Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO DUARTE TEIXEIRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE COMPRA E VENDA BENS DE CONSUMO COMPRA E VENDA DE VEÍCULO COMPRA E VENDA DEFEITUOSA REPARAÇÃO INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA | ||
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Nº do Documento: | RP202501235753/16.1T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/23/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Nos termos de um contrato de compra e venda de consumo defeito é qualquer desconformidade relevante, nomeadamente o facto de o veículo nunca ter sido objecto de um acidente com consequências reais, concretas e relevantes para o seu actual estado de funcionamento. II - A Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio consagrou uma sequência logica e hierárquica para o exercício dos direitos do consumidor III - A transposição nacional não visou conceder uma nova forma de exercer o direito de resolução nem violar o princípio da conservação dos negócios jurídicos IV - Desta forma deve o consumidor, nos termos da redação do art 4º, do DL 84/21 DE 18.10, em regra, exigir a reparação e só depois resolver o contrato. 5. Mas o simples pedido de reparação, no caso concreto, já encerra em si todos os elementos de uma interpelação admonitória. 6. Mesmo que assim não fosse o facto de o vendedor se recusar a reparar todos os defeitos é uma forma de incumprimento definitivo. 7. A questão da desvalorização do veículo cuja venda foi resolvida tem de ser arguida tempestivamente no decurso da acção e não apenas em sede de recurso | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 5753/16.1T8VNG.P1
Sumário: …………………………………… …………………………………..... …………………………………….
1. Relatório
AA, veio apresentar ação declarativa, com processo comum, contra A..., Unipessoal, Lda. e Banco 1..., S.A. pedindo: “Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência: a) Ser declarado resolvido o contrato de aquisição do veículo ..-OR-.., celebrado entre Autor e 1.ª Ré em 12 de Março de 2016, desde a data da sua celebração e, em consequência b) Ser a 1.ª R. condenada a pagar ao Autor a quantia de €14.017,65, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; c) Ser declarado resolvido o contrato de crédito celebrado entre A. e 2.ª R. e, em consequência, ser a 2.ª R. condenada a restituir ao Autor todas as prestações que por este lhe foram entregues, acrescidas de juros à taxa legal contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; d) Caso os pedidos constantes das alíneas a), b) e c) sejam considerados procedentes, deverá o Tribunal condenar o Autor a proceder à restituição à 2.ª Ré da quantia mutuada, em singelo, a deduzir da quantia que receber da 1.ª Ré. Subsidiariamente, Para a para a hipótese (…) de os pedidos supra não procederem, por qualquer motivo, Deve: d) Ser declarado anulado o contrato de aquisição do veículo ..-OR-.., celebrado entre Autor e 1.ª Ré, em 12 de Março de 2016, desde a data da sua celebração, com fundamento em erro sobre o objecto do negócio e, em consequência e) Ser a 1.ª Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de €14.017,65, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; f) Ser declarado resolvido o contrato de crédito celebrado entre Autor e 2.ª Ré e, em consequência, ser a 2.ª Ré condenada a restituir ao Autor todas as prestações que por este lhe foram entregues, acrescidas de juros à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; g) Caso os pedidos constantes das alíneas d), e) e f) sejam considerados procedentes, deverá o Tribunal condenar o Autor a proceder à restituição à 2.ª Ré da quantia mutuada, em singelo, a deduzir da quantia que receber da 1.ª Ré”. Para tanto, alegou, em síntese, que: - Compraram à 1º ré o veículo matrícula ..-OR-.. outorgando para tal o contrato de crédito que sabem ser o contrato de crédito n.º ...12; - antes de assinarem a documentação que lhes foi mostrada, A. e mulher perguntaram se o seguro ligado ao contrato de crédito cobria as mensalidades em caso de doença por baixa médica e foi-lhes dito que sim e que até cobria em caso de desemprego, morte ou invalidez temporária absoluta, o que não se verificava; - verificou depois que o A., que o automóvel fazia imenso barulho e a embraiagem e a caixa de velocidades não funcionavam bem; - No dia 17/03/2016, por causa de todas estas falhas e defeitos, A. e mulher deslocaram-se ao Stand para falar com o Sr. BB e para o informar do que se passava com o carro; - acabaram por concordar que o veículo fosse apresentado na B...; - tendo o mecânico da oficina, Sr. CC, indicado, no dia 24/03/2016, que o carro era sinistrado e que o sinistro se deu na parte lateral esquerda frontal da viatura, implicando deslocamento e amolgadela no motor, o que causou a destruição da bateria original da viatura; - nunca o A. teriam adquirido a viatura, se soubesse do seu estado e ao fim de 3 tentativas não é lícito ao A. que espere pela reparação do veiculo adquirido; - Pelos danos não patrimoniais sofridos, deverá a 1.ª Ré ser condenada a pagar ao Autor quantia não inferior a €2.500,00. * A R. A.... veio apresentar a sua contestação. Nesta requereu a intervenção acessória da leiloeira; - impugnou na generalidade os factos imputados, dizendo que desconhecia, por completo, a existência de um sinistro e demais consequências decorrentes do mesmo; Por fim, solicitou a condenação do A. como litigante de má fé. * O Banco 1... veio apresentar a sua contestação, invocou, na mesma, a preterição do litisconsórcio necessário e a ineptidão da petição inicial. Mais negou que não tenha sido entregue o exemplar do contrato ou não lhe tenha sido explicado o teor. Pugnou pela validade da cláusula de reserva de propriedade. Afirmou desconhecer os defeitos invocados. * Por despacho de 21/03/2018 foi admitida a intervenção acessória da C..., S.A., que usa a marca “...”. * A chamada, com denominação C..., S.A., veio pugnar pelo desconhecimento dos factos presentes na p.i.. E mais afirmou que atuou unicamente como intermediária, não sendo a vendedora do veículo. Foi saneado o processo e após instrução procedeu-se a audiência de discussão e julgamento. Foi proferida sentença que decidiu: a) julgar validamente resolvidos: a1) nos termos do artº 4º, nº 1, do DL nº 67/2003, de 08/04, o contrato de compra e venda da viatura marca Volkswagen, modelo ..., com a matrícula ..-OR-.., celebrado entre AA e A..., Unipessoal, Lda.; a2) por força do disposto no artº 18º, nº 2, do DL nº 133/2009, de 02/06, do contrato coligado de crédito celebrado, entre o Banco 1..., S.A. e os mutuários AA e DD, contrato de crédito n.º ...12, para financiamento da aquisição da viatura marca Volkswagen, modelo ..., com a matrícula ..-OR-..; b) em consequência das resoluções dos dois contratos, indicadas em –a)-, determinar a restituição das prestações efetuadas por cada um dos contraentes, determinando assim b1) que o A. AA proceda à entrega da viatura matrícula ..-OR-.. à R. A..., Unipessoal, Lda., procedendo, a expensas da R. A..., Unipessoal, Lda. da transmissão da propriedade registada a favor desta R.; b2) que o A. AA e mulher DD precedam à restituição, à R. A..., Unipessoal, Lda. do valor de €2000,00 (dois mil euros) que, embora decorrentes do financiamento efetuado pela Banco 1..., S.A., foram usados por estes com outras finalidades que não a aquisição da viatura; b3) que a R. A..., Unipessoal, Lda. proceda à restituição, ao R. Banco 1..., S.A., do valor de €10.000,00 (dez mil euros), que lhe foram entregues (para pagamento do preço) no âmbito do contrato de financiamento para aquisição da viatura marca Volkswagen, modelo ..., com a matrícula ..-OR-.., b4) que o R. Banco 1..., depois de ser ressarcido pela A..., Unipessoal, Lda., proceda à remoção da reserva de propriedade que mantém registada sobre a viatura matrícula ..-OR-.., a expensas da A..., Unipessoal, Lda; b5) que o R. Banco 1..., S.A. proceda à restituição, ao A. AA e mulher DD, dos valores que estes, na qualidade de mutuários, pagaram em cumprimento do contrato de crédito n.º ...12, no âmbito do financiamento para aquisição da viatura marca Volkswagen, modelo ..., com a matrícula ..-OR-..; b5.1) condenando, desde já, o R. Banco 1..., S.A., a proceder à restituição do valor de €8.117,24 (pagos até 03 de Novembro de 2020); valor acrescido dos juros moratórios civis, contabilizados sobre o valor de €8.117,24, desde a citação e até efetivo e integral pagamento; e b5.2) condenando o R. Banco 1..., S.A., a restituir os valores entretanto pagos pelo A. AA e mulher DD ao R. Banco 1..., S.A. (não se incluindo o valor do seguro), desde 03 de Novembro de 2020, valores a serem liquidados em sede de execução de sentença, nos termos do disposto no 609º, nº 2, do Cód. Proc. Civil;c) condenar a R. A..., Unipessoal, Lda., a título indemnizatório pelos valores que os A. AA e mulher DD pagaram pelo seguro automóvel (da viatura Volkswagen, modelo ..., com a matrícula ..-OR-.., c1) condenando desde já a R. A..., Unipessoal, Lda. ao pagamento, ao A. AA e mulher DD, da quantia de €1657,04 (mil seiscentos e cinquenta e sete euros e quatro cêntimos) valor acrescido dos juros moratórios civis, contabilizados sobre aquele valor de €1657,04, desde a citação e até efetivo e integral pagamento; e c2) condenando a R. A..., Unipessoal, Lda. a restituir os demais valores pagos pelo A. AA e mulher DD, desde 03 de Novembro de 2020, por conta do seguro automóvel, valores a serem liquidados em sede de execução de sentença, nos termos do disposto no 609º, nº 2, do Cód. Proc. Civil; d) condenar a R. A..., Unipessoal, Lda., a título indemnizatório pelos valores que o A. AA pagou pelo imposto de circulação automóvel (IUC) da viatura Volkswagen, modelo ..., com a matrícula ..-OR-.., condenando esta demandada ao pagamento, ao demandante AA, do valor de €406,71 (quatrocentos e seis euros e setenta e um cêntimos); valor acrescido dos juros moratórios civis, contabilizados sobre aquele valor de €406,71, desde a citação e até efetivo e integral pagamento; e) condenar a R. A..., Unipessoal, Lda., a título indemnizatório pelos danos por privação de uso que o A. AA teve (30 dias), condenado esta R. ao pagamento, ao A. AA, a quantia de €300,00 (trezentos euros); valor acrescido dos juros moratórios civis, contabilizados sobre aquele valor de €300,00, desde a citação e até efetivo e integral pagamento; f) condenar a R. A..., Unipessoal, Lda., a título indemnizatório pelos danos não patrimoniais que o A. AA teve, condenado esta R. ao pagamento, ao A. AA, da quantia de €1000,00 (mil euros). valor acrescido dos juros moratórios civis, contabilizados sobre aquele valor de €1000,00, desde a citação e até efetivo e integral pagamento. g) absolver as R. A..., Unipessoal, Lda. e o R. Banco 1..., S.A., do restante pedido. h) indeferir a condenação de qualquer das partes como litigante de má fé. i) condenar os AA. AA e mulher DD, a R. A..., Unipessoal, Lda. e o R. Banco 1..., S.A. em custas, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 51% para os AA., 22% para o R. Banco 1... e 27% para a R. A.... – cfr. artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC. Inconformada veio a ré BB Unipessoal interpor recurso o qual foi admitido como de apelação a subir imediatamente nos próprios autos com efeito devolutivo – artigos 644.º, 1, a), 645.º, 1, a) e 647.º, 1 do Código de Processo Civil.
2.1. Foram apresentadas as seguintes conclusões, cujo restante teor se dá por integralmente reproduzido: a) No que concerne à matéria de facto enumerada pelo Tribunal a quo, a recorrente considera ter sido incorrectamente julgada a que resulta dos artigos 20, 21, 25 e 38 da matéria de facto provada e a que resulta do artigo 20 da matéria de facto não provada. b) Relativamente ao artigo 20, não decorre dos autos qualquer prova de que o veículo emprestado pela aqui recorrente – sem qualquer obrigação uma vez que o contrato de compra e venda não estava ao abrigo da garantia – foi emprestado no dia 22 de Abril de 2016 e devolvido 7 (sete) dias depois. c) O que resulta dos autos é que a aqui recorrente emprestou um veículo de substituição assim que a mulher do autor o solicitou. d) E que esta o devolveu passados quinze dias por considerar que o veículo não tinha condições. e) Em face do vindo de expor, impõe-se alterar a matéria de facto julgada provada sob o n.º 20, passando a mesma a ter a seguinte redacção: “O A. teve um carro emprestado pela R. BB Ld.ª assim que a sua mulher o solicitou, tendo esta devolvido a mesma passados 15 dias por entender que não se encontrava em condições.”. f) Relativamente ao facto n.º 21 (que se impõe julgar como não provado), atendendo a que o autor teve uma viatura de substituição e tinha ainda registada a seu favor uma outra viatura, ..., com matrícula ..- OT-.. (documento n.º 9 da contestação), não se vislumbra existir prova de que a viatura OR tenha feito falta ao mesmo, tanto para lazer como para se deslocar ao trabalho. g) Sendo que, se falta fizesse, não poderia a mulher do autor devolver a viatura de substituição que foi dispensada pela aqui recorrente (por alegadas faltas de condições que não se verificavam), não tendo sequer pedido uma outra. h) No que concerne ao facto n.º 25 (que se impõe julgar como não provado) o que resulta provado nos autos é que o veículo não ficou fechado na garagem do autor sem qualquer utilização uma vez que resulta do relatório pericial de Outubro de 2023 que o veículo foi utilizado, pelo menos, em 537 quilómetros. (…) n) Relativamente ao facto n.º 38 (que se impõe aditar o valor de € 6.000,00) e ao facto n.º 20 (que se impõe julgar como provado), do documento n.º 2 junto pela chamada C... resulta que, para além daqueles valores, foi cobrado ainda o valor de € 6.000,00 (seis mil euros). o) Considera ainda a recorrente que se impõe ampliar a matéria de facto, julgando-se provado que se encontra registado a favor do autor o veículo de marca ..., com matrícula ..- OT-.., conforme documento n.º 9 junto com a contestação e, por contraposição, julgar-se como não provado que o autor não tivesse outro veículo. p) E que se impõe ampliar a matéria de facto, julgando-se como provado que a aqui recorrente despendeu o valor de € 1.756,96 (mi, setecentos e cinquenta e seis euros e noventa e seis cêntimos) com a reparação do veículo, conforme documento n.º 7 junto com a contestação. q) A ampliação vinda de requerer justifica-se uma vez que são factos do conhecimento do Tribunal e relevantes em virtude de a aqui recorrente ter sido condenada em indemnização pelo dano de privação de uso e por ter sido considerado validamente resolvido o contrato como se não tivesse existido todo um capítulo desta história dedicado à reparação de um veículo vendido sem garantia. r) No que concerne à matéria de Direito, considera a recorrente que sendo a existência do defeito um facto constitutivo dos direitos atribuídos ao comprador, cabe a este a respectiva prova (cfr. art. 342º, n.º 1 do Código Civil). s) Pelo que, "se o defeito é da coisa prestada, aquele que a recebeu terá de provar a desconformidade", a deficiência da coisa. t) Acontece que ao comprador não basta provar a existência do defeito, tem de provar a anterioridade do defeito em relação à concretização do contrato e à entrega do veículo e, ainda a gravidade desse defeito, de molde a afectar o uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa. u) Salvo o devido respeito não resulta qualquer prova nos autos de qualquer desconformidade grave do veículo automóvel, nem sequer que tenha efectivamente existido qualquer sinistro. v) Do relatório pericial junto aos autos resultou ter sido detectado um desvio no apoio da caixa de velocidades devido a uma reparação incorrecta, sendo passível de reparação. w) Resultou ainda que o veículo tinha mais 537 quilómetros por referência à data da sua venda, desconhece a recorrente se o dano nele referido foi originado pelo próprio autor. (…) y) Mas, por cautela de patrocínio, ainda que se entenda imputar a desconformidade verificada em 2023 pelo Sr. Perito à data da aquisição do veículo, sempre importa referir que o Sr. Perito indicou que a substituição dos componentes comportaria um custo de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros). (…) cc) Conforme decorre dos autos, a recorrente acedeu em vender o veículo por um valor inferior ao do mercado pelo facto de o autor e da sua mulher terem prescindido de garantia (não tendo o veículo sido sequer devolvido no prazo legalmente estabelecido para tal). dd) Sublinhe-se que a aqui recorrente acedeu em colocar o veículo para verificação dos barulhos de que se queixava a mulher do autor quando estes tinham renunciado ao direito à garantia de forma a pagarem menos pela aquisição do veículo. ee) O veículo foi reparado na oficina que as partes escolheram, estava em condições de segurança e apta para circulação – tendo a aqui recorrente custeado a reparação sem qualquer limite de valor -, não constando do relatório do Sr. Perito de Outubro de 2023 informação contrária. ff) Portanto, considera-se assim que não há prova nos autos que à data da aquisição do veículo automóvel o mesmo se encontrasse desconforme com o contrato, nem que à data se verificasse o descrito no relatório pericial de Outubro de 2023, isto é, um alegado problema da caixa de velocidades, sem a concretização essencial à gravidade do defeito que conduza à resolução do contrato. gg) Concluindo-se assim pela violação do disposto no artigo 342.º do Código Civil, não tendo o autor cumprido o ónus de provar a existência de um defeito grave que conduzisse à resolução do contrato. hh) Não pode deixar de se considerar um abuso de direito vir o autor exigir uma resolução do negócio sem demonstrar o estado actual do veículo e desconhecendo-se o uso e manutenção do mesmo, sendo certo que, uma alegada avaria da caixa de velocidades pode decorrer do mau uso da mesma, desconhecendo-se em absoluto o uso que foi dado à viatura desde o momento em que a mesma foi levantada do Stand. ii) Importa ainda referir que, mesmo na venda de bens de consumo, o consumidor para ter direito a resolver o contrato defeituosamente cumprido pelo vendedor, terá de dar satisfação ao disposto no artigo 808º, 1, do C. Civil, que exige que o credor fixe um prazo para a obrigação em dívida seja cumprida (a chamada interpelação admonitória). jj) O autor não concedeu à recorrente qualquer prazo para reparar o veículo sob a cominação de resolução do contrato de compra e venda, conforme dispõe o artigo 808.º do Código Civil. kk) Aliás, o veículo foi colocado para reparação na Oficina B... e nenhuma informação sobre a sua remoção e eventuais desconformidades foi dada à aqui recorrente. ll) Não havendo lugar à válida resolução do contrato de compra e venda, terá de improceder a condenação que assenta nos efeitos da resolução, descrita sob as alíneas b) a f) da sentença de que se recorre. (…) . nn) Não pode deixar de se considerar abuso de direito o autor peticionar a resolução dos contratos com as inerentes consequências da resolução, quando o custo da reparação do veículo é de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros); quando a recorrente desconhece a utilização que foi dada ao veículo desde que saiu do stand – sendo que o legal representante da aqui recorrente andou no veículo e nenhum barulho sentiu –, pelo facto de o veículo não ter estado imobilizado – o que se verifica do diferencial de quilómetros que existiam à data da aquisição do veículo e à data da realização da perícia e, ainda, pelo facto de ter sido feita reparação com o custo de € 1.756,95 (mil, setecentos e cinquenta e seis euros e noventa e cinco cêntimos) na Oficina B... nos termos da qual foi substituído o kit de embraiagem e foi o veículo entregue em “segurança e apto para circulação.”. (…) tt) Pese embora não exista hierarquia nos direitos a serem exercidos pelo consumidor, de acordo com o previsto no artigo 4.º, n.º 5 do DL 67/2003, “o consumidor “pode exercer qualquer dos direitos” previstos no mesmo, não estando sujeito a uma qualquer hierarquia, desde que se mostre possível e não constitua abuso de direito nos termos gerais, ou seja, como previsto no art. 334º do Cód. Civil.”. ddd) De facto, a Diretiva 1999/44/CE estabelece claramente uma hierarquia, privilegiando a reparação sobre a “rescisão” (artigo 3.º, n.ºs 3 e 5). eee) Verifica-se assim o exercício abusivo do direito à resolução do contrato de compra e venda. fff) Sem prejuízo das questões de Direito vindas de descrever, considera a recorrente que não poderia ter sido condenada pelo dano de privação do uso atendendo a que, para além de ter disponibilizado de imediato um veículo ggg) A existir condenação, que a mesma consista na reparação do veículo nos termos propostos no relatório pericial ou, no limite, no pagamento do valor a que corresponde a reparação (€ 250,00). (…) jjj) Ora, a manter-se a decisão de que se recorre – o que por mera cautela de patrocínio se invoca – sempre se impõe que a decisão seja alterada, condenando o autor e a mulher a restituírem à aqui recorrente o valor de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescidos de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento. * 2. 2. Não foram apresentadas quaisquer outras alegações pelas partes e intervenientes dos autos. * 3. Questões a decidir 1. Determinar a procedência do recurso da matéria de facto alterando ou não oficiosamente a matéria de facto. 2. Determinar depois, se o veículo tem ou não um defeito grave. 3. Com base no mesmo determinar se existe ou não justa causa de resolução do contrato pelo apelado. 4. Caso necessário apurar se se deve manter ou não a condenação na quantia resultante da privação de uso. 5. Averiguar por fim, se se poderá “condenar o autor e a mulher a restituírem à aqui recorrente o valor de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescidos de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento”. * 4. Do recurso sobre a matéria de facto O recurso da matéria de facto assume uma função de controlo da actividade do tribunal recorrido, visando verificar a sua congruência com os meios de prova produzidos e coerência com juízos de racionalidade, ponderação e adequação com relevância social. Visa-se por isso não um novo julgamento, mas sim o controlo do juízo probatório emitido. Ora, no caso presente nenhum dos meios de prova indicados põem em causa a razoabilidade da ponderação efectuada pelo tribunal recorrido. Ao que acresce que o objecto do recurso, por lapso manifesto, tem por objecto factos que já constam dos factos provados (ex. entrega do carro de substituição) e realidades inúteis que contrariam até o que consta da contestação (como a utilidade do autor ser dono de outro carro quando se alegou que a aquisição era para circulação do seu agregado). Bem pelo contrário, a análise dos autos e audição oficiosa da produção de prova demonstra que a apelante omite factos já provados (eg a aquisição através de leilão), omite meios de prova (documentos por si juntos) e deturpa a realidade concreta patente nos autos.
Assim, pretende o apelante que “ter(á) sido incorrectamente julgada a que resulta dos artigos 20, 21, 25 e 38 da matéria de facto provada e a que resulta do artigo 20 da matéria de facto não provada”.
O facto nº 20. O A. teve um carro emprestado pela R. A...., desde 22-04- 2016 até ao dia 29-04-2016, que devolveu por entender que o mesmo não se encontrava em condições. Nesta matéria a sentença recorrida motivou: “Os factos presentes no número 20. dos factos provados foram afirmados pelo A. (sendo um facto desfavorável) e implicitamente admitidos pela R. A.... na sua contestação (cfr. artigos 97. a 101. da contestação desta R.)”. Não se vislumbra, pois, nem a relevância desse facto para a decisão da causa nem qualquer incongruência desse juízo probatório que aliás corresponde ao teor da contestação.
O facto nº 21. O veículo OR fez falta ao A., tanto para lazer como para se deslocar ao trabalho. Com base nas regras da experiência parece natural que quem adquire um veículo pretendeu usá-lo, pelo que caso isso não seja possível o mesmo “faz falta”. Note-se que essa conclusão não é afectada pela existência de outro veículo no património do agregado familiar conforme pretende a apelante. Esta conclusão é reforçada pelo relatório pericial que atesta o escasso nº de quilómetros. Sendo que, por fim, a mesma realidade é comprovada das declarações de DD. Acresce que é o apelante quem, na sua contestação admite que a aquisição do veículo era para uso do agregado familiar do autor.
O Facto nº 25. Como o Sr. BB (e, por via dele, a R. A....) não aceitava a devolução, o veículo OR ficou fechado na garagem do A., sem ser utilizado devido à situação e estado em que este se encontra atualmente, o que foi comunicado ao Sr. BB, estando o A. convencido de que era perigoso circular com o veículo. Resulta das simples alegações da apelante (sejam as primeiras sejam as segundas) que afinal esse veículo foi parcialmente reparado (não totalmente) e que esse veículo fazia um barulho na sua circulação. Depois, o relatório pericial confirma que esse barulho é anormal devido a reparações deficientes (quesito nº1 e 2). O mesmo relatório confirma a existência de soldadura na zona em causa devido a tentativa de reparação anterior concluindo-se que terá sofrido danos estruturais graves. Por fim o documento nº2 junto pela própria apelante e emitido pela leiloeira menciona que o veículo sofreu “sinistro frontal”. Logo, parece natural que o estado do veículo justificaria a sua não circulação. Depois os documentos juntos pela apelante comprovam que foi efectuada uma tentativa de reparação; que esta não foi aceite pelo cliente e que outra oficina afirmou que precisaria de colocar uma panela nova o que não foi realizada. Daí resulta, pois, que a tese da apelante (que nada sabia sobre a existência de um sinistro e que a reparação foi realizada) é desmentida pelos documentos juntos pela própria. Note-se aliás que a restante realidade desse facto é confirmado pela Sra. DD. Acresce que o facto do veículo demonstrar uma circulação de quinhentos quilómetros é manifestamente inócuo para por em causa a sua não circulação. Pelo contrário esse facto confirma e corrobora que não foi usado habitualmente, pois, dos emails juntos pela apelante resulta que este teve de ser deslocado a pelo menos duas oficinas, testado pelas mesmas, o que por si só justifica essa quilometragem. Logo o juízo factual do tribunal a quo é conforme com a realidade e por nós subscrito.
O Facto 38. A Chamada C... emitiu fatura ao R. A....., pelos serviços prestados, enquanto empresa leiloeira, tendo-lhe cobrado os seguintes valores: - 308,73 € a título de “taxa de aquisição”; - 79,95 €, pela prestação do serviço de transferência de propriedade. É a própria apelante a admitir na contestação que usou os serviços de leilão (doc nº 2). Resulta do documento junto pela leiloeira (doc 2 desse articulado) esses valores facturados à apelante. Não se vislumbra, pois, qual a razão concreta para qualquer discordância com o juízo probatório, que diz respeito “aos serviços prestados” e não ao valor da compra.
O Facto não provado nº 20 é “O veículo foi adquirido diretamente pela R. BB, SA à Chamada C...”. Resulta do documento nº 2 junto por esta que a mesma leiloou o veículo. Resulta do testemunho do director geral da mesma (inquirido em 25.5.23) que a mesma é intermediária entre os profissionais vendedores e compradores nessa forma. Da factura junta (doc nº 2) resulta comprovada essa transacção sendo que natureza da mesma já consta do facto provado nº 28, logo nada existe a alterar.
Pretende ainda a apelante que sejam aditados factos (conclusões o) e p). Quanto ao facto do autor ser proprietário de um veículo teremos de notar que a mesma é inócua, pois, o dano da privação de uso só foi fixado em 300 euros por 30 dias e do documento não resulta que essa aquisição diga respeito a esse mesmo período. A aquisição do veículo em causa data de 1.6.15, logo é anterior à aquisição do veículo dos autos. Depois, resulta claro que o autor faz parte de um agregado familiar com a chamada e que seria até esta quem iria usar o veículo. Logo, por certo entenderá a apelante (como consta da sua contestação) como comerciante de automóveis, que a privação de uso ocorre quando um agregado familiar dispõe de outros veículos. Bastará dizer que consta dos factos provados (aceites pela apelante) que a mulher também se deslocou ao stand que foi esta aliás quem entregou o carro de substituição pelo que será natural concluir que o mesmo se destinava ao transporte do agregado familiar e não apenas do autor. Tanto mais que note-se o registo de propriedade diz respeito a uma aquisição em data anterior e não posterior á dos autos.
Em segundo lugar, não está comprovado e muito menos alegado que o autor não seja proprietário de outro veículo. Por fim, não se vislumbra, nem a apelante esclareceu, qual a relevância da quantia despendida pela apelante em reparações tendo em conta o objecto da decisão em primeira instância. Acresce que a factura junta nem sequer permite comprovar que esses serviços tenham sido realizados naquele preciso veículo visando aquelas reparações (incluem por exemplo o carregamento do ar condicionado) e muito menos que digam respeito às reparações objecto da reclamação do autor (note-se que se discriminam serviços gerais incluindo, por exemplo alinhar a direcção cfr. factura 1622). Logo sempre não existiriam elementos seguros para comprovar essa realidade nos precisos termos objecto do recurso.
Oficiosamente importa alterar o juízo probatório dos factos nºs 29, 31 e 34. Foi junto um documento junto na contestação pelo próprio apelante o qual demonstra que foi informado pela leiloeira que esse veículo tinha sido objecto de um sinistro. Deste modo, apesar do director da leiloeira ter confirmado essa factualidade a mesma é desmentida pelo documento junto pela ré/apelante pelo que o juízo probatório não se pode manter já que consta não apenas menção à eclosão de um acidente como a uma avaria. Improcede, pois recurso sobre a matéria de facto. * 5. Motivação de facto 1. O veículo automóvel marca Volkswagen, modelo ..., com a matrícula ..-OR-.., encontra-se registado a favor do A. AA, mas com uma reserva de propriedade a favor do R. Banco 1.... 2. A. R. A.... dedica-se ao comércio de automóveis, com fins lucrativos explorando o stand “...”, em ..., .... 3. Depois de visionar o anúncio publicado no próprio sítio de internet do mencionado stand, o A. decidiu adquirir o referido veículo OR, o que fez, por €8.000,00. 4. A R. A.... assegurou publicamente ao A que a viatura se encontrava “como nova”, e anunciou as seguintes características do veículo ..-OR-..: - Maio de 2014; - 24000 kms; - Gasolina; - ABS; - AC; - Livro de revisões completo; - Portas: 4-5; - Lotação: 4-5; - Segurança & Performance; - Filtro de Partículas; - Segurança Passiva: Airbags:6 e Imobilizador. - Segurança Activa: Fecho automático de portas em andamento; - Luzes; - Faróis reguláveis em altura; - Conforto & Design; - Direcção assistida; - Fecho com comando; - Encostos de cabeça traseiros; - Volante regulável em altura e profundidade; - retrovisores com regulação manual; - vidro eléctrico dianteiro; - viatura como nova; - preço: €7.999,00; 5. No dia 12/03/2016, o A. e sua mulher, a Sr.ª D. DD, deslocaram-se ao “stand “...”, em ..., para assinar os documentos para o financiamento da viatura matrícula OR. 6. Por escrito datado de 12/03/2016, em que figuravam como primeiro outorgante a R. A.... e como segundo outorgante o A. AA, com epigrafe “Contrato de Aquisição de Viatura”, a R. A.... declara vender a viatura automóvel matrícula ..-OR-.. ao A., que deu o seu acordo, tendo sido ainda enunciado que “o custo da viatura é de €8000,00, o pagamento foi feito via crédito total, sendo que o referido crédito contém mais €2000,00 para que o cliente resgatasse outro crédito de outra viatura. OBS: Esta viatura é vendida em bom estado, com 24.000 mil km, sem garantia, por acordo de ambas as partes o custo da mesma era de 9.000€”. e, no documento intitulado “Contrato de Aquisição de Viatura”, apôs as palavras “em bom estado”. 7. E assinaram o contrato de crédito n.º ...12, tendo-lhes sido entregue uma cópia desse contrato, constando nesse contrato, além do mais, o seguinte: - Contrato de crédito: Proposta /contrato nº ...12 - Identificação dos clientes: 1º Titular AA; 2º Titular: DD. - Tipo de crédito, Bem Financiado e Fornecedor: com reserva de propriedade; Volkswagen ..., Matrícula ..-OR-..; Montante solicitado: €10.450,00. - Montante total do crédito: €11.023,54; taxa fixa, Juros remuneratórios €6.370,46; comissão de processamento: €3,00; - imposto de selo: €110,22; montante total imputado ao consumidor €17.754,00; montante da prestação: €144,95; nº prestações: 120.; duração: 120 meses. Garantias: Livrança subscrita pelo cliente; reserva de propriedade sobre o bem supra identificado: - Clausulas gerais: cláusula 9.5 das condições gerais “Caso a reserva de propriedade esteja prevista nas CP, o Cliente declara, expressamente, que a quantia mutuada através do contrato se destina ao cumprimento da obrigação de pagar o preço do bem identificado nas CP ao Fornecedor e que o Banco fica sub-rogado nos direitos do Fornecedor, transmitindo-se para o Banco todas as garantias e acessórios do crédito do Fornecedor, designadamente, a reserva de propriedade estipulada sobre o bem alienado até ao integral cumprimento do Contrato coligado, adquirindo o Banco todos os poderes que competiam ao Fornecedor”. sendo que €2.000,00 foram recebidos, diretamente, pelo A., com outras finalidades que não a aquisição da viatura. 8. A. AA e mulher DD assinaram o contrato, tendo-lhes sido explicado o clausulado pelo Sr. EE (por parte da R. Banco 1...) e entregue uma cópia, tendo ainda o A. e a chamada DD assinado um um termo de responsabilidade nos termos do qual declarou lhe terem sido prestados todos os esclarecimentos relativos à realização da operação de crédito e, bem assim, que lhe tinha sido entregue um exemplar duplicado do indicado contrato, que leu e analisou (juntamente com o seu cônjuge) antes de assinar, cujas condições lhe foram previamente esclarecidas. 9. No dia 14/03/2016, A. e mulher foram buscar o carro ao stand e, como já estava na hora do A. se apresentar ao serviço, o A. levou-o com ele. 10. Ao chegar ao serviço, o A. AA verificou que - o carro fazia intenso e anormal barulho, - a embraiagem e a caixa de velocidades não funcionavam corretamente, e - “Start&Stop” não estava a funcionar corretamente. 11. Comunicado o problema ao gerente da R. A.... (Sr. BB) em 17/03/2016, o A. AA e mulher DD acordaram com o Sr. BB a colocação do veículo na oficina “B...”, tendo a viatura sido entregue, na oficina “B...” em 23/03/2016. 12. Em data não concretamente apurada, mas pelo menos em 12/04/2016, o mecânico da oficina B... (CC) comunicou ao A. que veículo era sinistrado, o que terá causado deslocamento no motor e amolgadela, o que causou a destruição da bateria original da viatura (que não era a original e não era a apropriada) e por isso não tinha o “start and stop” a funcionar corretamente. 13. Também - a embraiagem estava danificada, a caixa de velocidades tinha anomalias e - a panela do escape teria de ser reparada. 14. Em face do indicado nos números 12. e 13. dos factos provados, o A. AA e mulher DD sentiram-se enganados. 14A. o A. nunca teria adquirido o OR se soubesse que se tratava de um veículo acidentado ou que apresentava qualquer das situações indicadas nos números 13. e 14. Dos factos provados. 15. O Sr. BB telefonou para Lisboa para o responsável do leilão onde havia adquirido o OR e confrontou-o com o diagnóstico dado pelo Sr. CC, mas o responsável do leilão declinou a responsabilidade. 16. O veículo permaneceu na oficina a partir de 23/03/2016 para ser reparado, sendo que a bateria necessária à reparação da viatura, apesar de ter sido pedida, não foi disponibilizada pelo fornecedor antes de 12/04/2016, sendo que foi por instruções expressas do Sr. BB que a viatura só foi reparada após a colocação da bateria (a bateria foi entregue dia 12 de Abril de 2016, pela manhã) e tendo sido intervencionado o corta fogo junto ao motor, reparação da amolgadela, reparação da caixa de velocidades, do suporte da bateria e a colocação da bateria. 17. No dia 13/05/2016, a viatura continuava com barulhos anormais e a panela de escape não tinha sido reparada. 17A. Em data não concretamente apurada, mas em momento anterior a 02/06/2016, por indicação do responsável da oficina, o A. AA foi levantar a viatura, sendo que, pelo menos em 19/05/2016, a viatura ainda não se encontrava reparada. 18. Apesar disso, DD continuava a queixar-se de barulhos, tendo o veículo automóvel sido apresentado, pelo A., na oficina oficial da Volkswagen (D...), que produziu uma declaração, datada de 08/06/2016 com o seguinte teor: “Declara-se, para os devidos efeitos, que a viatura VW ... ..-OR-.., apresenta sinais de ter tido um sinistro. As queixas apresentadas podem ser consequência desse suposto sinistro. Para tentativa de resolução dos problemas da viatura, é necessário proceder a várias desmontagens de componentes da viatura. Contudo, não nos é possível apresentar orçamento pois não temos a certeza do tempo necessário e do material que possa ser necessário”. 18A. Em 08/06/2016, o veículo OR apresentava, ruídos anómalos, ruídos decorrentes: - de desvios nos apoios da caixa velocidades, que criam um esforço e vibração adicional na carroceria, provocando os ruídos; - incorreta fixação e desalinhamento dos órgãos mecânicos da viatura (motor), provocando ruídos e vibrações, anomalias decorrentes de uma reparação incorreta, tudo como consequência sinistro anterior, anomalias que se mantêm atualmente. 19. Em face das situações, o A. AA tentou devolver a viatura (anulando o negócio), o que não foi aceite pela R.. A..... 20. O A. teve um carro emprestado pela R. A...., desde 22-04-2016 até ao dia 29-04-2016, que devolveu a por entender que o mesmo não se encontrava em condições. 21. O veículo OR fez falta ao A., tanto para lazer como para se deslocar ao trabalho. 22. O A. contratou um seguro do veículo, pelo qual suportou o custo mensal de €29,59 (€354,86 anuais), ou seja, e, à data da entrada da p.i., tinha suportado 4 prestações, o que totalizava o valor de €118,36. 23. E suportou o IUC, em 2016, no valor de €99,29. 23A. Considerando o montante financiado, em 03/11/2020 - o capital em dívida, do financiamento da R. Banco 1... ao A. e mulher DD estava em €7.272,99; - com uma prestação mensal de €144,95; - com um seguro mensal de €29,59; 23B. Tendo ainda o A. procedido ao pagamento do IUC, que: - em 2020 foi de €103,12; - em 2019 foi de €102,81; - em 2018 foi de €101,49. 23C. Sendo que, pelo menos em 03/11/2020, o A. já tinha pago 56 meses do mútuo, com o valor de €8.117,24. 24. A. AA e mulher DD tiveram desgaste emocional com os factos indicados supra. 25. Como o Sr. BB (e, por via dele, a R. A....) não aceitava a devolução, o veículo OR ficou fechado na garagem do A., sem ser utilizado devido à situação e estado em que este se encontra atualmente, o que foi comunicado ao Sr. BB, estando o A. convencido de que era perigoso circular com o veículo. 26. Sendo que o Sr. BB, confrontado com o relatório indicado no número 18. dos factos provados, pretendia apenas substituir a panela de escape (o que inicialmente, nas primeiras reparações da viatura, tinha recusado), por entender que o veículo estava devidamente reparado no demais (confiando na B...), e sendo que o que o A. apenas aceitava a anulação do contrato, tendo em conta o que tinha passado até então. 27. No âmbito do contrato de financiamento, o A. pagou, além do mais, €1.023,54, correspondente: - a €450.00, por “subvenção”; - proteção de crédito facultativa: €463,32; - a €110,22 de imposto de selo, sendo que o A. sabia a que se referia a que se referia cada uma destas parcelas, tendo sido entregue, à R. A...., pela R, Banco 1..., pelo preço e financiamento da aquisição da viatura, o valor de €10.000,00 (€10.000,00) e sendo que €2000,00 foram entregues ao A.. 28. O veículo foi adquirido, em leilão, pela R. A...., através da leiloeira Chamada C... (intermediária). 29.[1] 30. Tendo o representante legal da R. A.... a qualificado com a expressão “Bom estado” por ser essa a sua convicção. 31. [2] 32. Após ter sido comunicada, pelo A., a existência do sinistro, a R. A.... contactou a C..., S.A., tendo-lhe transmitido, por email, em 19/05/2019, que “relativamente à viatura marca Volkswagen ... matrícula ..-OR-.., que logo após ter sido vendida o cliente veio reclamar deficiências, vindo-se a constatar que a mesma havia sido alvo de sinistro e que não estava identificada na ficha de anotações do leilão, como devia. Ficou acordado consigo que reparasse a viatura e, entretanto iria falar com o fornecedor sobre o assinto. Serve este email para informe que a mesma ainda não está totalmente reparadas dado que envolve mecânica, mas, logo que devidamente reparada entrarei em contacto convosco dando conta do custo da referida reparação”. 33. Por email de 28/06/2016, a R. A.... comunicou, por email, à C..., S.A. que “de acordo com a nossa conversa tida após a aquisição da viatura em referência (…) aqui lhe envio o relatório e fatura das despesas tidas com a viatura”. 34[3]. 35. No âmbito da sua atividade, a Chamada C... organiza leilões de veículos e equipamentos, por conta e mandado dos clientes que aí os colocam, estando registado, como anterior proprietário, “E..., Lda.”. 36. A participação nos leilões realizados pela Chamada é feita de acordo com as designadas "Condições Gerais de Compra e Venda de Viaturas Usadas em Leilão", as quais são do conhecimento de todos os participantes que as aceitam aquando da sua inscrição. 37. Nos termos da cláusula 3.1.7. das referidas Condições Gerais “O vendedor deverá preencher a ficha de viatura com todas as informações nela solicitadas (…). (…) O vendedor é o único responsável pela falsidade, incorrecção ou omissão de quaisquer elementos da ficha de viatura, ou por quaisquer outras informações ou garantias prestadas.” 38. A Chamada C... emitiu fatura ao R. A....., pelos serviços prestados, enquanto empresa leiloeira, tendo-lhe cobrado os seguintes valores: - 308,73 € a título de “taxa de aquisição”; - 79,95 €, pela prestação do serviço de transferência de propriedade, conforme doc nº2 junto com o articulado da chamada cujo restante teor se dá por reproduzido. * 56. Motivação Jurídica
1. Da qualificação do contrato No caso sub judice, estamos também perante uma compra e venda para consumo, nos termos dos artigos 874º do CCivil e 2º, 4º e 12º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho), e (inicialmente) DL nº 67/2003, de 8.4.[4] . Isto, porque existe relação de consumo já que o objecto do acto ou do contrato é um bem destinado ao uso não profissional e os compradores não são profissionais. Os direitos gerais dos consumidores, resultantes daquela Lei incluem, além do mais, o direito à qualidade dos bens ou serviços e o direito à prevenção e à reparação dos prejuízos e dependem, em suma, de requisitos objectivos e subjectivos.
2. Do requisito subjectivo Em termos subjectivos é evidente que o comprador assume a natureza de consumidor e a apelante de profissional, porque considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional. Sendo que, em termos comunitários por consumidor entende-se qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos que actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional. A razão de ser desta específica opção legislativa pretende obter a protecção da parte fraca, leiga, débil economicamente ou menos preparada tecnicamente, numa relação de consumo estabelecida com um contraente profissional[5] .
3. Da noção de Defeito Á luz deste diploma a noção de defeito, vício, encontra-se intimamente relacionado com descontinuidades materiais, com anomalias físicas do próprio bem. Antes da entrada em vigor do DL 67/2003, nos termos do arts. 4, nº1 1 e 12 nº 1 da Lei de Defesa do Consumidor o consumidor obtinha o benefício da reparação do bem fornecido, quando os bens e serviços destinados ao consumo deviam ser aptos a satisfazer os fins a que se destinassem e a produzir os efeitos que se lhes atribuíssem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor. Esta norma consagrava, pois, o critério da conformidade. Segundo Ferreira de Almeida [6] o valor de conformidade afere-se por uma adequação “ponto por ponto”: nos negócios jurídicos que sejam fonte de obrigações genéricas, pela inclusão na classe referida; nos negócios jurídicos que definem o objecto em alternativa, pela correspondência com um dos seus termos; nos negócios jurídicos que especifiquem singularmente o objecto, sejam ou não obrigacionais, por uma verificação identificadora; e, em qualquer hipótese, pela existência no referente de todas as qualidades apositivas, incluindo as funcionais e as gradativas, tal como são mencionadas no texto negocial, composto em conexão com todas as suas implicações intertextuais, tido como base comum às diferentes tradições jurídicas nacionais: pôs de lado o critério de conformidade em face das expectativas legítimas do consumidor. Mais adiante este autor acrescenta “ defeito é …qualquer desconformidade que não afecte a identidade; não existe uma definição legal de defeito, mas o Código Civil remete repetitivamente para duas outras noções cujo âmbito cumulado equivale a defeito: vício e falta de qualidade.]: o resultado prático traduz-se numa mais intensa protecção do comprador: enquanto o regime tradicional se resumia na máxima caveat emptor (o comprador que se acautele), o regime baseado no cumprimento em conformidade com o contrato caracteriza-se pela máxima inversa: caveat venditor (o vendedor, sim, que se acautele)”. Esse critério foi introduzido de forma expressa no art. 2, nº1 1 do DL 67/2003: quando dispunha: “o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”. E, logo no preâmbulo deste diploma, referiu que a adopção do critério de conformidade com o contrato era, então, uma das principais inovações legislativas[7]. Este critério mantém-se no art. 2º, da versão aplicável que também dispõe “O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”. Sendo aliás, que essa desconformidade se presume, no presente caso, pois, as anomalias de funcionamento do veículo patentes no relatório pericial e factos provados. “A R. A.... assegurou publicamente ao A que a viatura se encontrava “como nova” (facto provado 2). “no documento intitulado “Contrato de Aquisição de Viatura”, apôs as palavras “em bom estado”(facto provado 6). Verificou-se que “- o carro fazia intenso e anormal barulho, - a embraiagem e a caixa de velocidades não funcionavam corretamente, e - “Start&Stop” não estava a funcionar corretamente (facto provado 10). E, que “o veículo era sinistrado, o que terá causado deslocamento no motor e amolgadela, o que causou a destruição da bateria original da viatura (que não era a original e não era a apropriada) e por isso não tinha o “start and stop” a funcionar corretamente (facto provado nº 12). É, pois, evidente que o autor/consumidor logrou demonstrar o preenchimento da previsão da alínea d), do art. 2º, que dispõe: (presume-se que os bens não são conformes com o contrato) (quando) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem. In casu, sem a integral reparação dessas anomalias (que não ocorreu) o veículo, tem, na data da resolução, uma efectiva anomalia que o impedia de circular com normalidade. Pois, está demonstrado que “Em 08/06/2016, o veículo OR apresentava, ruídos anómalos, ruídos decorrentes: - de desvios nos apoios da caixa velocidades, que criam um esforço e vibração adicional na carroceria, provocando os ruídos; - incorreta fixação e desalinhamento dos órgãos mecânicos da viatura (motor), provocando ruídos e vibrações, anomalias decorrentes de uma reparação incorreta, tudo como consequência sinistro anterior, anomalias que se mantêm atualmente (facto provado 18ª). Logo, também, por este prisma, a pretensão do apelante terá de improceder, pois, é mais do que evidente que o apelado logrou demonstrar uma desconformidade que constituiu um defeito do bem fornecido.
4. Da resolução Pretende, porém, a apelante que a resolução não pode operar seja porque o apelado não deu cumprimento à ordem legal de exercício dos “remédios” legais, seja porque o pedido de resolução é abusivo. A actual redação do art. 4º, do DL 84/21 DE 18.10 estabelece que “5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”. Essa redacção é idêntica à norma semelhante do DL 84/2008 de 21.5. Sendo que, por isso, foi entendido entre nós que inexistia qualquer ordem legal no exercício desses direitos de “reparação ou de substituição,” e de “redução adequada do preço ou à resolução do contrato”. Mas a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio consagrou, de facto, uma sequência logica e hierárquica para o exercício dos direitos do consumidor, no art. 3º da directiva, nos seguintes termos[8]: Em primeiro lugar, o consumidor pode exigir do vendedor a reparação ou a substituição do bem, em qualquer dos casos sem encargos, a menos que isso seja impossível ou desproporcionado. Essa reparação ou substituição deve ser realizada dentro de um prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina. E, o consumidor só pode exigir uma redução adequada do preço, ou a rescisão do contrato: – se o consumidor não tiver direito a reparação nem a substituição, ou – se o vendedor não tiver encontrado uma solução num prazo razoável, ou – se o vendedor não tiver encontrado uma solução sem grave inconveniente para o consumidor. Esta conclusão decorre, além do mais dos considerandos da Directiva 1999/44/CE[9], em especial o nº 10): Considerando que, em caso de não conformidade do bem com o contrato, os consumidores devem ter o direito de obter que os bens sejam tornados conformes com ele sem encargos, podendo escolher entre a reparação ou a substituição, ou, se isso não for possível, a redução do preço ou a rescisão do contrato; Daí resulta, que o consumidor pode exigir a reparação ou a substituição do bem” — de onde se deduz que só em segundo lugar “pode exigir uma redução adequada do preço, ou a rescisão do contrato”. Acresce que várias decisões do Tribunal da União Europeia interpretaram essa norma[10], nesse sentido. O Ac do Tribunal União processo C 497/13 (Froukje Faber) “I. — O consumidor tem dois direitos ou remédios orientados para o cumprimento— o direito à reparação e o direito à substituição do bem não conforme — e dois direitos ou remédios orientados para a extinção (para a resolução) do contrato — a redução do preço e a rescisão do contrato. O acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2011, nos processos C 65/09 (Gebr. Weber) e C 87/09 (Ingrid Putz), atribuiu ao termo substituição do art. 2.º, n.º 2, da Directiva 1999/44/CE o alcance mais amplo de substituição-procedimento acrescentando: “se o comprador consumidor não tiver direito à reparação ou à substituição do bem não conforme, a redução do preço será o único remédio para a falta de conformidade. Como um direito ou remédio (não autónomo) cumulável com a reparação ou com a substituição do bem não conforme: se o vendedor não tiver encontrado uma solução “sem grave inconveniente” ou não tiver encontrado uma solução dentro de um prazo razoável, o comprador poderá optar (1.º) por uma redução do preço cumulativa com a reposição da conformidade ou (2.º) por uma redução do preço substitutiva da reposição da conformidade (remédio autónomo). o do bem de substituição”. Os acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2011, nos processos C-65/09 (Gebr. Weber) e C-87/09 (Ingrid Putz), e de 23 de Maio de 2019, no processo C 52/18 (Christian Fülla), apontam que a finalidade do art. 3.º da Directiva 1999/44/CE é a promoção de um equilíbrio, e de um equilíbrio justo, entre os interesses do vendedor e do consumidor e, em segundo lugar, que o comprador deve proporcionar ao vendedor a oportunidade de propor uma solução; e, em terceiro lugar, que o comprador deve proporcionar ao vendedor a oportunidade de reparar ou de substituir o bem de consumo, desde que a reparação ou a substituição sejam feitos dentro de um prazo razoável e sem grave inconveniente para o consumidor (…); Como qualquer outro sistema jurídico avançado que regule os direitos e obrigações do comprador e do vendedor decorrentes de um cumprimento deficiente, o esquema de soluções ao abrigo da Directiva não pode, de modo algum, favorecer nem o consumidor nem o vendedor, mas tem, pelo contrário, que procurar encontrar um equilíbrio justo entre os seus interesses respectivos”. Por fim, o acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2019, no processo C 52/18 (Christian Fülla) considera (n.º 61) que “… resulta do art. 3.º, n.os 3 e 5, […] em conjugação com o considerando 10 […], que [a Directiva 1999/44/CE] privilegia, no interesse das duas partes no contrato, a execução deste último, […] em detrimento da resolução do contrato ou da redução do preço de venda”. Podemos, por isso concluir que no regime comunitário o consumidor terá de denunciar o defeito ao vendedor/empreiteiro e só depois, se não existir reparação é que pode resolver o contrato.[11] Mas, a transposição da diretiva não reproduziu esse elemento literal impondo apenas, no art. 4º, do DL 67/2003 que “Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”. Com base nesta norma alguma da nossa doutrina[12] tem criticado a opção legislativa e defendido que em determinados casos a opção não é livre mas condicionada pelas circunstâncias[13] concretas do caso. Em especial Gravato Morais considera que “uma tutela do consumidor a este nível provocaria uma inversão da lógica e da realidade do mercado que prejudicaria, num primeiro momento, de forma excessiva a posição do vendedor, que se veria confrontado com pretensões do consumidor que não poderia satisfazer, ou contra as quais não podia lutar(...) mas, para além disso, poder-se-ia subverter a própria lógica do sistema: a pessoa que se pretendia proteger seria, em concreto, a mais prejudicada, em especial com o aumento dos preços dos bens e com a retracção do mercado”. No mesmo sentido CALVÃO DA SILVA[14] afirmava “o consumidor tem o poder-dever de seguir preferencialmente a via da reposição da conformidade devida... sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente o caminho da redução do preço o resolução do contrato”.[15] Por seu turno, LUÍS MENEZES LEITÃO[16], defende a lógica da hierarquização, “já que o princípio do aproveitamento dos negócios jurídicos deve impor a prevalência das soluções que conduzem à integral execução do negócio sobre soluções que implicam uma sua ineficácia total ou parcial”. Na nossa jurisprudência, podemos afirmar que a corrente que defendeu inicialmente uma hierarquização no exercício desses direitos se tornou cada vez mais minoritária[17], sendo actualmente prevalente a tese de que o consumidor pode usar qualquer um desses remédios de forma livre e não hierarquizada[18]. Mais recentemente o Ac da RC de 16.2.2016, nº 12/14.7TBAGN.C1 (ARLINDO OLIVEIRA), decidiu que: “No caso de uma empreitada de consumo, os direitos conferidos ao dono da obra, previstos no artigo 1221.º e seg.s do CC, não têm de ser, sucessivamente, exercidos e pela ordem que ali consta, mas são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cfr. art. 4.º/5 do DL 67/2003)”. O Ac do STJ de 17.10.2019, nº 066/14.1T8PDL.L1.S1 (Oliveira Abreu) afirma que: “As normas contidas na Lei de Defesa dos Consumidores constituem normas especiais relativamente às regras gerais do Código Civil, derrogando estas com as quais se revelem incompatíveis no seu campo de aplicação, que é o da relação de consumo, e como lei especial, deverá prevalecer o seu regime, a menos que a disciplina da venda de coisa defeituosa do Código Civil, se revele mais favorável para o comprador/consumidor. (…) No Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 84/208 de 21 de Maio, os direitos conferidos ao consumidor são independentes uns dos outros, podendo exercê-los livremente, com respeito pelos princípios da boa-fé e dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido (que se traduz, essencialmente, na satisfação do interesse do respectivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos), sendo as particularidades do caso concreto que enquadrarão as possibilidades de exercício dos diferentes direitos colocados ao dispor do adquirente consumidor - art.º 4º, n.ºs 1 e 5 do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 84/208 de 21 de Maio - importando reconhecer ao consumidor, no condicionalismo concreto apurado em cada caso, o direito de proceder à realização dos trabalhos que se impõem, por terceiro por ele contratado” (nosso sublinhado)[19]. Mas, no caso concreto essa discussão é manifestamente inútil, pois, está demonstrado que o autor: primeiro comunicou os defeitos solicitando a sua reparação; depois aguardou essa reparação até 8.6.2016, e por fim, quando a reparação efectuada não foi efectuada é que “Em face das situações, o A. AA tentou devolver a viatura (anulando o negócio), o que não foi aceite pela R.. A...” (facto provado nº 19). Logo é evidente que o autor/comprador seguiu a ordem lógica prevalente da manutenção do contrato e que só depois da não reparação solicitou a resolução do contrato. Acresce que a dimensão dos defeitos e a sua reparação são razão mais do que suficiente para se concluir que, no caso concreto, a resolução do contrato não apenas é fundada como não viola qualquer boa fé contratual, pois, “o A. nunca teria adquirido o OR se soubesse que se tratava de um veículo acidentado ou que apresentava qualquer das situações indicadas nos números 13. e 14. Dos factos provados” (facto provado nº 14ª). * Pretende ainda a apelante que nunca poderia ocorrer a resolução, pois, no caso concreto não ocorreu uma interpelação admonitória e, a reparação do defeito importa apenas em 250 euros. Nesta medida, pois, a apelante invoca duas questões inteiramente novas (cfr. teor da sua contestação), as quais como é evidente não podem por isso ser objecto de apreciação deste recurso. Sempre diremos, brevemente, que não está demonstrado que o valor da reparação em falta seja de 250 euros, mas sim que o custo do diagnóstico para determinar a natureza da avaria no concessionário VW é que custa 250 euros. O que sabemos é que a reparação não foi realizada. Note-se aliás que está até demonstrado que “o Sr. BB, confrontado com o relatório indicado no número 18. dos factos provados, pretendia apenas substituir a panela de escape (o que inicialmente, nas primeiras reparações da viatura, tinha recusado), por entender que o veículo estava devidamente reparado no demais (confiando na B...)” (facto provado nº 26). Ou seja, é simples e evidente concluir que a reparação não foi realizada e por isso, (só por isso) o autor tem jus a resolver imediatamente o contrato.[20] Em segundo lugar, em nenhum dos diplomas relativos à defesa do consumidor aplicáveis, se exige que este efectue qualquer tipo de interpelação admonitória mas sim que denuncie tempestivamente o defeito ao vendedor ou fornecedor resolvendo o contrato se esta reparação não for feita ou não for possível. Ora, isso foi plenamente efectuado no caso. Existe, pois, neste caso, uma regulamentação própria e especial no âmbito da venda ao consumidor que simplifica o regime geral. Depois, tal como no regime geral[21] a não reparação implica, em si mesma, “a existência de um incumprimento definitivo”, porque nos termos do art. 808º, do CC existe incumprimento definitivo quando o devedor declara de forma séria que não irá cumprir a obrigação que neste caso era, note-se a reparação integral.[22] Podemos, portanto, concluir, pela total improcedência destas novas questões que não foram tempestivamente suscitadas. * 5. Do dano de privação de uso O apelante pretende agora que este não é devido: seja porque o autor é afinal proprietário de outro veículo automóvel; seja porque disponibilizou um veículo de substituição o qual decorrido algum tempo foi devolvido pela chamada. Esta questão foi tempestivamente suscitada na contestação. Entre nós é pacifico que a privação da utilização de um bem constitui um dano patrimonial, que deve ser integralmente ressarcido.[23] Porque, o mesmo constitui uma dimensão do dano relevante para a obrigação de indemnização, à luz da denominada fórmula da diferença (art. 566.º, n.º 2, do Código Civil), nos termos da qual o dano patrimonial é igual à diferença entre a situação patrimonial em que estaria o lesado se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação e a sua situação patrimonial depois deste. Este dano pode ter múltiplas dimensões seja através da existência de despesas efetuadas por causa da privação do uso do veículo, como por exemplo com o aluguer de outra viatura; seja com os lucros cessantes devido à impossibilidade de utilização da viatura. In casu discute-se se essa privação de uso pode ser indemnizada mesmo quando não tenha reflexos patrimoniais concretos[24]. Mas, no caso concreto essa discussão, sempre interessante, é inútil, pois encontra-se demonstrada nos factos provados uma concreta impossibilidade de utilização do bem e por isso uma efectiva privação das suas utilidades. Na verdade, e conforme salienta o recente Ac do STJ de 24.10.2019 nº 246/15.7T8PVZ.P1.S1 “o lesado terá direito a indemnização desde que alegue e prove que “a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real — concreto e efectivo — de proceder à sua utilização”. Acresce que a discussão sobre a existência de outro veículo propriedade do autor é manifestamente inútil, pois, consta da contestação do apelante que “Sendo que, sublinhe-se, nos presentes autos está em causa a aquisição de um segundo veículo”. Portanto, só por manifesto lapso se pode entender que a existência de um veículo no agregado familiar impede a existência de um dano, nesse mesmo agregado, derivado da impossibilidade de usar o veículo vendido pela apelante. Logo esse dano existe e terá de ser indemnizado tal como, note-se a apelante sempre aceitou já que até forneceu um veículo de substituição que foi devolvido.[25] * É certo que está demonstrado que “O A. teve um carro emprestado pela R. A...., desde 22-04-2016 até ao dia 29-04-2016, que devolveu a por entender que o mesmo não se encontrava em condições” (facto provado nº 20). Note-se, porém, que o dano da privação de uso só foi fixado em 30 dias (cfr. decisão a quo) descontando já os dias em que foi usado o veículo de substituição e “exclui-se o dano pela privação do uso, pelo período posterior a 29/04/2016”. Portanto é no mínimo estranho que a apelante pretenda recorrer da sentença que lhe é inteiramente favorável a qual se fixou esse dano em apenas 30 dias descartando, pois, todo o período posterior à entrega desse veículo de substituição que, note-se “não teria condições”. Não está em causa no objecto do recurso a fixação do valor diário desse dano, o qual é equitativo, pelo que improcede esta parte da alegação. * 6. Da desvalorização do veículo Pretende agora o apelante que “o autor não consegue restituir o veículo no estado em que o recebeu uma vez que o veículo foi adquirido em Junho de 2016 e a sentença foi proferida em Junho de 2024, existindo uma clara desvalorização do veículo”. A questão é interessante, mas mais uma vez assume a natureza de nova, pois, não foi tempestivamente arguida antes da decisão final nem é de conhecimento oficioso. Por isso, fazemos nossas as palavras do Ac da RL de 21.12.21, nº 6365/20.0T8LSB.L1-7 (Isabel Salgado); “Para se atender a eventual enriquecimento do comprador na restituição integral do preço da viatura, deveria a Ré ter alegado nos articulados a matéria de facto pertinente; não o tendo feito, a invocada desvalorização da viatura em sede de recurso é extemporânea, constituindo questão nova, da qual o tribunal ad quem não pode conhecer, extravasando o objeto do processo”. Já que, como decidiu o Ac do STJ 14.10.21 nº proc 2927/18.4T8VCT.G1. S1 (ABRANTES GERALDES) «(…) A ponderação do eventual enriquecimento do comprador pela utilização do veículo não dispensa o vendedor da alegação oportuna da matéria de facto pertinente, o que deve ser feito nos articulados, sendo extemporânea a alegação dessa questão apenas no recurso de apelação. III. A apreciação dessa questão por parte da Relação, com efeitos na redução do valor da prestação, afeta o acórdão proferido, na medida em que envolve uma pronúncia sobre matéria de que não podia conhecer, por não integrar o objeto do processo”. Improcede, pois, a questão.
7. Da condenação no pagamento de juros Pretende a apelante que “As rés foram condenadas no pagamento de juros, não o tendo sido o autor e a mulher”. Aparece ignorar que a resolução do contrato opera nos termos do art. 433º, do CC “ Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes”. Ou seja, cada uma das partes devolve aquilo que recebeu, sendo que os juros enquanto frutos civis não são aplicáveis ao objecto recebido pelo A (veículo). Improcede, pois, a questão.
* * * 8. Deliberação Pelo exposto este tribunal julga o presente recurso não provido e, por via disso, confirma integralmente a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante porque decaiu totalmente.
Paulo Duarte Teixeira Carlos Carvalho António Paulo de Vasconcelos
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