exposição dos motivos que levaram a uma decisão olvidada de toda a prova produzida. d) A Ré não conseguiu provar conhecimentos técnicos para desempenhar as funções do Autor, nem trouxe à causa provas de pessoal qualificado para as desempenhar. e) Se a Ré tivesse ao seu alcance, relatórios de intervenção que demonstrassem a organização de trabalho e o seu desempenho por colegas diferentes do Autor, de certo os teria apresentado. f) A Ré não trouxe também ao tribunal prova de que o Autor gozasse férias e folgas conforme estipula a lei. g) Foram desconsideradas as várias contradições da Ré, que inclusive admitiu a isenção de horário do Autor, sem lhe dar esse nome, reconhecendo autonomia, profissionalismo e responsabilidade ao mesmo. Já no corpo das alegações considera: “Dando como não provado que: - que o autor fosse a única pessoa qualificada na ré para prestar serviços aos clientes relacionado com sistemas de rede; Vejamos que, as áreas de sistemas e de redes são distintas, tal como foi esclarecido quer pelo Apelante, quer por várias testemunhas: Na audiência de 12-06, na faixa de áudio 20210412110110_15791394_2871546: Mandatário do Autor: 6:25: Efetivamente, o Sr. Quais eram as funções que exercia na empresa? AA 6:32: (...) Na faixa de áudio 20210412162015_15791394_2871546, a testemunha DD: (…) Ainda a testemunha EE, na 20210415104323_15791394_2871546 referente à audiência de 15-04: (…) Tendo por isso ficado claro que na área de sistemas apenas o Autor, aqui Apelante trabalhava, e tinha competências para desempenhar tarefas nesta área. - que muitas vezes o autor trabalhasse mais de 14 horas por dia; Tendo sido dado como provado que o autor tinha de estar disponível 24h por dia, e face à discrição de algumas intervenções por várias testemunhas, não se entende como não se dá como provado. Comecemos pelas declarações do Autor , que vêm a ser corroboradas pelas demais testemunhas, e que inclusive se depreenderam das declarações do representante da Ré: Na audiência de 12-06, pode ouvir-se na faixa de áudio 20210412110110_15791394_2871546: (…) Na faixa de áudio 20210412143027_15791394_2871546: (…) Na faixa de áudio 20210412155119_15791394_2871546: (…) Na faixa de áudio, 20210412160446_15791394_2871546: (…) Na faixa de áudio 20210412162015_15791394_2871546: (…) Na faixa de áudio 20210415095826_15791394_2871546, na audiência de 15-06: (…) Na faixa de áudio 20210415104323_15791394_2871546: (…) - e que o gerente da ré afirmava que “não era política da empresa pagar horas extra”, que isso era uma obrigação dos trabalhadores para ajudar a empresa; Foi confirmado pelas testemunhas e pelo Apelante, que além do salário, apenas existia o pagamento de prémio, conforme lucro e desempenho dos funcionários. AA (20210412110110_15791394_2871546) 14:45: (…) E tal como esclarecido pela Mma Juiz ad quo isso não retira a obrigação de ser pago suplemento de isenção de horário. (...) Na faixa de áudio 20210415095826_15791394_2871546: (…) Aquando das declarações, bastante confusas e com parca credibilidade, do Eng. BB, representante da Ré, foi abordada a questão dos prémios, não conseguindo provar o contrário, antes indiciando que não havia qualquer pagamento do trabalho extra, e citando o próprio “O trabalho tinha era de ser feito, não interessa onde”, como pode ouvir-se na faixa de áudio 20210412143027_15791394_2871546, a instâncias do mandatário do Autor. Foi ainda referido pela ex-esposa do autor, quando questionada, na faixa de 20210415104323_15791394_2871546: (…) - que se tratassem de situações cíclicas, que perduraram longos anos, vários desentendimentos entre o autor e a ré, tanto mais que havia uma relação de amizade além da laborar, atritos, pressão psicológica, que levaram o autor à doença e que tenha determinado a situação de incapacidade para o trabalho referida em 6.; - que mesmo estando em casa, e com recomendação médica para descansar, continuava a ser importunado pela Ré, na pessoa do Sr. BB (sócio gerente), com serviços e tarefas a realizar, visto que era quem tinha as competências para tal; - que quando autor estava no 3.o mês de baixa médica, o gerente da ré iniciou manobras de coação sobre o autorretirando-lhe a viatura de serviço, e insinuando constantemente que iria passar as suas funções a outros colegas, que (supostamente) mais beneficiavam a empresa; - que por força desse ambiente no trabalho o autor tenha começado e continue a tomar os seguintes fármacos: Zareflix, Escitalopram, Efexor (antidepressivos), e Xanax como ansiolítico; - que em outubro de 2019, por se aperceber que não conseguia aguentar a pressãopsicológica e as condições laborais em que se encontrava, vendo o seu estado de saúde física e mental completamente a deteriorar-se, o autor tenha comunicado então à Ré, na pessoa do Sr. BB (sócio gerente) que pretendia cessar a relação laboral, sendo que nesta data, consegui-o a Ré, através de novas promessas, voltar a dissuadir o autor de o fazer; Destes pontos, considera o Apelante, ter demonstrado, - porque nunca escondeu, já sofrer de depressão – que os seus problemas de saúde foram agravando, tendo necessidade de ajustar a medicação, por força do excesso de trabalho e do ambiente em que trabalhava, sendo o aqui Réu, recorrido, uma pessoa de difícil trato. Alude-se às declarações prestadas pelo antigo funcionário, na audiência de 15-04, faixa de áudio 20210415095826_15791394_2871546: (…) E pela ex-esposa, na faixa de áudio 20210415104323_15791394_2871546: (…) (...) A questão que o Apelante não pode deixar de colocar é: a sua posição, não se provou porquê? Esperava-se uma análise do caso que permitisse ver como foi valorada a prova que apresentou, e que do seu ponto de vista, prova factos que foram dados como não provados, e qual o motivo que levou o Douto Tribunal a quo a desconsiderá-la. Faltou, assim, a exposição dos motivos que levaram à Decisão de não condenar a Ré no pagamento de qualquer montante a título de isenção de horário, ou compensação que entendesse por conveniente face ao trabalho efetuado fora das 40h semanais, e nas condições dadas como provadas, bem como o pagamento de qualquer quantia a título de indemnização por danos não patrimoniais, tendo em conta a violação do direito ao descanso, do convívio com a família, e toda a responsabilidade que carregou o aqui Apelante para com os clientes da empresa em qualquer circunstância em que se encontrasse, sem nunca ser pago por isso. Apesar de ter sido “desmascarada” a circunstância de ser o aqui Apelante, a única pessoa qualificada para trabalhar em sistemas, que a generalidade dos clientes reconhecia como o técnico que aparecia sempre para resolver os problemas, fosse a que horas fosse, em qualquer dia do ano, enfatizando que este fazia mais de 90% do trabalho. De salientar ainda que o nº de telemóvel do Apelante constava dos contratos de assistência técnica, 24h, 365 dias por ano. E que nas declarações prestadas pelo Recorrido, ficou claro o seu desconhecimento pela área informática de sistemas: (…) Bem como foi patente, a contradição das suas declarações quanto ao facto do Apelante ser um trabalhador essencial, senão vejamos: O próprio Recorrido afirmou na faixa de áudio 20210412143027_15791394_2871546, a propósito da saída do Apelante da empresa, que ficou num “turbilhão de trabalho”, apesar de ter afirmado anteriormente que o trabalho deste funcionário representava apenas 10%, contradições estas que ficaram ainda mais obvias quando referiu que convidou o aqui Apelante para ser sócio por reconhecimento: (…) Aliás, não se pode aceitar a decisão do tribunal ad quo, ao não condenar a Recorrida no pedido, quando deu como credível o depoimento de FF, Diretor do ..., que afirmou que o aqui Apelante “lhes prestava assistência, com uma disponibilidade de 24h e que quase todos os trabalhos eram feitos durante a noite e assegurados pelo autor”, “que os serviços eram agendados com a ré através de plataforma informática, mas em situações de urgência contactavam via telemóvel diretamente o autor” e “afirmou ainda esta testemunha que conheceu em alguns dos contactos o autor afirmar que estava de férias mas remotamente resolvia o problema” Também o depoimento de GG, gestor da M..., que confirmou a assistência em software e hardware 24h por dia e 365 dias ao ano – “afirmou esta testemunha que quando precisavam de assistência contactavam a ré que enviava o autor (e muito raramente terá lá ido outro funcionário)” e “afirmou a testemunha que, nem desses contactos, a ré informou que o autor estava de férias e que quando estivesse disponível conectar-se-ia, remotamente à empresa, o que acontecia” A testemunha DD, chefe informático da empresa Y..., Lda, confirmou também os contratos de 24h, durante 365 dias ao ano, “e que o autor era o trabalhador da ré que mais aparecia para executar os serviços necessários” A testemunha HH, ex trabalhador da Ré, “afirmou que o autor não cumpria um horário fixo e muito do trabalho que executava junto dos clientes era durante a noite” Ainda, EE, ex cônjuge, “confirmou a disponibilidade obrigatória do autor durante a noite (24h por dia), e que durante as férias chegava a trabalhar (quando iam para fora levava sempre o computador da empresa)” Não vem mencionada na sentença a testemunha II, mas o mesmo representante também da Y..., Lda. Tráfego, confirmou quando questionado pela Mma Juiz (Faixa de Áudio - 20210412163442_15791394_2871546): (…) Por fim, testemunhou JJ, contabilista, onde referiu que habitualmente era sempre o AA que fazia a manutenção, na faixa de áudio 20210416102822_15791394_2871546. Ora, o Tribunal a quo certamente, por lapso, não descortinou todos os factos ora relacionados, pois a matéria dada como provada, coloca em causa alguns dos pontos dados como não provados, o que aqui demonstramos. Entendendo-se que acabou por não ser valorada na decisão do Douto Tribunal, a contradição do depoimento de parte do Sr. Eng. BB e até algumas afirmações que são como um alerta para a verdadeira situação do antigo trabalhador e que aqui foram elencadas. Já que este, tentando a todo o custo descredibilizar o Apelante, mesmo com recurso há mentira, e focando-se na relação de amizade que em tempos tiveram e que nada ajuda à descoberta da verdade. Chegando ao cúmulo de em diferentes momentos do seu depoimento, alegar que o Apelante tinha usado o carro da empresa para fins diferentes de trabalhar, e até a insinuar que teria percorrido 3000 kms para ser consultado por um médico em Espanha. Verdade é que, esses 3000 kms foram efetuados a trabalhar ao serviço da empresa, como veio depois a afirmar. Na audiência de 12-06, a instâncias da mandatária do Réu, na faixa de áudio 20210412110110_15791394_2871546: (…) Ora, além do supra exposto não pareceu suficientemente valorada toda a prova documental carreada nos autos, nem a prova testemunhal que aqui se fez salientar.” Respondeu a recorrida: “a douta matéria dada como provada, assim como a dada como não provada NÃO APRESENTA QUAISQUER VÍCIOS QUE POSSAM VIR A DETERMINAR QUALQUER “VOLTE FACE”. Aliás, tal matéria não podia sequer ser posta em causa – como o veio a fazer o recorrente – precisamente porque a sua fixação correspondeu in totum ao que se passou na audiência de julgamento.” Nos termos do art. 640º, nº 1, do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Acrescenta- se no nº 2 do mesmo artigo: No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. Impõe-se aqui um ónus rigoroso ao recorrente, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Coimbra: Almedina, 2006, pág. 170). A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto converge com o ónus específico de alegação do recorrente no que concerne à delimitação do objecto do recurso e à respectiva motivação, pelo que não pode ser recebido o recurso sobre a decisão da matéria de facto se o recorrente não indicar os segmentos por ele considerados afectados de erro de julgamento e os motivos da sua discordância por via da concretização dos meios de prova produzidos susceptíveis de implicar decisão diversa da impugnada (Acórdão do STJ de 1 de Julho de 2004, processo nº 04B2307, acessível em www.dgsi.pt). Segundo Lopes do Rego, “A expressão ‘ponto da matéria de facto’ procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do nº 1 do art. 640º: na verdade, o alegado ‘erro de julgamento’ normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo ‘facto’, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente” (Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra: Almedina, 2004, pág. 608). Certo é, porém, que basta uma referência que possibilite identificar os factos impugnados e os fundamentos da impugnação para se poder considerar cumprido tal formalismo (José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pág. 6). Relativamente à indicação dos meios de prova que possam impor diversa decisão quanto à matéria de facto, importa considerar que, sendo objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deve indicar nas conclusões quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda e o sentido das respostas que pretende (conforme acórdão do STJ de 7 de Julho de 2016, processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt), porém a fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, poderá ela ter lugar em sede de alegações, conforme o acórdão do STJ de 20 de Dezembro de 2017, processo 2994/13.2TTVRL.G1.S2, ainda acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido o acórdão do mesmo STJ de 12 de Julho de 2017, processo 167/11.2TTTVD.L1.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt. O art. 640º do CPC é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja a imediata rejeição da impugnação. Conforme se refere no sumário do mencionado acórdão do STJ de 27 de Setembro de 2018, “Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto.” Ora, analisando as conclusões de recurso, não se consegue identificar quais os concretos pontos da matéria de facto, provada ou não provada, que o recorrente pretende impugnar, nem a decisão que pretende seja proferida em relação aos mesmos. Mesmo no corpo das alegações não se consegue descortinar exactamente qual a matéria impugnada e a decisão que, em alternativa, o recorrente pretende ver proferida. Ou seja, não especifica a recorrente os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os mesmos pontos, sendo certo que essa referencia também tem que ser feita expressamente nas conclusões de recurso. Conforme se refere no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Setembro de 2018, processo 1277/17.8T8PRT.P1, subscrito pelo aqui relator e primeiro adjunto (ao que se julga, não publicado): “Sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda. E tal indicação deve ter lugar nas conclusões do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão discorda. Diga-se que tal indicação deve ser feita por referência aos concretos factos que constam da decisão da matéria de facto e/ou aos concretos factos constantes dos articulados e não já por referência a meros “temas” das questões de facto sobre as quais o Recorrente discorde. E, nos termos do citado art. 640º, nº 1, al. c), o Recorrente deverá também indicar o sentido das respostas que pretende. [Cfr. Acórdão do STJ de 07.07.2016, Processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt, nos termos de cujo sumário consta que “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.”.].” No mesmo sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Novembro de 2020, processo 2434/19.8T8VNF.G1, ainda acessível em www.dgsi.pt. Para além disso, constata-se que apenas em relação a reduzidos pontos de algumas das declarações que invoca como fundamento da impugnação, o recorrente precisa as passagens concretas da gravação dos depoimentos invocados. Assim, rejeita-se o recurso relativamente à impugnação da decisão quanto à matéria de facto. 2. Da isenção do horário de trabalho Consta da sentença: “Pela presente ação pretende desde logo o autor obter a condenação da ré no pagamento de uma compensação de €90.000,00 a título de isenção de horário de trabalho. Vejamos. De acordo com o disposto no nº 1 do art. 218º do Código do Trabalho: “Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações: a) Exercício de cargo de administração ou direcção, ou de funções de confiança, fiscalização ou apoio a titular desses cargos; b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites do horário de trabalho; c) Teletrabalho e outros casos de exercício regular de actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato por superior hierárquico.” A isenção de horário de trabalho configura um desenvolvimento (que pode ser transitório) da relação de trabalho e o seu complemento remuneratório visa compensar o trabalhador pela incomodidade resultante de uma maior disponibilidade, pelo facto do seu trabalho ser prestado sem sujeição a um horário de trabalho fixo ou estrito. Como se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 14/12/2014 (in www.dgsi.pt, processo nº 1109/11.0TTPRT.P1) “O regime da isenção de horário de trabalho (IHT) constitui uma forma de organização do tempo de trabalho que permite que o trabalhador não esteja adstrito ao cumprimento do horário de trabalho nos termos e na medida do que foi previsto na isenção [...] mediante o pagamento de uma contrapartida remuneratória, o já designado subsídio de isenção de IHT”. Decorre do preceito legal citado que a existência do regime de isenção de horário de trabalho num determinado contrato de trabalho está hoje dependente de dois pressupostos: a existência de acordo entre trabalhador e empregador e o seu suporte em documento escrito. Ainda que hoje as formalidades exigidas por lei para a existência e vinculação das partes ao regime da isenção de horário de trabalho estejam mais simplificadas (pois deixou de ser exigida a autorização ou comunicação à autoridade administrativa competente na área – como o era ao abrigo do art. 13º Regime Jurídico da Duração do Trabalho, estabelecido pelo DL nº 409/71, do nº 3 do art. 177º do Código do Trabalho de 2003, e no nº 3 do art. 218º do Código do Trabalho atual, entretanto revogado pela Lei nº 23/2012), a verdade é que a redução a escrito resulta da necessidade de segurança jurídica de averiguação e controlo da sua utilização. Em consequência o suporte documental de tal acordo constitui uma formalidade ad substantiam na sujeição das partes ao regime da isenção do horário de trabalho. Como afirma Francisco Liberal Fernandes (in O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código do Trabalho, pg. 257, Biblioteca RED 2018), “A redução a escrito do acordo de isenção constitui um requisito de validade (formalidade ad substantiam); com efeito, independentemente da segurança jurídica que lhe é correlativa, aquela exigência visa não só proteger a liberdade negocial do trabalhador, como permitir à administração do trabalho controlar o recurso daquela modalidade de organização do trabalho. Por isso, a não observância dessa formalidade origina a nulidade do regime instituído (art. 220º do Código Civil) e a consequente inexigibilidade ao trabalhador do respectivo cumprimento.” Neste sentido, veja-se ainda, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/7/2010 (processo 08S3846, in www.gde.mj.pt) e o acórdão da Relação de Coimbra de 6/12/2019 (processo 1558/18.3T8CVL.C1, publicado no mesmo sítio). Perante a natureza desta formalidade legalmente exigível, fica mesmo vedada a produção e valoração de prova testemunhal da existência de um acordo verbal sobre tal regime, conforme decorre expressamente do disposto no art. 393º, nº 1, do Código Civil. De qualquer modo, nos autos não se provou a existência de um qualquer encontro de vontade das partes na sujeição do contrato de trabalho ao regime da isenção de horário de trabalho, apenas se provando factos que se incluir numa das categorias previstas da isenção de horário de trabalho (mais concretamente na al. c) do nº 1 do art. 219º do Código do Trabalho), pois é certo que o autor tinha uma disponibilidade de 24 horas por dia para atender os clientes da ré e tinha a liberdade de organizar o seu horário de trabalho, da forma que fosse mais conveniente à prestação da sua atividade, repartindo a suas horas de trabalho semanal pelos diferentes dias da semana. No entanto, a mera verificação de uma situação de facto que permitiria as partes sujeitar o contrato de trabalho ao regime da isenção do horário de trabalho não constitui fundamento ou pressuposto bastante para que o trabalhador se arrogue no direito de auferir a retribuição respetiva, prevista no art. 265º do Código do Trabalho. Tal não significa, porém, num prejuízo ou desproteção do trabalho, pois deverá sempre considerar-se que atividade realizada no contexto de um regime de facto de isenção de horário fica sujeita à disciplina laboral comum, designadamente às normas previstas para o trabalho suplementar ou trabalho noturno. Assim, e perante a inexistência de acordo de regime de isenção de horário de trabalho, competia ao trabalhador alegar e provar factos que permitissem concluir pela prestação de trabalho suplementar ou noturno (nos termos regulados nos arts. 223º e ss e 226 e ss do Código do Trabalho), já que se tratam de factos constitutivos do direito a que se arroga (art. 342º, nº 1, do Código Civil). No presente caso o autor formula apenas pedido de condenação da ré no pagamento da retribuição decorrente da isenção de horário de trabalho e não alega sequer factos concretos que permitissem concluir pela prestação de trabalho para além do período normal de trabalho ou no período noturno, deste modo, terá de improceder nesta parte o peticionado.” Como se pode verificar, nas conclusões do recurso o recorrente refere na al. i): “Foram desconsideradas as várias contradições da Ré, que inclusive admitiu a isenção de horário do Autor, sem lhe dar esse nome, reconhecendo autonomia, profissionalismo e responsabilidade ao mesmo.” E refere no corpo das alegações, o seguinte: “Segundo o TRL, a falta de acordo escrito também não obsta ao reconhecimento da situação de isenção de horário de trabalho quando, sendo responsabilidade da entidade patronal a sua elaboração, ela tenha beneficiado ao longo de vários anos do exercício de funções por parte do trabalhador nessa precisa modalidade de prestação temporal do trabalho, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no Proc. 2420/12.9TTLSB.L1-4, de 18- 06-2014: “I - No quadro do Código do Trabalho de 2003, a situação de Isenção do Horário de Trabalho não está dependente da autorização/aprovação por parte da Administração do Trabalho para vigorar, de imediato, na ordem jurídica. II - O Réu, atenta sua natureza jurídica pública, não tinha de comunicar à IGT/ACT os acordos de IHT firmados com os seus trabalhadores. III - Cabia ao Réu, em primeira linha, a responsabilidade pela elaboração e apresentação ao Autor do acordo escrito relativo à IHT mas, apesar de não o ter feito, não se coibiu de beneficiar, durante cerca de 4 anos, da prestação funcional do Autor nessa precisa modalidade de prestação temporal do trabalho, sem lhe pagar qualquer compensação por essa maior disponibilidade e esforço, tendo, por seu turno, o respetivo dirigente sempre laborado dentro dos parâmetros de tal regime, o que tem de ser interpretado no sentido da sua concordância e aceitação do mesmo. III – A invocação pelo Réu da ilicitude de tal IHT, por falta de acordo escrito firmado entre as partes e seu posterior envio para a Administração do Trabalho pode e deve ser reconduzida à figura do abuso de direito, conforme se acha prevista no artigo 334º do Código Civil, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, convindo, nessa matéria, não olvidar o que estipula o artigo 119º, número 1, do Código do Trabalho de 2003. IV – Para efeitos de aplicação do princípio da igualdade, conforme previsto nos arts. 13º e 57º da C.R.P., não estamos a confrontar e comparar as funções de índole dirigente que cada um desses trabalhadores desenvolve mas apenas a forma como, em termos temporais, é distribuída e desenvolvida a respetiva atividade profissional, sendo comum a todos tal exercício ao abrigo da Isenção do Horário de Trabalho na modalidade prevista na alínea a) do número 1 do artigo 178º do Código do Trabalho de 2003, o que permite a sua mais fácil e singela equiparação e unificação, em termos jurídico-remuneratórios. V – O artigo 381º do Código do Trabalho de 2003 é aplicável também aos juros de mora que forem devidos em função do incumprimento de créditos laborais, só se começando a contar o prazo prescricional de 1 ano no dia seguinte ao da cessação do respetivo contrato de trabalho.” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-03-2003: I - Os poderes conferidos pelo art. 722, nº 2 do CPC, permitem ao STJ corrigir as ofensas que ocorram – no acórdão da Relação, na sentença ou nas respostas aos quesitos - a disposições expressas da lei que exijam certa espécie de prova para determinados factos ou que fixem a força de determinados meios de prova. II - Os poderes a que alude o art. 729, nº 3 do CPC, permitem corrigir as omissões de julgamento e as obscuridades resultantes de contradições insanáveis na matéria de facto, impeditivas da aplicação do regime jurídico adequado. III - Ao Tribunal da Relação é lícito extrair ilações da matéria de facto fixada, intuindo a existência de outros factos através de um raciocínio lógico, constituindo estas ilações matéria de facto insindicável pelo STJ. IV - O que caracteriza a isenção de horário de trabalho é a ausência de horas predeterminadas para a tomada do trabalho, para os intervalos de descanso e para a saída, respeitando a não sujeição aos limites máximos dos períodos normais apenas aos períodos normais de trabalho diário e não ao semanal, sob pena de, a entender-se aquela não sujeição em termos totais e absolutos, ter que conceber-se a possibilidade de exigir ao trabalhador isento a obrigação de trabalhar ininterruptamente ao longo dos dias úteis da semana. V - As horas de trabalho prestadas pelo trabalhador isento de horário para além do período semanal de 40 horas e que excedam o limite anual das 200 horas de trabalho suplementar – art. 3, nº 1, al. a) do DL nº 421/83 de 2.12 – devem ser remuneradas como trabalho suplementar, não obstante a isenção de horário de trabalho. VI - O reconhecimento do direito à retribuição por trabalho suplementar pressupõe a prova de dois factos constitutivos do direito: a prestação efectiva de trabalho suplementar e a determinação prévia e expressa de tal trabalho pela entidade patronal ou, pelo menos, a efectivação desse trabalho com o conhecimento (implícito ou tácito) e sem a oposição da entidade patronal. VII - É legítimo concluir que a entidade patronal tinha conhecimento (ainda que implícito) de que a autora prestou trabalho suplementar e a ele se não opôs, se pagava à autora um subsídio pelo trabalho prestado em domingos e feriados, se esta gozava dias de descanso nos dias subsequentes aqueles em que esteve de permanência e se a autora desempenhava funções de chefia de um sector. VIII - Deve ser incluída no cômputo da remuneração para efeitos de cálculo do pagamento do trabalho suplementar a importância paga ao trabalhador a título de isenção de horário de trabalho, se esta foi prevista e desejada pelas partes, assumindo carácter de regularidade.” A recorrida sustenta a decisão sob recurso. Tendo a relação laboral entre autor e ré tido início em 2005, importa, para análise desta questão em concreto, considerar o regime do Código do Trabalho de 2003. Nos termos do art. 177º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003, por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações: (...) al. c): Exercício regular da actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia. Provou-se que: 3. Autor e ré nunca reduziram a escrito as condições da relação de trabalho que acordaram. 4. O autor tinha de estar disponível 24 horas por dia, dado os contratos de atendimento permanente que a ré mantinha com determinados clientes, nomeadamente a X..., a Y..., Lda. e a T..., Lda. 5. Desde 2005 que o autor sempre trabalhou sem um horário definido, chegando mesmo a atender clientes em período de férias. 11. O autor tinha a liberdade de organizar o seu horário de trabalho, da forma que fosse mais conveniente à prestação da sua atividade, repartindo a suas horas de trabalho semanal pelos diferentes dias da semana. 14. O autor auferia uma retribuição base de €1.670,00, com referência a 40 horas semanais. Pretende o recorrente que, com base nestes factos se deve considerar que o seu contrato de trabalho se encontrava sujeito ao regime de isenção de horário de trabalho. Conforme refere Francisco Liberal Fernandes, em O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código do Trabalho, Porto: Universidade do Porto, 2018, págs. 257-258, citado na sentença sob recurso: “A redução a escrito do acordo de isenção constitui um requisito de validade (formalidade ad substantiam); com efeito, independentemente da segurança jurídica que lhe é correlativa, aquela exigência visa não só proteger a liberdade negocial do trabalhador, como permitir à administração do trabalho controlar o recurso daquela modalidade de organização do trabalho. Por isso, a não observância dessa formalidade origina a nulidade do regime instituído (art. 220º do Código Civil) e a consequente inexigibilidade ao trabalhador do respectivo cumprimento. Embora possa ser estabelecido no próprio contrato de trabalho, o facto de o acordo de isenção gozar de autonomia face à celebração daquele (maxime quando o contrato de trabalho decorre do mero consenso) significa que a invalidade (formal ou substantiva) daquele acordo não afecta a validade do segundo (art. 121º, nº 2), porquanto os vícios eventualmente existentes devem ser imputados à entidade empregadora, já que a recusa do trabalhador em assinar o respectivo documento deve ser considerada como falta de acordo. Por isso, a invocação pelo empregador da invalidade do contrato de trabalho com fundamento na nulidade da cláusula de isenção é contrariada pela proibição de venire contra factum proprium. Por sua vez, a actividade realizada no contexto de um regime de isenção de horário nulo fica sujeita à disciplina laboral comum, designadamente às normas previstas para o trabalho suplementar.” Os acórdãos citados pelo recorrente vão precisamente no sentido apontado. Ou seja, provando-se o acordo de isenção de isenção de horário de trabalho, não pode a entidade patronal que não diligenciou pela redução a escrito de tal acordo, invocar a nulidade do mesmo, por incumprimento do formalismo legal, por abuso de direito. Isto mesmo é referido por Francisco Liberal Fernandes na passagem citada e é pacífico na jurisprudência. A questão consiste, pois e antes de mais, em aferir se se pode concluir da matéria de facto provada a existência de tal acordo de isenção de horário de trabalho. Nos termos do art. 155º do Código do Trabalho de 2003, considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador está a desempenhar a actividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no artigo seguinte. Acrescentando-se nos arts. 167º e 168º que o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana, denomina-se «período normal de trabalho» e que se entende por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário bem dos intervalos de descanso. Concluindo-se no art. 163º, nº 1, que o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia nem quarenta horas por semana. A fixação do período normal de trabalho e do horário de trabalho visa proteger o trabalhador, que necessita de ver assegurados períodos de descanso e períodos em que não se encontre subordinado ao empregador, podendo dispor livremente do tempo. Conforme acentua Maria do Rosário Palma Ramalho, no Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª edição, Coimbra: Almedina, 2012, pág. 446, “Se por uma parte, a determinação do tempo de trabalho limita a subordinação do trabalhador perante o empregador e assegura a sua liberdade pessoal, que constitui um pressuposto axiológico fundamental do vínculo laboral, (...) Por outro lado, a delimitação do tempo de trabalho (mais especificamente, a imposição de limites máximos ao tempo de trabalho) prossegue um objectivo de protecção da saúde do trabalhador, assegurando o seu descanso e recuperação física nos períodos intercorrentes.” Ou seja, “Essa determinação quantitativa é necessária, desde logo, porque a prestação de trabalho não pode invadir totalmente a vida do trabalhador” (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14ª edição, Coimbra: Almedina, 2009, pág. 347). Daí que “Embora a fixação do período normal de trabalho já contribua para balizar temporalmente a disposição do trabalhador perante o empregador (no sentido em que o trabalhador só está disponível durante um número determinado de horas por dia e por semana), para que esta determinação fique completa é ainda necessária uma outra operação: a operação de distribuição do número de horas de trabalho a que o trabalhador se encontra adstrito ao longo do dia, através da fixação dos momentos do início e termo do trabalho” (Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., pág. 464). Acrescenta António Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 353, “a concreta configuração da prestação de trabalho no tempo (isto é, na organização de vida do trabalhador) deriva do horário de trabalho”. Conforme salienta Maria do Rosário Palma Ramalho (ob. cit., págs. 457 e 470), o modelo tradicional de fixação do tempo de trabalho, seguido pela legislação laboral como sendo a regra, é o modelo rígido. Certo é, contudo, que “A rigidez deste regime tem consequências negativas óbvias do ponto de vista da gestão da organização produtiva pelo empregador”. Como consequência, verifica-se uma “moderna tendência para a maleabilidade do regime do tempo de trabalho, que tem sido prosseguida em diversos países, sob o desígnio da flexibilização. É neste contexto que têm sido admitidas soluções diversas de modelação do tempo de de trabalho, que passam pela introdução do conceito de duração médio de trabalho e pela indexação do período normal de trabalho não às unidades diária ou semanal mas a um período de referencia mais alargado (a base mensal, bi-mensal, semestral, ou mesmo anual), bem como por soluções de auto organização do tempo de trabalho pelos próprios trabalhadores, tendo em conta o volume de trabalho necessário em cada momento e os objectivos a atingir” (Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., págs. 457-458). No mesmo sentido se pronuncia João Leal Amado, em Contrato de Trabalho, À luz do novo Código do Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, págs. 263-264. No Código do Trabalho de 2003, como no actual, as modalidades de flexibilização do horário de trabalho consistem no essencial no regime de adaptabilidade (arts. 145º a 167º do Código do Trabalho de 2003) e na isenção do horário de trabalho (arts. 177º e 178º do mesmo Código). No caso concreto em análise, importa considerar ainda o “regime de flexibilidade horária”, apresentado por Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, 3ª edição, Coimbra: Almedina, 2006, pág. 528, nos seguintes termos: “tem-se verificado uma tendência no sentido de ultrapassar a rigidez na fixação dos horários de trabalho, havendo empresas que optaram por horários flexíveis, sob vários aspectos. Por um lado, flexibilidade quanto ao início e termo da actividade, permitindo que o trabalhador possa começar e terminar a actividade a horas diferentes em cada dia; e, por outro, maleabilidade quanto ao número de horas a prestar por dia, admitindo a compensação de horas de um dia a favor de outro, de molde a obter uma determinada média semanal ou mensal. Esta última hipótese pressupõe a aplicação do regime de adaptabilidade, mas, no primeiro caso, a flexibilidade horária, não bulindo com o período normal de trabalho, porque, por exemplo o trabalhador continua obrigado a trabalhar oito horas por dia, não implica a existência do regime de adaptabilidade. A flexibilidade horária, não pondo em causa o período normal de trabalho, é lícita e permite uma melhor gestão empresarial, facilitando a deslocação do trabalhador, que evita os congestionamentos de tráfego, etc. Algumas das múltiplas hipóteses de flexibillidade de horário encontram-se associadas com a isenção de horário.” Refere ainda Francisco Liberal Fernandes, ob. cit., págs. 101-102: “o período normal de trabalho, diário ou semanal, é de duração certa ou pré-determinada (de outro modo não poderia ser considerado ou qualificado como normal), não podendo, fora dos contextos de flexibilidade admitidos por lei, ser definido em termos médios com base num determinado período de referência, caso em que a sua duração semanal seria regularmente variável (flexibilidade normal) ainda que sujeita a um tecto médio máximo. No sentido da posição perfilhada, pode invocar-se: (i) a ressalva contida na primeira parte do nº 1 do art. 211º e, por conseguinte, a existência, com carácter geral, de uma garantia legal relativa aos limites máximos da duração do trabalho, designadamente a decorrente do próprio período normal de trabalho convencionado pelas partes do contrato de trabalho; (ii) a natureza legalmente temporária do período de referência e das condições a que a respectiva fixação está sujeita (o que, desde logo, não permite equiparar o conceito de duração média do tempo de trabalho à noção de período normal de trabalho), não obstante a possibilidade da respectiva renovação; (iii) a tutela dos interesses da previsibilidade e da estabilidade implícitos no conceito de horário de trabalho (art. 200º).” Voltando ao caso concreto. Da prova produzida resulta que autor e ré acordaram: o autor tinha que estar disponível 24 horas por dia para prestar a sua actividade laboral para a ré (facto provado 4), trabalhando o autor sem um horário definido (facto provado 5), tendo o autor a liberdade de organizar o seu horário de trabalho, da forma que fosse mais conveniente à prestação da sua atividade, repartindo a suas horas de trabalho semanal pelos diferentes dias da semana (facto provado 11), com referência a 40 horas semanais (facto provado 14). Mais se tendo provado que tal acordo não foi reduzido a escrito (facto provado 3). Estes factos mostram-se, aliás, admitidos pela ré na contestação. Estamos, pois, perante um verdadeiro acordo de isenção de horário de trabalho, ainda que com um elemento do regime da adaptabilidade (“repartindo a suas horas de trabalho semanal pelos diferentes dias da semana”), uma vez que o trabalhador autor trabalhava sem qualquer horário pré-definido, em prol dos interesses do empregador (do “que fosse mais conveniente à prestação da sua atividade”). Por outro lado, ainda que se possa ver como exígua a prova desta circunstância, provou-se que o autor “como informático nas áreas de sistemas e redes, e também passagem de cabo” (facto provado 1), mas também “prestava ainda serviços comerciais dentro dessa área a vários clientes da Ré” (facto provado 2), pelo que tinha que “estar disponível 24 horas por dia” (facto provado 4), o que significa que também trabalhava durante a noite, podendo mesmo, atenta a natureza das suas funções, trabalhar em casa. Por tudo isto entende-se que se encontra a actividade do autor englobada na previsão do art. 177º, nº 1, al. c), do Código do Trabalho de 2003. Nos termos do disposto no art. 178º, nº 1, do Código do Trabalho, a isenção de horário de trabalho pode revestir as modalidades de isenção total (al. a)), isenção parcial (al. b)) e isenção modelada (al. c)), conforme definição de Maria do Rosário Palma Ramalho, na ob. cit., págs. 486 (veja-se ainda Pedro Romano Martinez, ob. cit., págs. 529-530). Ainda que a modalidade da al. a) seja a supletiva (nº 2 do art. 178º), no caso provou-se que a modalidade acordada foi a da isenção modelada (da al. c)), uma vez que se provou que a isenção não implicava necessariamente, ou por inerência, um aumento do período normal de trabalho, de 40 horas semanais. Concluindo-se pela existência do acordo de isenção de horário de trabalho, invocado pelo autor, coloca-se agora a questão da validade do mesmo, face à exigência legal do acordo escrito (art. 177º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003), e de comunicação de tal acordo à Inspecção-Geral do Trabalho, prevista no nº 3 do mesmo preceito, questão suscitada pela ré na sua contestação e acolhida na sentença sob recurso. E, quanto a esta questão, segue-se a jurisprudência invocada pelo recorrente. A propósito refere-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Junho de 2014, processo 2420/12.9TTLSB.L1-4, acessível em www.dgsi.pt e em www.direitoemdia.pt, citado pelo recorrente nas suas alegações: “(...) a circunstância do Autor desempenhar cargos de chefia ao abrigo de contratos de comissão de serviço, no quadro dos quais não tinha fixado um prévio horário de trabalho a que estivesse sujeito assim como não estava obrigado aos limites máximos dos períodos normais de trabalho diários e semanais, desenvolvendo, nessa medida, funções muito para além de tais limites (previstos no Antigo Regulamento de Horário de Trabalho (RHT) da Direção Geral da Aeronáutica Civil e que o INAC manteve em vigor), nunca tendo auferido pelo trabalho desenvolvido em tais circunstâncias e condições particulares qualquer remuneração a título de trabalho suplementar ou outro (v. g., IHT), muito embora o cenário de facto acima descrito configure uma verdadeira situação de Isenção de Horário de Trabalho. O Réu sustenta que nunca poderia o Autor receber qualquer retribuição a título de IHT, por não se mostrarem verificados os requisitos impostos por lei. Ora e apesar da regra deixada transcrita e que, constando do acima referenciado RHT, faz menção à IHT, não se pode falar verdadeiramente de um acordo escrito firmado entre as partes que consagre tal forma especial de prestação laboral, não tendo havido, também qualquer comunicação oportuna à IGT/ACT de uma situação de IHT vivenciada por Autor e INAC. Logo e na perspetiva do Réu, constituindo tais requisitos formalidades essenciais, que, a não existirem, afetam a validade e eficácia jurídicas de um putativo regime de IHT, o Autor não teria direito a receber qualquer compensação pecuniária por tal situação de facto. Será, de facto, assim? Dir-se-á, desde logo e relativamente à não comunicação à IGT/ACT de tal situação de facto, que o regime do Código do Trabalho de 2003, como muito claramente afirma a doutrina acima transcrita[24], alterou radicalmente o papel da Administração do Trabalho nesta matéria, tendo a IHT deixado de estar dependente da autorização/aprovação por parte de tal organismo para vigorar, de imediato, na ordem jurídica. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/9/2013, processo n.º 08/12.9TTLSB.L1, relatora: Maria João Romba (inédito), aprecia, aliás, tal questão nos moldes seguintes: «Por outro lado, não havia sujeição a autorização da IGT, nos termos do regime geral constante do art.º 13.º da LDT porquanto, de acordo com o disposto pelo art.º 2.º do DL 102/2000, de 2/6, a IGT apenas tinha competência para exercer a sua ação junto da “administração pública central, direta e indireta, e local incluindo institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados ou de fundos públicos” em matéria respeitante à promoção e controle do cumprimento da legislação relativa à segurança, higiene e saúde no trabalho e a matéria de isenção de horário não se enquadra diretamente nessa previsão». Ora, a ser assim, essa ausência de comunicação e autorização por parte daquele organismo estatal perde qualquer relevância jurídica na economia dos autos. Diferente será naturalmente a falta de acordo escrito onde se firme, por consenso, o estabelecimento da prestação laboral segundo a Isenção do Horário de Trabalho, o que seria suficiente para o invalidar ou, pelo menos, retirar eficácia jurídica. Se tal conclusão é, em tese, correta, não podemos deixar de olhar para o caso dos autos e constatar que o INAC, a quem cabia, em primeira linha, a responsabilidade pela elaboração e apresentação ao Autor de tal documento, não o fez (e, naturalmente, não o remeteu posteriormente à IGT/ACT, pois o mesmo não existia simplesmente) mas, apesar de tal atitude omissiva e censurável, não se coibiu de beneficiar da prestação funcional do Autor nessa precisa modalidade de IHT, sem lhe pagar qualquer compensação por essa maior disponibilidade e esforço, tendo, por seu turno, o respetivo dirigente sempre laborado dentro dos parâmetros de tal regime, o que não pode ser interpretado de outra forma que não seja no sentido da sua concordância e aceitação do mesmo (que, nessa medida, existe no quotidiano do trabalhador e da sua relação laboral com o INAC, IP, apenas não estando devidamente formalizado). Como o povo diz, não se pode querer ao mesmo tempo sol na eira e chuva no nabal, que é como quem diz, não se pode viver à sombra de um regime de facto de IHT, que se prolongou ao longo de cerca de 4 anos, e, depois, quando o trabalhador que desempenhou funções nesses moldes vem reclamar o pagamento da remuneração de vida, escusar-se escudando-se na inexistência de acordo escrito e de falta da sua remessa para a Administração do Trabalho. Temos para nós que uma tal atitude pode e deve ser reconduzida à figura do abuso de direito, conforme se acha prevista no artigo 334.º do Código Civil, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, convindo, nessa matéria, não olvidar o que estipula o artigo 119.º, número 1, do Código do Trabalho de 2003.” Estas considerações têm pleno cabimento na situação em análise, concluindo-se que impendendo sobre a entidade patronal ré a obrigação do cumprimento formal do regime de isenção de horário de trabalho do trabalhador, regime de que era a primeira beneficiária, não pode a mesma vir posteriormente invocar a falta de cumprimento de tais obrigações formais para se furtar ao pagamento do subsídio a que legalmente se encontra obrigada, quando beneficiou desse mesmo regime durante a execução do trabalho pelo trabalhador. Nos termos do disposto no art. 256º, nº 3, do Código do Trabalho de 2003, quando se trate de regime de isenção de horário com observância dos períodos normais de trabalho, o trabalhador tem direito a uma retribuição especial, por isenção de horário de trabalho, que não deve ser inferior à retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar por semana. Idêntica é a redacção do art. 265º, nº 1, al. c), do Código do Trabalho de 2009, que prescreve: O trabalhador isento de horário de trabalho tem direito a retribuição específica, estabelecida por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou, na falta deste, não inferior a duas horas de trabalho suplementar por semana, quando se trate de regime de isenção de horário com observância do período normal de trabalho. Esclarece Francisco Liberal Fernandes, ob. cit., pág. 347: “Quanto ao valor dessa retribuição, em particular a relativa à situação prevista na alínea b), do nº 1, do art. 265º, julga-se que deve ser determinada com base no acréscimo de 25% da retribuição horária; com efeito, as duas horas de retribuição a que o trabalhador tem direito têm por referência a semana de trabalho globalmente considerada, motivo pelo qual não poderão em rigor ser reportadas a um determinado período diário.” O valor da retribuição horária do autor era de €9,63, calculada nos termos do art. 264º do Código do Trabalho de 2003, bem como do art. 271º, nº 1, do Código do Trabalho de 2009, pelo que o valor da primeira hora de trabalho suplementar seria de €14,45 por hora (art. 258º, nº 1, al. a), do Código do Trabalho de 2003, o que significa que o autor teria direito a uma retribuição por isenção de horário de trabalho de €28,90 por semana, até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, em 17 de Fevereiro de 2009, passando desde então a ser de €12,04, nos termos do art. 268º, nº 1, al. a), deste último Código, ou seja, 24,08 por semana. Esta redução não colide, porém, com o princípio da irredutibilidade da remuneração, dada a natureza do subsídio em questão, conforme se salienta no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 10 de Outubro de 2016, processo 25236/15.6T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt. Este valor é ainda devido na remuneração do período de férias e no subsídio de férias, mas não no subsídio de Natal, conforme resulta do disposto nos arts. 255º, nº 1 e 2, 254º, nº 1, e 250º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003, bem como dos arts. 264º, nº 1 e 2, 263º, nº 1, e 262º, nº1, do Código do Trabalho de 2009. Contra pronuncia-se Francisco Liberal Fernandes, ob. cit., págs. 346-347, referindo: “A remuneração especial prevista para o trabalho prestado em regime de isenção de horário tem por objectivo compensar o acréscimo de disponibilidade (e de actividade) que, por norma, aquele implica. Consiste num plus retributivo com carácter regular e periódico (característica que lhe retira a natureza de prestação retributiva por trabalho suplementar tout court), pelo que, enquanto a isenção perdurar, deve ser levado em conta para todos os cálculos retributivos que tenham por base de referência a remuneração normal auferida pelo trabalhador (designadamente, para determinar os subsídios de férias ou de Natal, ou a compensação por extinção do contrato de trabalho).” Não é este, porém, o entendimento seguido nesta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto. Conforme se refere no acórdão desta de 9 de Julho de 2014, processo 1305/12.3TTPNF.P1, ao que se sabe não publicado: “Segundo o disposto no artigo 254º, nº1 do CT/2003 “O trabalhador tem direito a subsídio de natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano” [o artigo 263º, nº1 do CT/2009 tem igual redacção]. E determina o artigo 250º, nº1 do CT/2003 que “Quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades” [o artigo 262º, nº1 do CT/2009 tem idêntica redacção]. Da conjugação das citadas normas resulta que na falta de disposição legal, convencional ou contratual em contrário, o subsídio de natal será apenas integrado pela retribuição base e diuturnidades.” No mesmo sentido o acórdão do STJ de 24 de Fevereiro de 2010, processo 401/08.6VFX.L1.S1, cujo sumário se encontra acessível em www.stj.pt. A relação laboral entre autor e ré vigorou entre 2006 (não se provou em que data de 2005 se iniciou a mesma) e 31 de Janeiro de 2020 (factos provados 1, 7 e 13), sendo certo, porém, que o autor ficou sem trabalhar por incapacidade temporária absoluta para o trabalho a partir de 14 de Novembro de 2019 e até ao fim da relação laboral (facto provado 13), bem como esteve de esteve em situação de incapacidade temporária para o trabalho por doença de 24 de Janeiro a 22 de Maio de 2019 (facto provado 6). Assim, o valor devido por subsídio de isenção de horário de trabalho ascende aos seguintes montantes: De Janeiro de 2006 a 17 de Fevereiro de 2009: €1.507,00 (28,90 X 52 semanas) + €115,60 (28,90 X 4 semanas) de subsídio de férias = €1.622,60, por cada ano, num total de €5.041,20 (3 anos + 1 mês e 15 dias). Em 2009: €1.107,68 (24,08 X 46 semanas) + €96,32 (24,08 X 4 semanas) de subsídio de férias = €1.204,00. De Janeiro de 2010 a Dezembro de 2018: €1.252,16 (24,08 X 52 semanas) + €96,32 (24,08 X 4 semanas) de subsídio de férias = €1.348,48, por cada ano, num total de €12.136,32 (9 anos). Em 2019: €674,24 (24,08 X 28 semanas) + €96,32 (24,08 X 4 semanas) de subsídio de férias = €770,56. Em 2020: proporcionais de férias e subsídio de férias: €16,05 (€96,32/12 X 2). Assim, é devido ao autor, a título de subsídio de isenção de horário de trabalho o quantitativo total de €19.168,13, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das referidas prestações e até integral pagamento, nessa medida procedendo a apelação. Quanto à indemnização por danos não patrimoniais, que não foi objecto de impugnação nas conclusões, nas mereceu breve referencia a final, nenhuma prova se mostra consignada nos autos, pelo que nada há a censurar à decisão sob recurso. III - Decisão Pelo exposto, acorda-se em rejeitar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, mas, não obstante, julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença sob recurso na parte em que absolveu a ré do pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho, que se substitui pelo presente acórdão, condenando-se a ré no pagamento do valor global a tal título da quantia de €19.168,13 (dezanove mil cento e sessenta e oito euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações referidas na fundamentação supra e até integral pagamento. No mais confirma-se a sentença sob recurso. Custas, em ambas as instâncias, na proporção do vencido. Porto, 14 de Março de 2022 Rui Penha Jerónimo Freitas Nelson Fernandes |