Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOSÉ QUARESMA | ||
| Descritores: | CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE REPRESENTAÇÃO LEGAL DE OFENDIDO MENOR DE 16 ANOS | ||
| Nº do Documento: | RP202510291919/23.6PIPRT-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/29/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Em inquérito pela prática recíproca, entre progenitores, de crimes de violência doméstica - entre ambos mas, também, separadamente, relativamente aos filhos menores - não pode a progenitora assumir a qualidade de assistente em representação dos filhos, ainda que argumente fazê-lo apenas quanto aos factos imputados ao progenitor. II - Atenta a sua incapacidade em razão da idade, a representação dos menores não pode ser assegurada por um dos progenitores que, mais do que mero auxiliar ou comparticipante nos factos com relevância criminal é, também ele(a), autor(a), sendo inconcebível, por natureza, uma representação a la carte apenas direcionada para factos selecionados ou selecionáveis. III - A qualidade de ofendido, que assiste aos menores, é compreensiva e extensível a todos os factos em investigação e não, de forma compartimentada, apenas relativamente aqueles em que a progenitora não participa. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 1919/23.6PIPRT-A.P1 Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. I.1 Nos autos de inquérito n.º 1919/23.6PIPRT, foi praticado ato jurisdicional (Ref.ª 473134405), no Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 5, consistente na admissão da intervenção de AA como assistente, por si e em representação dos menores ofendidos BB e CC. * I.2Não se conformando com o decidido, veio o arguido DD, que havia deduzido oposição ao pedido de constituição de assistente, apresentar o presente recurso (Ref.ª 43115569), referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve: 1. Em 15/05/2025, veio AA (arguida e tida como ofendida no processo) requerer a sua constituição como assistente, por si e em representação dos seus (e do recorrente) filhos menores, CC e BB. 2. Tal requerimento mereceu a oposição do recorrente, na parte referente à representação dos menores. 3. Para surpresa do recorrente, veio o Tribunal a quo, por despacho de 18 de Junho de 2025 (ref. 4733150001), aqui recorrido, a deferir na íntegra o pedido de AA, admitindo-a a intervir como assistente, também em representação dos seus filhos, num processo em que esta é investigada e foi constituída arguida por práticas consubstanciadoras do crime de violência doméstica CONTRA eles! 4. Não se compreende, pois, a posição posteriormente assumida pelo MP, de não oposição à pretensão de AA, de constituição como assistente por si e em representação dos seus filhos menores, nada tendo acontecido que justificasse qualquer alteração da percepção da autoridade judiciária competente para a investigação relativamente aos factos que compõem o objecto do processo. 5. Sendo certo que tal posição – de não oposição – parece ter mesmo “iludido” o Tribunal a quo, ou criado confusão, face à real “história” do processo e ao seu objecto, levando a que se tomasse uma decisão desgarrada da realidade e da prova, além de contrária à lei. 6. Note-se que a factualidade imputada ao recorrente em nada atinge, mesmo que em abstracto, bens jurídicos titulados pelos menores (a saber, e por referência ao crime de violência doméstica hipoteticamente em causa nos autos: a sua saúde física e/ou psíquica), de modo que não podem estes ser tidos como ofendidos relativamente a comportamentos atribuíveis ao seu pai. 7. Por conseguinte, não pode AA ser admitida a constituir-se assistente nos autos em sua representação legal – limitando-se a sua legitimidade para intervir como assistente à sua condição (pessoal) de ofendida, por conta dos factos que pessoalmente (e supostamente) a vitimizaram. 8. Mas mais, e sobretudo: está vedado por lei à requerente AA a sua constituição como assistente em representação dos filhos BB e CC, porquanto ela própria se encontra indiciada nos autos de exercer violência contra os referidos menores. 9. Com efeito, consoante dado a conhecer na Denúncia e no Aditamento apresentados pelo recorrente, ambos os filhos do casal foram objeto de maus tratos às mãos da arguida AA, em várias ocasiões (vide pontos 19, 45 a 55, 58 a 68, 69 a 75, 76 a 81, 82 a 90, 94 a 98, 99 a 102, 103 e 104, 119 a 124, 125 a 136, 144 e 145, 147 a 150, 151 a 158 da denúncia; e pontos 1 a 4, 6 a 14, 15 a 18, 20 a 21, 22 a 26, 27, 28 a 32, 33 a 35 do aditamento). 10. O grosso desses episódios foi relatado e confirmado por CC aquando do seu depoimento testemunhal para memória futura – no qual, sublinhe-se, nada foi descrito que pudesse configurar um comportamento ilícito do seu pai contra si ou contra o irmão BB. 11. Certo é que, independentemente do que se venha a decidir relativamente ao relevo criminal da conduta do recorrente, AA se encontra a ser investigada nestes autos pela prática, contra os seus filhos menores, de crimes de violência doméstica. 12. Ao ser assim, e considerando a parte final da al. d), do n.º 1, do art. 68.º do CPP (“salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime”), é evidente que não tem legitimidade para intervir no processo como assistente, em representação deles, ainda que por referência a factos imputados a terceiro. 13. A imputação directa de uma conduta criminosa, vitimizando os menores, é por natureza incompatível com a essência da figura do assistente, que assume a posição de colaborador do Ministério Público e de salvaguarda dos interesses legítimos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (interesses próprios ou de terceiros que lhes incumbe proteger). 14. Não se pode deixar nas mãos de quem maltrata a tutela dos interesses das mesmas vítimas, ainda que por referência a comportamentos (alegadamente) criminosos de outrem. 15. Dessa sorte, não está a requerente AA legalmente autorizada a intervir no processo na qualidade de assistente como representante legal dos menores BB e CC – que nem tampouco o é, face ao regime de responsabilidades parentais em vigor. 16. Impõe-se, por isso, a revogação do despacho recorrido, na parte em que admitiu a requerente AA a constituir-se assistente em representação dos menores, seus filhos. Termos em que se requer a V. Exas. seja revogado o despacho recorrido na parte em que admitiu a requerente AA a constituir-se como assistente em representação dos seus filhos menores, com as consequências legais. * 1.3Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou articulado de resposta, defendendo a preservação do decidido e aí concluindo: 1. Nos presentes autos encontra-se em investigação a alegada prática pelos denunciados/arguidos DD e AA de crimes de violência doméstica praticados um contra o outro (em reciprocidade). 2. Investiga-se, ainda, nos presentes autos crimes de violência doméstica alegadamente praticados pelos denunciados/arguidos DD e AA contra os filhos menores, CC e BB. 3. Por despacho de 18/06/2025, a requerente AA foi admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente, por si mas também em representação dos filhos menores. 4. O DD recorreu daquela decisão, alegando que AA não poderá ser admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente em representação dos filhos menores, porquanto também se encontra a ser investigada por violência doméstica contra os filhos, conforme resulta do artigo 68.º, n.º 1, alínea d), do CPP. 5. Todavia, no caso dos autos, os dois progenitores não se encontram indiciados da prática (em comparticipação) de um crime de violência doméstica contra os seus filhos menores. 6. Com efeito, a cada um dos progenitores são imputados crimes, autónomos, de violência doméstica nas pessoas dos filhos menores (para além de violência doméstica, alegadamente, praticada um contra o outro, em reciprocidade). 7. Daí que, no nosso entendimento, no caso em apreço não se aplica o impedimento à constituição de assistente expressamente previsto na lei processual penal, podendo assim a progenitora intervir nos autos na qualidade de assistente, não só por si, mas também em representação dos filhos (nesta parte no que concerne à violência doméstica imputada ao progenitor relativamente aos filhos). 8. Atento o exposto e salvo o devido respeito por opinião contrária, o despacho a quo não merece reparo, porque conforme ao regime processual penal aplicável, pelo que deve o recurso improceder, assim fazendo, os Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA * I.4Também a arguida AA, admitida a intervir como assistente, veio apresentar resposta à pretensão recursória (Ref.ª 43385441), pugnando pelo não provimento, assim concluindo: i. O despacho recorrido proferido pelo Juiz de Instrução Criminal do Porto, ao admitir a constituição da arguida AA como assistente em representação dos seus filhos menores, encontra-se em plena conformidade com os normativos legais aplicáveis e totalmente sustentado na factualidade indiciada nos autos. ii. A alegação de que os menores BB e CC não são ofendidos nos factos imputados ao recorrente, por inexistência de afetação direta aos mesmos, em sede de denúncia, ou ausência de menção expressa à alínea e) do n.º 1 do artigo 152.º do CP, em sede de despacho inicial de inquérito, enferma de uma conceção restritiva e formalista, não encontrando qualquer respaldo na lei. iii. Desde logo, a qualificação jurídica provisória atribuída pelo MP não o vincula nem impede que, no decurso da investigação, possam ser autonomizadas condutas dirigidas diretamente contra os menores, ou, pelo menos, apurados elementos que confirmem os efeitos lesivos da exposição dos mesmos ao ambiente violento. iv. Mas nem é esse o caso, uma vez que lhes foi atribuído, de imediato, o estatuto de vítimas – o que só poderá ter sucedido por ter o MP constatado indícios de que os menores foram, de forma direta ou reflexa, afetados pela violência doméstica exercida sobre a mãe. v. Ao contrário do que defende o recorrente, o reconhecimento da qualidade de vítima, nos termos do artigo 14.º da Lei n.º 112/2009, é compatível com a qualificação jurídica provisória dos factos, não exigindo que os filhos sejam alvo direto de agressão, bastando que tenham sido inseridos num ambiente familiar violento suscetível de os afetar – realidade prevista e acolhida expressamente no artigo 67.º-A, n.º 1, alínea iii), do CPP, e que, de resto, motivou o requerimento de diligências específicas aos menores, pelo próprio MP. vi. Com efeito, a exposição de menores a contextos de violência doméstica confere-lhes o estatuto de vítimas/ofendidos, nos termos do artigo 67.º-A, n.º 1, alínea iii), do PP, estando em causa bens jurídicos próprios potencialmente afetados, como a saúde emocional e o desenvolvimento equilibrado. vii. Não pode, pois, o recorrente fundar a sua posição numa leitura estanque e meramente literal da qualificação jurídica inicialmente atribuída pelo MP, nem mesmo quanto à agravação prevista na alínea a), parte final, do n.º 2 do artigo 152.º do CP. viii. Ao pretender impor a sua própria interpretação, o recorrente ignora que compete ao MP, enquanto titular do inquérito e responsável pela direção da investigação criminal, decidir sobre a qualificação jurídica dos factos e a eventual dedução de acusação sobre os mesmos. ix. Sem prescindir, mesmo que a denúncia apresentada pela arguida/recorrida descreva factos em que apenas ela surge como vítima, o local da ocorrência – a residência comum – permite concluir pela possibilidade de tais comportamentos terem sido, total ou parcialmente, presenciados pelos filhos menores, ou de lhes terem causado, direta ou indiretamente, perturbações. x. Tal possibilidade decorre da convivência familiar em espaço partilhado, sobretudo quando os comportamentos denunciados assumem natureza reiterada ou ocorrem num ambiente de tensão continuada, próprio de contextos de violência doméstica. xi. Este entendimento vai, de resto, ao perfeito encontro da qualificação do crime de violência doméstica como crime perigo abstrato, que não exige a produção de danos efetivos para que se reconheça a existência de vítimas – bastando a criação de risco para bens jurídicos legalmente protegidos. xii. Assim concluindo, e ao contrário do que alega o recorrente, a qualidade de ofendido não exige uma verificação final e definitiva de danos, nem depende de a conduta estar desde logo tipificada, em termos estritos, como tendo sido dirigida contra os menores. xiii. O que releva, para efeitos do n.º 1 do artigo 68.º do CPP, é a existência/titularidade de bens jurídicos pessoalmente afetados – ainda que potencial ou abstratamente – pela infração penal. xiv. Não colhe, igualmente, o argumento de que a mãe estaria legalmente impedida de representar os filhos por, alegadamente, se encontrar indiciada no mesmo processo. xv. A eventual constituição como arguida, por factos distintos, não determina, per si, a exclusão da legitimidade prevista na parte inicial da alínea d) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP, desde que inexista comparticipação criminosa nos mesmos factos objeto da constituição como assistente – o que manifestamente não se verifica, por se tratar de denúncias autónomas e não relacionadas entre si. xvi. Sendo certo que a sua constituição como assistente, em representação dos seus filhos, só opera relativamente aos factos por si denunciados e não aos factos denunciados pelo recorrente contra si. xvii. Mesmo que, futuramente, se verifique uma situação de conflito de interesses, o ordenamento jurídico já dispõe de mecanismos próprios para assegurar a defesa dos interesses dos menores, designadamente através da nomeação e intervenção de patronos independentes, oficiosamente designados para esse efeito. xviii. Finalmente, a tese do recorrente de que a arguida não é representante legal dos filhos também não pode colher, pois assenta numa leitura errada do regime jurídico aplicável: o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância mantém-se em conjunto, nos termos do n.º 1 do artigo 1906.º do CC, não tendo sido judicialmente determinada qualquer exclusão, limitação ou suspensão que afaste a legitimidade da mãe para representar os menores – legitimidade essa que se mantém em vigor. xix. A proteção penal da saúde, integridade moral e segurança emocional das crianças constitui, sem dúvida, matéria de particular importância, pelo que, não se verificando nenhum impedimento judicialmente imposto, a arguida/recorrida mantém total legitimidade para representar os seus filhos menores em juízo. xx. A manter-se o entendimento sustentado pelo recorrente, correr-se-ia o risco de privar os menores de adequada representação processual, violando-se os seus direitos à proteção judicial efetiva e ao acompanhamento por parte de quem, nos termos da lei civil e processual penal, tem legitimidade para o efeito. xxi. Por tudo quanto vem de ser exposto, deve o recurso interposto pelo arguido DD, aqui recorrente, ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, na íntegra, o despacho recorrido que admitiu a constituição como assistente da arguida AA, aqui recorrida, também em representação legal dos filhos menores, BB e CC. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, QUE V. EX.ªS MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, SER MANTIDA E CONFIRMADA A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA! * 1.5Instruído o recurso, foi ordenada a remessa a esta Relação, sem que tenha sido proferido despacho de sustentação previsto no art.º 414.º, n.º 4 do C.P.P. * 1.6A Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer (Ref.ª 19821535), pugnando pelo provimento do recurso. Em síntese, refere que: Analisados os fundamentos do recurso, e os demais elementos constantes da certidão, e apesar dos argumentos invocados pelo Ministério Público na resposta ao recurso, entendo que assiste inteira razão ao recorrente e que o recurso deve ser provido, pelas razões invocadas pelo recorrente, com as quais concordo. De facto, parece-me que o que resulta do disposto no artigo 68º do CPP, em especial, da alínea d), parte final – “…salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime” -, é que se tiver sido denunciado que um menor de 16 anos foi vítima de violência doméstica por parte de um dos progenitores, este não pode atuar como seu representante legal no processo onde foi denunciado esse crime, muito menos poderá ser constituído como assistente em representação desse menor. É certo que o artigo 68º, e em especial, a alínea d), está mais vocacionado para os casos em que se denunciam crimes particulares ou crimes semipúblicos, onde a ação penal depende da dedução de acusação particular, ou da denúncia, por parte do ofendido, que tem de fazer a denuncia e se constituir assistente para que se possa prosseguir com o processo, o que não é o que se verifica nos presentes caso. No entanto, tal artigo também tem aplicação no caso de serem denunciados crimes públicos, como de violência doméstica, sendo também aqui aplicável a referida alínea. Assim, parece-me, s.m.o., que o artigo 68º do CPP, e em especial a referida al. d) do n.º 1, deverá ser interpretada no seguinte sentido: No caso de o ofendido ser menor de 16 anos, ou por qualquer outro motivo incapaz, a legitimidade para se constituir como assistente pertence ao seu representante legal e, na sua falta, às pessoas indicadas na alínea d) do art.º 68.º do CPP, segundo a ordem aí referida, ou na ausência dos demais, entidade ou instituição com responsabilidades de proteção, tutelares ou educativas, quando o mesmo tenha sido judicialmente confiado à sua responsabilidade ou guarda, salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime, ou seja, salvo se essas pessoas forem os próprios “agentes” do crime do qual o menor é ofendido, quer na qualidade de cúmplices, quer de autores, sejam autores materiais ou morais ou mesmo coautores. Por isso, entendo que o sentido que deve ser dado às palavras “auxiliado” e “comparticipado” na referida alínea d) do n.º 1 do artigo 68º do CPP, é mais amplo e abrange todos agentes do crime do qual o menor é vítima, e que deverá excluir-se a constituição de assistente, em representação de menores de 16 anos ofendidos/vitimas do crime denunciado, das pessoas que sejam as próprias “agentes” do crime, quer como cúmplices, quer como autores ou coautores, nomeadamente, o progenitor denunciado pela prática de crime de violência doméstica na pessoa dos seus filhos, menores de 16 anos. * 1.7Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., tendo a recorrida AA exercido o contraditório, aí pugnando pela manutenção do despacho recorrido. Em seu entender: “(…) é inequívoco que a recorrida não comparticipou, nem auxiliou, nos factos denunciados contra o arguido DD e, por conseguinte, não se lhe pode ver aplicado aquele impedimento. Estamos perante denúncias autónomas, respeitantes a factos independentes e temporalmente distintos, que apenas foram apensadas por razões de conexão processual, sem que tal implique qualquer contaminação subjetiva ou fusão dos objetos dos inquéritos. Sendo certo que a apensação também não altera, por si só, a individualidade dos factos nem converte o processo num todo unitário quanto à responsabilidade de cada um dos intervenientes. A leitura proposta pelo MP, de natureza ampliativa, representa, assim, uma aplicação contra legem, violando o princípio da legalidade e da lógica própria da intervenção do assistente. Além de que, como também já se disse, colide frontalmente com a tutela do interesse superior das crianças e com o direito de acesso à justiça das vítimas, uma vez que, ao admiti-la, estar-se-ia a privar os menores BB e CC de representação processual efetiva, em clara contradição com o disposto no artigo 69.º da Constituição e nos artigos 1.º, 3.º e 14.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro. (…)”. * Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.* II.Questões a decidir: Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente, sem prejuízo do conhecimento, ainda que oficioso, de eventuais vícios da decisão. No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursória, constitui objeto do recurso apreciar da correção da decisão de admissão da intervenção nos autos de AA, especificamente na qualidade de assistente em representação dos seus filhos menores, designadamente apreciando se a mesma está (ou não) impedida de assumir aquela qualidade representativa à luz do estatuído no art.º 68.º, n.º 1, al. d) do C.P.P. * III.III.1 A decisão recorrida (Ref.ª 473134405): Constituição de assistente: Por ter legitimidade, estar em tempo, ter efetuado o pagamento da taxa de justiça e estar representada por advogado, nos termos dos artigos 68º n.º 1 al. a); 70º n.º 1 e 519º n.º 1, todos do C. P. Penal, admito a intervenção nos autos, como assistente, de AA, como assistente, por si e em representação dos menores ofendidos BB e CC. Notifique e devolva. * III.2Outros elementos relevantes - Nos autos de inquérito investiga-se a eventual prática, por DD, constituído arguido, de factos suscetíveis de poderem integrar a prática de crimes de violência doméstica em que são ofendidos AA o os filhos menores daqueles, BB e CC; - Nos mesmos autos de inquérito, por via da apensação determinada por despacho Ref.ª 413770212, investiga-se, de igual sorte, a eventual prática, por AA, constituída arguida, de crimes de violência doméstica em que são ofendidos DD, BB e CC; - Por sentença de 10.04.2025, proferida nos autos de regulação das responsabilidades parentais que, sob o n.º 20031/23.1T8PRT-B, corre termos no Juízo de Família e Menores do Porto – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi homologado acordo relativo às responsabilidades parentais referentes às crianças CC, nascida em ../../2013 e BB, nascido a ../../2017, nos termos do qual a residência dos menores foi fixada com o progenitor, sendo as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das crianças exercidas em comum por ambos os progenitores e fixado um regime de convívios no qual, além do mais, a progenitora conviverá com as crianças, quinzenalmente, de quinta a segunda-feira, com pernoita. * III.3Apreciando: Vista a argumentação produzida e como já referido, a única questão a apreciar prende-se com a bondade da decisão de admitir a intervenção da arguida/ofendida como assistente, não só em seu nome, como é pacífico, mas, também, em representação dos ofendidos menores, seus filhos, CC e BB. No entender do recorrente, a resposta deveria ter sido negativa. Para tanto refere que a arguida e requerente AA se encontra, ela própria, indiciada por exercer violência doméstica sobre os seus filhos menores, que pretende representar, pelo que, por efeito do estatuído no art.º 68.º, n.º 1, al. d) parte final do C.P.P. é-lhe vedada legitimidade para, em nome daqueles, se constituir assistente. Ademais, a imputação direta de uma conduta criminosa, vitimizando menores é, por natureza, incompatível com a essência da figura do assistente, que assume a posição de colaborador do Ministério Público. Sufragando o despacho contestado respondeu a arguida (e assistente) AA referindo, além do mais, que a constituição de assistente em representação dos menores se atém aos factos imputados ao arguido DD, não se estendendo à globalidade do processo. Assim sendo, não tem lugar a aplicação da mencionada al. d) do n.º 1 do art.º 68.º do C.P.P., dirigido aos casos em que exista comparticipação ou auxílio nos factos criminosos que servem de fundamento à constituição de assistente, o que, no caso, não sucede, sendo as condutas imputadas à arguida faticamente distintas das que sustentam o seu estatuto de arguida. A mera conexão processual – operada por apensação – não tem o efeito de afetar a legitimidade substantiva da mãe para representar os seus filhos menores, designadamente quando tal representação se circunscreve à defesa dos seus interesses relativamente a factos distintos e imputados exclusivamente ao pai. Acresce que, mesmo que venha a revelar-se, no decurso do processo, alguma situação concreta de conflito entre a representante e os seus filhos, o ordenamento jurídico já prevê instrumentos próprios para garantir a defesa autónoma dos interesses destes, nomeadamente através da nomeação de patronos independentes. * Sobre o diferendo detetado e os imanentes fundamentos das visões dissidentes, o despacho recorrido não tomou posição expressa ou fundamentada. Efetivamente e aquando do cumprimento do disposto no art.º 68.º, n.º 4 do C.P.P., o ora recorrente já havia assumido posição divergente, que agora reitera (Ref.ª 25573781), limitando-se o Mm. JIC a proferir decisão tabelar de admissão, sem qualquer problematização prévia ou pronúncia sobre os argumentos da oposição que implicitamente desconsiderou.* Vejamos, pois.A figura do assistente não se encontra conceptualmente definida na lei adjetiva, aí sendo apenas aclaradas materialmente as suas atribuições e posição processual. Ensaiando uma definição, refere Germano Marques da Silva que assistente é “o sujeito processual que intervém no processo como colaborador do Ministério Público na promoção da justa aplicação da lei ao caso e legitimado em virtude da sua qualidade de ofendido ou de especiais relações com o ofendido pelo crime ou natureza deste” [Curso de Processo Penal, vol I, Verbo, 1993, pág. 242 e 243]. Em sentido prático e conforme resulta do disposto no art.º 69.º do C.P.P. o assistente - essencialmente nos crimes de natureza pública e semi-publica - propõe-se coadjuvar o órgão acusador na produção da prova e no acompanhamento dos atos processuais. Em sentido percecionável, o assistente é admitido a intervir no processo como colaborador do Ministério Público, a cuja atividade se subordina, “competindo-lhe, em especial: intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias e conhecer os despachos que sobre tais iniciativas recaírem; deduzir acusação independente da do ministério público (…) e interpor recurso das decisões que o afetem, mesmo que o ministério público o não tenha feito (…). A possibilidade que é dada ao assistente de participar de forma constitutiva na declaração do direito do caso está ainda presente na legitimidade para requerer a abertura da instrução (…)” [Maria João Antunes, Direito Processual Penal, Almedina, 2016, págs. 50 e 51]. Ainda assim, tendo em conta as atribuições que a lei lhe confere, o estatuto de assistente sobrepassa o de mero colaborador subordinado, pois dispõe de poderes próprios de conformação do processo penal como um todo, ainda que desacompanhado do posicionamento do Ministério Público (v.g. requerendo a abertura da instrução em caso de arquivamento) e que são próprios de um verdadeiro sujeito processual [Vd. Paulo de Sousa Mendes, Lições de Direito Processual Penal, Almedina, 2015, pag. 133 e ss.]. Sendo o assistente o ofendido/vítima que adquire o seu estatuto nos termos previstos no art.º 68.º do C.P.P., a assunção desta qualidade apela ao conceito de legitimidade para tanto, ao enquadramento do círculo de pessoas que a poderão ativamente assumir, sendo a primeira categoria típica e axial, prevista para o preenchimento daquele pressuposto, a qualidade de ofendido, em sentido breve, mas não exclusivo, identificada como coincidente com o interesse que a lei quis especialmente proteger com a incriminação. No caso vertente e ante os factos denunciados e ainda em investigação, os menores BB e CC, quer na perspetiva da “mera” exposição, quer como sujeitos passivos de atuação direta, são, enquanto vítimas e ofendidos, titulares do direito que a lei quis proteger na tipificação do crime de violência doméstica pelo que, para os efeitos prevenidos na al. a) do n.º 1 do art.º 68.º do C.P.P. deteriam legitimidade para a constituição de assistentes, esvaziando de conteúdo o primeiro núcleo de objeções dirigidas pelo recorrente e que passavam pela inexistência de factos em investigação que o comprometessem, como agressor, relativamente aos filhos. Não obstante e como também resulta da análise perfuntória dos autos, as sobreditas crianças, filhas dos arguidos, são menores, reconduzindo a questão criada à hipótese prevista na al. d) do mesmo n.º 1 do artigo em análise, nos termos do qual, em face da incapacidade dos ofendidos em razão da idade, pode constituir-se assistente o respetivo representante legal. No sentido de objetivar o conceito, o representante legal coincide, normalmente, com os pais biológicos (art.ºs 124.º e 1881.º, n.º 1 do Cód. Civ.) ou adotivos (art.º 1986.º, n.º 1 do Cód. Civ.), ou que resulte do que dispuser a lei mediada por designação prévia daqueles (art.ºs 1928.º, n.º 1 e 1935.º, n.º 1 do Cód. Civ.), por decisão judicial que instaure a tutela (art.ºs 1931.º, n.º 1 e 1935.º, n.º 1 do Cód. Civ.), ou que, na falta de pessoa capaz do exercício da tutela o confie a estabelecimento assistencial (art.º 1962.º, n.º 1 do Cód. Civ.) ou, ainda, a terceira pessoa com poderes de representação judiciária [Vd. Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, pág. 794]. No caso, em defluência prática da caraterização do conceito, normalmente os poderes representativos em causa poderiam ser exercidos por qualquer um dos progenitores, em consonância, aliás, com o disposto no art.º 113.º, n.ºs 3 e 4 do C.P. [cfr., neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2006, proc. 06P1948, Rel. João Bernardo, disponível em www.jurisprudencia.pt], ainda que, tratando-se, evidentemente, de “questão de particular importância”, o outro progenitor não requerente possa e deva ser consultado e se imponha, em casos de verdadeiro dissenso, uma decisão incidental da questão. Aqui chegados, podemos ter por adquirido que os menores assumem a qualidade de ofendidos e têm menos de 16 anos pelo que, a legitimidade que a qualidade de ofendidos lhes traz para efeitos de constituição de assistente deverá ser exercida e mediatizada pelo(s) seu(s) representante(s) legal(ais). Sendo a requerente AA mãe, em princípio a mesma poderia assumir aquela qualidade representativa, nos termos prevenidos no inciso da al. d) do n.º 1 do art.º 68.º do C.P.P., como sucedeu no caso, eventualmente, até, ante a oposição do outro progenitor, ora recorrente. No entanto, não podemos escamotear que a progenitora é, ela própria, arguida, a quem são imputados factos suscetíveis de a constituírem autora da prática de crimes de violência doméstica e em que são ofendidos os menores que pretende representar. Esta circunstância, na ótica da recorrida, não é obstativa da representação dos filhos para a assunção da qualidade de assistente pois, a seu ver, não há qualquer engulho ou obstáculo legal a tanto já que, para efeitos da parte final da sobredita alínea, não é auxiliar nem comparticipante no potencial crime em que é arguido o progenitor e são ofendidos os seus filhos, sendo estes factos autónomos e destacáveis daqueloutros que, também a ela, são imputados. Salvo o devido respeito não concordamos, afirmando, assertivamente, que a progenitora, no caso, não pode ser admitida a intervir, como assistente, em representação dos seus filhos menores. O raciocínio expresso pela recorrida em sentido contrário é, em si mesmo, indicativo da estrutural incompatibilidade e conflito de interesses que a posição adotada nos autos envolve. É que a recorrida encontra as razões da não proibição e do não impedimento à luz do seu próprio estatuto e interesse. Em síntese apertada, pode assumir os poderes representativos porque não é arguida, coautora ou comparticipante relativamente aos factos imputados ao arguido/recorrente. Os remanescentes, pelos quais estará indiciada e que levaram a sua constituição como arguida, são distintos e autonomizáveis, não gerando, por contaminação, qualquer impedimento. Porém, a questão deverá ser enquadrada a partir de um ponto de observação diverso. A aferição da suscetibilidade para assumir a qualidade de assistente, em representação dos filhos, não deve ser vista na ótica da recorrida e relativamente aos factos que lhe são parcelarmente imputados para, a partir daí, aquilatar da sua legitimidade, mas, ao invés, sob o enfoque e posicionamento dos seus potenciais representados: - os ofendidos, seus filhos. Ora, se a recorrida, ante os factos imputados ao recorrente, é, tão só, ofendida e, por isso, seria livre para assumir poderes de representação, já na ótica dos ofendidos – a única relevante - aquela é, também, agressora/arguida pois os menores, ainda que apenas indiciariamente, não são ofendidos relativamente e tão só pelos atos imputados ao pai mas, antes, serão ofendidos ante os factos praticados pelo pai e pela mãe, por todos eles. É, nesta abordagem, que deverá aquilatar-se da existência de obstáculo legal para o desempenho das funções representativas em causa. Assim sendo, se a lei, nos termos do art.º 68.º, n.º 1 al. d) do C.P.P., inibe o representante legal de legitimidade para, em representação dos ofendidos menores, requerer a constituição como assistente, se houver auxiliado ou comparticipado no crime de que aqueles são ofendidos, por maioria de razão vedará essa possibilidade no caso de o representante ser, ele próprio, autor do crime. Explicitando. A noção, comumente aceite, de que a cada crime corresponde, em princípio, um processo, cuja competência material, funcional e territorial é definida pelas circunstâncias daquele, não é, na verdade, uma regra legal expressa em matéria de competência. Tendo em vista objetivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual e de meios alocados, prevenindo, a jusante, a contradição de julgados, em certas situações previstas expressamente nos art.ºs 24.º e 25.º do C.P.P., a lei admite e até incentiva restrições ao funcionamento das regras gerais de competência material, funcional e territorial, habilitando a organização de um único processo para uma pluralidade de crimes e/ou de agentes, desde que se verifique um dos fatores de conexão ali prevenidos e que torne conveniente a sua investigação e apreciação conjunta. Consabidamente, a conexão pode operar nas fases preliminares do processo, no caso no próprio inquérito, fase processual cuja direção compete ao Ministério Público e que deliberará da verificação dos fatores de conexão e que decidirá, como decidiu, pela apensação/unificação para investigação conjunta. Neste caso, como sucedeu e no momento atual, é organizado um único processo, sendo os factos investigados conjuntamente e, a final, proferido despacho de encerramento que concluirá pela acusação de ambos os arguidos, ou pelo arquivamento relativamente a um deles, ou a ambos. Não será produzida uma acusação parcelar para cada um dos arguidos. Se assim é, para efeitos da compreensão dos factos em investigação, são considerados os factos imputados ao recorrente e à recorrida e de que serão ofendidos, por todos eles, os menores, constituindo todos objeto da investigação condensada num único inquérito e, potencialmente, constitutivos de um uno objeto do processo perante o qual e no interesse de quem os menores são categorizados como ofendidos. Estes são-no perante todos os factos em investigação e não, tão só, relativamente a alguns. A não ser assim chegaríamos, facilmente, a resultados inoperantes e até esquizofrénicos. Sem efabular ou gerar hipóteses inconcebíveis, a permitir-se uma latente autonomia dos factos em investigação, - como pressupõe o entendimento sufragado pela recorrida e pelo Ministério Público em primeira instância e que o Mm. JIC acolheu, habilitante da representação, sem conflito de interesses ou inconvenientes éticos, - caso, a final, se concluísse pela acusação de ambos os progenitores, como poderia a recorrida, cumulativamente, requerer a abertura da instrução relativamente ao segmento factual que a envolvesse, enquanto arguida, visando a não pronúncia e, no interesse dos seus representados, acompanhar a acusação pública contra si deduzida, em conformação com a acusação pública? Como compatibilizar, em caso de condenação de ambos os arguidos, os interesses materialmente incompatíveis inerentes ao direito ao recurso, enquanto arguida condenada e, simultaneamente, de aceitação da sua condenação e sustentação do decidido no mesmo recurso, agora enquanto representante legal dos assistentes/ofendidos em defesa da decisão recorrida e a par com o Ministério Público? Como afeiçoar, no plano do lógico e admissível, uma potencial absolvição, quanto aos factos pelos quais é arguida, com a necessidade de, perante esses mesmos factos e resultado da audiência, recorrer ou acompanhar o Ministério Público em sindicância recursória dessa absolvição, como assistente, em representação dos menores? Como coordenar a natureza cooperativa com o Ministério Público na investigação dos factos, inerente à qualidade de assistente, – cujo sentido compreende todos os factos, incluindo, também, aqueles em que é investigada enquanto arguida – quando o sujeito investigado coincide, no plano pessoal, consigo mesma, ainda que pressupostamente atue no plano de uma formal representação dos ofendidos? No limite e se ambos os progenitores pudessem - no caso que nos ocupa e na exasperação do sentido permitido pelo despacho recorrido – assumir poderes representativos dos menores, então teríamos o arguido a assumir a qualidade de assistente em representação dos filhos, quanto aos factos alegadamente praticados pela progenitora, e esta também assistente, em representação daqueles, quanto aos factos imputados ao progenitor, desenvolvendo os assistentes filhos, dependente de quem os representasse, atuações processuais contraditórias, antagónicas e inconciliáveis. Do exposto resulta, quanto a nós, a natural e estrutural incompatibilidade das funções que a recorrida pretende, cumulativamente, exercer no processo. Ainda que seja possível isolar o plano em que é estritamente ofendida (com legitimidade para, pessoalmente, se constituir assistente, atenta a reciprocidade dos atos subsumíveis ao crime de violência doméstica e nos quais é, ela própria, ofendida), já o mesmo exercício se torna inconcebível quando transferido para o plano dos menores, ofendidos stricto sensu relativamente às atuações paralelas de ambos os progenitores (ainda que entre eles recíprocas) e que são, neste enfoque da ofensa e do interesse protegido, incindíveis. Sendo a conexão constatada na fase de inquérito, - como foi - procedendo-se à incorporação num único inquérito determinante, os factos presentemente em investigação, relativamente aos quais os menores são potencialmente ofendidos, terão sido, ainda que indiciariamente, praticados pelo pai e pela mãe e é relativamente a todos eles que assumem a qualidade de ofendidos, com legitimidade para a constituição como assistentes. Atenta a sua incapacidade em razão da idade, a representação para tanto não pode ser assegurada por um dos progenitores que, mais do que mero auxiliar ou comparticipante nos factos com relevância criminal, para efeitos do art.º 68.º, n.º 1, al. d) parte final, do C.P.P. é, também ele(a), autor(a), sendo inconcebível, por natureza, uma representação a la carte apenas direcionada para factos selecionados ou selecionáveis. A qualidade de ofendido, que assiste aos menores, é compreensiva e extensível a todos os factos em investigação e não, seletivamente, de forma compartimentada, apenas relativamente aqueles em que a recorrida não participa. Acresce que, ao contrário do defendido pela recorrida, a putativa ulterior representação por mandatários/patronos distintos não permite ultrapassar a incompatibilidade substancial detetada, ante uma possível revelação ulterior do conflito de interesses (que, na verdade, já existe). É que os mandatários/defensores não representam, autonomamente, os menores. Desenvolvem o mandato/patrocínio de acordo com as diretrizes e instruções dos mandantes, salvaguardada a sua autonomia técnica, não sendo, por isso, representantes diretos dos menores ou destes recebendo instruções (pois são naturalmente incapazes em razão da idade) recebendo-as de quem os represente, defluindo a solução proposta na quadratura do círculo. Ademais seria estranho que, por exemplo, por questões exclusivamente patrimoniais, o legislador imponha a nomeação de curador especial aos menores quando estes concorrem à herança com o progenitor/representante legal, reconhecendo a existência de um potencial conflito e possibilitasse, perante interesses pessoalíssimos e com relevância criminal, que essa representação se confundisse e se aglutinasse na mesma pessoa. Assim, por todo o exposto, o despacho proferido não pode subsistir, importando, no provimento do recurso, a sua revogação parcial - na parte em que admitiu a intervenção de AA como assistente em representação dos seus filhos menores - e a sua substituição parcial por outro que o indefira, nos termos do art.º 68.º, n.º 1, al. d) parte final, do C.P.P., devendo equacionar-se a representação daqueles de entre as possibilidades conferidas pela al. c) do mesmo artigo. É certo que o impedimento detetado e as suas consequências têm natureza rebus sic stantibus, ou seja, caso o inquérito se encerre com o arquivamento relativamente aos factos nos quais a recorrida é arguida e assim se pacifique, desaparecerá o impedimento detetado, podendo, então, esta exercer ou substituir-se no desempenho das funções representativas pretendidas o que, por ora, não se verifica. * IV.Decisão Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso do arguido DD e, em consequência, revogam parcialmente o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que indefira a intervenção de AA como assistente em representação dos filhos menores. * Sem tributação.* Porto, 29 de outubro de 2025José Quaresma Amélia Carolina Teixeira Maria Luísa Arantes |