Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3642/21.7JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO M. MENEZES
Descritores: VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
Nº do Documento: RP202511123642/21.7JAPRT.P1
Data do Acordão: 11/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AUDIÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não viola a Constituição da República Portuguesa (em particular, por violação do direito de defesa do arguido) o entendimento de que as declarações para memória futura prestadas por menor vítima de abuso sexual não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta na formação da convicção do tribunal.
II - Tendo à vítima de crime sexual sido conferido o estatuto de «vítima especialmente vulnerável», a sua audição em julgamento só seria de ordenar se tal se revelasse indispensável para a descoberta da verdade; não tendo o Tribunal entendido que fosse necessário fazê-lo, sempre poderia o arguido, se assim o entendesse, ter requerido a realização de tal diligência probatória.
III - A eventual improcedência dos fundamentos invocados para justificar a aplicação de determinada pena acessória não se confunde com a falta de fundamentação da decisão do Tribunal nessa parte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º: 3642/21.7JAPRT.P1
Origem: Juízo Central Criminal do Porto (Juiz 4)
Recorrente: AA
Referência do documento: 19943155
I
1. O aqui recorrente impugna, com o presente recurso, decisão proferida no Juízo Central Criminal do Porto (Juiz 4) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que o condenou, (1) «pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 171.º, nº1, 177.º, nº1, al. b), 69.º-B, nº2, e 69.º-C, nºs 2 e 3, do Código Penal» (para o qual se convolou o «crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 172.º, nº1, al. b), e 177.º, nº1, al. b), do Código Penal» que lhe era imputado), «na pena [...] de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende[u] pelo período de 4 (quatro) anos, nos termos conjugados dos artigos 50.º, nºs 1 a 5, 51.º, nº1, al. a), nº2 e nº3, 53.º, nºs 1, 2 e 4, e 54.º, nºs 1 a 4, do Código Penal, mediante regime de prova, o qual incluirá: a) a obrigação de pagar à lesada [...]BB, a título de indemnização, a quantia total de 1.000 € (mil euros), no prazo de 4 (quatro) anos, contado a partir da data do trânsito em julgado do [...] acórdão, devendo o arguido comprovar semestralmente nos autos a entrega à lesada do montante (parcial) de 125 € (cento e vinte e cinco euros); e b) visando em particular a prevenção da reincidência, o acompanhamento técnico do arguido que se mostre necessário, designadamente através da frequência de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens», bem como (2) nas penas acessórias de «proibição do exercício de funções, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº2 do artigo 69.º-B do Código Penal», «de proibição de confiança de menores pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº2 do artigo 69.º-C do Código Penal»; e «de inibição do exercício das responsabilidades parentais pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº3 do artigo 69.º-C do Código Penal», e (3) a «pagar à vítima BB[...], a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que a esta causou, a quantia total de 1.000 € (mil euros), acrescida dos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento, vencidos e vincendos desde a data desta decisão até integral pagamento».
2. Este é, na parte aqui relevante, o texto da decisão recorrida:
«i. relatório
O Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, contra o arguido:
– AA, [...]filho de CC e de DD, natural de ..., Rio de Janeiro, Brasil, nascido em ../../1981, solteiro, pintor da construção civil, residente na Rua ..., ..., ... ..., Loures, e titular da autorização de residência nº...... (válida até 21.11.2025),
imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e com dolo directo, de um crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 172.º, nº1, al. b), e 177.º, nº1, al. b), do Código Penal.
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Foi atribuído o estatuto de «vítima especialmente vulnerável» à ofendida BB (cf. doc. a fls. 38-41).
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O Ministério Público promoveu o arbitramento à ofendida menor de uma quantia, a título de reparação pelos prejuízos sofridos, de acordo com o disposto no artigo 82.º-A do CPP, ex vi artigo 16.º, nº2, da Lei nº130/2015, de 4.09, caso não venha a ser deduzido pedido de indemnização civil por parte da sua legal representante.
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Saneado o processo, designou-se dia para a audiência de julgamento.
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O arguido não apresentou contestação nem meios de prova.
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Procedeu-se ao julgamento com observância das formalidades legais, conforme consta das respectivas actas.
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No decurso da audiência, verificou-se uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação pública, pelo que, em observância ao disposto no artigo 358.º, nºs 1 e 3, do CPP, a mesma foi oficiosamente comunicada ao arguido, o qual não requereu prazo para preparar a sua defesa.
[...]
Os pressupostos da instância mantêm-se válidos e regulares.
ii. fundamentação
II.1. Factos provados
Discutida a causa e com interesse para a sua justa decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto:
a) Da acusação:
1. Entre inícios de Agosto e o dia 13 de Setembro de 2021, o arguido viveu em comunhão de cama, mesa e habitação com EE, na residência sita em ..., nº..., entrada pelo r/c, ... ..., em Vila Nova de Gaia.
2. Com o arguido e EE viviam as filhas desta, a ofendida BB, nascida em ../../2013, e FF, nascida em ../../2019.
3. Desde que iniciaram a coabitação mencionada em 1), o arguido passou a participar dos cuidados diários da ofendida BB e da menor FF.
4. Em data e hora que não foi possível apurar em concreto, mas entre os dias 3 e 5 de Setembro de 2021, à noite, o arguido encontrava-se somente com a ofendida BB a ver televisão, no sofá da sala da residência indicada em 1).
5. Nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas em 4), a ofendida BB pediu ao arguido que lhe fizesse cócegas nas costas, para adormecer.
6. O arguido AA fez cócegas por todo o corpo da ofendida e acariciou os seios e a vagina desta, por dentro do pijama que a mesma tinha vestido.
7. Seguidamente, o arguido retirou o seu pénis do interior das calças que trajava e tentou aproximá-lo da vagina da ofendida.
8. De imediato, a ofendida disse ao arguido “ó tio, põe isso para dentro, isso é feio!”, tendo o mesmo retorquido “fala baixo, não podes contar à mãe!”, colocando, seguidamente, o seu pénis para dentro das calças.
9. A ofendida BB adormeceu na sala, despertando, posteriormente, com o arguido a acariciar-lhe os seios, por dentro da camisola do pijama que trazia vestido.
10. Incomodada com o descrito em 9), a ofendida foi para o quarto que a sua mãe partilhava com o arguido.
11. A mãe da ofendida não se apercebeu da prática dos actos do arguido supra descritos, pois a mesma encontrava-se no quarto das crianças, a adormecer a filha FF.
12. O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito, conseguido, de apalpar os seios e a zona genital da ofendida, para satisfazer os seus desejos libidinosos, e ciente de que a idade da ofendida era muito inferior a 14 anos, mais sabendo que a sua actuação, supra descrita, ofendia a moral sexual e atentava contra a liberdade de autodeterminação sexual da ofendida, prejudicando, dessa forma, o desenvolvimento da personalidade da mesma.
13. O arguido sabia que praticava os factos supra descritos aproveitando-se do facto de coabitar com a ofendida e de fazer parte do agregado familiar desta, assim como da relação de proximidade que mantinha com a mesma.
14. O arguido sabia que todas as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.
b) Mais se provou que:
15. Em consequência da conduta do arguido descrita em 6) a 9), a ofendida apresentou, durante cerca de um ano, sintomatologia ansiosa e alterações comportamentais.
16. Presentemente, a ofendida é uma criança alegre e não manifesta sentimentos de desconfiança ou medo em relação aos adultos.
17. Desde 3 de Novembro de 2021, na sequência de acordo de promoção e protecção celebrado perante a CPCJP de ..., a ofendida encontra-se sob a guarda e os cuidados dos avós maternos, com quem reside desde então.
18. Desde 17.11.2021, a mãe da ofendida encontra-se no E.P. ..., a cumprir uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
19. O processo de crescimento e desenvolvimento do arguido decorreu no seio da família de origem, composta pela sua mãe e o seu padrasto, sendo que o seu pai faleceu quando o mesmo tinha 2 anos de idade; o ambiente familiar do arguido era funcionalmente estruturado.
20. O arguido concluiu, no Brasil, o 2º grau escolar, equivalente ao ensino secundário nacional.
21. O arguido iniciou a actividade laboral aos 15 anos, em part-time, como estudante- trabalhador, executando trabalhos indiferenciados e sem vinculação contratual; desde os 19 anos de idade, o arguido tem trabalhado de forma constante e regular, predominantemente como pintor da construção civil.
22. O arguido, de nacionalidade brasileira, encontra-se a residir em Portugal desde 2018, tendo imigrado com a sua então companheira e os dois filhos desta, fixando residência na região do Grande Porto; posteriormente, tal união de facto cessou e o arguido encetou relação amorosa com a mãe da ofendida; terminada a relação amorosa entre a mãe da ofendida e o arguido, este mudou-se para a zona da Grande Lisboa.
23. Actualmente, o arguido trabalha como pintor de construção civil, na empresa “A..., Unipessoal, Lda.”, em regime de prestação de serviços, auferindo o vencimento mensal de cerca de 1.000 €.
24. Desde há cerca de 3 anos, o arguido reside com a sua actual companheira e o filho desta, maior, em apartamento situado em Loures e pertencente àquela.
25. A actual companheira do arguido trabalha como auxiliar de acção educativa, auferindo o salário mínimo nacional, e o filho da mesma encontra-se desempregado.
26. O agregado familiar do arguido despende, mensalmente, o montante global de cerca de 250 €, nos consumos domésticos de água, electricidade, gás e telecomunicações.
27. O arguido não tem filhos nem irmãos.
28. Do certificado do registo criminal do arguido nada consta.
II.2. Factos não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a justa decisão da causa, designadamente:
Da acusação:
a) Nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas em 5), a ofendida encontrava-se no colo do arguido.
b) Nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas em 9), a ofendida acordou com o arguido a puxar-lhe a camisola do pijama para cima.
c) Seguidamente ao descrito em 10), o arguido foi ao encontro da ofendida no quarto aí mencionado, onde puxou para cima a camisola do pijama da ofendida e acariciou os seios da mesma.
d) O arguido agiu aproveitando-se do ascendente que tinha sobre a ofendida e sabendo que também era responsável pela sua educação e assistência.
e) Quaisquer outros factos, designadamente constantes da acusação pública, que não se encontrem descritos como provados ou que sejam contraditórios em relação aos mesmos, sendo a demais matéria alegada irrelevante, conclusiva ou de direito.
II.3. Motivação de facto
O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica do conjunto das provas examinadas e/ou produzidas em audiência de julgamento.
Antes de mais, cumpre salientar que, na falta de elementos de prova que sustentem, cabalmente e com o rigor e a segurança exigíveis, a factualidade imputada ao arguido, persistirá a dúvida razoável sobre a verificação e a autoria dos factos, pelo que, de acordo com o princípio fundamental da presunção de inocência do arguido, plasmado no artigo 32.º, nº2, da CRP, tal incerteza não poderá e, por isso, não irá desfavorecê-lo (in dubio pro reo).
A filiação e a idade da vítima BB estão provadas com base no teor da certidão do respectivo assento de nascimento, a fls. 113-114.
A data de nascimento da irmã da ofendida está provada com base na informação da respectiva identificação civil, a fls. 42.
Em sede de inquérito, o arguido não prestou declarações sobre os factos que então lhe foram imputados perante autoridade judiciária (magistrado do Ministério Público e/ou juiz de instrução), pelo que não existem declarações de arguido a valorar como meio de prova, ao abrigo dos artigos 141.º, nº1 e nº4, al. b), 355.º, nºs 1 e 2, e 357.º, nº1, al. b), nº2 e nº3, do CPP.
Na audiência de julgamento, o arguido optou por prestar declarações.
O arguido admitiu ter mantido com a testemunha EE, a mãe da ofendida BB, um relacionamento amoroso, de curta duração, esclarecendo que apenas viveram conjuntamente durante não mais do que 2 meses. O arguido afirmou, igualmente, que a relação entre ambos cessou e o mesmo deixou de coabitar com EE e as duas filhas menores desta no dia subsequente àquele em que a autoridade policial ali se deslocou (à noite), a solicitação de EE, a propósito de um desentendimento entre ambos ocorrido nessa mesma noite, por motivo de ciúme daquela em relação à sua anterior companheira (pois o arguido, nessa noite, havia telefonado a esta última – a testemunha GG – que, à data, ainda não havia regressado para o Brasil).
O arguido negou, categoricamente, todos os actos sexuais que lhe são imputados na acusação, sustentando, para o efeito, que, enquanto residiram todos juntos, em ambiente de “recém-casado” (sic) com EE, cuidava das filhas desta “como se fossem suas filhas” (sic), participando no quotidiano das mesmas (sendo o arguido quem, por exemplo, confeccionava as refeições). Daí que admitiu como possível ter feito cócegas à ofendida BB numa das noites (que identificou como sendo a noite anterior à manhã em que deixou de coabitar com o agregado familiar da ofendida), em contexto de brincadeira e nunca tocando na região dos seios e da vagina da menor, sendo que, nesse momento, a mãe da ofendida encontrava-se no quarto das crianças, a adormecer a outra filha (ainda bebé). O arguido referiu, igualmente, que, nessa ocasião, EE, depois de ter adormecido a outra filha (FF), foi ter com o mesmo e a ofendida à sala (contígua aos quartos da habitação), onde os três ficaram a ver televisão; após, a ofendida e a mãe foram dormir para o quarto do casal, tendo o mesmo permanecido na sala, onde dormiu até à manhã do dia seguinte.
O arguido mais afirmou que, no dia seguinte, foi a mãe da ofendida que o conduziu até à estação de metro de ... Ovídio (em Vila Nova de Gaia), onde a sua ex- companheira (a testemunha GG) estava a aguardá-lo, em virtude de o mesmo lhe ter ligado, ainda na noite anterior, a relatar a discussão que havia tido com EE. O arguido referiu, também, que cerca de uma hora depois de a testemunha EE o ter deixado na aludida estação de metro, a mesma telefonou-lhe, dizendo-lhe que o mesmo “não ia ser feliz” com a ex-companheira, chamando-o de “pedófilo” e que ia matá-lo, porque o mesmo havia “abusado” da sua filha (sic).
O arguido sustentou, assim, que foi a testemunha EE quem, exclusivamente movida pelos ciúmes que sentia em relação à ex-companheira do mesmo, “fabricou” os factos narrados na acusação e conseguiu manipular (psicologicamente) a ofendida, determinando a menor a prestar as concretas declarações que prestou no âmbito deste processo.
O testemunho de EE, mãe da ofendida, foi coincidente com as declarações do arguido somente no que respeita à duração do relacionamento amoroso entre ambos e ao tempo da coabitação (limitando este último a cerca de um mês, até ao dia, de Setembro de 2021, em que o arguido deixou de residir com a mesma e as suas filhas).
Já relativamente à deslocação da GNR à residência de ambos, na noite a que o arguido também se referiu, a testemunha EE afirmou que tal deveu-se ao facto de, nessa mesma noite, o arguido apresentar-se extremamente embriagado e a mesma pretender, por isso, que o mesmo deixasse de ali residir; a depoente refutou, assim, de modo que se nos afigurou consistente, verosímil e sincero, os motivos, invocados pelo arguido, que estiveram na origem da sua atitude na mencionada noite (ou seja, não foi motivada por ciúme em relação à anterior companheira do arguido). A testemunha EE afirmou, ainda, que, nessa noite, depois de adormecer a filha mais nova, foi buscar a ofendida à sala, onde esta se encontrava com o arguido, e levou-a para o quarto do casal, onde dormiram, sendo que o arguido dormiu na sala.
A testemunha EE esclareceu que a ofendida apenas lhe transmitiu o que havia vivenciado com o arguido já depois de a depoente ter regressado a casa, vinda da estação de metro aonde conduzira o arguido, na manhã em que este foi embora da sua residência – o que é compatível com a circunstância de a referida testemunha ter denunciado os factos à autoridade policial apenas no final dessa mesma manhã (do dia 13.09.2021), conforme consta do auto de notícia a fls. 8-9.
Assim, esta testemunha, procurando reproduzir o que a ofendida lhe contou, fazendo uso das expressões que esta empregou perante si, mencionou que aquela lhe disse que, numa ocasião (que não a noite anterior) em que se encontrava no sofá da sala, somente na companhia do arguido (a quem tratava por “tio”) e enquanto a depoente estava a adormecer a “mana” (no quarto), aquele tocou nas suas “maminhas”, “pôs a pilinha para fora”, disse-lhe para tocar no pénis com a sua mão e que não contasse à mãe, porque esta ficaria “com ciúmes”. A testemunha referiu, igualmente, que a ofendida não lhe referiu que o arguido havia tocado na sua genitália, nem lhe especificou se o arguido havia tocado nos seus seios por cima ou por baixo da t-shirt que compunha o pijama que, em tal noite, trazia vestido. A mesma testemunha mais evidenciou que a ofendida não lhe falou da situação narrada sob os nºs 9 e 11 da acusação.
A testemunha HH, pai da ofendida, prestando um depoimento descomprometido e espontâneo, evidenciou ter tomado conhecimento da situação em causa nos autos através do que a ofendida pessoalmente lhe transmitiu, quando se deslocou à residência desta, a pedido da testemunha EE, para ambos falarem sobre o assunto. A ofendida descreveu-lhe o sucedido como tendo ocorrido numa única ocasião, na sala da habitação, onde o arguido lhe tocou “no pipi”, “por baixo da roupa” que trazia vestida. Por outro lado, o depoente efectuou um relato, igualmente consistente e verosímil, acerca do comportamento da ofendida após a data dos factos, mencionando que a mesma foi acompanhada por psicólogo durante cerca de um ano, período durante o qual sofreu uma quebra no seu rendimento escolar; presentemente, a ofendida é uma criança alegre e não manifesta qualquer comportamento de desconfiança e/ou medo em relação a pessoas adultas.
As declarações para memória futura (abreviadamente, DMF) prestadas pela vítima BB perante juiz de instrução, no decurso do inquérito – a que corresponde o auto de 26.05.2022 (ref.ª Citius nº437087582), a fls. 157-158 –, apesar de não terem sido reproduzidas (ouvidas e/ou lidas) na audiência de julgamento, foram consideradas como meio de prova válido, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 271.º, nºs 1 a 7, 355.º, nºs 1 e 2, e 356.º, nº2, al. a), do CPP, em virtude do douto Acórdão do STJ nº8/2017, de 11.10.2017, que fixou jurisprudência nos seguintes termos: “As declarações para memória futura, prestadas nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal, não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355.º e 356.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código”- in DR, nº224/2017, Série I, de 21.11.2017, pp. 6090- 6113.
Nessas declarações, que prestou quando ainda tinha 8 anos de idade, a vítima descreveu/concretizou os factos que mostrou ter efectivamente vivenciado com o arguido, nos termos em que se encontram descritos sob os nºs 4 a 10 dos factos provados.
Ouvidas tais declarações, verifica-se que a vítima menor adoptou um relato espontâneo, escorreito e coerente dos factos que evidenciou ter vivenciado com o arguido, não sendo perceptível, em qualquer momento do seu discurso, alguma verbalização indiciadora de eventual manipulação (psicológica) ou instrumentalização por parte de terceiro (nomeadamente, a sua mãe ou outro familiar próximo) ou de confabulação.
Aliás, a credibilidade destas DMF encontra-se sustentada através da perícia psicológica forense realizada (em 15.12.2021) à vítima, conforme consta do respectivo relatório pericial, junto em 18.03.2022 (ref.ª Citius nº31707455), a fls. 124-127.
Com efeito, durante este exame, a vítima apresentou-se “com um humor eutímico (isto é, normal e sem alterações) e a sua expressão afectiva revelou-se congruente com o seu discurso, que, por sua vez, foi fluido e coerente”, não tendo sido notadas “alterações formais de pensamento” (pág. 3 do relatório pericial).
Neste exame pericial, a ofendida/vítima “demonstrou ser capaz de responder a questões genéricas e específicas sobre eventos neutros e sobre os eventos em estudo, possuindo competências narrativas adequadas e fornecendo informações acerca dos contextos, protagonistas e dinâmicas e pormenores presentes nos acontecimentos”, mais revelando “ser capaz de distinguir a verdade da mentira e de corrigir espontaneamente o seu próprio discurso e o da perita” (págs. 4 e 5 do relatório pericial).
A ofendida/vítima menor efectuou “a descrição dos factos e dos detalhes periféricos, com ressonância afectiva e mantendo um relato congruente”, sendo, por isso, a sua narrativa “credível e consistente” (pág. 5 do mesmo relatório).
Relativamente ao desenvolvimento sociomoral, a examinada encontra-se “num nível convencional, na medida em que demonstra preocupação com a sua maneira de ser e utiliza o seu juízo crítico para avaliar as acções como sendo boas ou más segundo a intenção de quem as pratica” – cf. pág. 5 do mesmo relatório.
No decurso desta avaliação psicológica, foram identificadas na menor “algumas dificuldades na sua autorregulação emocional (capacidade de gestão das emoções e construção de respostas adequadas ao contexto)”, apresentando “sintomatologia ansiosa e alterações comportamentais, que são compatíveis com a vivência de situações ansiógenas e emocionalmente intensas, com marcadas fragilidades decorrentes das alegadas situações abusivas, descritas pela criança como envolvendo um companheiro da sua progenitora” – pág. 5 do relatório pericial).
Nas DMF, a vítima afirmou que, depois de o arguido ter interagido com a mesma na sala da habitação nos termos em que então descreveu, foi para a cama do quarto do casal, onde o arguido foi ao seu encontro e voltou a acariciá-la, agora apenas nos seios, enquanto a sua mãe também estava ali deitada, a dormir.
Contudo, na análise articulada das DMF da vítima BB com os depoimentos prestados, na audiência de julgamento, pelas testemunhas EE e HH (os seus pais, a quem a mesma transmitiu o sucedido), verifica-se que a mesma não mencionou aos seus pais que parte dos factos ocorreu num dos quartos da residência, tendo localizado a prática de todos eles numa outra divisão da casa: a sala.
Ora, ponderando que a vítima nunca fez referência aos seus pais que alguns dos factos ocorreram numa outra divisão da casa, diferente da sala (local onde centrou o episódio), e por não ser muito provável, à luz das regras da experiência comum, que o arguido tivesse “arriscado” perpetrar qualquer tipo de acto sexual sobre uma criança num compartimento da habitação onde também estava presente, ainda que a dormir, a sua própria mãe, o Tribunal não conseguiu superar a dúvida, razoável, sobre a veracidade dessa parte do evento que a ofendida relatou, pois a correspondente factualidade não resultou, assim, provada com o rigor e a segurança exigíveis.
Aqui chegados, cumpre ainda salientar que, contrariamente ao que o arguido procurou convencer o Tribunal, a testemunha EE não revelou ser uma pessoa manipuladora ou temida pelas suas filhas, ao ponto de a ofendida ter sustentado a narrativa que sustentou nos autos por medo à sua mãe.
Do relatório a fls. 101-106 (junto aos autos em 30.12.2021, ref.ª Citius nº30923567), correspondente à perícia sexual efectuada (em 17.12.2021) à vítima menor, decorre que esta não apresentava vestígios físicos compatíveis com contacto sexual. Este meio probatório acabou por não se mostrar pertinente para o apuramento dos factos, na medida em que não é imputada ao arguido a prática de actos sexuais correspondentes a cópula, coito (oral ou anal) ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos.
A testemunha GG, revelando ter vivido em união de facto com o arguido até 2021, durante cerca de 8 anos, limitou-se a corroborar a tese daquele, no que respeita ao modo de relacionamento do mesmo com os filhos da depoente (três rapazes), enquanto viveram todos conjuntamente, asseverando nunca ter havido sequer suspeita de abuso sexual do arguido em relação aos seus filhos. Contrariamente à testemunha EE, esta testemunha negou que o arguido consumisse produtos estupefacientes ou ingerisse álcool em excesso.
Desta feita e sopesando todos os meios de prova supra analisados, julgou-se provada a factualidade sob os nºs 1 a 16 e não provados os factos sob as als. a) a c).
O facto sob o nº17 decorre do teor dos documentos a fls. 69 a 72.
A factualidade sob o nº18 assenta no teor do documento a fls. 110-111 e do certificado do registo criminal a fls. 112-112 v.º.
Relativamente às condições pessoais e socio-económicas do arguido (factos provados sob os nºs 19 a 27), atendeu-se ao teor do relatório social de 23.05.2025 (ref.ª Citius nº42570609), bem como às declarações do próprio arguido, que, nesta matéria, se mostraram credíveis.
No que tange aos antecedentes criminais do arguido (facto provado sob o nº28), o Tribunal baseou-se exclusivamente no respectivo certificado do registo criminal, emitido em 2.06.2025 (ref.ª Citius nº472679049).
Quanto aos demais factos não provados, os mesmos foram assim julgados por não se ter produzido, quanto a eles, qualquer meio de prova ou meio de prova cabal.
Assim, o facto sob a al. d) resultou infirmado, porquanto, desde logo, não se extraiu das declarações para memória futura da vítima nem dos restantes meios de prova produzidos, supra escrutinados, que o arguido exercesse qualquer tipo de ascendente sobre aquela, para além de que a relação de coabitação entre ambos perdurou por cerca de um mês, o que constitui um período de tempo muito reduzido para uma pessoa estranha à criança assumir a responsabilidade, mesmo de facto, da sua educação e assistência, em termos minimamente sólidos.
II.4. Enquadramento jurídico-penal
a) Do crime de abuso sexual de menores dependentes agravado
O artigo 172.º do Código Penal, na redacção aplicável (introduzida pela Lei nº40/2020, de 18.08), vigente à data dos factos, os quais ocorreram entre Junho e meados de Novembro de 2020, preceitua, na parte que interessa ao caso sub judice: “1- Quem praticar ou levar a praticar acto descrito nos n.ºs 1 ou 2 do artigo anterior, relativamente a menor entre 14 e 18: a) (…); b) Abusando de uma posição de manifesta confiança, de autoridade ou de influência sobre o menor; c) (…); é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.
A pena prevista no artigo 172.º, nº1, do Código Penal (na redacção supra citada) é agravada de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se, designadamente, a vítima se encontrar numa relação de coabitação do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação – cf. artigo 177.º, nº1, al. b), do Código Penal (na mesma redacção).
Este tipo legal de crime protege “o livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, ligado aqui à ideia de que a liberdade e autodeterminação sexual de menores entre 14 e 18 anos, confiados a outrem para educação ou assistência, se encontra em princípio carecida de uma protecção particular”, a qual “advém da especial relação de dependência existente”, a qual, aliás, “pode favorecer a actuação do agente ao restringir as possibilidades de ulterior denúncia dos factos” – cf. Maria João Antunes, in Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial, Tomo I, Coimbra, 1999, p. 554.
Ora, considerando que a vítima tinha, à data dos factos, 8 anos de idade (cf. factos provados sob os nºs 2, 4 e 6 a 8), conclui-se que a conduta do arguido não se subsume ao tipo legal de crime consagrado sob o artigo 172.º do Código Penal, atenta a falta de preenchimento de um dos seus elementos objectivos, qual seja, a idade da vítima menor, que se impõe situar-se entre os 14 e os 18 anos de idade.
Desta feita, há que analisar a factualidade provada à luz do tipo legal de crime que pune os abusos sexuais cometidos contra vítima com idade inferior a 14 anos de idade, previsto no artigo 171.º do Código Penal – o que se fará infra.
b) Do crime de abuso sexual de crianças agravado
O artigo 171.º do Código Penal, na redacção actual e em vigor à data dos factos (introduzida pela Lei nº103/2015, de 24.08), preceitua, na parte que interessa ao caso sub judice: “1- Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos. 2 - Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos. 3 – (…). 4 – (…). 5- A tentativa é punível”.
As penas previstas neste artigo 171.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se, designadamente, a vítima se encontrar numa relação de coabitação e o crime for praticado com aproveitamento desta relação – cf. artigo 177.º, nº1, al. b), do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº40/2020, de 18.08, sendo esta a aplicável, em virtude do disposto no artigo 2.º, nºs 1 e 4, do Código Penal.
Se no mesmo comportamento concorrerem mais do que uma das circunstâncias referidas nos nºs 1 a 7 do artigo 177.º do Código Penal, só é considerada para efeito de determinação da pena aplicável a que tiver efeito agravante mais forte, sendo a outra ou outras valoradas na medida da pena – cf. nº8 do artigo 177.º do Código Penal, na redacção supra citada.
As penas acessórias previstas nos artigos 69.º-B, nº2, e 69.º-C, nºs 2 e 3, do Código Penal, aditados pela Lei nº103/2015, de 24.08, são igualmente aplicáveis a este tipo de crime.
O tipo legal de crime do abuso sexual de crianças em causa no presente processo destina-se a tutelar o bem jurídico da autodeterminação sexual, “face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade, em particular na esfera sexual”, desprendendo-se, assim, a interpretação dos elementos típicos das “representações moralistas da sociedade” – cf. Jorge de Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, 2012, pp. 834 e 836.
Quando a vítima é menor, é irrelevante, para efeitos de incriminação, que o acto tenha ou não ocorrido contra a sua vontade (Anabela Miranda Rodrigues/Sónia Fidalgo, in Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, 2012, p. 820).
Revertendo ao caso sub judice, verifica-se que, entre os dias 3 e 5 de Setembro de 2021, à noite, o arguido encontrava-se somente com a ofendida BB, então com 8 anos de idade, no sofá da sala da habitação, onde ambos residiam com a mãe e a irmã (menor) daquela; nesse circunstancialismo, a ofendida pediu ao arguido que o mesmo lhe fizesse cócegas nas costas, para adormecer; assim e aproveitando-se do facto de a sua companheira, a mãe da ofendida, se encontrar numa outra divisão da casa (a adormecer a outra filha menor), o arguido fez cócegas por todo o corpo da ofendida e acariciou os seios e a vagina da mesma, por baixo do pijama que a mesma tinha vestido; seguidamente, o arguido retirou o seu pénis do interior das calças que trajava e tentou aproximá-lo da vagina da ofendida, ao que a ofendida, de imediato, reagiu, dizendo-lhe “ó tio, põe isso para dentro, isso é feio!”, tendo o mesmo retorquido “ fala baixo, não podes contar à mãe!”, recolhendo, seguidamente, o seu pénis para dentro das calças. Entretanto, a ofendida adormeceu na sala, despertando, posteriormente, com o arguido a acariciar-lhe os seios, por dentro da camisola do pijama que trazia vestido; incomodada com esta actuação do arguido, a ofendida foi para o quarto que a sua mãe partilhava com o arguido – cf. factos provados sob os nºs 1, 2 e 4 a 10.
«Acto sexual de relevo» é “todo aquele comportamento que de um ponto de vista essencialmente objectivo pode ser reconhecido por um observador comum como possuindo carácter sexual e que em face da espécie, intensidade ou duração ofende em elevado grau a liberdade de determinação sexual da vítima” – cf. Ac. da Rel. de Coimbra, de 13.01.2016, proc. nº53/13.1GESRT.C1, in www.dgsi.pt.
Ora, perfilhando esta definição, impõe-se concluir que que as condutas do arguido sob análise traduzem, inequivocamente, a prática e a tentativa de prática com a ofendida menor de actos sexuais de relevo (os quais consistiram na apalpação das mamas e da vagina da vítima e na tentativa de, pelo menos, colocar o seu pénis em contacto com a zona genital da mesma), com aproveitamento não só da relação de coabitação com a vítima, como também da relação de confiança que criara com a menor, por ser o companheiro da sua mãe – cf. facto provado sob os nºs 1 a 3, 5 e 11.
Com as descritas condutas, o arguido preencheu, uma vez, os elementos objectivos do tipo legal do crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 171.º, nº1, e 177.º, nº1, al. b), do Código Penal, na redacção supra citada.
O arguido actuou com dolo directo (artigo 14.º, nº1, do Código Penal), pois representou (elemento intelectual) e quis (elemento volitivo) actuar do modo ora descrito, sabendo que a ofendida tinha idade inferior a 14 anos e era filha da sua então companheira e que agia com aproveitamento da relação de coabitação e de proximidade que mantinha com a vítima – cf. factos provados sob os nºs 12 e 13.
Em correspondência, o elemento subjectivo do tipo legal do crime em apreço encontra-se igualmente presente na conduta do arguido.
O arguido agiu igualmente com consciência da ilicitude dos factos, pois sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei – cf. facto provado sob o nº14.
Não se verifica qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima, atento o disposto no artigo 38.º, nºs 1 e 3, do Código Penal.
O arguido cometeu, assim, em autoria material, um crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 171.º, nº1, 177.º, nº1, al. b), 69.º-B, nº2, e 69.º-C, nºs 2 e 3, do Código Penal.
II.5. As penas
II.5.1. Escolha e medida concreta da pena
Ao crime de abuso sexual de crianças agravado previsto no nº1 do artigo 171.º do Código Penal corresponde, em abstracto, a pena de prisão de 1 ano e 4 meses até 10 anos e 8 meses – cf. artigos 171.º, nº1, e 177.º, nº1, do Código Penal, na redacção aplicável, supra citada).
Aplicando os critérios fixados nos artigos 40.º, nºs 1 e 2, 70.º e 71.º, nº1, do Código Penal, a pena de prisão concreta será determinada de modo a promover a tutela do bem jurídico violado, em ordem à estabilização da expectativa comunitária na validade das normas violadas (prevenção geral positiva ou de integração), sem que o seu quantum ultrapasse a medida da culpa do arguido, pois esta, não sendo fundamento da pena, é seu pressuposto e limite inultrapassável (artigo 40.º, nº2, e 29.º do Código Penal), em nome do respeito pela dignidade humana, consagrado no artigo 1.º da CRP. Serão igualmente ponderadas, neste arco delimitado, na base, pela prevenção geral positiva e, no topo, pela culpa do agente, as exigências de prevenção especial que no caso se façam sentir.
A este propósito, é de referir que as exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir relativamente ao crime cometido pelo arguido são elevadas, pois trata-se de crime de natureza sexual praticado contra uma criança de apenas 8 anos e no interior da residência/casa de morada de família da própria vítima, o que choca a comunidade em geral e as famílias em particular, no plano dos sentimentos de respeito, empatia e compaixão e da pureza de afectos que estão associados a qualquer relação familiar ou análoga saudável (entre um dos membros adultos da relação afectiva com os filhos menores do outro elemento do “casal”) ou de coabitação com menores, assim como fere os valores mais elementares de protecção das crianças, bem como a moral pública.
Trata-se, pois, de crime que, até pela sua crescente frequência na sociedade actual, constitui uma fonte de fortíssimo alarme social, porquanto, por um lado, impõe-se sensibilizar a população em geral para a necessidade de respeitar em absoluto o direito de autodeterminação sexual das crianças, pré-adolescentes e adolescentes, sobretudo em contexto familiar e/ou doméstico (esfera em que a criança procura e espera protecção a todos os níveis) e no âmbito das relações interpessoais que se estabelecem.
Por seu turno, as exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização do arguido apresentam-se atenuadas, pois, para além de não ter quaisquer antecedentes criminais (cf. facto provado sob o nº28), apenas resultou apurada uma única situação em que o arguido satisfez ou procurou satisfazer os seus intentos libidinosos e desejo sexual com a participação de uma criança (a vítima BB), pese embora a sua conduta não deixe de revelar alguma distorção daquilo que devem ser a concepção, os objectivos e os limites de um adulto quanto à sua realização pessoal no plano da sexualidade.
É necessário ponderar, em consonância com o disposto no artigo 71.º, nº2, do Código Penal, as circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos de crime em apreço, depõem a favor ou contra o arguido.
Assim, depõe contra o arguido o dolo intenso com que o mesmo agiu, pois actuou sempre com dolo directo, projectando e querendo actuar nos precisos termos em que o fez – cf. artigo 71.º, nº2, al. b), do Código Penal.
A favor do arguido depõe o facto de se ter mantido, ao longo da sua vida adulta, profissionalmente activo e inserido e familiarmente bem integrado (cf. factos provados sob os nºs 21 a 24) – cf. artigo 71.º, nº2, al. d), do Código Penal.
Tudo ponderado, julgamos justo, adequado, proporcional e necessário aplicar ao arguido a pena (principal) de 2 anos e 6 meses de prisão.
II.5.2. Das penas acessórias
O artigo 69º-B, nº2, do Código Penal, na redacção em vigor à data dos factos (introduzida pela Lei nº103/2015, de 24.08), preceituava: “É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor”.
Por sua vez, o artigo 69.º- C, do Código Penal, na sua redacção originária (introduzida pela citada Lei nº103/2015), estabelecia: “1 – (…). 2 - É condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor. 3 - É condenado na inibição do exercício de responsabilidades parentais, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, praticado contra descendente do agente, do seu cônjuge ou de pessoa com quem o agente mantenha relação análoga à dos cônjuges. 4 - Aplica-se o disposto nos nºs 1 e 2 relativamente às relações já constituídas.
Com a entrada em vigor das alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei nº15/2024, de 29.01 (que proíbe as denominadas práticas de «conversão sexual» contra pessoas LGBT+, criminalizando os actos dirigidos à alteração, limitação ou repressão da orientação sexual, da identidade ou expressão de género), a aplicabilidade destas duas penas acessórias estendeu-se, desde 1.03.2024 (cf. artigo 7.º do mesmo diploma), a quem praticar o crime agora previsto no artigo 176.º-C. Estas alterações ao Código Penal são, pois, irrelevantes no caso concreto, pois em nada modificou os pressupostos de aplicação das penas acessórias previstas no nº2 do artigo 69.º-B e nos nºs 2 e 3 do artigo 69.º-C do Código Penal, o que nos remete para a redacção em vigor à data dos factos, conforme decorre do artigo 2.º, nºs 1 e 4, do Código Penal.
Do confronto do elemento literal do nº1 (“Pode ser condenado”) com o dos nºs 2 e 3 (“É condenado”) dos artigos 69.º-B e 69.º-C na redacção vigente à data dos factos resulta que as penas acessórias neles previstas eram de aplicação automática.
Através da Lei nº15/2024, de 29.01 (em vigor desde 1.03.2024 – cf. artigo 7.º do mesmo diploma), substituiu-se, nos nºs 2 e 3 dos artigos 69º-B e 69.º-C do Código Penal, a formulação literal “É condenado” pela expressão “Pode ser condenado”, de onde concluímos que o legislador pretendeu que as penas acessórias ali previstas deixassem de ser de aplicação automática, para a sua aplicação passar a depender da ponderação, casuística, dos contornos que o ilícito penal assuma em cada caso concreto.
Neste conspecto e por força do disposto no artigo 2.º, nºs 1 e 4, do Código Penal, impõe-se ponderar a aplicação das mencionadas penas acessórias à luz da sua nova redacção, introduzida pela Lei de 2024, em virtude de esta se apresentar como sendo o regime concretamente mais favorável ao arguido.
E porque se trata de verdadeiras penas, as mesmas reflectem “um específico conteúdo de censura do facto”, encontram-se necessariamente ligadas à culpa do agente e a determinação da respectiva medida concreta, dentro da moldura legal abstracta, deve obedecer aos critérios gerais de fixação da medida concreta da pena principal, estabelecidos nos artigos 40.º, nºs 1 e 2, e 71.º, nºs 1 e 2, do Código Penal – cf. Ac. do STJ, de 16.12.2021, proc. nº556/20.1JAPDL.L1.S1, in www.dgsi.pt.
O arguido não tem qualquer vínculo jurídico-civil com a vítima.
Todavia, é permitido por lei atribuir ao arguido o exercício de responsabilidades parentais relativas aos seus (futuros) filhos e a outros menores com quem não mantenha qualquer relação de parentesco ou afinidade – cf. artigos 1907.º, 1921.º, 1931.º e 1979.º, nºs 3 e 5, do Código Civil; artigo 35.º, nº1, als. c), e) e g), da LPCJP; e artigos 4.º, 5.º, nºs 1 e 2, 7.º, nºs 1 a 3, e 11.º, nº5, da Lei nº103/09, de 11.09 (que aprovou a regime jurídico do apadrinhamento civil).
Ponderando o concreto desvalor da conduta do arguido e a ausência de qualquer manifestação de arrependimento relativamente aos actos ilícitos que comprovadamente praticou, o que revela falta de juízo crítico de autocensura, e a sua actual idade (43 anos), julgamos justo, adequado, proporcional e necessário condená-lo nas penas acessórias parcelares de proibição de assumir a confiança de menor e de inibição do exercício de responsabilidades parentais pelo período de 5 anos, ao abrigo do artigo 69.º-C, nºs 2, 3 e 4, do Código Penal.
Por outro lado, entendemos que há, também, fundamento para aplicar ao arguido a pena acessória prevista no artigo 69.º-B, nº2, do Código Penal, pois, atenta a sua actual idade, o mesmo pode vir a exercer, num futuro próximo, uma actividade (profissional ou não) que envolva contacto regular com menores. Consequentemente, e ponderando – à semelhança dos fundamentos que estiveram na base da medida fixada às penas acessórias previstas no artigo 69.º-C, nºs 2 e 3, do Código Penal – o elevado desvalor da globalidade da conduta do arguido, a ausência de arrependimento e a falta de juízo crítico de autocensura, julgamos justo, adequado, proporcional e necessário condená-lo na pena acessória de proibição do exercício de funções, prevista no artigo 69.º-B, nº2, do Código Penal, pelo período de 5 anos.
II.5.3. Da pena de substituição
A aplicação de uma pena de prisão não significa que a efectiva privação da liberdade seja necessária à realização dos fins da pena, sendo que o legislador prevê penas de substituição para determinados casos (cf. Anabela M. Rodrigues, «Pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade», in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2001, nº11, Coimbra, p. 664).
Atendendo à medida concreta da pena de prisão ora aplicada ao arguido (superior a um ano), não é possível substituí-la por pena de multa (artigo 45.º, nº1, do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº94/2017, de 23.08).
Não é igualmente possível optar pela execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação (abreviadamente, RPHVE), nem aplicar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, porquanto estas só são equacionáveis quando a pena de prisão concretamente aplicada não seja superior a 2 anos (cf. artigos 43.º, nº1, als. a) e b), e 58.º, nº1, do Código Penal, na mesma redacção).
Afasta-se a execução da pena de prisão em RPHVE também em virtude de as circunstâncias do crime cometido pelo arguido não demandarem, por si só, uma resposta mais contentora do sistema punitivo.
De acordo com o preceituado no artigo 50.º, nº1, do Código Penal, a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão é admissível no caso concreto, em virtude de a pena aplicada se ter fixado em medida não superior a 5 anos.
No caso concreto, verifica-se que da conduta criminosa do arguido não resultaram para a vítima danos especialmente graves e duradouros ou permanentes; as circunstâncias do crime cometido não assume especial gravidade face ao conjunto das situações contempladas nos artigos 171.º, nº1, e 177.º, nº1, al. b), do Código Penal; desconhecem-se aspectos da personalidade do arguido que possam comprometer o êxito desta pena não privativa da liberdade; a factualidade apurada relativamente às suas condições pessoais e de vida reflecte que o mesmo está bem integrado nas outras vertentes (familiar e profissional) da vida em comunidade; e inexiste informação nos autos sobre ilícitos criminais anteriores ou posteriores aos factos.
Assim e de acordo com os pressupostos previstos no nº1 do artigo 50.º do Código Penal, entendemos adequado e eficaz suspender a execução da pena de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, nº1, do Código Penal, considerando-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição quanto aos crimes praticados pelo arguido.
Cumpre, agora, fixar o período de suspensão da execução da pena de prisão. Actualmente (i.e, desde a entrada em vigor da redacção do nº5 do artigo 50.º do Código Penal introduzida pela Lei nº94/2017, de 23.08), o período da suspensão continua a ser fixado entre 1 e 5 anos, embora sem limitação à medida concreta da pena quando esta seja superior a 1 ano (cf. artigo 50.º, nº5, do Código Penal, na redacção anterior à da Lei nº94/17, de 23.08).
Tal significa que, in casu, o “período de prova” pode alargar-se até ao máximo de 5 anos, pois os crimes foram praticados já no domínio da lei nova.
Considerando a necessidade de prevenir a reincidência do arguido neste tipo de crimes, entendemos ser prudente estender o período da suspensão da execução da pena de prisão para além da medida desta última, afigurando-se-nos adequado, proporcional e necessário fixá-lo em 4 anos.
De acordo com o artigo 50.º, nºs 2 e 3, do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao arguido, destinados a reparar o mal do crime (cf. artigo 51.º, nºs 1 e 2, do Código Penal), e/ou regras de conduta, de conteúdo positivo ou negativo (cf. artigo 52.º, nºs 1 a 4, do Código Penal), ou ser acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social (cf. artigo 53.º, nºs 1 a 4, do Código Penal).
No caso sub judice, considerando que o arguido vai condenado pela prática de crime previsto no artigo 171.º do Código Penal, cuja vítima é menor, impõe-se aplicar ao mesmo o regime de prova, ao abrigo dos artigos 53.º, nº4, e 54.º, nº4, do Código Penal.
Assim, ao abrigo dos artigos 51.º, nº1, al. a), nº2 e nº3, e 54.º, nº3, do Código Penal, o arguido deverá ressarcir a lesada BB dos danos morais (não patrimoniais) que esta (naturalmente) sofreu em consequência da sua apurada conduta criminosa, fixando-se o correspondente montante no valor da indemnização que infra se arbitrará oficiosamente à vítima.
Esta indemnização deverá ser paga no prazo de 4 anos (correspondente ao indicado período da suspensão da execução da pena de prisão), contado desde o trânsito em julgado da presente decisão, comprovando o arguido nos autos, semestralmente, a entrega à vítima de 1/8 do valor total de tal compensação.
Por outro lado, o plano de reinserção social do regime de prova também contemplará, em conformidade com o preceituado nos artigos 50.º, nºs 2 a 4, 53.º, nºs 1, 2 e 4, e 54.º, nºs 1 a 4, do Código Penal, as obrigações previstas nas als. a) a d) do nº3 do artigo 54.º do Código Penal e incluir, visando em particular a prevenção da reincidência, o acompanhamento técnico do condenado que se mostre necessário, designadamente através da frequência de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens.
*
A Lei nº38-A/2023, de 2.08, que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2023 (cf. artigo 15.º do mesmo diploma), estabelece, por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, um perdão de penas e a amnistia de infraçcões cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa – cf. artigos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º da citada lei.
Encontram-se abrangidas pela mencionada lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, somente por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º -- cf. artigo 2.º, nº1, da Lei nº38-A/2023, de 2.08.
O âmbito de aplicação desta lei não abrange determinados tipos de crime, expressamente previstos no seu artigo 7.º, nºs 1 e 2.
Atendendo a que o arguido, nascido em ../../1981, vai condenado pela prática de crime no ano de 2021, verifica-se que o mesmo já tinha, à data dos factos, idade superior a 30 anos, motivo pelo qual não é legalmente admissível aplicar-lhe os benefícios do perdão e/ou da amnistia previstos na sobredita lei.
Ademais, o crime cometido pelo arguido, contra a autodeterminação sexual, encontra-se expressamente excluído do âmbito de aplicação da mesma lei, nos termos das disposições conjugadas dos seus artigos 3.º, nºs 1 e 4, e 7.º, nº1, al. a) – v), e al. g), esta última conjugada com os artigos 67.º-A, nº1, als. a)-i), e b), e nº3, e 1.º, als. j) e l), do CPP.
Por fim, o arguido vai condenado na pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão acompanhada de regime de prova, a qual não é susceptível de perdão, conforme decorre do seu artigo 3.º, nº2, al. d), parte final.
Por todo o exposto, o arguido não beneficiará do perdão nem da amnistia previstos na Lei nº38-A/2023, de 2.08.
II.6. Do arbitramento de indemnização
De acordo com o artigo 82.º-A do CPP, “não tendo sido deduzido pedido de indemnização no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham” (nº1). Por sua vez, o artigo 16.º, nºs 1 e 2, do Estatuto da Vítima (EV), aprovado pela Lei nº130/2015, de 4.09, preceitua: “1- À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 - Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. 3 – (…)”.
De acordo com o preceituado no artigo 67.º-A, nº1, al. a) – i), do CPP, considera-se
«Vítima» a “pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime”.
As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do nº1, conforme estatuído no nº3 do artigo 67.º-A do CPP, sendo que o crime contra a autodeterminação sexual pelo qual o arguido vai condenado, p. e p. pelos artigos 171.º, nº1, e 177.º, nº1, do Código Penal (na redacção aplicada), subsume-se à criminalidade especialmente violenta, por lhe corresponder pena de prisão de máximo superior a 8 anos (cf. artigo 1.º, als. j) e l), do CPP).
A ofendida BB beneficia do estatuto de Vítima neste processo, mais concretamente, do estatuto de vítima especialmente vulnerável (cf. doc. a fls. 38-41 e artigos 1.º, als. j) e l), e 67.º-A, nº1, als. a) –i) e b), e nº3, do CPP).
A ofendida (através da sua progenitora, sua representante legal) não se opôs ao arbitramento de uma compensação, enquanto vítima especialmente vulnerável, pelos danos sofridos em consequência da conduta do arguido.
A responsabilidade civil emergente de crime é regulada pela lei civil, como estabelece o artigo 129.º do Código Penal, como acima ficou dito.
Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito encontram- se previstos no artigo 483.º, nº1, do Código Civil, supra enunciados.
Em sede de responsabilidade penal, ficou demonstrado que a ofendida BB foi pelo arguido dolosamente lesada no seu direito à autodeterminação sexual, que é tutelado como direito de personalidade (cf. artigos 25.º, nºs 1 e 2, e 26.º, nº1, da Constituição da República Portuguesa e artigo 70.º, nº1, do Código Civil), absoluto, e que, como tal, impõe a todos um dever geral de respeito e de abstenção da prática de actos lesivos dos mesmos.
Verifica-se, ainda, que se estabelece o necessário nexo de causalidade adequada entre os factos ilícitos praticados pelo arguido e os danos que a ofendida sofreu, na medida em que estes foram consequência adequada e directa daqueles.
A vítima, à data com 8 anos de idade, sofreu um dano psicológico importante: o trauma causado pela abordagem sexual de terceiro, vinda de uma pessoa com quem coabitava, que participava nos seus cuidados diários e brincadeiras e tratava-se do companheiro da sua progenitora – cf. factos provados sob os nºs 1 a 3 e 5.
Actualmente, a vítima é uma criança alegre e não manifesta sentimentos de desconfiança ou medo em relação aos adultos. Todavia, em consequência do abuso sexual do arguido, a ofendida apresentou, durante cerca de um ano, sintomatologia ansiosa e alterações comportamentais – cf. factos provados sob os nºs 15 e 16.
Tais danos não patrimoniais, por assumirem alguma gravidade, merecem a tutela do direito, nos termos do artigo 496.º, nº1, do Código Civil.
Nos termos dos artigos 496.º, nºs 1 e 3, 494.º, 563.º, 564.º, nº1, e 566.º, nºs 1 e 2, do Código Civil, não sendo possível, no caso concreto, a reconstituição natural, entendemos que este dano, considerado na sua globalidade, deve ser compensado com a quantia global de 1.000 €, que se afigura equitativa, tendo em conta que não resultaram provadas outras consequências ao nível do bem-estar físico, psíquico e material da lesada e sem deixar de atender ao elevado grau de culpa do arguido manifestado em toda a sua actuação e à sua actual situação económica (cf. factos provados sob os nºs 23 a 26).
A indemnização ora fixada pelos danos não patrimoniais apurados foi objecto de cálculo actualizado nos termos do artigo 566.º, nº2, do Código Civil, pelo que vencerá juros de mora, à luz dos artigos 804.º, nºs 1 e 2, e 805.º, nº2, al. b), do Código Civil, à taxa legal em vigor em cada momento, somente a partir desta decisão actualizadora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, nº3, 2ª parte, (este interpretado restritivamente), e 806.º, nº1, do Código Civil (cf. Jurisprudência nº4/2002, de 9.05.2002, in DR, I Série – A, de 27.06.02; e Ac. do STJ, de 20.05.2003, proc. nº03A1149, in www.dgsi.pt).
A taxa legal de juro anual aplicável é, por ora, de 4%, em vigor desde 1.05.2003 até ao presente momento (cf. Portaria nº291/03, de 8.04, ex vi artigos 559.º e 806.º, nº2, do Código Civil).
Todos os juros de mora ora reconhecidos são devidos até integral pagamento.
iii. decisão
Por todo o exposto, as Juízas que compõem este Tribunal Colectivo decidem:
I) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 171.º, nº1, 177.º, nº1, al. b), 69.º-B, nº2, e 69.º-C, nºs 2 e 3, do Código Penal:
- na pena (principal) de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 4 (quatro) anos, nos termos conjugados dos artigos 50.º, nºs 1 a 5, 51.º, nº1, al. a), nº2 e nº3, 53.º, nºs 1, 2 e 4, e 54.º, nºs 1 a 4, do Código Penal, mediante regime de prova, o qual incluirá: a) a obrigação de pagar à lesada BB, a título de indemnização, a quantia total de 1.000 € (mil euros), no prazo de 4 (quatro) anos, contado a partir da data do trânsito em julgado do presente acórdão, devendo o arguido comprovar semestralmente nos autos a entrega à lesada do montante (parcial) de 125 € (cento e vinte e cinco euros); e b) visando em particular a prevenção da reincidência, o acompanhamento técnico do arguido que se mostre necessário, designadamente através da frequência de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens;
- na pena acessória de proibição do exercício de funções, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº2 do artigo 69.º-B do Código Penal;
- na pena acessória de proibição de confiança de menores pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº2 do artigo 69.º-C do Código Penal; e
- na pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº3 do artigo 69.º-C do Código Penal;
II) Absolver o arguido da prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 172.º, nº1, al. b), e 177.º, nº1, al. b), do Código Penal.
III) Condenar o arguido a pagar à vítima BB, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que a esta causou, a quantia total de 1.000 € (mil euros), acrescida dos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento, vencidos e vincendos desde a data desta decisão até integral pagamento.
IV) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça devida em 4 UCs (cf. artigos 513.º, nºs 1 a 3, e 522.º, nº1, do CPP e artigo 8.º, nº9, do RCP, por referência à tabela III).
* * * * * * *».
*
Notifique, incluindo a Vítima (por ser menor, na pessoa da sua legal representante) – cf. artigo 11.º, nº6, al. c), do EV.
*
Vai proceder-se ao depósito do acórdão (cf. artigo 372.º, nº5, do CPP).
*
Após trânsito em julgado:
- comunique à Equipa da DGRSP territorialmente competente, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 494.º, nºs 2 e 3, e 495.º, nºs 1 e 4, do CPP;
- remeta boletim à DSIC e ao RCCSM; e
- remeta certidão à Conservatória do Registo Civil (cf. artigo 1.º, nº1, als. g), h) e i), e nº2, do CRC).
*
Porto, 5 de Junho de 2025
(Artigo 94.º, nº2, do CPP: o presente documento foi processado e integralmente revisto pela signatária).
II


3. O recorrente verbera a esta decisão (reproduzem-se as «conclusões» com que termina o seu arrazoado):
«1. O Tribunal a quo condenou o Recorrente com base essencial nas declarações para memória futura da menor ofendida, prestadas aos 8 anos, sem que tivesse sido realizada nova audição em julgamento, quando à data contava já 12 anos de idade.
2. A decisão violou o princípio da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2 CRP) e o princípio in dubio pro reo, por ter considerado parte do relato da menor como credível e rejeitado outra parte por dúvida razoável, sem que tal dúvida tivesse beneficiado o arguido.
3. A valoração exclusiva das declarações para memória futura, sem contraditório efetivo nem oralidade em audiência, comprometeu as garantias de defesa do Recorrente, em violação do art. 32.º da CRP e da jurisprudência do TEDH (casos Schatschaschwili v. Alemanha e Al-Khawaja and Tahery v. United Kingdom).
4. A alteração da qualificação jurídica dos factos (de art. 172.º para art. 171.º CP) foi efetuada apenas no acórdão, sem assegurar verdadeiro exercício do contraditório, em violação do art. 358.º CPP.
5. As penas acessórias aplicadas ao Recorrente foram fixadas sem fundamentação individualizada e sem observância da Lei n.º 15/2024, que impõe ponderação casuística, sendo por isso desproporcionadas.
6. O Recorrente requereu expressamente a realização de audiência pública, não apenas para apreciação da questão de constitucionalidade, mas para debate global das questões de facto e de direito suscitadas no recurso.
7. Suscita-se a inconstitucionalidade do art. 357.º, n.º 1, al. b) CPP, interpretado no sentido de permitir condenação exclusivamente com base em declarações para memória futura de menor de 8 anos, sem nova audição nem contraditório efetivo, por violação dos arts. 32.º, n.ºs 1, 2 e 5 e 18.º, n.º 2 CRP.
Nestes termos, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se o Recorrente; subsidiariamente, deve ser ordenado novo julgamento com nova audição da menor; e, em qualquer caso, deve ser realizada audiência pública para apreciação do recurso e apreciada a questão de inconstitucionalidade.»


4. Em resposta, concluiu o Ministério Público junto da 1.ª instância:
«1. O arguido AA, vem interpor recurso do douto Acórdão proferido no processo à margem referenciado, datado de 05-06-2025 que o condenou pela prática, em autoria material: - Um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena principal de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, subordinada a regime de prova e ao cumprimento de deveres e nas penas acessórias previstas nos artigos 69.º-B e 69.º-C do Código Penal;
2. O recorrente não formula qualquer conclusão, mas nas suas alegações refere e em síntese: - A valoração isolada das declarações para memória futura da menor ofendida, à data com 8 anos, sem nova audição em julgamento, apesar de atualmente contar com 12 anos de idade é insuficiente; - Houve desconsideração das testemunhas arroladas pela defesa, bem como das declarações do arguido; - Houve alteração da qualificação jurídica no momento da leitura do acórdão, agravando injustificadamente a posição do arguido;
3. Quanto à falta de conclusões, conforme doutrina e jurisprudência fixada [cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 2ª Ed., Editorial Verbo, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recurso em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, pág.103 e entre muitos outros os Acórdãos do STJ, de 19/10/1995, in DR, I série-A, de 28/12, de 25/06/1998, in B.M.J. 478, p.242, 03/02/1999, in B.M.J. 484, p.271, de 28/04/1999, in CJ/STJ, Ano VIII, Tomo II, p.196 e de 24/05/1999, In CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 247], é nas conclusões que se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente, a verificação da existência, ou não, dos vícios elencados no art.º 410.°/1, do CPP;
4. Assim, quando o recorrente, que é o que, in casu, se verifica, depois de uma introdução/relatório, inicia a crítica ao Ac., se o que aí se desenvolve são os argumentos tendentes à sua alteração ou a novo julgamento, sem que se possa estabelecer, a partir de certa altura, uma fronteira que marque a elaboração de verdadeiras conclusões, ou seja, a síntese dos fundamentos por que se pede a alteração da decisão recorrida, gera a rejeição do recurso, não havendo lugar a aperfeiçoamento;
5. Mesmo que assim se não entenda, o arguido, aqui recorrente, impugna o Ac. recorrido, quanto à matéria de facto colocando em causa a apreciação feita pelo tribunal a quo relativa à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, sem que concretize quais os factos, pelo que se subentende que deviam ser dados como não provados todos os factos que levaram a sua incriminação pelo crime pelo qual veio a ser condenado;
6. Cabe desde logo dizer, que ao recurso em matéria de facto, e como tudo aconteceu com o beneplácito do arguido, de quem dependia a extensão do recurso ao julgamento de facto, o seu comportamento tem de ter-se como impossibilitante do acesso do tribunal da Relação ao processo de formação da convicção do tribunal recorrido e, assim, de qualquer censura aos aspetos fácticos do julgamento, tirando, obviamente, os vícios do art.º 410º, n.º 2 do Código de Processo Penal, de que o tribunal conhece oficiosamente;
7. Aliás, é o que resulta do n.º 4, do art.º 412º do Código de Processo Penal, que refere: “4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”;
8. Ora, a regra da reapreciação da matéria de facto em 2ª instância faz-se sem imediação, com audição e a visualização das provas registadas, o que não equivale a um segundo julgamento, apesar de equivaler a um segundo grau de jurisdição;
9. O que significa que, salva aquela limitação, na matéria de facto recolhida, não se vislumbra qualquer dos vícios ali referidos, mormente o de contradição e insuficiência ou erros notórios,
10. Quanto às declarações para memória futura da menor/ofendida BB, estas no crime de abuso sexual de crianças, estando em causa valores tão elementares como a liberdade e autodeterminação sexual de uma criança, pretendeu o legislador evitar que a ofendida tivesse de repetir o depoimento no futuro, evitando-se a revitimização e minimizando-se tanto quanto possível as repercussões psico-emocionais da menor ofendida;
11. Sendo vítima, de um crime de natureza sexual, uma pessoa menor a lei impõe como obrigatório que a mesma preste declarações para memória futura (artº 271º nº 2 CPP), tal com ocorreu nos autos;
12. As declarações para memória futura constituem, assim, uma exceção ao princípio da imediação e, são diligências de prova realizadas pelo juiz de instrução na fase do inquérito, sujeitas ao princípio do contraditório, que visam a sua valoração em fases mais adiantadas do processo como a instrução e o julgamento, mesmo na ausência das pessoas que as produziram;
13. Por outro lado, as boas práticas judiciais e as regras da psicologia impõem que uma menor, alegadamente vítima de abusos sexuais, que tenha prestado declarações para memória futura, só venha a prestar novas declarações em julgamento se tal se mostrar absolutamente indispensável para colmatar algumas dúvidas que possam existir no espírito de quem vai decidir e só é possível se não puser em causa a saúde física ou psíquica da menor em face do seu reviver dos acontecimentos e se tal se revelar absolutamente necessário para a descoberta da verdade;
14. Dado que, a dignidade e a integridade moral e física da menor, poderão ser mais facilmente colocadas em perigo por uma inquirição em audiência de julgamento, mesmo com as restrições de publicidade previstas na lei, a tomada de depoimento em audiência a menor ofendida por crime atentatório de bem jurídico conotado com a sexualidade, que tenha sido previamente ouvido para memória futura, apenas se justificará, tal como referido, se o Tribunal de julgamento, oficiosamente ou por iniciativa de algum dos sujeitos processuais, decidir que a mesma é indispensável à descoberta da verdade ou à boa decisão da causa;
15. Ora, toda a prova produzida em julgamento mostra-se avaliada e ponderada no acórdão recorrido de acordo com raciocínios lógicos e segundo as regras de experiência comum, tendo sido realizado um efetivo escrutínio de todo o material probatório, não sendo de censurar o recurso às ilações retiradas em termos de matéria de facto provada, nos termos do disposto no art.º 127º do C.P.P e
16. Por fim, no decurso da audiência, verificou-se uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação pública, pelo que, em observância ao disposto no artigo 358.º, nºs 1 e 3, do CPP, a mesma foi oficiosamente comunicada ao arguido, o qual não requereu prazo para preparar a sua defesa.
Destarte, o Ac. ao condenar o arguido nos sobreditos termos, deve ser mantido e negado provimento ao recurso na sua totalidade.»


5. O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos termos a seguir reproduzidos:
«Visto.
Subiram os presentes autos a este Tribunal da Relação do Porto para conhecimento do recurso interposto pelo arguido AA.
O recurso foi admitido por despacho de 10.07.2025, com a referência 473919879..
Não merece o recurso reparo quanto à tempestividade, legitimidade e interesse em agir.
O regime e efeito de subida foram correctamente fixados.
Porém, como assinala o Ministério Público na primeira instância na sua resposta, o recorrente incumpre o dever de apresentar conclusões –artigo 412.º n.º1 do Código de Processo Penal.
Não constando dos autos que tenha sido já convidado a apresenta-las, cumpre fazê-lo agora, na sequência do exame preliminar, conforme dispõe o artigo 417.º n.º3 do Código de Processo Penal, o que se promove.
Mais se promove que o recurso seja rejeitado se na sequência do convite as conclusões não forem apresentada –artigos 417.º n.º3 e 420.º n.º1, alínea c), do Código de Processo Penal.
No caso de serem, que se dê oportunamente cumprimento ao disposto no artigo 417.º n.º5 do Código de Processo Penal.
*
Verifica-se ainda que o recorrente pede que seja realizada audiência pública para julgamento do recurso [ponto d. do pedido], ancorando-se no artigo 419.º n.º3, alínea c), do Código de Processo Penal.
Não há qualquer dúvida que o recorrente requer a realização de audiência, conforme lhe possibilita o artigo 411.º n.º5 do Código de Processo Penal.
Nos termos deste preceito, o recorrente que pretenda valer-se deste direito, introduzindo no processamento do recurso esta fase facultativa, deve ainda, além de requerer a audiência, especificar os pontos da motivação de recurso que nela pretende ver debatidos.
No pedido efectuado, o recorrente singulariza o pedido de apreciação da questão da constitucionalidade que traz no ponto 6. da motivação, pelo que, na falta de qualquer outra indicação, o Ministério Público o toma como o cumprimento daquele ónus de especificação, entendendo que a audiência é admissível e que o requerente a cinge ao debate deste ponto.
E, neste pressuposto, sem prejuízo do supra já promovido, se apõe o visto de conhecimento do processo a que se refere o artigo 416.º n.º2 do Código de Processo Penal.»


6. Em resposta a este «Parecer», o recorrente veio formular as suas «conclusões» (supra transcritas) e esclarecer o âmbito que pretendeu atribuir à audiência que requereu.
7. Cumpridos os legais trâmites e realizada que se mostra a pertinente audiência, importa decidir.
II
8. O presente recurso não merece provimento.
9. 1. O Tribunal recorrido não cometeu as violações de lei que lhe imputa o recorrente.
10. a) Conforme decorre da doutrina consagrada no «assento» do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2017, de 11/10/2017 (publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 224, de 21/11/2017), de que não vemos motivos para nos afastar (nem o recorrente os oferece nas suas alegações), «[a]s declarações para memória futura, prestadas nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal, não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355.º e 356.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código».
11. De qualquer modo, o Tribunal recorrido, aquando da abertura da audiência (como resulta da ata da respetiva sessão: cf. o documento com a referência n.º 471441896 (30/04/2025)), teve o cuidado de proferir despacho, através do qual precisamente esclareceu que:
«Ao abrigo do douto Acórdão do STJ nº8/2017, de 11.10.2017 (in DR nº224/2017, Série I, de 21.11.2017, pp. 6090-6113), decide-se não proceder à reprodução na audiência de julgamento das declarações para memória futura prestadas pela menor BB (a que corresponde o auto de declarações para memória futura de 26.05.2022, ref.ª Citius nº437087582, a fls. 157-158), sem prejuízo da sua consideração como meio de prova válido, de acordo com o dispo[s]to nos artigos 355º, nºs 1 e 2, e 356º, n.º 2, al. a), do C.P.P..».


12. Não tendo o ora recorrente dirigido qualquer objeção a tal decisão, nem no momento em que foi proferida, nem no prazo legalmente azado para a respetiva impugnação, forçoso é reconhecer que com ela se conformou, não podendo assim, nesta sede, colocá-la em crise.
13. b) Tendo à menor queixosa nos autos sido conferido o estatuto de «vítima especialmente vulnerável», a sua audição em julgamento só seria de ordenar se tal se revelasse indispensável para a descoberta da verdade (cf. artigo 24.º, n.ºs 1 e 6, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º 130/2015 de 4 de setembro; de qualquer modo, e pese embora o seu teor literal não faça referência expressa a tal requisito, não pode deixar de entender-se – considerando a «ratio protetora da diligência» – que o n.º 8 do artigo 271.º do Código de Processo Penal não obriga o Tribunal de julgamento a ouvir, em audiência, e designadamente, a criança vítima de crime contra a sua autodeterminação sexual, cujo depoimento tenha sido tomado para memória futura, senão na indicada hipótese: vd. Manuel Valente/Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 5.ª ed., vol. II, artigo 271º, n. m. 26, de onde se tomou a citação no texto).
14. Tal não foi, no entanto, o entendimento do Tribunal a quo, sendo certo que nada impedia o recorrente – se a entendia efetivamente indispensável à sua defesa (e consequente descoberta da verdade) e considerava, como parece que agora pretende defender perante nós, embora sem quaisquer argumentos válidos que sustentem tal posição, estarem reunidos os pressupostos legais para tanto – de requerer a repetição do depoimento em questão em audiência, provocando decisão que sempre estaria sujeita a controlo por via de recurso (vd. a este respeito os aut. e ob. cits., n. m. 27), tudo o que não fez, tornando assim incompreensível a censura que, nesta sede, dirige ao Tribunal a quo a este propósito (e, do mesmo modo, claramente extemporânea a suscitação da questão nesta fase processual).
15. c) Não tendo o ora recorrente levantado qualquer oposição à possibilidade de alteração da qualificação jurídica dos factos que nos autos lhe são imputados quando da mesma foi devidamente advertido pelo Tribunal recorrido – e na sequência do que, aliás, expressamente «declarou prescindir do prazo para preparação da defesa», como resulta de forma inequívoca da ata da sessão da audiência de discussão e julgamento em que tal ocorreu (cf. o documento com a referência n.º 472843692 (05/06/2025)), cuja veracidade, ademais, não vem posta em causa – nenhuma violação do princípio do contraditório (que o recorrente não aproveitou então porque não quis) e do direito à defesa (que lhe foi devidamente assegurado, nos moldes previstos no artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – que temos por conformes com a Lei Fundamental – e que ele não exerceu por opção exclusivamente sua), se vislumbra ter ocorrido no caso concreto no tocante à (nova) subsunção jurídica efetuada pela 1.ª instância, por referência ao libelo acusatório.
16. d) Da simples leitura da decisão recorrida é possível verificar que, ao contrário do que alega o recorrente, «[a]s penas acessórias aplicadas (...) foram fixadas [co]m fundamentação individualizada suficiente, e (...) foram devidamente ponderadas à luz da Lei n.º 15/2024», também por aqui sendo incompreensível a censura que vem dirigida contra o Tribunal recorrido.
17. Como é manifesto, coisa diversa é saber se a fundamentação apresentada deve considerar-se procedente, mas tal, como se nos afigura óbvio, extravasa o âmbito da simples omissão de pronúncia invocada, que manifestamente não se verifica no caso concreto (ao menos na dimensão identificada pelo ora recorrente).
18. 2. Contrariamente ao propugnado pelo recorrente, a matéria de facto dada por assente na decisão recorrida mostra-se corretamente fixada.
19. a) Entre nós, o recurso quanto à matéria de facto não visa uma qualquer repetição do julgamento, mas apenas o controlo de eventuais erros cometidos na fixação da factualidade considerada assente (e não assente) por parte do Tribunal de 1.ª instância. Por isso, conforme decorre claramente do preceituado no artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, «[q]uando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; [e] b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (…)» (os sublinhados são, obviamente, nossos).
20. Constitui jurisprudência constante e reiterada dos nossos Tribunais Superiores que «impor decisão diversa da recorrida» não é o mesmo que «admitir decisão diversa da recorrida»; e, sendo assim, não basta contrapor à convicção do julgador uma qualquer outra, e diversa, convicção, para determinar inexoravelmente uma modificação da decisão relativa à fixação da matéria de facto: é necessário que o recorrente demonstre que, através da análise das provas por si especificadas, a convicção que o julgador formou (e apresenta na sua decisão) quanto aos concretos pontos de facto impugnados, é ilógica, irrazoável ou pura e simplesmente errada.
21. A mera discordância subjetiva acerca do valor que pode e deve (ou não) ser atribuído a determinados elementos probatórios plenamente sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, portanto, não é suficiente para impor uma decisão diversa à eventualmente tomada pelo julgador; só o será a discordância fundada em provas que especificamente contrariem, de forma inequívoca, o valor probatório dos elementos em que o julgador porventura se tenha baseado para firmar a sua convicção (ou ponham em causa os fundamentos invocados em arrimo desta mesma convicção), ou numa eventual violação, na valoração que por este foi efetuada, das regras do pensamento ou da experiência comum.
22. Falamos, pois, e designadamente, em situações em que um facto é dado como provado (ou não provado) com base em prova que o julgador estava legalmente impedido de considerar, ou desrespeitando o valor que legalmente é atribuído ao meio probatório em causa; em que um facto é dado como provado e nenhuma prova tiver sido produzida sobre ele, ou for dado como não provado por ausência de prova, e afinal tiver sido produzida prova que o comprove; em que o julgador der como provado (ou não provado) um facto com base no depoimento de uma testemunha que declarou exatamente o contrário do que lhe é atribuído, ou que não demonstre uma razão de ciência que sustente o conhecimento que diz ter desse mesmo facto (ou com base em qualquer outro meio probatório que não permita a ilação que dele foi retirada, ou imponha ilação diversa); e, em geral, em todas as situações em que do texto da decisão recorrida e/ou da prova concretamente elencada na mesma e questionada especificadamente no recurso, for de concluir, fora do contexto legalmente deixado à livre convicção do julgador, que o tribunal errou, de forma inequívoca, no seu juízo sobre a matéria de facto face às provas perante si produzidas ou examinadas (veja-se, a propósito, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, tirado no processo n.º 23/14.2PCOER.L1, disponível online na base de dados de jurisprudência deste Tribunal consultável no endereço www.dgsi.pt).
23. b) No caso concreto, pese embora o modo como configura o seu recurso, a verdade é que o recorrente, no fundo ignorando a obrigação que sobre si impende ex vi do preceituado no citado artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, limita-se na prática a verberar, ao julgador, o não ter ele formulado juízo idêntico ao seu relativamente à credibilidade e fiabilidade das declarações e depoimentos que foram prestados no decurso da audiência de discussão e julgamento, e, à decisão recorrida, o não ter acolhido a sua versão dos factos, o que, pelo que se deixou dito, é manifestamente insuficiente para obrigar à (ou impor a) alteração da factualidade dada por assente, sobretudo quando a decisão recorrida explica, de forma clara, lógica e em larga medida cogente, o percurso que seguiu para construir a convicção que formou a propósito dos diferentes factos relevantes para a decisão do pleito (e, bem assim, as razões pelas quais considerou não assentes os factos que deu como não provados).
24. Dito de outro modo, o que o recorrente realmente censura ao Tribunal recorrido é, afinal, que tenha fixado a matéria de facto de forma distinta àquela em que, em sua opinião (meramente subjetiva), o deveria ter feito, e daí a tentativa de colocar em causa a credibilidade do depoimento da queixosa e que largamente serviu para fundar a convicção do julgador, e oferecer uma leitura alternativa à prova produzida, que entende suscetível – de novo: sempre em sua opinião – de levar à modificação da factualidade dada por assente pelo Tribunal de julgamento no sentido que propugna, o que, mais uma vez, não impõe decisão diversa.
25. Aliás, ao contrário do que refere o ora recorrente, o Tribunal recorrido não se limitou a aceitar, passivamente, o teor das declarações para memória futura prestadas pela menor a que respeitam os autos, antes – como inequivocamente lhe competia – as confrontou com a demais prova produzida em audiência (máxime, os depoimentos das testemunhas a quem foram por ela narrados os factos que a envolveram, bem como a perícia a que foi sujeita a mesma menor), tal como fez, também, com as declarações prestadas pelo recorrente (e demais testemunhas nos autos), sendo desse modo – e não através de qualquer raciocínio ilógico, contraditório ou contrário às regras da experiência – que chegou (com a segurança necessária) ao elenco dos factos dados por assentes (e – precisamente onde aquelas declarações para memória futura se lhe afiguraram como não credíveis – não assentes, sendo certo que nenhum motivo existe para em relação a um complexo de factos não poderem manifestar-se, em relação a algum, ou alguns deles, dúvidas que, por força das regras de decisão próprias do processo penal, devam ser decididas, como foram, «a favor» do arguido, sem prejuízo da credibilidade que mereçam as declarações prestadas quanto aos restantes factos e que permitam dá-los como assentes, ainda que em sentido não favorável ao arguido).
26. c) O Tribunal a quo também não violou, ao fixar a matéria de facto que considerou assente e não assente, seja a presunção de inocência que ao recorrente assiste, seja o princípio in dubio pro reo, que obviamente não se confunde (como parece supor o recorrente) com a ausência de prova bastante para dar como provado qualquer facto relevante para a decisão do pleito.
27. De dúvida em sentido jusprocessual penal – e, portanto, da necessidade de tomar uma decisão pro reo – só pode falar-se se, da valoração dos elementos probatórios disponíveis, resultar, para o julgador, uma situação de dúvida insanável quanto à ocorrência ou não ocorrência de factos «cuja presença ou ausência é condição para que o estatuto do arguido seja alterado negativamente», designadamente por via da sua condenação pela prática de qualquer crime (Jan Zopfs, Der Grundsatz “in dubio pro reo”, pág. 269).
28. No caso dos autos, no entanto, não se vê que uma tal dúvida tenha perpassado pelo espírito do julgador, ou se mostre refletida na motivação com que explicita ele a convicção que formou quanto à factualidade que deu como provada e não provada, tal como também não decorre dos argumentos que o recorrente avança em justificação da sua pretensão.
29. Que no decurso da audiência de julgamento tenham sido apresentadas versões diferentes para os factos relevantes para a decisão a proferir é normal e constitui mesmo o resultado expectável do confronto de posições que nesse contexto é de supor que ocorra. Isto não determina, sem mais, uma qualquer situação de dúvida, sempre e quando seja possível, mediante a valoração da prova produzida, decidir, com segurança, quais os factos que ocorreram (ou não ocorreram) com relevo para a decisão do pleito.
30. Foi isto, precisamente, o que sucedeu no caso dos autos: confrontado com versões contraditórias dos factos relevantes para a sua decisão, o Tribunal a quo valorou-as e – como reiteradamente se sublinhou já –, de forma perfeitamente racional e clara, beneficiando dos elementos que só a imediação com a prova fornece (e que a este Tribunal falta), logrou formar convicção segura relativamente àqueles de que necessitava para a prolação da sua sentença. Nenhuma dúvida insanável foi, assim, ao contrário do que sustenta o recorrente, resolvida contra reum, nem foi ele condenado na ausência de prova suficiente para considerar como assentes as condutas que lhe foram imputadas nos autos e que justificaram a sua condenação pelo Tribunal recorrido.
31. 3. A aplicação, ao recorrente, das penas acessórias de proibição do exercício de funções cujo exercício envolva contacto regular com menores, de proibição de confiança de menores e de inibição do exercício das responsabilidades parentais, mostra-se plenamente justificada.
32. Contra o que insinua o recorrente, e como já se referiu, o Tribunal recorrido tomou expressamente em consideração as alterações legais operadas pela Lei n.º 15/2024, de 29 de janeiro, o que significa, pois, que não ignorou que a aplicação das penas acessórias em questão deixou de ser obrigatória (antes exigindo agora, a sua imposição, uma «ponderação casuística com base na culpa do agente e nos objetivos da pena», na formulação do próprio recorrente), bem como teve o cuidado de expor as razões pelas quais entendeu, ainda assim, ser justificado impô-las.
33. As razões aduzidas pelo Tribunal a quo para justificar a imposição das penas em questão ao recorrente são de acolher, sendo resultado de um juízo de necessidade que toma por fundamento a atitude do ora recorrente face à natureza dos ilícitos que praticou (caracterizado pela falta de espírito crítico e de arrependimento pelos abusos cometidos), e, bem assim, a necessidade de acautelar a eventual segurança de quaisquer menores que lhe pudessem ser confiados, sobre os quais houvesse de exercer responsabilidades parentais ou com quem mantivesse contacto por virtude de exercício de atividade profissional que o proporcionasse. Trata-se, aqui, de uma restrição de direitos que tem, neste momento, um conteúdo muito restrito e que, nessa medida, não se revela desproporcionada face aos interesses que, com a sua imposição, se visou salvaguardar.
34. Por outro lado, tendo em consideração a amplitude da duração legalmente prevista para as penas em referência, as medidas concretas encontradas pelo Tribunal recorrido (coincidentes com o mínimo legalmente previsto) não podem dizer-se desproporcionadas, como reclama o recorrente.
35. 4. Contrariamente ao que defende o recorrente, não ocorre, no caso vertente, a inconstitucionalidade material que identifica.
36. a) Com efeito, não se tendo colocado nos autos qualquer questão relativa à leitura, em audiência, de declarações do arguido/recorrente, não se vislumbra que possa ocorrer a inconstitucionalidade que o mesmo recorrente vislumbra na norma do artigo 357.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, na dimensão interpretativa por ele identificada, norma que obviamente não foi convocada como critério normativo da decisão recorrida (nem da presente decisão).
37. b) Na medida em que o que se tenha pretendido é referir a norma do artigo 356.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código de Processo Penal – para além de, mais uma vez, não ter a dimensão interpretativa indicada pelo recorrente servido para justificar a decisão, seja do Tribunal recorrido, seja deste Tribunal – o certo é que os nossos giudici delle leggi vêm reiteradamente decidido que a não exigência da leitura, em audiência, de declarações para memória futura validamente prestadas em processo penal, como requisito para a legítima valoração do seu teor, não é inconstitucional (cf., a propósito, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 367/2014 e 399/2015, reiterados, mais recentemente, no acórdão do mesmo Tribunal n.º 606/2020, por referência à decisão sumária que lhe constituiu objeto).
38. Como se lê no aludido acórdão n.º 367/2014, «integrando os autos (de declaração) os meios de prova elencados pela acusação, nada impede o arguido de, já na fase de audiência de discussão e julgamento, exercer o seu direito subjetivo público de audiência, requerendo a leitura das declarações e a sua reapreciação individualizada, e atacando a sua eficácia persuasiva. O uso efetivo deste direito, como é bom de ver, é algo que já não interessa ao princípio do contraditório nem ao seu recorte constitucional».
39. No caso, e como se viu, ao ora recorrente foi dada a possibilidade de requerer, em audiência, a leitura das declarações para memória futura existentes nos autos, e fazer valer o seu direito a exigir a comparência, no decurso do julgamento, de quem as prestou, se entendesse haver motivo justificado para tanto (que, no entanto, e como se referiu, também perante nós não identifica), faculdades essas, porém, de que resolveu livremente não fazer uso; sendo assim, nenhuma interpretação normativa foi formulada neste processo que pusesse em causa o exercício, por parte do recorrente, do direito ao contraditório ou à defesa, sendo que, no fundo, o que agora faz o recorrente é lamentar-se da sua própria inércia, ou inépcia, na organização da sua defesa e no modo como decidiu exercê-la no decurso da audiência de discussão e julgamento: tal, como se referiu, todavia, «é algo que já não interessa ao princípio do contraditório nem ao seu recorte constitucional» (vd. o acórdão citado), princípio que por isso não se mostra violado no caso concreto (como sucede, igualmente, com o direito à defesa que ao recorrente é constitucionalmente garantido).
40. 5. Face à decisão que irá ser proferida, terá o recorrente que suportar custas adequadas à atividade que desencadeou.
41. Conforme decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 513.º do Código de Processo Penal, o arguido suporta o pagamento de taxa de justiça «quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso».
42. Sendo este o caso, terá, assim, o recorrente, de suportar as custas devidas nesta instância.
43. Considerando, nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, a tramitação processual ocorrida, afigura-se adequado fixar em 5 Unidades de Conta a taxa de justiça devida.
III
44. Pelo exposto, acordam os da 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto em, negando provimento ao presente recurso, confirmar a decisão recorrida.
45. Custas pelo recorrente (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) Unidades de Conta.

Porto, 12 de novembro de 2025.
(acórdão assinado eletronicamente).
Pedro M. Menezes
Maria Ângela Reguengo da Luz
Pedro Afonso Lucas
Paula Guerreiro