Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
672/20.0T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: ERRO DE ESCRITA
RECTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP20211108672/20.0T8VCD.P1
Data do Acordão: 11/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A retificação de manifesto erro de escrita com base no disposto no artigo 249º do CC está dependente da verificação do erro ostensivo revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração foi feita.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 672/20.0T8VCD.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca do Porto – Jz. Local Cível de Vila do Conde
Apelantes/ B… e C…
Apelado/ “D…, S.A.”

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
B… e mulher C… instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “D…, S.A.” peticionando pela procedência da ação que seja declarado:
“(…) que no documento referenciado no art. 14.º da p.i., se deverá proceder à competente retificação da expressão onde se diz “reconstrução de muro perpendicular“, devendo constar reconstrução do muro “paralelo“, nos termos dos art. 236.º, 247.º e 249.º do CC.
Em consequência perante o seu incumprimento negocial, deverá o Réu ser obrigado a cumprir as obrigações por si assumidas, e proceder à construção do muro assim referenciado, na extrema nascente do prédio rústico dos Autores, E…, identificado no precedente art. 1.º, na extensão de 130m, entre as extremas nascente/norte e nascente-sul, nos termos e condições descritas no art. 54.º desta mesma petição inicial.”.

Para tanto e em suma alegaram:
- na qualidade de proprietários do prédio identificado em 1º da p.i., receberam do R. “o Oficio D…-……/04, emanado do Réu, em que os informava da Expropriação para a construção do D…, SA, da Parcela ..-..-…-., com a área de 1894,22m2, a destacar do prédio rústico” referido em 1º da p.i.;
- “(…) efetuadas as diligências necessárias, como sejam os contactos pessoais, idas ao local, e acerto do valor indemnizatório da parcela a expropriar, viria a ser celebrada a Escritura Pública de Expropriação, no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada do Porto, referente à supra articulada Parcela ..-…-.”;
- no interesse do R. “porquanto existia urgência na celebração da mencionada Escritura Pública, e de acordo com os seus procedimentos habituais, aquando da celebração desta, por aquele foi entregue ao Autor, naquela Secretaria Notarial, a Declaração de Assunção de Obrigações, com o conteúdo das mesmas, conforme documento junto, e que aqui se dá como reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (Doc. 7)”;
- “Todavia, e, como só posteriormente viriam os Autores a verificar, tal declaração contém um erro factual, que não corresponde à vontade das partes, não se coaduna com a realidade física da E…, e até proclama uma realidade física impossível.”;
- No início das obras os AA. solicitaram ao R. a reconstrução do muro de confrontação a nascente entre a sua propriedade e “o caminho de ferro, seja a centenária linha férrea da CP” o que viria a ser assumido na declaração a que respeita o doc. 7;
- por erro de escrita que se revela na própria declaração negocial, ficou a na mesma constar a obrigação do R. em proceder à “reconstrução de um muro de 1,50 metros de altura perpendicular” quando o acordado e que corresponde à real vontade das partes era a reconstrução do muro paralelo.
Erro este cognoscível ou ostensivo por apreensível com segurança nos próprios termos e circunstancialismo da declaração;
- o R. todavia recusa-se a proceder à aludida reconstrução, alegando ter procedido à construção do muro perpendicular à linha férrea, não obstante bem saber que face ao acordo e que esteve sempre presente nos contatos preliminares foi a construção do muro paralelo.
Termos em que concluiu nos termos acima mencionados.
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Contestou o R., impugnando o alegado; negando o invocado erro e afirmando ter já cumprido a sua obrigação constante do documento em questão e que traduz a vontade real do declarante.
Mais invocou o R. a exceção de caducidade da arguida anulabilidade - artigo 287º nº 1 do CC.
Termos em que concluiu pela sua absolvição dos pedidos formulados.
Após agendada tentativa de conciliação que resultou frustrada, foram os AA. notificados para querendo exercer o contraditório em relação à exceção invocada na contestação.
Responderam estes invocando que a ação se funda em erro de escrita ou cálculo e subsidiariamente no erro obstáculo e por tanto o pedido formulado é de “retificação da declaração” pelo que não é aplicável à pretensão dos AA. o regime da anulabilidade. Assim pugnando pela sua improcedência.
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Proferiu então o tribunal a quo decisão de mérito, concluindo:
“VI - Decisão
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais referidas decido julgar totalmente improcedente a ação e em consequência absolvo a Ré dos pedidos contra si formulados.”
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Do assim decidido, apelaram os AA. oferecendo alegações e formulando as seguintes
CONCLUSÕES
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Contra-alegou o R., tendo a final formulado as seguintes

CONCLUSÕES:
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTUALIDADE PROVADA.
(O tribunal a quo julgou assente a seguinte factualidade)
“Com relevo para a decisão a proferir nos presentes autos, por acordo das partes (artigo 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil) e por constarem de documentos com força probatória bastante, consideram-se assentes os seguintes factos:
1. Os Autores receberam o ofício D…-……/04, datado de 26 de Novembro de 2004, emanado da Ré, em que os informava da Expropriação para a construção do D…, SA, da Parcela ..-..-…-., com a área de 1894,22m2, a destacar do prédio rústico denominado “F… ou E…”, sita no …, freguesia …, concelho de Vila do Conde, inscrito na respetiva matriz rústica sob o art.º 651e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 504/….
2. A parcela referida em 1. seria inserida no troço Senhora da Hora – Vila do Conde – Póvoa de Varzim, para duplicação da linha do sistema de Metro ligeiro.
3. Efetuadas as diligências necessárias, como sejam os contactos pessoais, idas ao local, e acerto do valor indemnizatório da parcela a expropriar, viria a ser celebrada a Escritura Pública de Expropriação, no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada do Porto, referente à supra articulada Parcela ..-…-..
4. Aquando da celebração da escritura referida em 3. foi entregue pela Ré o documento intitulado “Declaração de Assunção de Obrigações”, conforme documento n.º 7 junto com a PI, e que aqui se dá como reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, com o seguinte teor:
“D…, S.A., com sede na …, …. – 7.º andar, na cidade do Porto, pessoa coletiva nº ………, registada a Conservatória do Registo Comercial do Porto, sob n.º 51498, com o capital social de 5.000.000,00 euros (cinco milhões de euros), no âmbito da expropriação da parcela ..-..-…-., com a área de 1.894,22 m2, a destacar do prédio rústico, denominado por “F…” ou “E…”, sita no …, na freguesia …, concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 00504/031028, inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo 651º, declara para os devidos efeitos, que irá proceder nesta parcela, à colocação da cancela em falta, assim como à reconstrução do muro com 1,5 metros de altura, perpendicular à linha
Porto, 28 de Junho de 2006”.
5. Por comunicação escrita remetida pela Ré ao mandatário dos Autores, datada de 04-11-2009, a primeira informou aos segundos o seguinte: “No que respeita à parcela ..-..-…-., a indicação dada pelos nossos técnicos é que fizemos a reconstrução dos muros perpendiculares ao canal e a reposição do portão de entrada. Essas benfeitorias eram bem visíveis nas fotos antigas e foram repostas.
Quanto ao muro ao longo do canal não consta sobre este nenhum registo.”.
III- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta ser questão a apreciar se os autos habilitavam já ao conhecimento do pedido de “retificação” da declaração emitida pelo aqui R., fundado em erro de escrita ao abrigo do disposto no artigo 249º do CC tal como o tribunal a quo o entendeu, julgando este improcedente.
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IV- Fundamentação de direito.
Alegam os recorrentes que a factualidade por si alegada em 13º, 14º, 16º, 18º a 25º e 30º a 33º da p.i. suportada pela documentação oferecida, a ser julgada provada, conduziria à procedência dos pedidos formulados na devida interpretação da declaração da vontade ao abrigo do disposto no artigo 249º do CC.
Motivo por que pugnam pelo prosseguimento dos autos para apreciação de tal factualidade.
Mais defendem que a interpretação da declaração da vontade para além do elemento literal deve ter em conta outros elementos circunstanciais e envolventes que serviram para a sua formação.
Tendo presente que os factos julgados assentes pelo tribunal a quo e supra elencados de 1 a 5 não foram impugnados, deixam-se aqui reproduzidos os demais pontos factuais que os recorrentes entendem deveriam ter sido submetidos à apreciação do julgador na medida em que e se provados, a seu ver, importariam a procedência do seu pedido a coberto do disposição legal contida no artigo 249º do CC que em seguida analisaremos.
Alegaram portanto os recorrentes nos pontos factuais que convocaram o seguinte:
“13º
Dentro do espírito do conhecimento mútuo, e de compreensão, que ao longo do tempo se estabeleceu, e que conduziria sempre à Expropriação Amigável,
14º
No interesse do Réu, porquanto existia urgência na celebração da mencionada Escritura Pública, e de acordo com os seus procedimentos habituais, aquando da celebração desta, por aquele foi entregue ao Autor, naquela Secretaria Notarial, a Declaração de Assunção de Obrigações, com o conteúdo das mesmas, conforme documento junto, e que aqui se dá como reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (Doc. 7)
(…)
16º
Todavia, e, como só posteriormente viriam os Autores a verificar, tal declaração contém um erro factual, que não corresponde à vontade das partes, não se coaduna com a realidade física da E…, e até proclama uma realidade física impossível.
(…)
18º
Como consta das confrontações da mencionada E…, a sua confrontação nascente era o caminho de ferro, seja a centenária linha férrea da CP, que ligava o Porto à Póvoa de Varzim, passando por …, onde existiu a respetiva Estação.
19º
Tal confrontação, na extensão de 130 metros, entre as extremas nascente/norte e nascente/sul, era feita através de muro de perpianho, situado a cerca de 4/5 metros da linha férrea, com a altura de 1,5 metros.
20º
Como então, na extrema nascente da E…, existisse uma servidão e passagem de pé e carro a favor da propriedade confrontante a sul do prédio rústico dos aqui Autores.
21º
O avô do Autor Marido, a fim de evitar os incómodos e as discussões, que como sabemos, tais servidões sempre implicavam,
22º
A cerca de 2/3 metros do muro descrito no precedente art. 19º, e paralelamente ao mesmo (seja no sentido norte-sul), procedeu à construção de outro muro, com as mesmas características.
23º
Passando a serventia referida no precedente art. 20º, a ser feita entre os dois muros, esclarecendo-se que a mesma deixou de existir sobre o prédio dos Autores.
24º
Ora, a fim de proceder à duplicação desta linha férrea, com destino ao Sistema Operacional da denominada Linha da Póvoa do D…, SA,
25º
Procedeu o Réu à destruição dos mencionados muros, e operar o termo das obras no local,
(…)
30º
E, desde logo, os muros perpendiculares à linha férrea ou de Metro, que a partir desta se orientam no sentido Nascente-Poente da E…, e não as suas confrontações Norte e Sul,
31º
Sempre existiram desde sempre (há mais de cem anos), com a natureza, forma e configuração que hoje têm, nunca tendo sido reconstruídos.
32º
Como facilmente se verifica no local, resulta de documentação junta, e é sabido por toda a freguesia.
33º
E, para tal efeito de igual modo se juntam três fotografias, donde resultam os denominados muros particulares, e a ausência do muro paralelo, as quais aqui se dão como reproduzidas, para todos os devidos e legais efeitos (Doc. 11, 12)”
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Para o objeto do recurso – delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes, nos termos que já mencionámos - o que releva apreciar é se a factualidade já dada como assente, associada à demais factualidade acima transcrita e alegada pelos recorrentes na p.i. conduziria à procedência da pretensão dos recorrentes, com fundamento no disposto no artigo 249º do CC.
Dispõe este artigo que “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta”.
Da necessidade imposta por lei de o erro se revelar no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita deriva a exigida natureza ostensiva do lapso a corrigir, sob pena de o erro cair no âmbito do artigo 247º - o qual prevê a possibilidade de a declaração ser anulável quando a declaração não corresponda à real vontade do seu autor e desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro [cfr. artigo 247º do CC].
A necessidade de o erro – o simples erro – ser ostensivo já era mencionada por Pires de Lima e Antunes Varela in CC Anotado, vol. I, 4ª edição revista e atualizada em anotação ao artigo 249º, p. 234, convocando o decidido num Ac. do STJ de 14/03/1972 publicado no BMJ nº 215, p. 239 e segs. [cfr. nota 1 a tal artigo][1].
Exemplificando estes autores como situação de erro ostensivo - erro de cálculo ou de escrita - a fixação do “termo de um contrato de arrendamento por seis meses que começou em 1 de agosto, o dia 31 de dezembro”.
O erro é tal como exemplificado de forma ostensiva, evidenciado no próprio contexto da declaração.
E ambas as partes estarão como tal cientes do mesmo, derivando a desconformidade entre o declarado e a vontade conhecida de ambas as partes, de mero lapso material ou de manifesto defeito na sua formulação. Que por via das regras da interpretação indicadas no artigo 236º do CC é eliminável.
Motivo por que alguns autores vêm afirmando que neste caso não há uma verdadeira divergência entre a vontade e o declarado, já que “com base no critério de interpretação do negócio jurídico do artigo 236º nº1, essa vontade se deduz dos termos, contexto ou circunstâncias da declaração” [cfr. Maria João Vaz Tomé em Anotação ao artigo 249º do CC in “Comentário ao Código Civil, Parte Geral”, Universidade Católica Editora, 2014, p. 587][2].
Consequentemente pressupondo a situação de simples erro prevista neste artigo 249º a validade do negócio, motivo porque confere apenas o direito à sua retificação e já não a sua anulabilidade.
Anulabilidade, ao invés, prevista para as situações de verdadeira divergência entre a vontade declarada e a vontade real por erro na declaração [ou erro obstáculo[3]] quando a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro seja do conhecimento ou não devesse ser ignorada pelo declaratário (vide artigo 247º). E que está sujeita aos requisitos temporais e de legitimidade previstos no artigo 287º do CC para a sua arguição.
Requisitos estes não aplicáveis à situação a que se reporta o artigo 249º precisamente porque na mesma está em causa um simples e ostensivo erro, sanável por retificação.
Tendo presentes estes considerandos e revertendo agora ao que foi alegado pelos autores, temos que a procedência da sua pretensão fundada no disposto no artigo 249º do CC está dependente da verificação do erro ostensivo revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração foi feita.
Os AA. alegam que na declaração mencionada no ponto 4 dos factos assentes, onde a final consta que o ora recorrido declara que “para os devidos efeitos (…) irá proceder nesta parcela, à colocação da cancela em falta, assim como à reconstrução do muro com 1,5 metros de altura, perpendicular à linha” só por lapso nesta consta perpendicular, pois o que esteve sempre presente nos “contatos preliminares” foi a construção do muro paralelo à via férrea, hoje linha do metro (vide 29º da p.i.).
Padecendo neste ponto a declaração do invocado lapso.
E na suas conclusões de recurso alegam os recorrentes que o por si alegado é suportado na documentação por si oferecida aos autos.
É claro que o texto da declaração em causa não revela de forma ostensiva o lapso alegado.
Nada no mesmo indicia a existência de qualquer erro de escrita na declaração nele contida.
O sentido da declaração é unívoco e claro.
Certamente de tal cientes, os recorrentes alegaram que na devida interpretação do artigo 249º, este permite levar em conta “na interpretação da declaração da vontade” para além do elemento literal, outros elementos circunstanciais e envolventes que serviram para a formação da vontade.
Elementos que alegaram nos pontos factuais acima reproduzidos e que estão a seu ver suportados pela documentação oferecida.
Analisada a documentação oferecida nada evidencia o alegado erro ostensivo.
Bem pelo contrário.
Sendo a declaração questionada de 28/06/2006, juntaram os recorrentes com a sua petição um fax de 5 de abril de 2006 dirigido aqui R. (numerado como doc. 9) no qual descriminam os trabalhos referentes à parcela …-. (ou seja os trabalhos que pretendiam fossem executados pelo aqui R.).
Trabalhos que assim identificaram
“- Reconstrução do muro de vedação da propriedade que se estendia no sentido norte-sul
- Reconstrução do muro de perpianho no mesmo sentido norte-sul
- Reconstrução da Entrada para a propriedade no extremo norte/nascente e cancela, o que implica construção de rampa.
- Reconstrução do muro de perpianho existente no sentido nascente-poente, junto ao poste aí existente.
(…)”
Ou seja neste fax solicitam os recorrentes a reconstrução:
- de dois muros um de vedação e outro de perpianho que se estendiam no sentido norte sul (perpendicular à linha portanto);
- e um outro de perpianho existente no sentido nascente/poente e portanto paralelo à linha.
No extremo norte/nascente solicitando ainda a reconstrução da entrada e cancela.
Ora nos termos da declaração emitida e questionada, do exigido em abril resulta assumida em junho a obrigação pelo aqui R. de apenas parte das exigências dos recorrentes – as que respeitam ao muro perpendicular à linha, ou seja o que se estendia no sentido norte sul e em cujo extremo (com nascente) existia uma cancela que o recorrido igualmente se obrigou a colocar.
Temos assim que a própria prova documental oferecida pelos recorrentes infirma o alegado erro ostensivo, ou a alegada impossibilidade física.
Toda a factualidade descrita pelos recorrentes que em sede de recurso invocaram e que acima deixámos transcrita, tendo em conta a análise documental efetuada e apesar da mesma, poderia conduzir à demonstração de eventual erro na declaração por divergência entre a vontade declarada e a vontade real.
Não enquadra porém o ostensivo erro de escrita que enquanto tal tem de ser identificável por si só.
Tal como afirmado no Ac. TRC de 24/05/2005, nº de processo 480/05 in www.dgsi.pt o chamado erro de escrita é “corrigível em face do contexto ou das circunstâncias da declaração: ao ler o texto logo se vê que há erro e logo se entende o que o interessado queria dizer. Essa modalidade de erro respeita à interpretação e daí que o ato devidamente interpretado em função do seu contexto (elemento sistemático) e circunstâncias (elementos extraliterais) deva permanecer válido com o sentido de que, afinal, é portador. Em tais casos, o ato vale, com o seu verdadeiro sentido, sendo irrelevante o erro material Cfr. J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 1977, págs. 82 e 83..
De qualquer modo tal erro só pode ser retificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto Cfr., neste sentido, Antunes Varela, Cód. Civil, anotado, 1ª edição, I Volume, pág. 161, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1973, pág. 563, e Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, pág. 35, e Heinrich Ewald Horster, A Parte Geral do Cód. Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, pág. 566..”
É esta evidência ostensiva que in casu inexiste, face ao contexto e circunstâncias da declaração acima analisados.
Em suma não merece censura o decidido pelo tribunal a quo ao julgar manifestamente improcedente a pretensão dos recorrentes em obter a retificação da declaração fundada em manifesto erro de escrita por não verificados os pressupostos do artigo 249º do CC.
Quanto ao mais e nomeadamente à situação de eventual erro por divergência entre a vontade declarada e a vontade real, que os recorrentes efetivamente alegaram em 36º e 37º da p.i., apreciou o tribunal a quo tal causa de pedir julgando a mesma improcedente pelos fundamentos que expôs e não foram alvo de censura pelos recorrentes. Tendo como tal transitado nessa parte a decisão recorrida.

Termos em que se tem de concluir pela total improcedência do recurso interposto.
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V. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelos AA. consequentemente se mantendo a decisão recorrida.
Custas do recurso pelos recorrentes.

Porto, 2021-11-08
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
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[1] Também por Carlos A. Mota Pinto in “Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição atualizada de Coimbra Editora, de 1989, p.498.
[2] Também Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão P. Vasconcelos in “Teoria Geral do Direito Civil”, 9ª edição, Almedina, 2020, p. 698/699 no mesmo sentido afirmam que neste artigo 249º prevê o código “um caso muito próximo do erro-obstáculo e que consiste na ocorrência de um erro de cálculo ou de escrita (lapsus calami).
(…) o declarante faz constar algo de errado na sua declaração, não porque tenha sofrido de uma falsa perceção da realidade (erro-vício), nem porque se tenha enganado na expressão (erro-obstáculo), mas porque se enganou nas contas, porque errou uma operação de cálculo. O mesmo sucede também com frequência quando o declarante erra ao escrever.
(…)
A correção do erro de cálculo ou de escrita só pode ser efetuada, salvo acordo das partes, desde que o erro seja revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita. (…) A base da correção pode ainda ser encontrada fora da sua própria declaração, desde que resulte das circunstâncias em que foi feita.”.
[3] Erro obstáculo porquanto “impede a expressão correta da vontade negocial” por contraposição ao “erro vício que incide no processo de formação da vontade negocial, sobre o processo deliberativo e que faz com que a pessoa decida fazer aquilo que se não houvesse erro não o faria”. No “erro-vício a pessoa erra ao decidir; no erro-obstáculo a pessoa erra ao declarar” – cfr. Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão P. Vasconcelos in ob cit. p. 697.