Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA LUCINDA CABRAL | ||
Descritores: | MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA COMISSÃO ENTRE MEDIADORAS | ||
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Nº do Documento: | RP202110283123/20.6T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/28/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O direito à remuneração das mediadoras efetiva-se quando se verifique um nexo de causalidade entre a atividade da mediadora e a celebração do contrato projetado, cabendo à mediadora o ónus de provar a verificação dos requisitos para o seu recebimento, designadamente esse nexo causal entre a sua atividade e a conclusão do negócio. O contrato entre duas mediadoras para venda de um imóvel é um contrato satélite relativamente ao contrato de mediação celebrado entre uma delas e o seu cliente vendedor. II - Concretiza-se o acordo entre a mediadora A. e a mediadora R. na medida em que haja uma concausalidade de ambas na celebração do contrato de compra e venda, evidenciada no concurso de esforços para aquele objetivo. III - Se nada tiver sido estipulado entre as mediadoras ou se não resultar provado, em caso de litígio, o modo de repartição da comissão segue o regime do artigo 400.° do Código Civil. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 3123/20.6T8PRT.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto - Juiz 8 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I -Relatório Identificação das partes Autora, B…, Lda., com sede na …, n.º … 4….-… Porto, Ré, C…, Lda, pessoa colectiva n.º ………, com sede na Rua …, …, ….-… Porto, Pedido “1) Que seja declarada a existência da dívida. 2) Que a Ré seja condenada a pagar à Autora o montante de 10.350,00€ (dez mil trezentos e cinquenta euros), acrescido de IVA à taxa legal, e juros de mora à taxa legal até efectivo pagamento.” Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:” Na procedência parcial da pretensão da autora condeno a ré C…, L.da a pagar à autora, B… a quantia de €5175.00 acrescido de IVA à taxa legal e de juros de mora contabilizados desde a citação à taxa legal para as operações comerciais até efetivo pagamento, no mais se absolvendo a ré.” A ré C…, Lda interpôs recurso, concluindo: a) Vem o presente recurso interposto da sentença que condenou a Ré a pagar à Autora “a quantia de €5.175,00 (cinco mil cento e setenta e cinco euros), acrescido de IVA à taxa legal e de juros de mora contabilizados desde a citação à taxa legal para as operações comerciais até efetivo pagamento, no mais absolvendo a Ré.” b) Sempre salvo o devido respeito por entendimento contrário, não pode a Recorrente conformar-se com a sentença recorrida que, em suma, decidiu que a Autora e a Ré, ambas empresas de mediação imobiliária, celebraram entre si, verbalmente, um contrato de mediação imobiliária que teve por objeto um imóvel angariado pela Ré, tendo acordado que caso o negócio visado fosse celebrado entre clientes de ambas, a remuneração recebida pela Ré seria partilhada com a Autora em partes iguais. c) Na realidade, a Autora, efetivamente, apresentou à Ré interessados na compra do imóvel, tendo acompanhado os mesmos em duas visitas ao imóvel. d) Contudo, a proposta de compra apresentada pelos referidos interessados – D... e marido E... – era substancialmente inferior ao preço por que o imóvel estava publicitado para venda (propuseram a quantia de €300.000,00, sendo que o imóvel estava no mercado pelo preço de €350.000,00) e existiu uma outra proposta de valor consideravelmente superior, pelo que, os proprietários do imóvel, evidentemente, declinaram a proposta apresentada pelos referidos interessados. e) Desde então, não se verificou qualquer outro contato por parte da Autora, nem dos respetivos interessados e não foi feita qualquer contraproposta. f) Entretanto, o negócio visado não foi concluído com terceiros, pelo que o imóvel continuou no mercado. g) Nesta sequência, a Ré recebeu um pedido de agendamento de uma visita por parte da F…, empresa mediadora imobiliária, através do angariador imobiliário G…. h) Apenas no momento em que o visita ocorreu, a Ré, através da sua angariadora imobiliária H…, verificou que a interessada era a Sr.ª D…, que já anteriormente havido visitado o imóvel, acompanhada pela Autora. i) Tal facto era, até então, desconhecido, quer pela Ré, quer pela F…. j) Confrontada com tal facto e perante todos os presentes – veja-se as transcrições dos respetivos depoimentos acima realizadas – a interessada D… declarou, de forma expressa, indubitável e repetidamente, “não quero ter nada a ver com essa senhora”, referindo à angariadora imobiliária da Autora, I…; “Eu quero visitar novamente o apartamento, agora já com as obras e com o Sr. G…”, angariador imobiliário da F…. k) Todos os ali presentes entenderam que a interessada D… não era mais representada pela Autora, passando a ser acompanhada pela F…, l) Pelo que, a partir de então, todo o negócio foi acompanhado, mediado e concluído entre os angariadores imobiliários da Ré e da F…. m) Mais, no respetivo contrato promessa de compra e venda e, posteriormente, na escritura de compra a venda, as Partes ali outorgantes quiseram e declararam que no negócio houve mediação da Ré; não tendo sido feito qualquer referência à Autora. n) A Autora atuou de má-fé, sabe que não teve qualquer intervenção no negócio que conduzisse à celebração do negócio visado, o) Não representava nenhuma das Partes, pelo que nenhuma remuneração lhe era devida. p) Ainda assim, dotada de total má-fé, induziu a interessada a assinar a declaração por si elaborada – à medida dos seus interesses – e junta aos presentes autos com a Petição Inicial como documento n.º 7. q) Na verdade, da matéria de facto, provada e não provada, não resultam motivos que permitam concluir pelo direito da Autora a qualquer remuneração, pelo que, deveria a Ré ter sido totalmente absolvida do pedido formulado pela Autora. r) Por outro lado, sempre salvo o devido respeito por entendimento contrário, a douta sentença recorrida também não efetuou o correto enquadramento jurídico dos factos. s) Na verdade, a decisão em recurso entendeu que a Autora e a Ré “celebraram verbalmente ainda um contrato de mediação através do qual autora e ré acordaram no caso de o negócio se concluir com clientes de ambas a remuneração que a ré viesse a receber dos proprietários da fração acima identificada seria dividida pelas duas com 50% para cada uma.”. t) No entanto, é entendimento da Ré que a possibilidade de acordo alcançado entre Autora e Ré não configura um contrato de mediação imobiliária, tal como definido pela Lei 15/2013, de 8 de fevereiro que, no seu artigo 2.º, n.º 1, que prescreve que aquela atividade “consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis”. u) Aquele diploma apenas regula as relações de mediação imobiliária estabelecidas entre a mediadora e o seu cliente/interessado, v) Ou seja, não tem aplicabilidade às relações que se estabelecem entre mediadoras imobiliárias. w) Assim, é entendimento da Ré que não decidiu bem a sentença recorrida ao julgar o acordo entre a Autora e Ré como um contrato de mediação imobiliária, submetido ao regime jurídico previsto na Lei 15/2013, de 8 de fevereiro. x) Na verdade, não há disposição legal que imponha uma forma especifica para este tipo de acordo, motivo pelo qual, ao mesmo deve ser aplicada a liberdade de forma (prevista no artigo 219.º do Código Civil) e, quanto à eventual responsabilidade daí decorrente, as regras gerais relativas à responsabilidade contratual constantes dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil. y) Aqui chegados, importa clarificar novamente que o acordo alcançado entre Autora e Ré correspondia, sumariamente, à divisão da remuneração, caso o negócio visado fosse celebrado entre os respetivos clientes. z) Sucede que tal condição não se verificou: o negócio frustrou-se com os interessados angaridos pela Autora, não tendo sido estabelecido qualquer outro contato pela Autora. aa) Da intervenção da Autora não resultou a concretização do negócio visado. bb) Posteriormente, os mesmos interessados, representados pela F…, encetaram nova negociação com os proprietários, representados pela Ré; cc) Foi efetuada nova visita, houve todo um novo processo negocial e, afinal, os termos do negócio foram alcançados. dd) No entanto, sem qualquer intervenção da Autora. ee) Consequentemente, não se verificou o pressuposto acordado entre Autora e Ré para a partilha de remuneração: conclusão do negócio entre os clientes de ambas as mediadoras. ff) Foi devido a ação conjunta da Ré com a F… que compradores e vendedores lograram alcançar os termos finais do negócio que culminou com a celebração do negócio visado; gg) Pelo que, consequentemente, a Ré partilhou a sua comissão com a F…. hh) Assim, é forçoso concluir que não existiu nexo causal entre a atividade da Autora e o resultado de que dependia a sua remuneração, ii) Desta forma, não pode operar, no caso em apreço, o instituto da responsabilidade civil, tal como previsto no artigo 483.º do Código Civil e, consequentemente, não há fundamento para a Ré ser condenada a partilhar a sua remuneração com a Autora. jj) Ademais, seria injusto e penalizador para a F…, a Ré também partilhar a comissão também com a Autora – como decidiu a sentença a quo – uma vez que esta não alcançou o objetivo a que se propôs e não influiu na celebração do negócio visado. kk) Esse objetivo foi alcançado pela F..., em colaboração com a Ré, apenas! ll) Pretender que a Ré partilhe, agora, a sua comissão com a Autora significaria penalizar a Ré e fixar a sua remuneração em apenas 25% do valor efetivamente pago pelos seus Clientes, mm) Hipótese que não é justa, nem equitativa, face à total ausência de colaboração e competência da Autora ao longo de toda a factualidade descrita e comprovada nos autos. nn) A resposta dada aos factos provados e o correto enquadramento jurídico da situação descrita nos presentes autos impõe uma decisão contrária à sentença recorrida. oo) Pelo que deve a douta sentença recorrida ser revogada, julgando-se a ação totalmente improcedente e, consequentemente, ser a Ré absolvida, fazendo-se, assim, inteira JUSTIÇA! A autora B…, Lda apresentou contra-alegações no sentido do recurso ser julgado totalmente improcedente, com as legais consequências, mantendo-se a sentença recorrida nos seus exactos termos. Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal. Assim, a questão a resolver consiste em saber se não existiu nexo causal entre a actividade da autora e o resultado de que dependia a sua remuneração, ao contrário do decidido na sentença recorrida. II - Fundamentação de facto. O tribunal recorrido considerou: Factos Provados A) A autora dedica-se à atividade de mediação imobiliária, sendo titular da licença AMI …… B) A ré também se dedica à atividade de mediação imobiliária, sendo titular da licença AMI …., utilizando a marca C1…, na qualidade de franchisada. C) No âmbito do desenvolvimento da respetiva atividade, a ré tinha na sua carteira de imóveis para venda a fração autónoma “AG”, correspondente a uma habitação tipo T3, no 4.º andar, com entrada pelo n.º … da Rua …, no Porto, que faz parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.ºs …, …, … e …, concelho do Porto, freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º 1340 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8018, da qual eram proprietários J… e marido. D) Tendo subscrito com os proprietários do imóvel acima identificado o documento junto aos autos com a contestação denominado “Contrato de mediação Imobiliária n.º D…./2019 datado de 30 de setembro de 2019. E) Nos termos do acordado os proprietários do imóvel contrataram a ré em regime de exclusividade, com a obrigação de liquidar 6% do valor da venda do imóvel acrescida de IVA. F) Tendo, ainda, sido acordado que a ré partilhava a remuneração contratada em 50% com qualquer Mediadora Imobiliária com Licença AMI válida e estabelecimento aberto ao público, caso esta apresente interessado no negócio pretendido e este seja efectivamente realizado. G) A angariadora imobiliária da ré que colaborou no contrato de mediação foi K… em colaboração com a também angariadora imobiliária da ré H…. H) A angariadora imobiliária da ré, I… era amiga do inquilino que residia no imóvel acima identificado. I) I… contactou a ré informando-a de que uma sua cliente, D... estaria interessada em adquirir o imóvel. J) Autora e ré acordaram que no caso de o negócio se concluir com clientes de ambas a remuneração que a ré viesse a receber dos proprietários da fração acima identificada seria dividida pelas duas com 50% para cada uma. L) A cliente da autora, a referida D... visitou o imóvel em 28 de setembro de 2019 acompanhada apenas pelas colaboradoras da autora. M) Posteriormente a referida D… volta a visitar o imóvel - em data não concretamente apurada – mas agora também acompanhada pela colaboradora da ré, H…. N) Na sequência das visitas a autora envia a ré um email datado de 8 de outubro de 2019 onde refere “ Boa tarde, K…! A minha cliente que fez a segunda visita comigo e com a sua colega (H…) na sexta-feira passada pede o favor de lhe enviarmos toda a documentação relativa ao apartamento (caderneta predial, Certificado Energético, licença de habitabilidade). A senhora está bastante interessada e gostaria de fazer uma proposta. Gostaria também que me confirmassem os valores de condomínio €90/mês e IMI €530//ano. Peço também o favor de me informarem quando o apartamento estiver com as reparações feitas. Fico a aguardar.” O) Este email obteve respostas enviadas em 10 de outubro de 2019 também por email com a remessa dos documentos relativos ao imóvel, a confirmação do valor do condomínio, do IMI e, ainda, da lista de reparações a serem executadas no imóvel. P) A interessada D... efetuou em 11 de outubro de 2019 uma proposta de compra no valor de 300.000,00€ (trezentos mil euros) e após a conclusão das obras de reparação a celebração de um contrato promessa de 10% do valor total da compra. Q) Não tendo os proprietários do imóvel aceitado a proposta da cliente da autora, a ré respondeu através da sua colaboradora H…, com uma contra proposta em 15 de outubro de 2019 com o valor da venda de 342.500,00€, sinal a ser entregue em CPCV-10% do valor da venda e contrato a ser realizado nas 48 horas após a aceitação e escritura a 60 ou 90 dias referindo aguardar resposta à contra proposta apresentada. R) A este email respondeu a autora referindo que reencaminhou o email para a cliente que o irá analisar e em breve teria uma resposta definitiva e, ainda que, a cliente tinha solicitado uma nova visita ao imóvel na próxima sexta-feira por volta das 14.30 /15.00. email de fls. 11 S) Em 15 de outubro de 2019, outra colaboradora da ré K…, remeteu email, nos termos qual refere que, na sequência das duas propostas apresentadas para o mesmo imóvel e consequente resposta da cliente proprietária, informa que o outro cliente proponente aceitou a contra proposta realizada pela cliente proprietária, pelo que o apartamento se encontrava reservado pelo valor de €342 500.00. T) A este email respondeu a autora também por email e em 15 de outubro de 2019 onde refere “ () Gostava só que me esclarecesse melhor a situação. Significa que a minha cliente por ainda não ter dado resposta à sua contraproposta fica, neste momento fora do processo uma vez que o vosso cliente já respondeu? Fico a aguardar ()” U) A ré responde em 16 de outubro de 2019 referindo que “ () Recebemos, como sabe, duas propostas de clientes de dois colegas. O da I…, no valor de 300 mil euros e CPCV condicionado a uma visita após as reparações, e a de um outro colega com valor superior e CPCV a realizar de imediato. Foi enviado email com a contra proposta da proprietária para si e para o colega L… no mesmo dia e à mesma hora. O colega L…, por instruções do cliente deste, anuiu no mesmo dia e fez reserva com uma transferência de 2.500€ como é habitual. Da sua cliente não obtivemos vontade de acompanhar o valor ou até de apresentar outro, apenas um pedido de segunda visita para sexta-feira dia 18.10.2019. O nosso objetivo é a satisfação do nosso cliente vendedor, () e a conclusão do negócio com as especificidades desta e da cliente compradora representada pelo cliente do colega L… ()” V) A autora comunicou a sua cliente D… que a fração já não estaria disponível. X) O negócio com o outro cliente proponente acabou por não se concretizar e o imóvel continuou a ser publicitado para venda. Z) Entretanto a interessada D… contacta o angariador imobiliário G… da F..., AA) E em 19.10.2019 a interessada D... efetua uma visita ao imóvel agendada pelo consultor G… e onde foram recebidos pela consultora K… e H… tendo esta reconhecido a interessada D…. BB) A partir daí foi o G…, na qualidade de angariador imobiliário da F... que acompanhou as negociações até ao momento da escritura de compra e venda. CC) Tendo a interessada D… apresentado proposta de aquisição do imóvel pelo valor de €345.000.00 através do angariador imobiliário, G…. DD) Sendo que o preço de venda acordado entre as partes foi de €345.000.00 EE) O contrato promessa foi celebrado nas instalações da ré tendo estado presentes, na sua outorga, D... e marido E..., o filho destes, M…, o procurador dos proprietários do imóvel, N…, as angariadoras imobiliárias K… e H… e o angariador imobiliário da F..., G…. FF) A autora pretendeu estar presente na assinatura do contrato promessa de compra e venda o que foi recusado pela ré. GG) Os interessados D... e marido E... celebraram a escritura pública em 20.11.2019 tendo aí sido declarado que “ na realização do negócio titulado por esta escritura houve intervenção do mediador imobiliário “C…, L.da” HH) A ré partilhou com a F... a quantia de € 12.730.50 correspondente a 50% da remuneração. Factos não provados. Não se provaram mais nenhuns factos com relevo para a decisão da causa e que estejam em contradição com os dados como provados, sendo designadamente factos não provados que: - fosse pela interessada D... ter constatado ao passar no local que a placa de venda ainda estava colocada na fração do imóvel que deu continuidade ao negócio; - para a prossecução do negócio, porque foi de imediato aceite pelo proprietário a compra e venda pelo valor de 345.000,00€ os clientes da Autora, D... e marido, tendo a autora desde logo contactado a ré a fim de continuar a acompanhar o negócio reatado; - fosse G… quem apresentou o imóvel à compradora D... e marido. III – Do mérito do recurso Alega, desde logo, a recorrente que da matéria de facto provada e não provada, não resultam motivos que permitam concluir pelo direito da autora a qualquer remuneração. Que a possibilidade de acordo alcançado entre autora e ré não configura um contrato de mediação imobiliária, tal como definido pela Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro. Que o acordo alcançado entre autora e ré correspondia, sumariamente, à divisão da remuneração, caso o negócio visado fosse celebrado entre os respectivos clientes mas tal condição não se verificou: o negócio frustrou-se com os interessados angariados pela autora pelo que da intervenção desta não resultou a concretização do negócio visado. Que posteriormente, os mesmos interessados, representados pela F..., encetaram nova negociação com os proprietários, representados pela ré. Que foi devido à acção conjunta da ré com a F... que compradores e vendedores lograram alcançar os termos finais do negócio pelo que a ré partilhou a sua comissão com a F..., não existindo nexo causal entre a actividade da autora e o resultado de que dependia a sua remuneração. Ponderemos. Está provado que: A autora e a ré dedicam-se à actividade de mediação imobiliária; A ré tinha na sua carteira de imóveis para venda a fracção autónoma “AG”, correspondente a uma habitação tipo T3, no 4.º andar, com entrada pelo n.º … da Rua …, no Porto; Os proprietários do imóvel contrataram a ré em regime de exclusividade, com a obrigação de liquidar 6% do valor da venda do imóvel acrescida de IVA, tendo, ainda, sido acordado que a ré partilhava a remuneração contratada em 50% com qualquer Mediadora Imobiliária com Licença AMI válida e estabelecimento aberto ao público, caso esta apresentasse interessado no negócio pretendido e este fosse efectivamente realizado. A Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a actividade de mediação imobiliária, a qual, no seu artigo 2º, nº1, enuncia que: “A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.” Desde logo, se percebe que o acordo estabelecido entre a autora e a ré, enquanto mediadoras, não é, evidentemente, um contrato de mediação imobiliária pois nada tem a ver com as relações que cada uma delas estabelece por força desse acordo com os referidos clientes ou interessados. Trata-se de um contrato celebrado ao abrigo do princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405º do C. Civil, vigorando a liberdade de forma, nos termos do artigo 219º do Código Civil. A nominação que se fez na sentença não passa de um lapso sem quaisquer consequências jurídicas no desenvolvimento da questão em apreço, como melhor se irá detalhar. A base de que de partimos é a da intervenção de duas empresas mediadoras na concretização do mesmo negócio de compra e venda do imóvel em causa. E as cruciais questões consistem em saber se a intervenção de ambas as mediadoras foi causal para a concretização do negócio e, se sim, em que medida. A remuneração do contrato de mediação resulta dos termos do artigo 19º, nº 1 da Lei n.º 15/2013:” A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.” Em face do regime instituído pela referida Lei n.º 15/2013 é hoje aceite, sem reservas, que a actividade do mediador pode consubstanciar uma mera obrigação de meios, não necessariamente submetida à necessidade de conclusão do negócio projectado, para que se possa ter por contratualmente cumprida, a não ser que essa conclusão seja contratualmente prevista como objecto da prestação contratual da mediadora, resultando o contrato como não executado se não se consumar a efectiva celebração do negócio base da mediação. No caso, os proprietários do imóvel contrataram a ré, em regime de exclusividade, com a obrigação de liquidar 6% do valor da venda do imóvel acrescida de IVA e ficou a constar desse contrato de mediação que a ré partilhava a remuneração contratada em 50% com qualquer Mediadora Imobiliária com Licença AMI válida e estabelecimento aberto ao público que apresentasse interessado no negócio pretendido e que o mesmo fosse efectivamente realizado com esse interessado. A autora apresentou à ré uma sua cliente interessada na compra do imóvel, tendo esta interessada visitado o mesmo uma primeira vez, em 28 de Setembro de 2019, acompanhada apenas pelas colaboradoras da autora e, uma segunda vez, também acompanhada pela colaboradora da ré, H…. A interessada D... efectuou em 11 de Outubro de 2019 uma proposta de compra no valor de 300.000,00€ (trezentos mil euros) e, após a conclusão das obras de reparação, a celebração de um contrato promessa de 10% do valor total da compra. Os proprietários do imóvel não aceitaram esta proposta, tendo a ré, através da sua colaboradora H…, apresentado uma contra proposta, em 15 de Outubro de 2019, com o valor da venda de 342.500,00€, sinal a ser entregue em CPCV-10% do valor da venda e contrato a ser realizado nas 48 horas após a aceitação e escritura a 60 ou 90 dias. A autora respondeu, dizendo que reencaminhou o email para a cliente que o iria analisar e em breve teria uma resposta definitiva e, ainda, que a cliente tinha solicitado uma nova visita ao imóvel na próxima sexta-feira por volta das 14.30 /15.00. Em 15 de Outubro de 2019, outra colaboradora da ré K…, remeteu email, mencionando que, na sequência das duas propostas apresentadas para o mesmo imóvel e consequente resposta da cliente proprietária, houve outro cliente proponente que aceitou a contra proposta realizada pela cliente proprietária, pelo que o apartamento se encontrava reservado pelo valor de €342 500.00. A este email respondeu a autora também, por email e em 15 de Outubro de 2019, dizendo “ () Gostava só que me esclarecesse melhor a situação. Significa que a minha cliente por ainda não ter dado resposta à sua contraproposta fica, neste momento fora do processo uma vez que o vosso cliente já respondeu? Fico a aguardar ()” A ré respondeu em 16 de Outubro de 2019, referindo que “ () Recebemos, como sabe, duas propostas de clientes de dois colegas. O da I…, no valor de 300 mil euros e CPCV condicionado a uma visita após as reparações, e a de um outro colega com valor superior e CPCV a realizar de imediato. Foi enviado email com a contra proposta da proprietária para si e para o colega L… no mesmo dia e à mesma hora. O colega L…, por instruções do cliente deste, anuiu no mesmo dia e fez reserva com uma transferência de 2.500€ como é habitual. Da sua cliente não obtivemos vontade de acompanhar o valor ou até de apresentar outro, apenas um pedido de segunda visita para sexta-feira dia 18.10.2019. O nosso objetivo é a satisfação do nosso cliente vendedor, () e a conclusão do negócio com as especificidades desta e da cliente compradora representada pelo cliente do colega L… ().” A autora comunicou à sua cliente D... que a fracção já não estaria disponível. Porém, o negócio com o outro cliente proponente acabou por não se concretizar e o imóvel continuou a ser publicitado para venda. Entretanto, a interessada D... contactou o angariador imobiliário G… da F... e, em 19.10.2019, efectuou uma visita ao imóvel, agendada pelo dito G…, onde foram recebidos pela consultora K… e H..., tendo esta reconhecido a interessada D.... A partir daí foi o G..., na qualidade de angariador imobiliário da F... que acompanhou as negociações até ao momento da escritura de compra e venda, tendo a interessada D... apresentado proposta de aquisição do imóvel pelo valor de € 345.000.00 através do angariador imobiliário, G..., sendo que o preço de venda acordado entre as partes foi de € 345.000.00; O contrato promessa foi celebrado nas instalações da ré, tendo estado presentes, na sua outorga, D... e marido E..., o filho destes, M…, o procurador dos proprietários do imóvel, N…, as angariadoras imobiliárias da ré K... e H... e o angariador imobiliário da F..., G...; A autora pretendeu estar presente na assinatura do contrato promessa de compra e venda o que lhe foi recusado pela ré. Os interessados D... e marido E... celebraram a escritura pública em 20.11.2019 tendo aí sido declarado que “ na realização do negócio titulado por esta escritura houve intervenção do mediador imobiliário “C…, L.da” A ré partilhou com a F... a quantia de €12.730.50 correspondente a 50% da remuneração. É consensual na doutrina e na jurisprudência que a remuneração das mediadoras se efectiva quando se verifique um nexo de causalidade entre a actividade da mediadora e a celebração do contrato projectado, cabendo à mediadora o ónus de provar a verificação dos requisitos para o recebimento da remuneração, designadamente esse nexo causal entre a sua actividade e a conclusão do negócio. Sobre a abrangência deste nexo de causalidade divisam-se duas posições: uma, a menos exigente, pretexta que a contribuição da mediadora não necessita de ser única, sendo suficiente que a sua contribuição tenha, de algum modo, influído na celebração do negócio; a outra, a mais exigente, impõe que a mediadora tem que encontrar um interessado para o negócio e intervir em todas as fases negociais e na celebração do próprio contrato, sob pena de não se poder ter a sua prestação contratual como realizada, não se vencendo o seu direito à remuneração. - Vide acórdão desta Relação do Porto de 22-10-2019, proc. nº 140/18.0T8SJM.P1 em www.dgsi.pt. Neste aresto, com muita propriedade para o caso que nos ocupa, refere-se: «Maria de Fátima Ribeiro (“O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração” in www.revistadedireitocomercial.com, de 13/07/2017, pág. 244, apud acórdão deste TRP supra citado) adianta que, na identificação deste nexo causal, “O critério determinante deverá ser o da ligação psicológica entre a actividade do mediador e a vontade de o terceiro concluir um contrato com o comitente – e a afirmação dessa ligação não deve ser posta em causa pelo lapso temporal entretanto decorrido entre o exercício da actividade e a conclusão do contrato, bem como pelos factos ocorridos nesse período de tempo, v.g., a intervenção de um novo mediador.” Como se refere no acórdão que vimos seguindo, determinante é, portanto, que a decisão de contratar do terceiro tenha sido motivada pela actuação do mediador. Ou, como refere Maria de Fátima Ribeiro, “de modo a integrar-se de forma idoneamente determinada na cadeia dos factos que lhe deram origem.”» Seguindo este posicionamento que nos surge como equilibrado e proporcionado, percebe-se, sem qualquer dúvida, que a actuação da autora teve um papel importante na decisão de contratar dos interessados D... e marido E.... Foi a autora que os conduziu até ao imóvel e sempre deu conta à ré do interesse e das propostas que a interessada D... ia apresentando até que a ré lhe comunicou ter havido outro cliente proponente que aceitou a contra proposta realizada pela cliente proprietária pelo que o apartamento se encontrava reservado pelo valor de €342 500.00. Tudo isto num curto espaço de tempo e o certo é que o negócio com esse outro cliente proponente acabou por não se concretizar e o imóvel continuou a ser publicitado para venda, tendo vindo a ser vendido à interessada e marido pelo preço de €345.000.00. A circunstância de o contrato de compra e venda ter acabado por ser outorgado com a intervenção de outra mediadora não interrompe este nexo causal nem invalida, por qualquer forma, o nexo causal já constituído. A actividade da autora foi causal em relação ao surgimento da vontade dos interessados na compra do imóvel pelo preço pretendido. Assim, concretizou-se o acordo entre a mediadora autora e a mediadora ré na medida em que houve uma concausalidade de ambas na celebração do negócio, evidenciando-se uma concorrência de esforços, de actividade específica entre duas mediadoras na concretização de um único contrato de compra e venda de imóvel. Não tem qualquer cabimento factual a afirmação da apelante de que foi devido à sua acção conjunta com a F... que compradores e vendedores lograram alcançar os termos finais do negócio que culminou com a celebração do negócio visado, pelo que, consequentemente, a partilhou a sua comissão com esta F.... Na verdade, o que se demonstra é que esta última empresa nada fez para encontrar a interessada compradora, tendo sido esta que se inteirou de que a mesma estava angariar clientes para o imóvel que tinha em vista comprar por via da actuação da autora, tanto assim que exarou por escrito essa circunstância. Logo, está patenteada a concretização do acordo: a autora apresentou interessado no negócio pretendido e que o mesmo foi efectivamente realizado com esse interessado. O contrato entre as mediadoras é um contrato que não é, obviamente, um contrato de mediação, mas sim um contrato satélite sujeito as regras gerais do C. Civil enformadas pelo princípio da liberdade de contratar e autonomia da vontade. Se nada tiver sido estipulado entre as mediadoras ou se não resultar provado, em caso de litígio, o modo de repartição da comissão, rege o artigo 400.º do Código Civil: “1. A determinação da prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro; em qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados. 2. Se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal, sem prejuízo do disposto acerca das obrigações genéricas e alternativas.” A solução natural será a divisão em partes iguais se não existirem motivos para distinguir a actividade de cada empresa e valorizar mais uma que outra. Na sentença considerou-se: “Assim não tendo a autora acompanhado o negócio até à sua concretização não poderá a sua participação corresponder a 50% mas a 25%, aqui se atendendo a um juízo de equidade permitido pelo art. 400 n.º 1 do Código Civil.” E este ponto não foi objecto impugnação recursória. Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela apelante. Porto, 28 de Outubro de 2021 Ana Lucinda Cabral Maria do Carmo Rodrigues José Carvalho (A relatora escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.) |