Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5261/23.4T8MAI-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DIREITO À PROVA
DIREITO À PRIVACIDADE
PENSÃO DE ALIMENTOS
Nº do Documento: RP202411115261/23.4T8MAI-E.P1
Data do Acordão: 11/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito da regulação das responsabilidades parentais, a fim de aferir do fundamento para obter informações acerca de consumos domésticos, rendimentos do trabalho, transferências e património, deve aquilatar-se da respetiva necessidade e relevância para a produção da prova.
II - Como contraponto da maior ou menor indispensabilidade da obtenção de informações, há que ponderar o direito dos visados a manterem a sua vida privada e económica em recato.
III - O direito à privacidade só deve ceder perante o direito à prova quando a sua quebra se mostre relevante, de modo a que se deva concluir que, sem a obtenção dos elementos pretendidos, o direito dos filhos a perceberem uma pensão de alimentos ajustada às suas necessidades e aos rendimentos e nível de vida dos pais não será salvaguardada.
IV - Releva para a decisão sobre a fixação do montante da pensão de alimentos apurar quais os rendimentos do trabalho dos pais.
V - Para a fixação do montante da prestação de alimentos não se justifica a junção de faturação referente aos consumos de água e de eletricidade daquela que foi a casa de morada de família, na íntegra suportados pelo pai dos menores.
VI - Não invocando o pai que não tem acesso ao seu vencimento, é despicienda para a decisão sobre a fixação do montante da prestação de alimentos determinar quais as transferências operadas do país em que o pai labora para Portugal.
VII - Evidenciando-se que o pai das crianças aufere rendimentos do trabalho bastantes para, por si, servirem para a satisfação de uma pensão de alimentos adequada, não releva o apuramento rigoroso do património imobiliário daquele e das eventuais rendas daí percebidas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 5261/23.4T8MAI-A



Sumário
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Relatora: Teresa Fonseca
1.º adjunto: Nuno Araújo
2.º adjunto: Carlos Gil






Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

Nos autos de regulação das responsabilidades parentais de AA, nascida em ../../2016 e de BB, nascido em ../../2018, em que é requerente CC e requerida DD, a requerida formulou o seguinte requerimento probatório: (…)
2. Ao abrigo do disposto nos artigos 417.º, n.º 1, e 432.º do Código de Processo Civil, para prova dos consumos regulares de eletricidade na casa de morada da família, e do seu valor, uma vez que o contrato de fornecimento está em nome do Requerente, requer-se que se oficie à EDP, solicitando cópia das faturas relativas aos fornecimentos para CC, NIF ...36..., CPE ...91..., código de contrato ...98, Rua ... ..., relativas aos três últimos anos (2022, 2023 e 2024).
3. Ao abrigo do disposto nos artigos 417.º, n.º 1, e 432.º do Código de Processo Civil, para prova dos consumos regulares de água na casa de morada da família, e do seu valor, uma vez que o contrato de fornecimento está em nome do Requerente, requer-se que se oficie ao SMS da ..., solicitando cópia das faturas relativas aos fornecimentos para CC, n.º de cliente ...81, NIF ...36..., local de consumo ..., Rua ... FR G, ..., relativas aos três últimos anos (2022, 2023 e 2024).
4. Ao abrigo do disposto nos artigos 417.º, n.º 1, e 432.º do Código de Processo Civil, para prova dos rendimentos do trabalho do Requerente, requer-se que seja solicitada a produção de prova à entidade central alemã competente, nos termos do Regulamento (UE) 2020/1783 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2020, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no âmbito da obtenção de prova em matéria civil ou comercial, tendo em vista obter as seguintes informações e documentos junto da sua entidade patronal, A..., com sede em ..., Germany:
- cópia do contrato de trabalho em vigor entre o Requerente e a A...,
- informação sobre todos os valores que foram pagos ao Requerente a título de remunerações, prémios, bónus, subsídios, despesas, ou a qualquer outro título, nos últimos três anos (2021, 2022 e 2023), e obtenção de documentos comprovativos.
5. Ao abrigo do disposto nos artigos 417.º, n.º 1, e 432.º do Código de Processo Civil, para prova dos valores transferidos pelo Requerente, requer-se que se oficie ao Banco 1..., solicitando informação sobre todos os montantes transferidos pelo Requerente entre a sua conta no Banco 2..., para a sua conta bancária no Banco 1..., em Portugal, com o IBAN ...31, desde o início de 2022, até ao presente.
6. Ao abrigo do disposto nos artigos 417.º, n.º 1, e 432.º do Código de Processo Civil, para prova do património imobiliário em nome do Requerente e dos rendimentos prediais que aufere, requer-se que se oficie à Autoridade Tributária, a fim de informar quais os imóveis que estão inscritos nas Finanças em nome deste, quais são os contratos de arrendamentos participados e em vigor, e qual o valor das rendas.
Sobre este petitório incidiu o seguinte despacho: indefere-se o requerido nos pontos 2) a 6) do requerimento de prova das alegações da requerida, por se entender que os elementos constantes do processo são já suficientes para que o Tribunal possa tomar posição sobre as questões suscitadas no âmbito da regulação.
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Inconformada, a requerida interpôs o presente recurso, que finalizou com as conclusões que em seguida se transcrevem.
1.ª Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a 09.07.2024, na parte em que indeferiu a produção de meios de prova requeridos pela Recorrente, nos pontos 2. a 6. das suas alegações.
2.ª O despacho rejeita meios de prova, pelo que é autonomamente recorrível, nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 32.º, n.º 3, do RGPTC.
3.ª O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito - na medida em que constitui matéria de direito saber se foram bem, ou mal, dispensados os meios de prova em causa.
4.ª O requerimento de prova foi indeferido pelo tribunal a quo, por ter sido entendido que «os elementos constantes do processo são já suficientes para que o Tribunal possa tomar posição sobre as questões suscitadas no âmbito da regulação».
5.ª Discorda-se em absoluto deste entendimento, porquanto os autos não contêm a prova necessária, e possível de obter, para que possa ser tomada uma decisão criteriosa, sustentada e equitativa.
6.ª Os autos destinam-se à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas aos menores AA, nascida a ../../2016, com 7 anos de idade, e de BB, nascido a ../../2018, com 5 anos de idade.
7.ª Os meios de prova requeridos pela Requerente, cuja produção foi negada pelo tribunal a quo têm por fim a demonstração, em primeiro lugar, que os menores residem e sempre residiram com a mãe na casa de morada de família e, em segundo lugar, a situação económico-financeira do progenitor, tudo tendo em vista a determinação dos alimentos a suportar pelo progenitor.
A) Onde e com quem residem os menores
8.ª Discute-se nos autos em que local residem os menores: a Recorrente afirma, como resulta do artigo 2.º das suas alegações, que os filhos residiram sempre consigo, na casa de morada de família, por último e atualmente no apartamento na Rua ..., na ..., facto negado pelo pai, que alega (artigos 11.º, 13.º e 14.º das suas alegações) que os menores estão a maior parte do tempo à guarda e cuidados dos avós, maternos e paternos (procurando demonstrar que nem sequer residem com a mãe), que a progenitora e os filhos residem na casa do avô materno e que só depois de intentado este processo a Requerida começou a passar mais tempo na casa de morada de família, com o propósito de reclamar o direito à sua utilização.
9.ª Saber onde residem os menores, com a mãe, interessa para a decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais, sendo impensável. salvo o devido respeito, que, atendendo às posições divergentes dos pais, o tribunal não procure apurar onde, afinal, residem os menores, e com quem.
10.ª Os autos não contêm, ainda, qualquer tipo de prova sobre o efetivo local da residência dos menores, em face das posições divergentes dos progenitores.
11.ª A Recorrente pretende demonstrar que os menores residem consigo, na casa de morada de família (factos essenciais), através da demonstração dos consumos regulares de eletricidade e de água nesse local (factos indiciários), e foi para realizar essa prova que formulou os requerimentos nos pontos 2. e 3., acima transcritos.
12.ª Pelos motivos invocados no requerimento - os contratos de fornecimento estão em nome do Requerente - não é possível à Recorrente apresentar ela própria as faturas relativas aos consumos, razão pela qual a prova documental teve que ser solicitada ao tribunal.
13.ª Em sede de produção de prova vigora, em todo o processo civil, o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 411.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, nos seguintes termos: «incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer».
14.ª Por outro lado, estabelece o artigo 6.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável: «cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório (…)».
15.ª A prova não foi recusada pelo tribunal a quo com fundamento na sua impertinência, inutilidade, caracter supérfluo ou motivo equivalente, mas sim, como se disse, por se entender que o processo já contém os elementos suficientes para a decisão.
16.ª Ora, esta afirmação não está fundamentada e, além disso, foi contrariada pelo tribunal a quo, no mesmíssimo despacho, ao determinar a produção de outros meios de prova, designadamente testemunhal - se o processo já tem os elementos necessários, perguntar-se-á por que razão o tribunal determinou a produção de mais prova.
17.ª Porém, os autos não contêm, salvo o devido respeito, os elementos suficientes para a decisão, por isso é que há necessidade de produção de prova, designadamente quanto à residência dos menores com a progenitora, na casa de morada de família, pelo que os meios de prova requeridos pela Recorrente não deviam ter sido rejeitados, como foram.
18.ª A recusa da produção de prova, requerida nos pontos 2. e 3. das alegações da progenitora, viola o direito à produção de prova, conduzindo ao resultado inverso do pretendido com o estabelecimento do princípio inquisitório, consagrado no artigo 411.º do Código de Processo Civil.
19.ª O tribunal devia, ao abrigo desse princípio, ser o primeiro a procurar instruir devidamente os autos, em vez de recusar, sem fundamento, salvo o devido respeito, a produção de meios de prova requeridos pelos progenitores, no caso, a Recorrente, sobre matéria em que há dissídio.
20.ª O despacho recorrido viola, assim, o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 6.º, 411.º e 413.º, do Código de Processo Civil, devendo ser revogado e substituído por outro que determine a produção da prova requerida pela Recorrente, naqueles pontos 2. e 3. das alegações da progenitora.
B) A situação económico-financeira do progenitor
21.ª Discute-se nos autos o valor da pensão de alimentos que ficará a cargo do progenitor, para ambos os menores:
- a Recorrente pretende que o progenitor contribua com a prestação mensal de Eur 750,00, para cada menor, além de ficarem a cargo deste as despesas com mensalidades do colégio, atividades extracurriculares e de saúde.
- o Recorrido, por seu turno, pretende, como resulta das suas alegações, que seja fixada uma pensão de alimentos de Eur 250,00 mensais para cada filho, propondo-se custear na totalidade as despesas com a educação estritas – pois as despesas com as atividades extracurriculares, as de saúde e quaisquer outras, entende que devem ser suportadas pelos progenitores em partes iguais.
22.ª A Recorrente alegou factos que permitem concluir pelo muitíssimo elevado nível económico-financeiro do progenitor, e invocou também que os menores estão habituados, pelo pai, a um nível de vida elevado, que a mãe não pode proporcionar-lhes, por falta de rendimentos.
23.ª Como é sabido, um dos elementos a ter em conta para a fixação de alimentos é a capacidade de quem os presta.
24.ª A Constituição da República Portuguesa atribui a ambos os pais o direito/dever de educação e manutenção dos filhos - artigo 36.º, n.ºs 3 e 5, da Lei Fundamental.
25.ª A doutrina citada na motivação (Jorge Miranda, Rui Medeiros, JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira), para a qual se remete, apela para a ponderação das possibilidades económicas do progenitor que não fica a viver com os filhos.
26.ª A Convenção Sobre Os Direitos da Criança (ONU) prevê, no seu artigo 27.º, n.º 2, que «cabe aos pais ou a outras pessoas responsáveis pela criança a responsabilidade primordial de propiciar, de acordo com as possibilidades e os recursos financeiros, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança».
27.ª Ao nível da legislação ordinária, a obrigação de alimentos a cargos dos pais está integrada no conjunto das responsabilidades parentais – resultando do disposto no artigo 1878.º, n.º 1, do Código Civil, quando refere que compete aos pais prover ao sustento dos filhos, e no artigo 1885.º, n.º 1, do mesmo código, quando estatui, sob epígrafe «Educação» que «cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos».
28.ª Em caso de divórcio dos pais e nas demais situações previstas no artigo 1905.º, torna-se necessário regular o exercício das responsabilidades parentais, no caso dos menores (artigo 1906.º, todos do Código Civil) e fixar os alimentos que serão devidos por quem não fica a residir em permanência com os filhos.
29.ª O artigo 2003.º do Código Civil contém a noção legal de alimentos, que se distancia do sentido muito mais restrito que a palavra tem na linguagem corrente: para o legislador, os alimentos compreendem «tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário» (n.º 1) e ainda a instrução e educação do alimentado, no caso de este ser menor (n.º 2 do artigo 2003.º).
30.ª Estabelece o artigo 2014.º do Código Civil, no seu n.º 1, que «os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los».
31.ª Assim, os alimentos devidos devem ser prestados ponderando o binómio necessidades do credor de alimentos e possibilidades do devedor.
32.ª É discutido se, na ponderação dos meios do devedor, devem ser considerados apenas os seus rendimentos ou também o seu património, apontando perentoriamente para a segunda solução Vaz Serra, Clara Sottomayor e Esaguy Martins (obs. e locs. supra citados).
33.ª O segundo critério de fixação dos alimentos são as necessidades do alimentado - de onde resulta que os alimentos não devem ser inferiores nem superiores a tais necessidades.
34.ª Saber o que se inclui em tais necessidades - apenas o básico, ou aquilo que é básico de acordo com a condição de vida do alimentado - é questão discutida, inclinando-se a maioria da doutrina para relevar a situação social e económica que as crianças tinham na constância do casamento.
35.ª Este alargamento, que aponta para a ponderação da situação social do alimentado é em geral aceite pela jurisprudência, pelo menos quando se trata da obrigação de alimentos a favor dos filhos, após o divórcio dos pais.
36.ª Na doutrina, defendem a ponderação da situação social do alimentado, entre outros, Vaz Serra, Clara Sottomayor e Maria Aurora Oliveira (obs. cit. supra), referindo esta que o que está em causa são as necessidades dos filhos, não apenas as básicas, cuja satisfação é imprescindível para a sua sobrevivência, mas também «tudo o que a criança necessita para ter uma vida conforme à sua condição social, às suas aptidões, ao seu estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral».
37.ª Destaca-se o ensinamento de Clara Sottomayor: em caso de divórcio, desde que os rendimentos do progenitor que fica sem a guarda o permitam, devem os alimentos assegurar ao filho «um nível de vida idêntico ao que este gozava antes do divórcio, com os mesmos confortos e luxos, salvo se o nível de vida era exorbitante e estava acima da capacidade dos pais».
38.ª A igualdade de deveres de ambos os progenitores na criação dos filhos, estabelecida no artigo 36.º, n. º 3, da Constituição da República Portuguesa, só será efetiva se a obrigação de alimentos aos filhos for proporcional às respetivas possibilidades.
39.ª Ora, no caso sub judice, estamos perante uma situação de profunda desigualdade entre as capacidades financeiras dos dois progenitores: o pai tem uma elevadíssima capacidade financeira e a mãe, com quem os menores residem, está desempregada, sem perspetivas de emprego adequado à sua formação profissional.
40.ª Essa diferença entre as capacidades financeiras dos progenitores deve ser ponderada - tem que o ser, nos termos do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, pois o que é desigual deve ser tratado desigualmente, só assim se aplicando o princípio da igualdade de tratamento.
41.ª Nos presentes autos, salvo o devido respeito, a diferença tem sido indevidamente ignorada, e o despacho recorrido é disso exemplo, ao impedir a produção de prova segura sobre a situação económico-financeira do Recorrido.
42.ª Quando o nível económico do progenitor que não tem a guarda (o pai) é substancialmente inferior ao daquele que a tem (a mãe), o que constitui a maioria dos casos, estamos perante um fenómeno conhecido: a feminização da pobreza (Clara Sottomayor, ob. cit., pág. 332) - é o que se verifica no caso sub judice.
43.ª Afirmou a Recorrente, nas suas alegações (artigo 101.º), que o Requerente, que trabalha para a empresa alemã de navegação marítima A..., aufere um salário de cerca de Eur 180.000,00 anuais (Eur 15.000,00 por mês) além de bónus, seguro de saúde, quatro viagens anuais em classe executiva para ele e para a família – o que perfaz um rendimento real de não menos de Eur 200.000,00 por ano.
44.ª Estes valores não estão reconhecidos pelo Recorrido, e a Recorrente não tem meios de, por si própria, fazer a prova do que alegou, razão pela qual a formulou, nas suas alegações, o requerimento do ponto 4., acima transcrito, que foi indeferido pelo despacho recorrido.
45.ª Invocou a Recorrente, nos artigos 111.º e ss. das suas alegações, que as excelentes capacidades financeiras do Requerente lhe permitiram fazer avultadas transferências da sua conta no Banco 2..., para a sua conta bancária no Banco 1..., em Portugal, sendo que as realizadas entre Junho de 2022 e Maio de 2023, atingiram, pelo menos, o valor global de Eur 368.400,00 (cfr. 113.º das alegações).
46.ª No entanto, a Recorrente não tem possibilidades de demonstrar se essas transferências foram as únicas, ou se houve mais, razão pela qual a formulou, no final das suas alegações, o requerimento de produção de prova no ponto 5., acima transcrito.
47.ª Invocou ainda a Recorrente, nos artigos 114.º e 115.º das suas alegações, que o Requerente fez investimentos no mercado imobiliário, em Portugal, tendo adquirido vários imóveis, sendo por isso titular, pelo menos, de seis imóveis, todos arrendados, à exceção daquele que constituiu a casa de morada de família, mas que não consegue identificar todos os imóveis adquiridos pelo Recorrido, não sabendo também precisar o valor das rendas que este aufere.
48.ª Por esse motivo, a Recorrente formulou, nas suas alegações, o requerimento do ponto 6. acima transcrito, igualmente indeferido no despacho recorrido.
49.ª Com o indeferimento destes requerimentos de prova, o tribunal a quo desinteressou-se, indevidamente, pelo apuramento da situação económico-financeira do obrigado a alimentos, não procurando saber quais são os seus rendimentos do trabalho e os seus rendimentos prediais, e não procurando saber qual é o seu património, designadamente em bens imóveis.
50.ª Ao contrário do que é afirmado no despacho recorrido, dos autos não constam elementos suficientes sobre a situação económico-financeira do progenitor, que permitam a tomada de uma decisão fundamentada e conscienciosa.
51.ª Pelas mesmas razões já acima apontadas no âmbito da recusa da produção de prova acerca da residência dos menores com a mãe, também a recusa da produção de prova, requerida nos pontos 4., 5. e 6. das alegações da progenitora, viola o direito à produção de prova, conduzindo ao resultado inverso do pretendido com o estabelecimento do princípio inquisitório, consagrado no artigo 411.º do Código de Processo Civil.
52.ª O tribunal devia, ao abrigo desse princípio, ser o primeiro a procurar instruir devidamente os autos, em vez de recusar, sem fundamento, salvo o devido respeito, a produção de meios de prova requeridos pelos progenitores, no caso, a Recorrente, sobre matéria em que há dissídio e em que não há prova nos autos.
53.ª O despacho recorrido viola, assim, o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 6.º, 411.º e 413.º, do Código de Processo Civil, devendo ser revogado e substituído por outro que determine a produção da prova requerida pela Recorrente, naqueles pontos 4., 5. e 6. das alegações da progenitora.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser julgado procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido, substituindo-o por outro que determine a produção de prova requerida pela progenitora.
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O Ministério Público contra-alegou, finalizando nos termos que se seguem.
I. Os processos tutelares cíveis inserem-se nos chamados processos de jurisdição voluntária - artº 12º do RGPTC - no âmbito dos quais o juiz tem ampla liberdade instrutória, podendo investigar livremente os factos e rejeitar as provas requeridas pelas partes, quando considere que as mesmas são desnecessárias - artº 986º nº 2 do Cód. Proc.
Civil.
II. Este poder-dever do juiz de indeferir o que é impertinente ou dilatório está, no entanto, vinculado à finalidade do próprio processo e é nessa medida sindicável, nomeadamente, em sede de recurso.
III. Em termos de regulação do exercício das responsabilidades parentais é irrelevante que a progenitora resida com as crianças naquela que foi a casa de morada de família, ou em casa dos seus pais, avós maternos das crianças.
IV. Consideramos, por isso, que deve manter-se a decisão recorrida na parte em que indefere as diligências probatórias referidas nos pontos 2 e 3 do requerimento de prova da progenitora.
V. Até porque, insistir em diligências probatórias destinadas a fazer prova da utilização pela progenitora da casa da morada de família para aí residir com os filhos se traduz numa tentativa de obter nestes autos elementos para a decisão da divergência entre os progenitores, sobre o destino a dar à casa que foi a de morada de família, a discutir em sede própria.
VI. Para efeitos do disposto no art.º 2004.º do Cód. Civil apenas relevam, em princípio, os rendimentos auferidos pelo progenitor obrigado aos alimentos.
VII. Só na ausência ou insuficiência daqueles, deverá ser chamado à colação a capacidade do progenitor de os angariar, ou o seu património.
VIII. Alegando a requerida a existência de rendimentos do progenitor - vencimento que aufere como trabalhador por conta de outrem e rendimentos do mesmo enquanto senhorio dos prédios de que é proprietário - suficientes para fazer face ao pagamento de uma prestação de alimentos adequada às necessidades das crianças, a produção de prova para indagação do restante património do requerido afigura-se como excessiva e injustificada.
IX. Devendo, por isso, manter-se o despacho recorrido quando indefere as diligências probatórias referidas no ponto 5 do requerimento de prova da progenitora, no sentido de ser solicitada informação sobre todos os montantes transferidos pelo progenitor entre a sua conta, no Banco 2..., para a sua conta bancária no Banco 1..., em Portugal, com o IBAN ...31, desde o início de 2022,
até ao presente.
X. Quanto ao ponto 4 do requerimento de prova da progenitora, estando em causa indagar quais os rendimentos auferidos pelo progenitor obrigado a alimentos, e tratando-se de factualidade controvertida, a referida diligência probatória não poderá deixar de considerar-se como relevante e necessária.
XI. Assim que o recurso deverá proceder nesta parte, mas em termos limitados, no sentido de se deferir a diligência instrutória requerida com vista a apurar quais os valores que foram pagos ao progenitor, no corrente ano de 2024, a título de remunerações, prémios, bónus, subsídios, despesas, ou a qualquer outro título, mantendo-se quanto ao mais a decisão de indeferimento constante do despacho recorrido.
XII. No mesmo sentido entende-se que deverá ser a decisão do recurso no que concerne às diligências probatórias constantes do ponto 6 do requerimento de prova da progenitora, por estar em causa aferir da capacidade do progenitor e, como tal, para aferir do quantum dos alimentos a fixar.
XIII. Assim, deverá o recurso proceder no sentido de ser determinado que se oficie à Autoridade Tributária, a fim de informar quais os imóveis que estão inscritos nas Finanças em nome do progenitor aqui recorrido, quais são os contratos de arrendamentos participados, e em vigor, e qual o valor das rendas.
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O requerido contra-alegou, rematando como segue:
A. Por despacho datado de 09.07.2024 (com referência 461992846), decidiu o tribunal a quo indeferir “(…) o requerido nos pontos 2) a 6) do requerimento de prova das alegações da requerida, por se entender que os elementos constantes do processo são já suficientes para que o Tribunal possa tomar posição sobre as questões suscitadas no âmbito da regulação.”
B. A Recorrente apresentou recurso, alegando em suma, que “(…) os autos não contêm a prova necessária, e possível de obter, para que possa ser tomada de uma decisão criteriosa, sustentada e equitativa”, e requerendo que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que admita os bens de prova por si requeridos.
C. Pelo contrário, o Recorrido está em crer que o tribunal a quo decidiu acertadamente e que o despacho ora em recurso deve ser mantido, desde logo porque, contrariamente ao que alega a Recorrente, existem meios de prova suficientes nos autos para que o tribunal tome posição sobre as questões suscitadas – nomeadamente, a residência dos menores e a situação económico-financeira do Pai, ora Recorrido.
D. Apenas são meios de prova que não convêm à Recorrente, porque vão contra a sua narrativa, e o que pretende a Recorrente é uma auditoria aos bens do Recorrente, no sentido, quem sabe, de tentar pedir alimentos para si, entre outros, sendo certo que ambos são casados em separação de bens.
E. Conforme se deixará exposto, o presente recurso carece de qualquer fundamento, não passando de mais um expediente dilatório por parte da Recorrente.
Pois bem,
F. No que respeita à residência dos menores: a prova que a Recorrente pretende fazer, já o Recorrido a fez - nomeadamente, através da página 15 do Doc. n.º 5, junto com as Alegações do Recorrido, que corresponde à fatura paga pelo Recorrido da EDP, correspondente ao mês de abril e maio de 2024.
G. A que acresce o Doc. n.º 4 junto com a Réplica, no âmbito do processo de divórcio a que os presentes autos estão apensos, donde se retira claramente que um T5, sem recurso a gás para aquecimento das águas sanitárias e aquecimento da casa, usando apenas em exclusivo eletricidade, não produz custos de eletricidade na ordem dos € 50,00 a € 60,00 mensais, conforme demonstram as faturas juntas pelo Recorrido.
H. Ainda no que respeita ao documento mencionado no artigo anterior, se não se revelar suficiente, temos a “Versão B”, elaborada tendo em conta dados oficiais da PORDATA, somando o que um habitante gasta (eletricidade + gás), multiplicado por três habitantes, dá uma média de 900KW por hora por mês para os tais três habitantes – sendo que de acordo com a tabela em análise, os consumos demonstram que a média anual da casa de morada de família foi 300KW, sendo que, na maior parte dos meses verifica-se um consumo de cerca de 20% a 30% do consumo médio esperado, apenas se verificando um aumento de consumo quando o Recorrido se encontra em casa com os filhos.
I. Sendo certo que, e como o tribunal a quo disse e bem, a prova testemunhal será o meio de prova ideal para fazer prova da real residência dos menores – nomeadamente através do depoimento dos avós, sob juramento legal.
J. Nas palavras de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “para assegurar o andamento do processo, em condições de regularidade (conformidade com a regra legal ou com a sua adequação pelo juiz) e de celeridade, o juiz deve, dentro dos limites da lei, promover todas as diligências que julgue necessárias e indeferir os requerimentos das partes que não correspondam a um interesse sério (sejam «impertinentes») ou visem fins meramente dilatórios”, acrescentando que “os mesmos autores prosseguem, defendendo que ao juiz cabe também realizar ou ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. Daqui se pode extrair, a contrario, que lhe cabe rejeitar os meios de prova desnecessários (…)” (realces nossos)
K. Impõe-se concluir que o tribunal a quo andou bem, ao indeferir os pedidos da Recorrente, pois de facto já possuía elementos suficientes para uma decisão.
L. No que respeita à situação económico-financeira do Recorrido: alega a Recorrente que “(…) alegou factos que permitem concluir pelo muitíssimo elevado nível económico financeiro do progenitor”, (cfr. artigo 31.º das suas Alegações de recurso) – não tendo, contudo, junto prova, uma vez que a Recorrente não tem acesso a esses meios de prova.
M. Pelo contrário, o Recorrido alegou factos e juntou prova que permitem concluir que inexiste qualquer nível económico-financeiro “muitíssimo elevado.
N. Nomeadamente, no Doc. n.º 5 junto com as Alegações finais em processo de regulação das responsabilidades parentais, que contém a maior parte das despesas do Recorrido, que são as seguintes:
Prestação do T5 na ...: € 1.248,00 (mil duzentos e quarenta e oito euros);
Seguro (vida e recheio) do T5 na ...: € 132,00 (cento e trinta e dois euros);
Condomínio do T5 na ...: € 158,13 (cento e cinquenta e oito euros e treze cêntimos);
EDP (em média) do T5 na ...: € 60,00 (sessenta euros), que apenas está habitado quando o Requerente vem a Portugal, sendo certo que a casa de morada de família não tem recurso a gás para aquecimento das águas sanitárias e da casa, usando eletricidade em exclusivo;
Colégio dos menores: € 1.000,00 (mil euros);
Pensão de alimentos aos menores: € 521,50 (quinhentos e vinte e um euros, e cinquenta cêntimos);
Seguro de saúde Médis para todo o agregado familiar (incluindo a Requerida): € 193,57 (cento e noventa e três euros e cinquenta e sete cêntimos).
O. Ora, um ordenado bruto de € 8.000,00 (oito mil euros), serviria apenas para cobrir os custos supra referidos - na ordem dos € 3.313,20 (três mil, trezentos e treze euros e vinte cêntimos) - sendo certo que o Recorrido tem de garantir uma vida minimamente condigna para si, incluindo várias viagens a Portugal para estar na companhia dos filhos.
P. O que nos leva a crer que a Recorrente não juntou prova, porque essa prova não existe, porque a alegação da Recorrente não corresponde à verdade.
Q. No que respeita à entidade empregadora do Recorrido: o Recorrido trabalha para a B..., que foi adquirida pela A..., e recebe o seu salário na moeda angolana, Kwanza – cuja desvalorização está num nível histórico.
R. Relativamente aos imóveis a que a Recorrente faz referência nos artigos 73.º e seguintes das suas alegações, diga-se desde já que os referidos imóveis têm crédito bancário hipotecário (conforme se vê no mapa de responsabilidades do Banco de Portugal, junto como Doc. n.º 5, junto com a Réplica no âmbito do processo n.º 5261/23.4T8MAI, de 21.02.2024, com referência 48040066) - sendo certo que o Recorrido não recebe qualquer renda do imóvel onde residem os seus pais.
S. Sendo certo que o mesmo se pode dizer em relação aos reais rendimentos da Recorrente, dos quais nunca foi feita qualquer prova.
T. Note-se que o Recorrido cobre a vasta maioria (se não, a maioria) das despesas dos filhos menores de ambos, não contribuindo a Recorrente para praticamente nada, apesar de ter possibilidades.
U. Em momento algum a Recorrente fez prova que não tinha outras fontes de rendimento para além de rendimentos provenientes de trabalho - dos quais o Recorrido tem conhecimento.
V. E de acordo com o disposto no artigo 2004.º, n.º 1, do Código Civil (CC): “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
W. Veja-se também a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no seu acórdão de 11.07.2013, no âmbito do processo n.º 232/10.3TBAVV-B.G1[3], de acordo com a qual: “em sede de fixação de pensão de alimentos, há que ponderar que as necessidades dos filhos sobrelevam a disponibilidade económica do progenitor devedor de alimentos.
X. Ora, as reais necessidades destes menores não atingem, de modo algum, o montante de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) por mês e por menor, sobretudo atendendo às suas respetivas idades – estamos a falar de valores incomportáveis com a realidade de Portugal, e como tal, é imperativa a contribuição da Recorrente com os encargos das crianças.
Y. Cabe, portanto, à Recorrente a obrigação de desenvolver comportamentos de modo a conseguir os meios para satisfazer as necessidades dos filhos, o que também não demonstrou – e não pôr o ónus de toda e qualquer despesa dos menores sob o Recorrido que, recorde-se, já paga a totalidade do colégio e do seguro de saúde.
Pelo exposto,
Z. E consequentemente, deve ser determinado que o tribunal a quo andou bem, devendo o despacho recorrido ser mantido, pois só assim será feita Justiça!
*

II - Questões a dirimir:
a - se releva para a decisão aferir dos consumos de água e eletricidade daquela que foi a casa de morada de família;
b - se releva para a decisão apurar quais os rendimentos do trabalho do pai nos anos de 2021, 2022 e 2023;
c - se releva para a decisão sobre a fixação determinar quais as transferências operadas de Angola para Portugal;
d - se releva para a decisão certificar qual o património imobiliário do requerido.
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III - Fundamentação de facto
Os factos com relevância para a decisão são os que constam do relatório antecedente.
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IV - Fundamentação de direito
A requerida interpôs o presente recurso, considerando que a produção de prova negada pelo tribunal de 1.ª instância coarta a possibilidade de apuramento do local em que reside com as filhas, bem como da quantificação dos reais proventos do requerente.
O direito à prova encontra-se consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, como componente do direito geral à proteção jurídica e de acesso aos tribunais. A prova é a atividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos (art.º 341.º do C.C., que atribui às provas a função de demonstração de realidade dos factos).
Os princípios e as regras gerais a atender são aqueles que em seguida enunciaremos e que hão de ser tidos em consideração a propósito de cada uma das questões suscitadas no recurso.
A atividade de prova incumbe à parte onerada (art.º 342.º do C.C.), que não obterá uma decisão favorável se não satisfizer esse ónus (art.º 416.º do C.P.C. e art.º 346.º do C.C.).
O tribunal tem o dever de atender a todas as provas produzidas no processo, independentemente da sua proveniência, desde que lícitas (art.º 413.º/1 do C.P.C.). As partes podem utilizar em seu benefício os meios de prova que mais lhes convierem, devendo a recusa de qualquer meio de prova ser devidamente fundamentada na lei ou em princípio jurídico, não podendo o tribunal fazê-lo de modo discricionário.
Os factos necessitam de ser submetidos a prova porque foram alegados por uma parte e impugnados pela contraparte ou porque a revelia se revela inoperante, conforme ocorre no caso do disposto no art.º 568.º do C.P.C..
O direito à prova contém, porém, limites impostos pela proteção de direitos de terceiro e das próprias partes, em circunstâncias determinadas: cede perante direitos de terceiros e das partes que mereçam do ordenamento jurídico uma tutela mais forte.
O direito à prova mereceu particular atenção na reforma do processo civil emergente do decreto-lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro e do decreto-lei n.º 180/96, de 25 de setembro. Veja-se o art.º 6.º/1 do C.P.C., que atribui ao juiz o dever de dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (…). Confira-se ainda o art.º 411.º do C.P.C., nos termos do qual incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer. Acentuou-se o reforço do dever de colaboração com o tribunal, mesmo quando este possa envolver a quebra ou o sacrifício de deveres de sigilo ou confidencialidade (arts. 417.º e 418.º do C.P.C.).
Todas as pessoas têm o dever de colaboração para a descoberta da verdade (art.º 417.º/1 do C.P.C.). A lei reconhece-lhes, contudo, direito de recusa em determinadas situações. Uma delas ocorre quando a colaboração pedida importe violação de sigilo profissional, impendendo sobre os tribunais o ónus de dispensar a confidencialidade relativamente a matérias com relevância patrimonial (por exemplo, sigilo bancário, sigilo tributário).
Relativamente à reserva da vida privada e ao direito à intimidade, compreende-se no âmbito mais vasto do direito de personalidade.
Na ponderação do direito à privacidade no âmbito do direito português, haverá sempre que atender ao disposto no n.º 2 do art.º 18.º da Constituição da República Portuguesa, no sentido de que quanto às restrições de direitos, liberdades e garantias vigora o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso. As únicas restrições legítimas serão as que se mostrem necessárias (subprincípio da necessidade), adequadas para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (subprincípio da adequação) e racionais, isto é, proporcionadas em relação aos fins (subprincípio da racionalidade).
Critérios práticos apontados para a ponderação da prevalência do princípio da cooperação ou do direito à privacidade, todos eles discutíveis e a avaliar casuisticamente, consistem no critério da necessidade ou indispensabilidade da informação; no critério da fundamentação, que obriga a que quaisquer pedidos de revelação de dados sejam circunstanciados e com propósito claramente explicitado; no critério do ónus da prova, segundo o qual o fornecimento da informação não deve redundar em prejuízo da parte sobre a qual o ónus não impende; no critério da opção, ou da escolha, a facultar às partes entre a aceitação das consequências da recusa ou a insistência na obtenção da informação; no critério da intencionalidade, reportado retroativamente ao momento da concessão da informação e no critério da expurgação, consistente na obrigação de cingir a concessão da informação ao mínimo visado.
Vejamos agora, em concreto, da necessidade e relevo das informações visadas pela apelante para a composição do litígio.
a - Se releva para a decisão aferir dos consumos de água e eletricidade daquela que foi a casa de morada de família
Conforme genericamente apontámos, um primeiro critério a ponderar em todas as circunstâncias é um critério extrínseco ao conteúdo da informação visada e reside na necessidade desta. Os elementos pretendidos não deverão ser meramente úteis ou eventualmente convenientes. No momento em que são pedidos hão de ser tidos como essenciais. Se os dados a que se pretende aceder não se revelam vitais para a prossecução do fim visado pelo processo, não deverão ser solicitados nem cedidos.
Conforme sustenta o Digno Magistrado do Ministério Público, em termos de regulação do exercício das responsabilidades parentais é irrelevante que a progenitora resida com as crianças naquela que foi a casa de morada de família, ou em casa de seus pais, avós maternos das crianças.
Insistir na obtenção de elementos a respeito dos consumos de água e eletricidade não oferece virtualidade para a decisão, que, na verdade, ao invés do sustentado pela apelante, não deve incidir sobre o local onde as crianças residem com a mãe.
É, por isso, de confirmar a decisão recorrida que indeferiu a produção de prova neste particular.
b - Se releva para a decisão sobre a fixação do montante da pensão de alimentos apurar quais os rendimentos do trabalho do pai nos anos de 2021, 2022 e 2023.
O art.º 2004.º do mesmo Código define a medida dos alimentos, determinando que os mesmos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, e que na sua fixação concreta se atenderá à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
O montante do rendimento do trabalho do pai dos menores é controvertido e releva para a fixação do quantitativo destinado a assegurar a subsistência daqueles, já que os filhos hão de ter um trem de vida compatível com o dos pais (cf. ac. da Relação de Coimbra de 12-10-2021, proc. 2089/16.1T8CLD.C1,Carlos Moreira).
Por isso, deverá ser deferido o pedido de notificação, ainda que em moldes mais circunscritos do que os requeridos. Efetivamente, a obtenção de informações, quer, nos termos sobreditos, pela ingerência que acarreta na esfera jurídica dos visados, quer por motivos de celeridade e de economia processual, deverá ser tão circunscrita quanto possível, contanto que se alcance o resultado pretendido.
A recorrente pediu a junção de cópia do contrato de trabalho em vigor, entre o Requerente e a A..., informação sobre todos os valores que foram pagos ao Requerente a título de remunerações, prémios, bónus, subsídios, despesas, ou a qualquer outro título, nos últimos três anos (2021, 2022 e 2023), e obtenção de documentos comprovativos.
Afigura-se-nos, porém, pese embora a circunstância de se tratar de empresa estrangeira, com os inerentes acréscimos burocráticos e de custos, que integra o desiderato do processo que a empresa informe acerca do rendimento global do apelado referente ao ano transato e ao corrente ano e modo de pagamento.
A pretensão da apelante deverá, por conseguinte, ser apenas parcialmente acolhida, determinando-se a notificação da entidade patronal do pai dos menores para informar qual o rendimento global deste no ano transato e no corrente ano e modo de pagamento, juntando documentos atinentes, isto, evidentemente, se o apelado se escusar a, por si próprio, vir fornecer e comprovar tais elementos.
c - Se releva para a decisão sobre a fixação do montante da pensão de alimentos determinar quais as transferências operadas de Angola para Portugal
Trata-se, quanto a nós, de diligência cujo resultado em nada contribuirá para o apuramento dos meios de vida do apelado. Quanto muito, será este, a ter interesse, que poderá pretender demonstrar que não logra utilizar os proventos por si auferidos, por não os conseguir transferir para o sistema bancário português.
Na ausência de relevância do solicitado para os fins do processo, mantém-se a decisão de indeferimento.
d - Se releva para a decisão sobre a fixação do montante da pensão de alimentos certificar o património imobiliário do pai das crianças e os rendimentos eventualmente produzidos por tais imóveis
A apelante invoca que o apelado aufere rendimentos do trabalho de montante que qualifica de elevado, mais do que suficientes para acudir às necessidades dos filhos de ambos e que, por si só, permitem o pagamento da prestação de alimentos por si peticionada. É incontestado que o pai suporta a totalidade do custo dos colégios e de seguro de saúde, bem como as despesas fixas daquela que foi a casa de morada de família.
Atentos os princípios enunciados no sentido de que as informações solicitadas hão de ser apenas e só as imprescindíveis e adequadas à fixação da prestação de alimentos, a inventariação do património do requerido e dos eventuais rendimentos daí advenientes extravasa os termos da concreta regulação das responsabilidades parentais e é desnecessária.
A prova da existência de património imobiliário e a sua descrição pormenorizada, bem como de eventuais rendas associadas, afigura-se, assim, despicienda para o apuramento da prestação alimentar adequada. Deve, por isso, manter-se também esta decisão de indeferimento.
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V - Dispositivo

Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar a presente apelação parcialmente procedente, determinando-se a notificação da entidade patronal do pai dos menores, através dos meios de cooperação europeia adequados, para informar qual o rendimento global do apelado referente ao ano transato e ao corrente ano e modo de pagamento, juntando documentos atinentes e, no mais, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas por apelante e apelado na proporção de ¾ para a apelante e de ¼ para o apelado, atenta a proporção dos respetivos vencimento e decaimento (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 11 de novembro de 2024
Teresa Fonseca
Nuno Araújo
Carlos Gil