Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
109/19.7TELSB-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: DECISÃO EUROPEIA DE INVESTIGAÇÃO
CARTA ROGATÓRIA
SUSPENSÃO DE PRAZOS PROCESSUAIS
LEI DE EMERGÊNCIA
Nº do Documento: RP20210310109/19.7TELSB-C.P1
Data do Acordão: 03/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O n.º 5 do art. 276º do Cód. Proc. Penal prescreve: “Em caso de expedição de carta rogatória, o decurso dos prazos previstos nos n.ºs 1 a 3 suspende-se até à respectiva devolução, não podendo o período total de suspensão, em cada processo, ser superior a metade do prazo máximo que corresponder ao inquérito”.
II - A carta rogatória e a DEI são instrumentos de comunicação entre serviços de justiça e entre autoridades judiciárias transnacionais, com vista à prática de actos processuais no estrangeiro, apenas divergindo a denominação por virtude da primeira estar consagrada no art. 111º, n.º 3, al. b), do Cód. Proc. Penal, e a segunda ter sido estabelecida em diploma de cooperação judiciária internacional, densificando uma designação comum a vários Estados;
III - Conquanto exista alguma similitude de fins entre cartas rogatórias e DEI, aquelas têm um âmbito e finalidades bem mais extensos e complexos, não se limitando à realização, a pedido do Estado de Emissão pelo Estado de Execução, de uma ou várias medidas específicas de investigação tendo em vista a recolha de elementos de prova, sendo também diversos os trâmites de aceitação e cumprimento de ambas.
IV – A pretendida interpretação actualista não se compagina harmonicamente com a circunstância do legislador, entre Agosto de 2017 e Agosto de 2020, ter introduzido variadas alterações a normas do Código de Processo Penal, mas deixando sempre intocado o controvertido n.º 5, do art. 276º, razão porque este preceito não é aplicável às DEI como causa de suspensão do prazo de inquérito.
V - As DEI constituem uma nova abordagem na recolha de prova no âmbito da criminalidade transfronteiriça, criando um sistema mais simples, com transmissão directa pela autoridade de emissão à autoridade de execução e comunicação também directa entre ambas (v. art. 13º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 88/2017) e prazos limite curtos, tudo para garantir que a cooperação em matéria penal entre os Estados aderentes seja rápida, eficaz e coerente.
VI - Neste conspecto, é manifesto que as DEI se constituem como instrumento de superação das dificuldades e lentidão características do sistema baseado na emissão de cartas rogatórias, razão que determina o afastamento da associação entre ambos os instrumentos para justificar a inscrição das primeiras também como causa de suspensão.
VII – A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, impôs que todos os prazos para a prática de actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
VIII - O seu n.º 3 estatui que “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos”, acrescentando no n.º 4 seguinte que tal disposição prevalece “sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional.
IX – O citado diploma legal não só densificou um conceito alargado de “acto processual”, de molde a abranger os actos praticados dentro e fora do processo, como contemplou mesmo prazos substantivos, no sentido de alcançar com a sua previsão todas as situações possíveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 109/19.7TELSB-C.P1
Secção Criminal
Conferência
Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Comarca: Porto
Tribunal: Porto/Juízo de Instrução Criminal-J5
Processo: Inquérito (Actos Jurisdicionais) n.º 109/19.7TELSB

Recorrente: “B…, Limited”

Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
1. Por despacho proferido a 28 de Fevereiro de 2019, posteriormente rectificado quanto a lapsos materiais, por despacho proferido a 28/03/2019, no Juízo de Instrução Criminal do Porto-J5, no âmbito do inquérito supra referenciado, então a correr termos na Comarca de Lisboa, no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), a M.ma Juíza de Instrução Criminal, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa-J7, invocando indiciar-se a prática “dos crimes de branqueamento e fraude fiscal” confirmou o bloqueio das operações de débito da conta n.º ……. titulada pela “B…, Limited” no Banco C… a favor de “D…, Limited” ou E…, designadamente a mencionada na promoção respectiva, constante na parte final de fls. 81 verso (fls. 4 verso deste apenso de recurso).
2. No decurso do inquérito foi sendo devidamente confirmada e renovada a aplicação da medida de suspensão temporária de execução de operações de débito sobre a mencionada conta relativamente a transferências especificamente indicadas pelo Ministério Público, bem como a favor das contas tituladas pela própria “B…, Limited” ou por terceiros no “F… Ltd” de …, esta estabelecida por decisão proferida a 17/05/2019.
3. A “B…, Limited” (doravante “B1…”) interpôs recurso da decisão que, a 24/01/2020, renovou por mais 3 meses a aludida medida de suspensão temporária, invocando, entre o mais e no que ao caso interessa, a violação dos pressupostos do art. 49º, da Lei n.º 83/2017, de 18/08 [Lei das Medidas de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo, doravante, abreviadamente, LBCFT], por falta de verificação da exigência de indiciação suficiente para a determinação e a manutenção da medida de suspensão, a sua falta de substrato fáctico sendo impossível ter praticado o crime de fraude fiscal em Portugal e a desproporcionalidade da ordem de suspensão, mas viu a sua pretensão totalmente desatendida, por acórdão proferido, a 14 de Julho de 2020, na 1ª Secção Criminal, deste Tribunal da Relação do Porto, devidamente transitado em julgado (apenso A).
4. De igual modo, interpôs recurso do despacho datado de 14/4/2020, relativo à renovação pelo período de mais três meses, da mencionada medida de suspensão provisória de operações a débito, suscitando várias questões, entre as quais a da caducidade dessa ordem por decurso do prazo de inquérito, ausência de matéria indiciária que permitisse fundar a respectiva manutenção e desproporcionalidade da manutenção com a consequente inconstitucionalidade por violação do direito à propriedade e iniciativa privada, do princípio da presunção de inocência e do direito de obtenção de uma decisão em prazo razoável mas, também aqui, mas viu a sua pretensão totalmente desatendida, por acórdão proferido, a 27 de Janeiro de 2021, nesta 2ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação do Porto (apenso B).
5. No dia 10 de Julho de 2020 foi proferido despacho a renovar, por mais três meses, a aludida medida de suspensão de execução de operações a débito sobre as contas identificadas a fls. 1601 dos autos.
6. Inconformada a “B1…” apresentou requerimento a invocar a irregularidade do mencionado despacho, por violação do disposto no art. 49º, n.º 2, in fine, da LBCFT, pretendendo a sua revogação, com a consequente extinção da medida de suspensão sob pena de manutenção ilegal da medida e proferir um juízo de inconstitucionalidade relativo à interpretação desse normativo, ínsita em tal despacho.
7. Tal requerimento veio, porém, a ser indeferido, por decisão proferida a 26/07/2020.
8. Inconformada com os referidos despachos de 10 e 26 de Julho, a “B1…” interpôs recurso cuja motivação rematou com as seguintes conclusões: (transcrição sem destaques/sublinhados)
1. O presente recurso tem por objeto (i) o Despacho do Tribunal de Instrução Criminal do Porto datado de 10.07.2020, a fls. 1658-1660, que determinou a renovação da medida de suspensão provisória aplicada à conta da B1… no Banco C… por um novo período de 3 (três) meses, e (ii) o Despacho do Tribunal de Instrução Criminal do Porto datado de 26.07.2020, a fls. 1743- 1745, pelo qual se indeferiu a irregularidade suscitada pela B1… quanto ao Despacho em (I).
2. Entende a B1… que o Despacho Identificado em (i) é manifestamente violador do princípio da proporcionalidade e da duração razoável do processo, devendo, nessa medida, ser revogado, e devendo ser ordenada a extinção da medida de suspensão aí renovada; e, em qualquer caso, suplantando-se essa necessidade de revogação, entende a B1… que andou mal o Tribunal a quo ao não determinar a caducidade da medida em causa nos autos, por decurso do tempo, entendendo que o Despacho Identificado em (ii) não interpretou e aplicou corretamente os dispositivos constantes dos artigos 49º, n.º 2 da LBCFT e 276º n.º 3 alínea a) e n.º 5, ambos do CPP; uma correta Interpretação destes preceitos, sempre determinará a necessária extinção da medida de suspensão, com efeitos à data de 26.04.2020.
3. O Despacho Recorrido, datado de 26.07.2020, ao Indeferir a irregularidade arguida pela B1… referente à caducidade da medida de suspensão temporária, encerra uma interpretação ilegal e inconstitucional dos preceitos contidos nos artigos 49º n.º 2 da LBCFT e 276º n.º 3 alínea a) e n.º 5, ambos do CPP, uma vez que foi já atingido o período máximo de inquérito - concretamente, em 26.04,2020 - sem que essa caducidade tenha sido devidamente declarada, sendo mantida a medida em causa, procurando o Tribunal a quo estender a medida desde aquela data, de forma manifestamente ilegal.
a. O inquérito corre contra pessoa determinada (a aqui Recorrente) desde 26.02.2019, tendo sido desde essa data promovida a aplicação da medida de suspensão temporária das operações bancárias acima descritas, a qual foi Judicialmente ordenada em 28.04.2019.
b. O prazo de duração máxima do presente Inquérito é de 14 meses, nos termos do disposto no artigo 276º n.º 3 alínea a) do CPP, pelo que o Inquérito devia ter encerrado em 26.04.2020 (ou 28.04.2020, consoante a contagem seja feita desde o momento da promoção da medida ou do seu decretamento judicial).
c. Nos termos do disposto no artigo 49º n.º 2 da LBCFT, a medida de suspensão não se poderá manter para além do prazo do inquérito, pelo que, in casu, não se poderia manter para além da referida data de 26.04.2020 (ou 28.04.2020).
d. O Tribunal recorrido entendeu que teria existido uma suspensão do prazo máximo de Inquérito, nos termos do n.º 5 do artigo 276º do CPP, uma vez que teria sido expedida uma DEI em 06.12.2019, cuja resposta teria sido obtida em 12.03.2020, pelo que, durante esse período, o prazo em causa teria sido suspenso.
e. Sucede, porém, que a expedição de uma DEI não tem a virtualidade de suspender o prazo máximo de inquérito, uma vez que aquilo que a lei prevê, no citado artigo 276.º n.º 5 do CPP, é a suspensão desse prazo mediante a "expedição de uma carta rogatória" e não de uma DEI, não podendo ser feita uma interpretação extensiva de tal preceito, não só por estarmos em processo penal (onde esse tipo de interpretações não são permitidas), como por ser uma norma excecional, sob pena de violação do princípio da legalidade processual.
f. Nessa medida, nenhuma causa de suspensão do prazo máximo de inquérito sobreveio entre 26.02.2019 (ou 28.02.2019) e 26.04.2020 (ou 28.04.2020), motivo pelo qual o prazo máximo de inquérito foi, de facto, atingido em 26.04.2020 (ou 28.04.2020), devendo ser declara a caducidade da medida de suspensão temporária desde essa data, e a consequente Ilegalidade da manutenção da mesma para além daquele período temporal.
4. A Interpretação do artigo 49.º n.º 2 in fine da LBCFT, resultante do Despacho Recorrido, segundo a qual é permitido manter uma medida de suspensão temporária por um período superior ao prazo de Inquérito (in casu, 14 meses) a contar do momento em que o Inquérito corre contra pessoa(s) determinada(s), é materialmente inconstitucional por contender com o princípio da legalidade, da proporcionalidade ou da proibição do excesso, previstos nos artigos 29º n.º 1 e 3 e 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa ("CRP"), uma vez que comprime de forma Intolerável e excessiva o direito de propriedade da B1…, previsto no artigo 62º n.º 1 da CRP e artigo lº do Protocolo Adicional à Convenção de Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinado em 18.05.1954, foi aprovado em Portugal pela Lei n.º 65/78 de 13.10 ("Protocolo n.º 1").
a. A suspensão do prazo máximo de Inquérito para além das causas de suspensão expressamente previstas na lei, importa uma violação do princípio da legalidade, na sua vertente processual.
b. A medida em causa é uma medida provisória/temporária, que não se compadece com a sucessiva renovação para lá da letra da lei.
c. A medida em causa não se compadece com uma suspensão do prazo em virtude da aplicação da Lei n.º l-A/2020 de 19 de março, uma vez que (i) não esteve suspensa nestes autos, (ii) não está expressamente prevista a sua suspensão em termos legais, (iii) Introduziria uma causa de suspensão que o legislador extraordinário não quis prever.
5. O Despacho Recorrido, datado de 10.07.2020, ao determinar a renovação da medida de suspensão temporária por um novo período de 3 (três) meses, é manifestamente ilegal, porquanto se traduz numa violação do princípio da proporcionalidade (nas suas várias vertentes) e do princípio da duração razoável do processo,
a. O decurso do tempo tornou-se crítico nos presentes autos, não só porque determinados elementos se encontram já esbatidos (v. questão da alegada existência de várias contas da B1…, já desmistificada por esta no seu terceiro requerimento de clarificação) ou até afastados (como a alegada fraude fiscal decorrente dos pagamentos efetuados pelo G… e pelo H…), como por não terem sobrevindo aos autos quaisquer elementos novos que tenham permitido, de alguma forma, reforçar as suspeitas Iniciais do MP - antes pelo contrário pelo que a manutenção da medida é desproporcional, desrazoável e desnecessária.
b. O direito de propriedade privada (artigo 62.º da CRP) da B1… encontra-se a ser restringido desde 26.02,2019, nas suas várias modalidades - i.e., quanto às faculdades/liberdades/direitos de (I) usar e fruir dos bens de que é proprietária, (ii) transmitir os bens de que é proprietária, (iii) o não ser privada dos bens de que é proprietária e, em determinada medida, de (iv) reaver os bens sobre os quais mantém o direito de propriedade - uma vez que a B1… se vê privada de aceder, há 1 (um) ano e 7 (sete) meses, parcialmente à totalidade dos montantes de que é proprietária e que se encontram depositados na única conta bancária com fundos de que é titular, não podendo deles dispor livremente, como decorreria do citado preceito constitucional.
c. Por outro lado, o constrangimento imposto sobre a B1…, com a suspensão das operações bancárias da única conta por si titulada, onde estão depositados todos os seus valores pecuniários, e onde se obstaculiza a execução de transferências bancárias para o seu principal prestador de serviços, comprime, de forma absoluta, a liberdade de iniciativa privada (artigo 61º da CRP) naquele segundo sentido, i.e., imprime uma impossibilidade de exercício da liberdade de gestão e atividade da empresa.
d. Ademais, e a par da violação dos direitos de propriedade privada e à livre iniciativa privada (artigos 62º n.º 1 e 61º n.º 1 da CRP), a renovação da medida de suspensão viola o princípio da proporcionalidade (artigo 18º n.º 2 da CRP), uma vez que descura o justo equilíbrio que devia manter entre aqueles direitos e as necessidades inerentes à Investigação criminal e à manutenção da medida.
e. Tendo em conta que (i) a presente Investigação se iniciou em 26.02.2019 e que logo desde esse momento foi aplicada e mantida (ininterruptamente) a medida de suspensão temporária, (II) a B1… tudo tem feito para colaborar com a investigação e contribuir ativamente para a descoberta da verdade material, (III) a medida de suspensão provisória se mantém ativa há 1 (um) ano e 7 (sete) meses, (iv) que a investigação não tem permitido reforçar a suspeita inicial, e que (v) a B1… se encontra privada de realizar um conjunto substancial de operações bancárias, na conta onde constam todos os valores pecuniários sua propriedade, bem se vê que existe uma afetação do núcleo essencial dos direitos de propriedade e livre iniciativa económica da B1…, incompatíveis com as modalidades do princípio da proporcionalidade.
f. A medida de suspensão aplicada nos autos - e renovada pelo Despacho Recorrido datado de 10.07.2020:
I. É desnecessária, uma vez que existiam outras medidas que permitiram o controlo/vigilância das operações bancárias da B1… sem que lhe fosse aposto um tão grande constrangimento ao exercício do seu direito de propriedade e livre gestão económica;
II. É desadequada (em relação à prossecução dos Interesses da Investigação), sobretudo tendo em conta a provisoriedade que carateriza a medida em causa e as concretas circunstâncias dos presentes autos, designadamente, (i) o tempo já decorrido desde que foi determinada inicialmente; (ii) a manifesta Inexistência de fundamentação para a sua manutenção; (iii) a falta de Indícios em causa; (iv) a não constituição da Recorrente como Arguida, ou, pelo menos, o conhecimento, pela mesma, dos elementos constantes dos autos; e, sobretudo, (v) o prejuízo que a medida está a causar à Recorrente (e até a terceiros), colocando em causa o seu direito de propriedade e o seu direito à iniciativa privada, mormente na vertente de liberdade de organização e gestão da atividade da empresa;
III. É desproporcional em sentido estrito, uma vez que a medida Imposta é muitíssimo mais onerosa do que aquilo que poderia (putativamente) vir a obter-se pela sua manutenção, sobretudo tendo em conta a demonstração da inexistência de indícios da prática de um qualquer crime por parte da B1….
Nestes termos, o despacho recorrido é ilegal por violação do direito constitucional à propriedade privada e à livre Iniciativa privada, e do princípio da proporcionalidade, constantes, respetivamente, dos artigos 62,º n.º 1, 61.º n.º 1 e 18º n.º 2 e n.º 3 ambos da CRP, devendo o mesmo ser revogado, ordenando-se o levantamento da medida de suspensão, sob pena de violação do disposto nos artigos 49.º n.º 2 da LBCFT, 18º n.º 2 e n.º 3, 61º n.º 1 e 62º n.º 1 da CRP, 97º n.º 1 alínea b) e n.º 5 do CPP e artigo l.º do Protocolo n.º 1 da CEDH, aplicável na ordem interna por via do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da CRP.
h.
Ademais, o despacho em causa viola o princípio da duração razoável do processo (artigo 32.º n.º 2 da CRP e 6º n.º 1 da CEDH), uma vez que a fase de investigação se tem arrastado, permanecendo um estado de incerteza sobre a situação jurídica da B1…, sobretudo tendo em causa a manutenção da medida em causa, impedindo assim o direito da B1… a ver a sua causa apreciada (e decidida, quanto à medida em concreto) em prazo razoável.
6. Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser declarada a caducidade da Ordem de suspensão, nos termos acima discriminados; ou, caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sem se conceder, deverá ser ordenada a revogação do Despacho Recorrido datado de 10.07.2020, e o consequentemente levantamento da medida de suspensão, uma vez que a sua manutenção, nesta fase, acarreta uma violação do princípio da proporcionalidade (nas suas várias vertentes) e da duração razoável do processo.
7. Ademais, deverá ser atribuída urgência à decisão do presente recurso.
9. Admitido o recurso, por despacho datado de 9 de Outubro de 2020, respondeu o Ministério Público sufragando a sua improcedência e manutenção do decidido, por entender, em síntese, que: “… os despachos recorridos não incorreram em erro de facto ou de direito, nem violaram qualquer disposição legal”.
10. Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso louvando-se nos fundamentos da resposta aludida.
11. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, respondeu a recorrente insistindo na sua tese.
12. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, que decorreu com observâncias das formalidades legais, nada obstando à decisão.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. É consabido que, para além das matérias de conhecimento oficioso [v.g. nulidades insanáveis, da sentença ou vícios do art. 410º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal], são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [v. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt].
Todavia, o caso em apreço apresenta particularidades que, por contender com o âmbito do recurso, importa desde já esclarecer.
= Questões Incidentais =
§1ª A recorrente “B1…” termina a síntese recursória solicitando a atribuição de urgência à apreciação do recurso.
Ocorre que o processo do qual foi extraído o apenso aqui em causa não reveste natureza urgente, nem o presente recurso se enquadra em qualquer das hipóteses elencadas no art. 103º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
Consequentemente, por ser manifestamente infundada e ilegal, indefere-se a pretensão da recorrente, sendo certo, porém, que tal não impede a tramitação dos autos e a que seja proferido acórdão já que os autos se encontram preparados para o efeito e a tal não obsta a suspensão dos prazos judiciais decretada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1/02, atenta a previsão do seu art. 6º-B, n.º 5, al. a).
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§2ª No âmbito da impugnação deduzida, despois de manifestar a sua discordância relativamente aos fundamentos dos despachos recorridos, sufraga o recorrente que a interpretação do artigo 49º, n.º 2, in fine, da LBCFT, daí resultante, segundo a qual é permitido manter uma medida de suspensão temporária por um período superior ao prazo de Inquérito, é materialmente inconstitucional por contender com os princípios da legalidade, da proporcionalidade ou da proibição do excesso, previstos nos arts. 29º, n.ºs 1 e 3 e 18º, n.º 2, da Const. Rep. Portuguesa, uma vez que comprime de forma intolerável e excessiva o seu direito de propriedade, previsto nos arts. 62º, n.º 1, do mesmo diploma legal, e lº do Protocolo Adicional à Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Esta argumentação assenta na própria tese do recorrente que, ao contrário do Tribunal a quo, entende não ter ocorrido qualquer causa de suspensão do prazo de inquérito em questão.
Consequentemente, a questão de constitucionalidade invocada não se suscita, realmente, visto que o entendimento subscrito na decisão recorrida, nos termos em que se mostra formulada pelo julgador, não comporta a interpretação referenciada pela recorrida, antes se sustentando na tese de que o prazo de inquérito ainda não decorreu totalmente por ter sido objecto de suspensões.
Nestes termos e por inexistência de objecto, tal questão não será apreciada.
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Assim, no caso sub judicio, as questões suscitadas, na sua preordenação lógica, são as seguintes:
a) Caducidade da medida de suspensão temporária de execução de operações de débito bancárias por decurso do prazo de inquérito
b) Violação do princípio da proporcionalidade e duração razoável do processo
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2. O teor das decisões recorridas é o seguinte: (transcrição)
Despacho 10/07/2020
«Investiga-se nos presentes autos a prática de factos suscetíveis de integrar, entre outros, crimes de branqueamento p.p. pelo art° 368-A do Cod. Penal e de fraude fiscal p.p. pelos arts° 103° e 104° do RGIT.
Por despachos judiciais de fls.84,195/196, 562, 574, 892, 1432/1439 foi confirmada a aplicação da medida de suspensão temporária da execução de operações a débito sobre a conta n°……… domiciliada no Banco C… e titulada pela B…, Limited a favor de D…, Limited e/ou E…, nomeadamente as transferências indicadas na promoção de fls.16 00 bem como a favor das contas tituladas pela própria B…, Limited ou por terceiros no F…, Ltd de …, designadamente a indicada na mesma promoção de fls.1600.
Encontram-se ainda em curso diligências que se afiguram essenciais para a prova dos factos e descoberta da verdade material.
Assim, por se afigurar que se mantém necessária, proporcional e adequada para acautelar os fundamentos de facto e de direito que presidiram ao seu decretamento e ao abrigo do disposto no art° 49° n° 1 e 2 da Lei 83/2017 de 18 de Agosto, renova-se a medida de suspensão de execução de operações a débito sobre as contas identificadas a fls.1601 pelo prazo de mais 3 (três) meses.
Notifique como promovido.»
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Despacho 26/07/2020
«B…, Limited vem arguir a nulidade do despacho de fls.1659, argumentando, em súmula, caducidade do mesmo, por se encontrar excedido o prazo do inquérito.
O MP tomou posição no sentido de ser indeferido o requerido.
Cumpre apreciar e decidir
Os presentes autos tiveram início em 26/02/2019.
Sucede que no dia 06/12/2019 (cfr. fls. 815) foi expedida uma decisão europeia de investigação para Espanha, que foi cumprida e devolvida em 12/03/2020 (cfr. fls. 1302).
No dia 29/06/2020 foi expedida nova carta rogatória - cfr. fls. 1597.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 276.º, n.º3, alínea a) e 215.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal, o prazo deste inquérito é de 14 meses, porquanto nos autos se investiga a prática de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368.º-A do Código Penal.
Ora, como muito bem nota o DMMP, nos termos do n.º 5 do artigo 276.º do Código de Processo Penal, em caso de expedição de carta rogatória, o decurso dos prazos previstos nos n.º 1 a 3 suspende-se até à respectiva devolução, não podendo o período total de suspensão, em cada processo, ser superior a metade do prazo máximo que corresponder ao inquérito.
Sendo assim, o prazo de 14 meses terminaria no dia 26/04/2020, mas esteve suspenso entre 06/12/2019 e 12/03/2020, pelo que só terminaria no próximo dia 01/08/2020.
De todo o modo, no dia 29/06/2020 foi expedida nova carta rogatória, pelo que o prazo de inquérito voltou a ficar suspenso.
Atendendo às considerações acabadas de expender e independentemente da suspensão que resultaria das disposições conjugadas dos artigos 10.º da Lei n.º 1- A/2020, de 19 de março, e artigo 5.º da Lei 4-A/2020, de 06 de abril e 6.º-A e 8.º da Lei 16/2020 de 29 de Maio, o prazo regular do presente inquérito apenas terminará após a devolução da rogatória expedida a 29/06/2020, ou seja, no dia 26/11/2020.
Consequentemente, não estando excedido o prazo do inquérito pelos motivos indicados, a decisão de manutenção da suspensão de operações bancárias proferida a 1659 é plenamente válida.
Sendo assim, e sem necessidade de chamar à colação as disposições conjugadas dos artigos 10.º da Lei n.º1-A/2020, de 19 de março, e artigo 5.º da Lei 4-A/2020, de 06 de abril e 6.º-A e 8.º da Lei 16/2020 de 29 de Maio, impõe-se concluir que ainda está a decorrer o prazo de inquérito, pelo que se indefere o requerido pela B…, Limited.
Notifique.»
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3. Apreciação do mérito
3.1 Da caducidade da medida de suspensão temporária de operações de débito
Consoante resulta do exposto, a recorrente “B1…” sustenta a sua discordância relativamente à renovação da medida de suspensão temporária de operações de débito bancário, decretada no despacho recorrido de 10 de Julho e mantida pelo despacho de 26 de Julho seguinte que indeferiu a nulidade suscitada relativamente ao primeiro, no entendimento de que o prazo de inquérito já se esgotara na altura, por virtude de não ter ocorrido qualquer causa de suspensão.
Diversamente, o tribunal a quo conclui que o prazo de inquérito ainda não se esgotou por virtude da ocorrência de várias suspensões decorrentes da remessa de DEI, carta rogatória e Lei n.º 1-A/2020, de 19/03.
Vejamos, então.
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3.1.1 Com interesse para a resolução do diferendo jurídico, importa ponderar as seguintes circunstâncias, a propósito das quais existe sintonia:
a) De harmonia com a previsão do art. 49º, n.º 2, da LBCFT, a suspensão temporária da execução de operações bancárias é decretada por período não superior a três meses, mas pode ser renovada dentro do prazo do inquérito.
b) O inquérito aqui em causa corre termos, relativamente a pessoa determinada, desde 26 de Fevereiro de 2019;
c) À data em que foram proferidos os despachos recorridos o prazo de duração máxima do inquérito a ter em conta era de 14 (catorze) meses, nos termos e por força das disposições conjugadas dos arts. 276º, n.ºs 1 e 3, al. a) e 215º, n.º 2, al. e), do Cód. Proc. Penal;
d) No dia 6 de Dezembro de 2019 foi, nos autos, expedida uma decisão europeia de investigação (doravante DEI), para Espanha, que foi cumprida e devolvida a 12 de Março de 2020;
e) No dia 29 de Junho de 2020 foi expedida uma carta rogatória à Justiça da Suíça cujo estado não resulta dos presentes autos de recurso mas que, atentos os elementos disponíveis e teor das várias peças processuais, necessariamente, se encontrava pendente tanto à data em que foi proferido o segundo despacho recorrido como àquelas em que foram apresentados o recurso (30/09/2020) e respectiva resposta do Ministério Público (25/11/2020).
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3.1.2 A discordância primordial do recorrente relativamente à solução defendida no segundo despacho recorrido situa-se na convergência aí estabelecida entre carta rogatória e decisão europeia de investigação, com vista ao desiderato consagrado no n.º 5, do art. 276º, do Cód. Proc. Penal, cujo teor é o seguinte: “Em caso de expedição de carta rogatória, o decurso dos prazos previstos nos n.ºs 1 a 3 suspende-se até à respectiva devolução, não podendo o período total de suspensão, em cada processo, ser superior a metade do prazo máximo que corresponder ao inquérito”.
Tanto assim que se considerou suspenso o prazo de inquérito desde 06/12/2019 a 12/03/2020, período correspondente ao da expedição, cumprimento e devolução de uma DEI.
Tal conclusão não apresenta fundamentação autónoma de suporte, havendo apenas uma vaga remissão para a antecedente promoção do Ministério Público onde tal solução foi propugnada com base em duas linhas de argumentação, aliás reiteradas na resposta ao recurso, que se resumem ao seguinte:
i) A carta rogatória e a DEI são instrumentos de comunicação entre serviços de justiça e entre autoridades judiciárias transnacionais, com vista à prática de actos processuais no estrangeiro, apenas divergindo a denominação por virtude da primeira estar consagrada no art. 111º, n.º 3, al. b), do Cód. Proc. Penal, e a segunda ter sido estabelecida em diploma de cooperação judiciária internacional, densificando uma designação comum a vários Estados;
ii) Ainda que assim não se entendesse haveria de realizar-se uma interpretação actualista do art. 276º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal, nos termos do art. 9º, n.º 1, do Cód. Civil, de molde a considerar-se que a expedição de uma DEI seria apta a actuar como causa de suspensão do prazo de inquérito pois que, a criação de um instrumento especial de cooperação judiciária internacional, até aí abarcado por Convenções e Tratados executados através de carta rogatória, assim o imporia; e, depois, porque o citado art. 276º, n.º 5, foi introduzido pela Lei n.º 26/2010, de 30/08, não tendo sofrido qualquer alteração, pelo que o legislador não poderia prever que, sete anos depois, iria ser criado um instrumento de cooperação judiciária internacional com natureza idêntica mas designação específica.
Reconhecendo-se o esforço argumentativo, ao mesmo não logramos aderir porquanto, embora exista alguma similitude de fins entre cartas rogatórias e DEI, aquelas têm um âmbito e finalidades bem mais extensos e complexos, não se limitando à realização, a pedido do Estado de Emissão pelo Estado de Execução, de uma ou várias medidas específicas de investigação tendo em vista a recolha de elementos de prova[1], sendo também diversos os trâmites de aceitação e cumprimento de ambas.
Depois, sendo certo que à data da vigência do n.º 5, do art. 276º, na redacção introduzida pela referida Lei n.º 26/2010, o mecanismo internacional designado por DEI ainda não tinha existência jurídica, é também incontestável que outros instrumentos jurídicos de natureza similar já eram acolhidos em diplomas relativos à cooperação judiciária internacional (v.g. execução das decisões de apreensão de elementos de prova, prevista na Lei n.º 25/2009, de 05/06, entretanto, revogada pela Lei n.º 88/2017), sem que o legislador os tenha considerado para efeitos de suspensão do prazo de inquérito.
Mais acresce que a pretendida interpretação actualista não se compagina harmonicamente com a circunstância do legislador, entre Agosto de 2017 e Agosto de 2020, ter introduzido variadas alterações a normas do Código de Processo Penal, mas deixando sempre intocado o controvertido n.º 5, do art. 276º.
Depois, estando em causa norma de carácter excepcional, com efeitos não só de ordem processual mas também substancial [pelo reflexo nos direitos, liberdades e garantias dos sujeitos processuais] também não se afigura viável sustentar uma interpretação actualista, necessariamente extensiva do seu teor, de modo a albergar a DEI (e consequentemente outros instrumentos de cooperação judiciária internacional) como causa de suspensão do prazo de inquérito.
Por fim - mas não menos importante – interessa recordar que as cartas rogatórias, pelas imbrincadas especificidades de aceitação e cumprimento, exigem um elevado grau de actos burocráticos e intervenção de distintas autoridades dos Estados de emissão e execução, o que condiciona negativamente a sua rapidez e eficiência, sendo instrumentos de reconhecida morosidade, sendo essa a característica primordial que serve de esteio à introdução da suspensão dos prazos de inquérito prevista no art. 276º, n.º 5.
Quer dizer: É o reconhecimento de que a necessidade de lançar mão de carta rogatória se constitui, em regra, como grave obstáculo à celeridade processual, sendo previsível a ocorrência de delongas prolongadas e incidentes no curso normal da tramitação processual do inquérito, alheias à vontade do seu titular e demais intervenientes, que justifica, em situações dessa natureza, a suspensão do prazo de duração máxima.
Ora, as DEI constituem uma nova abordagem na recolha de prova no âmbito da criminalidade transfronteiriça, criando um sistema mais simples, com transmissão directa pela autoridade de emissão à autoridade de execução e comunicação também directa entre ambas (v. art. 13º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 88/2017) e prazos limite curtos (v.g. decisão de reconhecimento no prazo máximo de 30 dias e execução da DEI no prazo máximo de 90 dias a contar dessa decisão, nos termos do art. 26º, n.ºs 1 e 2, prevendo-se ainda no número seguinte a possibilidade da autoridade de emissão declarar a necessidade de cumprimento em prazo mais curto verificando-se determinadas circunstâncias, o que deverá ser atendido pela autoridade de execução, na medida do possível), tudo para garantir que a cooperação em matéria penal entre os Estados aderentes seja rápida, eficaz e coerente.
Neste conspecto, é manifesto que as DEI se constituem como instrumento de superação das dificuldades e lentidão características do sistema baseado na emissão de cartas rogatórias, razão que determina o afastamento da associação que o Ministério Público e, por consequência, a decisão recorrida, realizam entre ambos os instrumentos para justificar a inscrição das primeiras também como causa de suspensão, olvidando que esta foi determinada pelo reconhecimento da lentidão e demora excessiva que o cumprimento da carta rogatória, em regra, pressupõe, requisito intrinsecamente contraditório com a génese e regime de tramitação das DEI[2].
Assiste, pois, razão ao recorrente neste segmento recursório.
Todavia, tanto não basta para considerar esgotado o prazo máximo de duração do inquérito sendo necessário apreciar as demais causas de suspensão referenciadas no despacho recorrido (2º)[3].
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3.1.3 Já anteriormente se estabeleceu que o inquérito corre termos, relativamente a pessoa determinada, desde 26 de Fevereiro de 2019, sendo de 14 meses o seu prazo de duração máxima, pelo que, em regra, o termo seria atingido a 26 de Abril de 2020.
No entanto, importa ponderar que, por força do estado pandémico resultante da doença COVID 19 ocorreu a suspensão dos prazos processuais.
Com efeito, a Lei n.º 1-A/2020, publicada no 3º suplemento do DR, 1ª Série, de 19 de Março, dispôs no seu art. 7º, n.º 1, que «Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
E, estabeleceu no seu n.º 3 que “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos”, acrescentando no n.º 4 seguinte que tal disposição prevalecia “sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional.
A previsão do art. 7º, n.º 1, veio a ser alterada pelo art. 2º, da subsequente Lei n.º 4-A/2020, de 06/04, aí se exarando agora que: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte”.
Neste conspecto, é por demais evidente que o citado diploma legal não só densificou um conceito alargado de “acto processual”, de molde a abranger os actos praticados dentro e fora do processo, como contemplou mesmo prazos substantivos, no sentido de alcançar com a sua previsão todas as situações possíveis.
Por seu turno, sendo expressa a declaração de excepcionalidade de tal lei transitória e prevalência sobre outros regimes estabelecidos a propósito de prazos de caducidade, como é o caso do n.º 2, do art. 49º, da LBCFT, não se vislumbra, nem a recorrente o explicita, por que razão não havia de ser aplicável à hipótese dos autos.
De harmonia com a previsão do art. 10º, da Lei n.º 1-A/2020, as respectivas disposições produzem efeitos «à data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março», ou seja a 9 de Março de 2020, de harmonia com a norma interpretativa introduzida no art. 5º e previsão do n.º 2, do art. 6º, da Lei n.º 4-A/2020, cujo teor é o seguinte:
Art. 5º
Norma interpretativa
O artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, deve ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de Março de 2020, prevista no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, para o início da produção de efeitos dos seus artigos 14.º a 16.º, como a data de início de produção de efeitos das disposições do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.
Art. 6º
Produção de efeitos
1 - (…).
2 - O artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção introduzida pela presente lei, produz os seus efeitos a 9 de Março de 2020, com excepção das normas aplicáveis aos processos urgentes e do disposto no seu n.º 12, que só produzem efeitos na data da entrada em vigor da presente lei.
Consequentemente, a 9 de Março de 2020 suspendeu-se o prazo de 14 meses relativo à duração máxima do inquérito e atinente prazo de caducidade da medida de suspensão de execução de operações de débito confirmada e renovada nos autos.
Tal suspensão veio a terminar no 5º dia seguinte ao da publicação da Lei n.º 16/2020, de 29/05, ou seja a 3 de Junho de 2020 (data da entrada em vigor de harmonia com a previsão do seu art. 10º), por virtude da revogação do aludido art. 7º, da Lei n.º 1-A/2020, na redacção actual, decorrente do art. 8º, e da estatuição da cessação da suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, constante do art. 6º, aqui se acrescentando que: “os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão”.
Quer isto dizer que ao prazo de 14 meses anteriormente estabelecido como sendo o de duração máxima da manutenção da controvertida medida de suspensão temporária de execução de operações de débito, por ser o equivalente ao do inquérito, tem que adicionar-se o período de 2 meses e 25 dias correspondente à suspensão do prazo que operou entre 9 de Março e 3 de Junho de 2020, com o resultado de 16 meses e 25 dias.
No entanto, a tal causa de suspensão somou-se uma outra, nos termos do art. 276º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal, decorrente da emissão de carta rogatória à Justiça da Suíça, a 29 de Junho de 2020, cujo termo se desconhece mas que se mantinha à data em que foi proferido o 2º despacho recorrido (26 de Julho)[4], impondo-se a conclusão que, não tinha decorrido integralmente e, por consequência, não estava esgotado o prazo de inquérito[5], tendo que soçobrar a pretensão da recorrente no tocante à caducidade da medida decretada nos autos.
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3.2 Da violação do princípio da proporcionalidade e duração razoável do processo
Sufraga a recorrente “B1…” que a decretada renovação da medida de suspensão temporária por um novo período de 3 meses é manifestamente ilegal, porquanto traduziria a violação dos princípios da proporcionalidade e da duração razoável do processo.
Na sustentação da sua tese faz apelo ao tempo decorrido - alegando estarem esbatidos determinados elementos e não terem sobrevindo aos autos quaisquer elementos novos que reforçassem as suspeitas iniciais - e à restrição do seu direito de propriedade e livre iniciativa económica que obsta à realização de um conjunto substancial de operações bancárias, na conta onde constam todos os valores pecuniários sua propriedade.
Mais acrescenta que a medida de suspensão é desnecessária por existirem outras medidas que permitiriam o controlo/vigilância das suas operações bancárias e desadequada, atento o lapso de tempo decorrido, a manifesta inexistência de fundamentação da sua manutenção, a falta de indícios em causa, a sua não constituição como arguida e o prejuízo que lhe está a causar.
E, finaliza invocando a desproporcionalidade em sentido estrito, ou seja concluindo que a medida imposta é muitíssimo mais onerosa do que aquilo que poderia vir, putativamente, a obter-se pela sua manutenção.
Pese embora o diverso enquadramento e sistematização desta questão, percorridas as anteriores decisões já proferidas nos autos por este Tribunal ad quem e condensadas nos apensos A e B, facilmente se intui que toda esta matéria já foi invocada e considerada improcedente.
Desde logo, continua a recorrente “B1…” a insistir na questão da insuficiência indiciária e do reforço probatório das suspeitas, bem como da falta de fundamentação da medida de suspensão confirmada e renovada, quando nenhuma delas tem razão de ser.
Na verdade, percorrendo o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 14 de Julho de 2020 (apenso A) e disponibilizado no presente apenso de recurso, aí se concluiu e esclareceu que a suspensão confirmada (e sucessivamente renovada), «constituindo uma medida temporária preventiva e para efeitos de obtenção de prova na investigação de atividade criminosa, cabe referir que a lei em questão nos arts. 47º e 48º não exige forte indícios ou sequer uma base de indiciação na aferição da medida que está a ser apreciada, antes prevendo cenários de suspeita e de conhecimento por parte das autoridades de investigação de operações suspeitas. Como refere o MºPº na sua resposta, a lei n.º 83/2017 somente no art. 49º nº 6 para a medida de maior envergadura do congelamento de fundos exige que se encontre indiciado que os fundos “são provenientes ou estão relacionados com a prática de actividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima.”
Dos autos, não obstante a argumentação da resposta da arguida ao Parecer, estando o inquérito a correr os seus termos, se é verdade que a lei não exige indícios, contudo já supõe a suspeita, para que se considere justificada a adopção da suspensão temporária de movimentos.
Em investigação estarão avultadas quantias cuja deslocação para outra conta se pretendia em Offshore, assim como a transferência de montantes para a D…, Limited, existindo até indícios de se trata de operações menos claras, integradoras de condutas de branqueamento de capitais.
(…)
Compulsados os autos verifica-se que o carácter suspeito destas movimentações permanece ativo na presente investigação, relativamente a comportamentos branqueadores desses montantes, e até da suposta artificialidade na criação e facturação da sociedade D…, e dos dinheiros para esta transferidos pela arguida (operações todas elas alegadamente inseridas nos procedimentos do branqueamento de capitais). Sobre a origem ilícita dos montantes em causa, ou seja, sobre o delito de onde provieram os valores (cujos movimentos agora são suspeitos), as suspeitas derivam de um processo de inquérito sobre fraude fiscal que corre termos em Espanha, e se essas suspeitas não se mostram densificadas, o certo é que a lei (contrariamente ao que é sustentado pela arguida na resposta ao parecer do MºPº) não obriga que os autos se densifiquem com mais suspeitas e com indícios para que a medida de suspensão temporária de movimentos a débito permaneça (embora a vocação de qualquer inquérito crime é apurar o que se suspeita, densificando-se os indícios; ou proceder ao arquivamento por as operações bancárias virem a ser justificadas). Na apreciação da renovação a medida é revogada quando a suspeita que a sustentava é infirmada ou deixa de existir. Será a superveniência desse pressuposto negativo (ou seja, a hipótese das suspeitas deixarem de existir ou serem infirmadas) a principal razão para o legislador determinar ciclos de revisão relativamente curtos, de três em três meses. Diversamente, se permanecerem as suspeitas, a medida de suspensão, em tese, tem a potencialidade de continuar a vigorar. No caso dos autos verifica-se que permanecendo o grau das suspeitas, e não ocorrendo elementos que diminuam essas suspeitas, por ora, não se encontra justificada a pretensão da arguida recorrente em ver finda a medida de suspensão temporária dos movimentos a débito».
Por seu turno, as questões relativas à suspeita fundada, violação do direito de propriedade e desproporcionalidade da medida foram igualmente suscitadas, apreciadas e decididas no âmbito do Apenso B, por acórdão, proferido a 27/01/2021, onde, a propósito, se pode ler o seguinte:
«Efectivamente, como ali se argumenta, “dos artigos 47.º n.º 1 e 48.º, n.º 1 resulta que o fundamento para a decisão de suspensão é o conhecimento ou a SUSPEITA da operação bancária poder estar associada a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo.
O n.º 6 do artigo 49.º exige a INDICIAÇÃO de que os fundos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima, apenas para a determinação do seu congelamento.
No momento de determinação da ordem de suspensão, em que não existe nenhuma investigação, não pode ser exigido mais do que um juízo de suspeição, sob pena de destituir de qualquer sentido útil o instrumento jurídico ali criado.
Numa fase ulterior, reunidos elementos probatórios que sustentem uma indiciação da proveniência dos fundos, poderá ser decidido o seu congelamento. Ou, obviamente, findo o inquérito ou o prazo deste sem que seja possível sustentar esta indiciação, terá de ser declarada cessada a ordem de suspensão.”.
A circunstância de o fundamento para a decisão de suspensão residir unicamente na suspeita da operação bancária poder estar associada a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas, ou com o financiamento do terrorismo, tem sido uniformemente acentuada pela jurisprudência nacional[7].
(…)
Como é assinalado no despacho/promoção datado de 13/3/2020, as causas que fundam a ordem de suspensão de operação bancária não são a prática de um crime de fraude fiscal em Portugal, já que, por um lado, a maior parte dos movimentos credores na conta bancária em questão tiveram origem fora do país (num banco suíço) e, por outro, encontra-se demonstrada a licitude do crédito que teve origem em Portugal (pagamento do G…). Contudo, foi ali salientado que “a transferência de £530.000,00 para a D… indicia que a B… quer “dar” a E… fundos sem qualquer causa justificativa. Esta conduta, somada à sua tentativa de transferir 4.000.000,00€ para um paraíso fiscal, fundam o indício de que a B… quer, por um lado, fabricar uma justificação para levar às mãos de E… dinheiro lícito e, por outro, ocultar um rendimento de 4.000.000,00€.”.
Esta conduta permite ao MP alicerçar a conclusão de que a origem daqueles fundos é ilícita, não só porque se indicia que a recorrente pretende ocultar 4.000.000,00€, mas também porque necessita de construir um esquema que aparente justificar a passagem de dinheiro para E….
Relativamente ao crime de fraude fiscal precedente, e muito embora não se exija a verificação de fortes indícios da sua ocorrência para que a medida em causa seja ordenada ou mantida, é de notar que a recorrente encontrava-se a ser investigada, em Espanha, pela prática do crime de fraude fiscal – sendo este o crime precedente do crime de branqueamento em investigação nos presentes autos 23. De resto, há já notícia no processo de ter sido deduzida acusação pelas autoridades judiciárias espanholas contra a recorrente B… pela prática de um crime de fraude fiscal praticado nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016 – o que, naturalmente, contribui para reforçar as fortes suspeitas de ocorrência de actividade ilícita, sempre invocadas pelo Ministério Público e já verificadas por altura da prolação do despacho recorrido, traduzida no crime de branqueamento de capitais em investigação.
As suspeitas invocadas pelo MP encontravam-se devidamente fundadas e objectivamente suportadas nos elementos constantes dos autos, já antes da prolação da decisão recorrida…
(…)
Como já fizemos notar, a medida de suspensão temporária da execução de operações a débito das contas bancárias é uma medida de natureza preventiva e repressiva, nomeadamente de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita, o que só pode ser alcançado de forma eficaz com medidas próprias, como a decretada, de forma a evitar que o agente faça desaparecer os valores detectados, nomeadamente através de transferências internacionais facilmente exequíveis, em particular quando podem estar em causa agentes experientes em actividades económico-financeiras internacionais.
Compreende-se, assim, que não seja exigida a constituição de arguido, pois não está em causa uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, mas antes um instrumento do regime específico de obtenção de prova instituído para superar alguns pontos de bloqueio na investigação da criminalidade económico-financeira organizada, como é salientado no acórdão do TRL de 7/5/2019 (relatado por Vieira Lamim e disponível em www.dgsi.pt).
Daí que, considerando a fase processual em que a medida é decretada, de recolha de prova, anterior à constituição de arguido e com uma exigência de indiciação inferior, não se reconhece a alegada violação do princípio da presunção de inocência (art.º 32, nº 2, CRP), pois não existe sequer arguido constituído, em relação ao qual possa ser dirigido qualquer juízo de culpabilidade[9], e as restrições aos direitos da visada B1… estão justificadas pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade[9].
Com efeito, caso a conta bancária onde se encontra depositada não fosse objecto de medida de suspensão de operação financeira determinada ao abrigo do disposto no art.º 49.º da Lei n.º 83/2027, de 18 de agosto, a quantia monetária poderia ser rápida e totalmente dissipada, ficando definitivamente fora do alcance da justiça e permitindo-se a consumação do crime de branqueamento.
Deste modo, reconhecendo-se como fundada a suspeita do dinheiro em causa ter origem ilícita, é indiscutível a necessidade da medida decretada, não só para obstar à consumação do crime de branqueamento de capitais, mas também porque, como é salientado no acórdão do TRL de 7/5/2019, para a investigação deste crime de branqueamento é essencial a investigação dos movimentos financeiros realizados.
O valor da Justiça, o combate e a perseguição aos movimentos financeiros de proveniência ilícita, designadamente transferências de dinheiro, sobrepõem-se aos eventuais prejuízos causados pela suspensão da movimentação de contas bancárias[10].
De resto, nem os prejuízos invocados pela recorrente impressionam, considerando que a ordem de suspensão de operações bancárias que se encontra em execução nos presentes autos apenas impede a recorrente B1… de realizar transferências para sociedade D…, Limited, para o seu director E… e, ainda, para o F…, Ltd, em … (reconhecido paraíso fiscal). Com excepção destes destinos, a recorrente é livre de dispor dos fundos que tinha na conta bancária em questão e pode ainda cumprir os compromissos alegadamente assumidos com a D…, Limited, recorrendo aos fundos comprovadamente existentes em outras contas bancárias sediadas na Europa, que indicou ao G… e ao H… para proceder ao pagamento das segundas tranches dos seus créditos (fls. 637/639 e 749/753), como se assinala no primeiro segmento do despacho proferido pelo TIC a 14/4/2020.
Em suma, a recorrente mantém os poderes de disposição dos fundos existentes na conta bancária por si titulada no Banco C…, estando apenas impedida de transferir dinheiro para um paraíso fiscal, para a sociedade D… e respectivo director. E pode, para além disso, socorrer-se de outras contas bancárias para proceder a pagamentos que tenham por destinatária a referida sociedade.
Considerando ainda a complexidade do caso em investigação, em face da sua natureza transnacional, e a dispersão de elementos probatórios por vários países, a renovação da medida decretada no despacho recorrido, além de necessária, apresenta-se como proporcional, pois a restrição que a mesma implica aos direitos da recorrente terá de ser considerada como inferior aos valores que com ela se pretendem assegurar (realização da justiça em relação a criminalidade económico-financeira).
Concluímos, assim, que a ordem de abstenção de movimentos bancários concretamente determinada obedece a critérios de idoneidade, necessidade e proporcionalidade, mostrando-se perfeitamente razoável a restrição dela decorrente na esfera dos direitos fundamentais da visada B1… para adequada salvaguarda de interesses públicos relevantes relacionados com a realização da justiça (art.º 18.º, n.º 2 da CRP), tanto mais que é elevado o grau de suspeita quanto à ilicitude das operações bancárias cuja efectivação se visou impedir, afigurando-se, por outro lado, reduzido o dano potencialmente causado com a manutenção da medida.
Finalmente, se é verdade que a investigação nos presentes autos se tem revelado menos célere[11] do que, pelo menos, a recorrente desejaria, em caso algum se pode falar em violação do seu direito a uma decisão em tempo razoável, tanto mais que a decisão objecto do recurso em análise foi proferida ainda no decurso do prazo normal do inquérito – e contendo-se, para além disso, a subsistência da medida de suspensão provisória nos limites do prazo máximo do inquérito, como atrás fizemos notar -, não se afigurando, por isso, e á face da lei, tardia ou extemporânea.»
Estes considerandos mantêm perfeita actualidade e, por conseguinte, a eles aderimos e aqui damos por reproduzidos, não tendo a recorrente invocado qualquer alteração superveniente que justifique posição autónoma ou diversa, sendo certo que o lapso temporal que mediou entre os despachos recorridos naquele apenso B e neste apenso de recurso C é diminuto se atentarmos que grande parte decorreu no período de suspensão dos actos processuais instituído por força da doença COVID 19, restando pouco mais de 1 mês de tempo útil relativamente ao primeiro despacho recorrido e não chegando aos dois meses mesmo quanto ao despacho restante.
*
Mercê de ter decaído quanto ao recurso que versou o primeiro despacho, a recorrente deverá suportar as inerentes custas, tendo-se como adequado, em virtude do correspondente labor exigido, fixar em quatro UC a respectiva taxa de justiça - cfr. 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a este Anexa.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto negar provimento ao recurso de “B…, Limited” que incidiu sobre o despacho de 10 de Julho e conceder parcial provimento ao recurso relativo ao despacho datado de 26 de Julho, mantendo o decidido quanto ao facto de, então, ainda estar a decorrer o prazo de inquérito, embora por razões não inteiramente coincidentes com as que aí se explanaram.
*
Custas pela recorrente “B1…” (recurso 1º despacho), com 4 (quatro) UC de taxa de justiça.
*
[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, n.º 2, do CPP[12]]

Porto, 10 de Março de 2021
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
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[1] A Lei n.º 88/2017, de 21/08, que transpôs a Directiva 2014/41/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 03/04/2014, dispõe no seu art. 2º, n.º 1, que: «A DEI é uma decisão emitida ou validada por uma autoridade judiciária de um Estado membro da União Europeia para que sejam executadas noutro Estado membro uma ou várias medidas de investigação específicas, tendo em vista a obtenção de elementos de prova em conformidade com a presente lei».
[2] Aliás, o melhor exemplo dessa celeridade é precisamente o da DEI aqui em causa, expedida a 06/12/2019, cumprida e devolvida a 12/03/2020, ou seja pouco mais de 3 meses depois.
[3] Sendo certo que o tribunal ad quem é livre na apreciação do direito aplicável relativamente às questões suscitadas.
[4] E mesmo quando foi interposto o recurso que ora se aprecia e respectiva resposta do Ministério Público, esta apresentada em juízo a 25/11/2020).
[5] Considerando a data do início do prazo - 26/02/2019 e a data em que teve início a última suspensão (29-06-2020), a qual se mantinha quando foi proferido o 2º despacho recorrido - facilmente se constata que, dos aludidos 16 meses e 25 dias, resultantes do alargamento do prazo de caducidade, consagrado na Lei n.º 16-A/2020, nos moldes supra esclarecidos, apenas tinham decorrido 16 meses e 3 dias.
[6] Sublinhado nosso, bem como todos os demais insertos nos segmentos decisórios transcritos.
[7] Proferidos pela Relação de Lisboa, veja-se, entre outros, os acórdãos de 10/1/2012 (Neto de Moura), 14/2/2019 (Cristina Santana), 7/5/2019 (Vieira Lamim), 20/11/2019 (Cristina Almeida e Sousa), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. Provenientes deste Tribunal da Relação do Porto, os acórdãos de 21/6/2017 (João Pedro Nunes Maldonado) e de 14/7/2020 (Nuno Pires Salpico), igualmente consultáveis em www.dgsi.pt.
[8] É de notar que a visada B1…, ora recorrente, sempre viu garantido durante o processo em curso o exercício efectivo do seu direito de defesa, como se pode constatar pela apresentação de múltiplos requerimentos visando, designadamente, a revogação da medida decretada e a junção aos autos de vasta prova documental, que mereceu detalhada análise pelo MP. Não se descortina, por outro lado, qualquer exigência de prova diabólica dirigida à recorrente, como esta protesta ter sucedido. Simplesmente, a leitura dos indícios (ou das simples suspeitas) feita pela recorrente e pelo MP/JIC a partir dos elementos probatórios constantes do processo é diametralmente oposta.
[9] Neste sentido, cfr. o acórdão do TRL de 7/5/2019, já citado, e ainda o acórdão do TRL de 6/10/2020 (Paulo Barreto), igualmente disponível em www.dgsi.pt.
[10] Neste sentido, cfr. o acórdão do TRL de 6/10/2020 (Paulo Barreto), in www.dgsi.pt.
[11] A que, seguramente, não terá sido alheia a dificuldade de obtenção de prova em contexto transnacional e, para além disso, de pandemia, com todas as restrições, obstáculos e atrasos daí advenientes.
[12] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por opção pessoal da relatora.