Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2232/22.1T8VCD-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCUMPRIMENTO
ALTERAÇÃO DO REGIME FIXADO
Nº do Documento: RP202506262232/22.1T8VCD-B.P1
Data do Acordão: 06/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O incidente de incumprimento visa apenas: verificar a existência de violação do regime parental acordado/homologado; Determinar compensações práticas (ex: visitas perdidas); Aplicar sanções por incumprimento (ex: multa ou advertência judicial); Se necessário, fazer participação ao MP em caso de comportamentos penalmente relevantes.
II - Não é admissível nesse incidente: alterar o regime de regulação das responsabilidades parentais;
Fazer interpretações extensivas do acordo homologado; proceder a retificações substanciais sem contraditório formal, sob pena de nulidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2232/22.1T8VCD-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Família e Menores de Vila do Conde - Juiz 1
Francisca da Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Isabel Peixoto Pereira

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.

I.RELATÓRIO.
1.Por apenso aos autos de regulação das responsabilidades parentais que correu termos no Tribunal de Família e de Menores de Vila do Conde, sob o nº 2232/22.1T8VCD, no dia 27.02.2025, AA, instaurou um incidente de incumprimento das responsabilidades parentais nos termos previstos no art. 41º do RGPTC aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro contra BB, residente na Avenida ..., ... Póvoa de Varzim, pedindo: que seja decretado o incumprimento das responsabilidades parentais do requerido, determinando-se que o mesmo cumpra os aspetos que se encontram a ser inobservados. requer, também, a fixação, de ora em diante, de multa para cada vez que o requerido não cumpra com as responsabilidades parentais fixadas.

2. O Tribunal a quo designou data para a realização de conferência de pais a que alude o disposto no art. 41º, nº 3, o RGPTC.

3. O requerido pronunciou-se.

4.No dia 20 de Março de 2025 realizou-se a conferência de pais- conforme artigo 41º, nº3 do RGPTC, reproduzindo-se aqui o teor integral da ata.

ATA DE CONFERÊNCIA DE PROGENITORES
(ART. 41º nº 3 do RGPTC)

Processo: 2232/22.1T8VCD-A
Incumprimento das Responsabilidades Parentais
Requerente: AA
Requerido: BB
Menor: CC
Dia: 20 de Março de 2025, pelas 15:30 horas
470102736

Juiz de Direito: Dr.ª DD.
Procuradora da República: Dr.ª EE.
Escrivão Auxiliar: FF.
Mandatários: (da Requerente) Drª. GG.
(do Requerido) Drª. HH.

Presentes: O requerente e a requerida, acompanhados dos seus Ilustres Mandatários.

Declarada aberta à hora agendada a diligência, pela Mm.ª Juiz foi determinado que se consignasse em acta as declarações dos progenitores.
Pelos progenitores, AA, requerente, e BB, requerido, foram prestadas as seguintes declarações:

AA, progenitora e requerente:
Disse que mantém a posição assumida nos presentes autos.
E mais não disse.

BB, progenitor e requerido:
Disse que não concorda com a posição da Requerente.
E mais não disse.
***
Nesta altura a Mmª Juiz proferiu o seguinte
DESPACHO
"Consta por manifesto lapso na acta de 26/01/2023 dos autos principais, ficou a constar sob o ponto 1 e 2 que a guarda dos actos da vida corrente do menor ficou a cargo exclusivo à progenitora e os actos de particular importância para a vida do menor atribuídos à mesma em exclusivo.
Como é bom de ver é manifesto o lapso de escrita decorrente de meios informáticos, uma vez que dos autos mostram elementos suficientes, tendo em conta a redacção de todas as cláusulas vertidas sob os pontos 3 a 7 do acordo, que decorre que o progenitor tem privado com a criança e que, conforme decorre da presente acção, a própria progenitora reclama que tais convívios ocorrem em cumprimento do regime aí definido.
Acresce das declarações vertidas em tal acta que melhor não sugere que foi apontado para a atribuição em exclusividade à progenitora de tal gestão que como é sabido no que toca às questões de particular importância, é excepcional.
Pelo exposto ao abrigo dos artigos 613º e 614º do C.P.Civil ex vi do artigo 33 do RGPTC, e porque tais lapsos são rectificáveis a todo o tempo determino, no local próprio, a competente rectificação nos seguintes termos:
- Na cláusula 1 - adita-se o seguinte: - Quando o CC estiver na companhia do progenitor a gestão da vida corrente ficará a seu cargo.
- Na cláusula 2 - onde se refere "... exercidos em exclusivo pela progenitora." deverá passar a ler-se "...exercidos por ambos os progenitores.".
Notifique."
Do despacho que antecede foram de imediato notificados todos os presentes que declararam ficar cientes.
***
Logo após nos termos do disposto no art.º 37º n.º 1 do RGPTC, a Mm.ª Juiz tentou que os progenitores chegassem a acordo quanto ao requerido incumprimento das responsabilidades parentais, o que não se afigurou possível.
Neste momento a Mm.ª Juiz informou os progenitores sobre a existência dos serviços de mediação familiar e sobre a importância que a mesma poderá ter na obtenção da resolução consensual do litígio, nos termos previstos no n.º 2, do art.º 24.º, do RGPTC, sendo que pela progenitora foi dito não consentir na intervenção dos serviços de mediação e pelo progenitor foi dito aceitar.

Nesta conformidade, Mmª Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
"De acordo com o artigo 38.º do RGPTC não sendo possível a obtenção de acordo e uma vez que pela progenitora é dito não aceitar a mediação, determino a suspensão da conferência e remeto as partes para audição técnica especializada, nos termos previstos na al. b) do citado dispositivo e do art.º 23.º da mesma Lei, por um período de dois meses.
Oficie à Segurança Social informando da pretensão dos progenitores e remetendo para melhor esclarecimento cópia da petição inicial bem como da presente ata, solicitando que informe sobre o início e o terminus da mesma.
Julgo suspensa a presente conferência após o que será designada nova data para a sua continuação.
Notifique."

Do despacho que antecede foram de imediato notificados todos os presentes que declararam ficar cientes, tendo sido encerrada a diligência pelas 16 horas e 10 minutos.
Para constar se lavrou a presente ata, a qual vai ser partilhada com a Mmª Juiz, que, lida, ratificada e achada conforme, vai ser assinada eletronicamente.

A Juiz de Direito


5. E no dia 2.04.2025 a requerente, declarando não se conformar com a decisão supra transcrita que ordenou a rectificação da acta de 26/01/2023 dos autos principais, interpôs recurso de apelação, cujas conclusões se reproduzem:
I.Consultando o processo, podemos verificar que os presentes autos foram intentados pela requerente/recorrente petecionando o incumprimento das responsabilidades parentais pelo requerido. Já a sentença de regulação do poder paternal foi fixada por acordo e homolgada por decisão judicial a 26/01/2023, nos autos principais.
Ora,
II.O processo de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação quanto a uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental estabelecido, bem como à realização de diligências tendentes, designadamente, ao cumprimento coercivo. Por isso, esse processo não é o adequado a realizar alterações quanto às obrigações decorrentes do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que se encontre em vigor, o que deverá ser efetuado em específico processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
III.Por assim ser, a resolução do recurso passa, no essencial, pela interpretação e aplicação do preceituado no artigo 42º do RGPTC. Porém, não só não foi feito nenhum pedido, como inexiste qualquer fundamento para que uma alteração ocorra (não existe incumprimento da mãe, nem circunstancias supervenientes que o justifiquem), bem como não foi concedido o direito ao contraditório.
Nesta senda,
IV. Nunca poderia tal alteração ter se verificado, tanto mais que o processo nem sequer era o próprio.
Acresce que,
V.A alteração efetuada pela Meritissima Juiz não respeita a qualquer erro material, os termos do artigo 613º e 614º do CPC
VI. Nem a determinação da incumbencia das responsabilidades parentais, sendo a questão de maior importancia na vida de uma criança, poderia ser considerado um erro material.
VII. Tanto mais que a regulação foi feita por acordo entre as partes, pelo que só nas circunstancias previstas no artigo 42º do supra diploma legal pode a vir a ser alterado.
Normas jurídicas violadas: 41 e 42 RGPTC, 613 e 614 do CPC.
Termos em que revogando-se a decisão de alteração das responsabilidades parentais, farão V. Exa. sua habitual JUSTIÇA.

6.O Ministério Público apresentou resposta e pugnou pelo não provimento do recurso e que se pondere a condenação da recorrente como litigante de má fé._
7.A recorrente respondeu nos seguintes termos:
“1.A recorrente intentou recurso por entender que o processo não é o adequado a realizar alterações quanto às obrigações decorrentes do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que se encontre em vigor, o que deverá ser efetuado em específico processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais
2.Trata-se de procedimentos diversos, com distinta natureza e finalidade: um (incumprimento) direcionado para a correção de situações em que o regime fixado se encontra em incumprimento, tendo por objeto e função a determinação quanto ao âmbito desse incumprimento e o estabelecimento de medidas tendentes ao cumprimento.
3.Pois que uma nova regulação, a ser necessária, deve ser suscitada e desenvolvida no quadro do processo(apenso) que lhe corresponde legalmente, o de alteração da regulação (previsto, como dito, no art.º 42.ºcitado), e não no apenso de incumprimento, regulado pelo art.º 41.º.
4.Por assim ser, e por entender que o processo não era o próprio, a recorrente apresentou recurso, não tendo que justificar os motivos de fundo para a não alteração. Qualquer alteração tem que ser feita num processo intentado para esse fim, cabendo a quem a pede justificar as razões para tal alteração (não o inverso).
5.Sendo que a determinação/alteração das responsabilidades parentais nunca poderão ser enquadradas em decisões de mero expediente!
6.Sendo a questão de maior importância na vida de uma criança, poderia ser considerada uma decisão de mero expediente
7.Não litiga assim a requerente/recorrente com má-fé, pois que ao alegar que o processo não é o próprio (fundamentando tal decisão no artigo 41º, 42º do RGPTC e 613 e 614 do CPC), não tem que discutir questões de fundo sobre uma alteração que não foi requerida e que a ser determinada, viola as questões formais contidas no RGPTC e o Principio fundamental do Contraditório.
8.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DE RECURSO.
A questão recursória colocada traduz-se em primeiro lugar em apreciar e decidir se o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais nos termos previstos no art. 41º do RGPTC aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro é o processo próprio para ser proferido o despacho proferido na ata de conferência de pais acima reproduzida, na parte em que ordena a rectificação do denominado “manifesto lapso de escrita decorrente de meios informáticos” que se afirma existir nos pontos 1 e 2 do acordo celebrado entre requerente e requerido nos autos principais de Ação De Regulação Do Exercício Das Responsabilidades Parentais do menor CC.

III. FUNDAMENTAÇÃO:
3.1 Os factos que relevam são os que estão descritos no relatório introdutório elaborado, bem como, o seguintes factos que se julgam provados com base nos autos principais.
1-Na ata de audiência de julgamento realizada no âmbito do Processo: 2232/22.1T8VCD, de Regulação das Responsabilidades Parentais do menor CC em que era Requerente: BB e Requerida AA, no dia 18 de Maio de 2023, pelas 09:30 horas, no âmbito da sessão de audiência de julgamento, requerente e requerida lograram obter acordo, o qual, foi homologado por sentença judicial.
2. Reproduz-se aqui o teor da ata elaborada:
“Processo: 2232/22.1T8VCD
Regulação das Responsabilidades Parentais
Requerente: BB
Requerido: AA
Menor: CC
Dia: 18 de Maio de 2023, pelas 09:30 horas
448504250

Juiz de Direito: Dr.ª DD.
Procuradora da República: Drª. EE.
Escrivão Auxiliar: FF.
Mandatária: (do Requerente) Drª. HH.
(da Requerida) Drª. GG.
Presentes: Os Requeridos acompanhados pelas suas Ilustres Mandatárias.
*
Declarada reaberta à hora agendada a audiência de discussão e julgamento, a Mm.ª Juiz, tentou que as partes chegassem a acordo, tendo nesta altura as Ilustres Mandatárias das partes pedido uma interrupção de para tentar chegar a acordo quanto ao montante mensal da pensão de alimentos para o menor, tendo a Mmª Juiz deferido tal pedido.

Pelas 10 horas as Ilustres Mandatárias e as partes regressaram à sala de audiências, e pelas mesmas foi dito:
Que estão de acordo em pôr fim ao litígio no que respeita à fixação a título definitivo da pensão de alimentos (uma ma vez que quanto aos demais items já alcançaram o acordo por decisão datada de 26 de Janeiro de 2023, transitada em julgado - referência habilus 444651976 – o que fazem nos seguintes moldes:
TRANSACÇÃO

O pai contribuirá a título de alimentos devidos ao filho, com a quantia mensal de € 260 (duzentos e sessenta euros), a pagar até ao dia 8 de cada mês, através de transferência bancária para a conta da Progenitora que é do conhecimento do Progenitor, com início no próximo mês de Junho de 2023.

Esta quantia será actualizada de acordo com o índice aprovado para o consumidor aprovado pelo INE em Janeiro de cada ano e a partir de 2024 e de acordo com o índice vigente para o ano anterior.
*
Dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, a mesma promoveu a homologação do acordo que antecede, uma vez que o interesse do menor CC se encontra devidamente acautelados.
*
De seguida, a Mm.ª Juiz proferiu a seguinte:
SENTENÇA
Nos termos previstos no art.º 44.º, n.º 1 da Lei 62/2013 de 26 de Agosto e art.º 303.º, n.º 1 do C.P.C., as acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01.
Assim, em face do supra exposto e do que prevê o art.º 306.º do C.P.C. (aplicável por força do disposto no art.º 33º, nº 1 do RGPTC), fixo o valor da ação em €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
*
Pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram e atento o interesse da criança CC, homologo por sentença o precedente acordo pactuado pelas partes condenando-as a observá-lo e cumpri-lo nos seus precisos termos, que aqui dou por reproduzidos – Art.ºs 1905.º, n.º 1 do Código Civil, 34.º, n.º 1, 37.º, n.º 2 do RGPTC e 290.º n.ºs 3 e 4 do C.P.C.
Custas a cargo de ambos os progenitores, em partes iguais (art.º 537.º, nº 2 e 607.º, n.º 6 do C.P.C.).
A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa (Art.ºs 11º do R.C.J. e 303º, nº 1, do C.P.C.).
Registe e notifique.
Face ao acordo alcançado fica prejudicada a apreciação dos requerimentos apresentados e que antecedem.
*
A sentença que antecede foi de imediato notificados todos os presentes que declararam ficar cientes, tendo sido encerrada a diligência pelas 10:10 horas.
Para constar se lavrou a presente ata, a qual vai ser partilhada com a Mmª Juiz, que, lida, ratificada e achada conforme, vai ser assinada eletronicamente.”

3.2. Do Mérito do recurso.

Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em sede de incidente de incumprimento do acordo de regulação das responsabilidades parentais, no qual a M.ma Juiz a quo, no decurso de conferência de pais realizada para apreciação dos factos alegadamente constitutivos de incumprimento, determinou, sem audição prévia das partes nem tramitação no processo principal, a retificação da redação constante da ata de homologação do acordo de regulação das responsabilidades parentais, lavrada em 2023.

E resulta das conclusões recursórias que a recorrente impugna tal despacho, defendendo que a retificação operada excede os limites da correção de lapsos materiais e constitui uma modificação substancial do acordo homologado, efetuada sem contraditório e fora do processo próprio, em violação dos princípios estruturantes do processo civil.

Quid Iuris?

Importa desde logo recordar que o acordo de regulação das responsabilidades parentais, uma vez homologado judicialmente, adquire força de sentença (cfr. artigos 1905.º e 1906.º do Código Civil, e 988.º do CPC).

Qualquer alteração ao conteúdo substancial desse acordo — como mudanças no regime de visitas, residência do menor, ou outras responsabilidades — carece de ser deduzida no processo principal de regulação das responsabilidades parentais, com observância plena do princípio do contraditório e garantias de defesa.

A figura da retificação de lapsos materiais (artigo 614.º do CPC) destina-se exclusivamente à correção de erros evidentes de escrita ou de cálculo, não podendo ser utilizada para reinterpretar e alterar decisões judiciais válidas e eficazes, designadamente quando tal alteração implique discussão sobre a verdadeira vontade das partes no momento da homologação.

No caso dos autos, resulta dos elementos disponíveis que:

A retificação foi determinada na sequência de conferência de pais realizada no incidente de incumprimento o qual visa apenas a verificação de que o regime fixado judicialmente não foi cumprido e, se for caso disso, a reposição prática dos direitos violados.
Não é o momento nem o meio processual adequado para modificar ou reinterpretar o regime acordado, estando vedado ao juiz alterar o regime, ainda que o faça sob a aparência de uma interpretação ou retificação.”

A revelar que atuação judicial no incidente de incumprimento deve ter como limite o decidido no processo principal.
A única exceção admissível é a correção de lapsos materiais evidentes, e mesmo essa deve obedecer a contraditório, exceto em casos de manifesta irrelevância.
De resto, o juiz não pode, sob o pretexto de corrigir lapsos, reformular decisões ou alterar o conteúdo do decidido. Tal constituiria uma violação grave dos princípios da imutabilidade da sentença e do contraditório

A figura da retificação de lapsos materiais (artigo 614.º do CPC) destina-se exclusivamente à correção de erros evidentes de escrita ou de cálculo, não podendo ser utilizada se determinar a alteração de decisões judiciais válidas e eficazes, designadamente quando tal alteração implique discussão sobre a verdadeira vontade das partes no momento da homologação.

Posto isto, no caso dos autos importa desde logo recordar que o acordo de regulação das responsabilidades parentais, uma vez homologado judicialmente, adquire força de sentença (cfr. artigos 1905.º e 1906.º do Código Civil, e 988.º do CPC).
Qualquer alteração ao conteúdo substancial desse acordo — como mudanças no regime de visitas, residência do menor, ou outras responsabilidades — carece de ser deduzida no processo principal de regulação das responsabilidades parentais, com observância plena do princípio do contraditório e garantias de defesa.

No caso dos autos, resulta dos elementos disponíveis que:

A retificação foi determinada na sequência de conferência de pais inserida no âmbito do incidente de incumprimento- nº 4 do art 41º da RGPTC

Não houve tramitação autónoma no processo principal nem contraditório sobre a divergência quanto ao conteúdo da ata homologada em 2023;

Não existem elementos objetivos que permitam afirmar, com segurança, que se está perante um mero lapso material, sendo certo que, o período de tempo decorrido desde a sessão de julgamento de 18.05.2023 na qual foi obtido o acordo dos progenitores, é elemento que à partida, na ausência de elementos objectivos, exige, por si, que qualquer rectificação com natureza essencial, como foi aquela ocorrida, seja feita nos autos principais com a observância do contraditório.

Nestes termos, não podia a M.ma Juiz a quo, no contexto restrito de um incidente de incumprimento, e sem observância do contraditório, determinar a retificação do acordo homologado, com os efeitos práticos de uma alteração judicial do regime parental.

Concluindo:

O incidente de incumprimento visa apenas: Verificar a existência de violação do regime parental acordado/homologado;Determinar compensações práticas (ex: visitas perdidas); Aplicar sanções por incumprimento (ex: multa ou advertência judicial);Se necessário, fazer participação ao MP em caso de comportamentos penalmente relevantes.

Não é admissível nesse incidente: alterar o regime de regulação das responsabilidades parentais;
Fazer interpretações extensivas do acordo homologado;proceder a retificações substanciais sem contraditório formal, sob pena de nulidade.

A decisão proferida encontra-se, assim, ferida de nulidade, nos termos do artigo 195.º do CPC, por violação do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3), devendo ser revogada.

Relativamente à questão suscitada na resposta do Ministério Público, na parte em que pede que se pondere a condenação da recorrente como litigante de má-fé, diremos apenas que não vislumbramos a existência de elementos objectivos e por isso consistentes que apontem que o comportamento processual da recorrente ao interpor o presente recurso consubstancia o preenchimento dos elementos de facto a que aludem as alíneas a) a d) do nº2 do art 542º do CPC.

Sumário
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IV. DELIBERAÇÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

Julgar procedente o recurso e revogar o despacho recorrido, determinando que, caso subsista dúvida quanto à correspondência entre a redação da ata de 2023 e a vontade real das partes, deverá a questão ser suscitada mediante o meio adequado e tramitada no processo principal de regulação das responsabilidades parentais, com pleno contraditório e apreciação autónoma.

Custas pela parte vencida a final.

Porto, 26.06.2025
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Isabel Peixoto Pereira