Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO VAZ PATO | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO AUDIÊNCIA AUSÊNCIA DO ARGUIDO DEPÓSITO DA SENTENÇA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO INTEMPESTIVIDADE REJEIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP2022092856/22.5Y9PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/28/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITAR O RECURSO INTERPOSTO PELA SOCIEDADE ARGUIDA | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – De acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão n,º 1/2009, em «processo de contra-ordenação, é de 10 dias quer o prazo de interposição de recurso para a Relação quer o de apresentação da respetiva resposta, nos termos dos artigos 74.º, n.ºs 1 e 4 e 41.º do Regime Geral de Contra-Ordenações (RGCO)». II – Tal prazo conta-se a partir do depósito da sentença, mesmo quando o arguido e o seu defensor/mandatário não hajam comparecido à audiência tendo sido para tal notificados. III – A não ser assim, estaríamos perante a situação paradoxal de o processo contra-ordenacional, menos solene e de menor relevância ético-social, conter um regime mais garantístico do que o do processo penal. [Sumário da responsabilidade do Relator] | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 56/22.5Y9PRT.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – “E... Unipessoal, Ldª” vem interpor recurso da douta sentença do Juiz 1 do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto do Tribunal Judicial da Comarca de Porto que negou provimento ao recurso por ela interposto da decisão da Câmara Municipal ... que a condenou, ao abrigo do disposto nos artigos H 15.º, n.ºs 1, c), e 3, H/3º, nº 2 e H/5º, nº 2, do Código Regulamentar do Município ..., no pagamento do montante total de 1.815,00 € (coima e custas). Há que considerar, como questão prévia, o seguinte. A decisão recorrida foi proferida, com leitura pública no dia 17 de maio de 2022, na ausência do representante da arguida e do seu ilustre mandatário, os quais se encontravam, contudo, notificados da data para tal designada. A sentença foi depositada na secretaria no dia 17 de maio de 2022. Por carta registada enviada ao ilustre mandatário da arguida também nessa data foi a mesma notificada da sentença Em 2 de junho de 2022 deu entrada no tribunal recorrido o requerimento de interposição de recurso, com as respetivas motivações. Foi, então, paga pela recorrente multa por apresentação intempestiva do recurso. Valem neste caso as seguintes considerações, tecidas na decisão da reclamação n.º 52/15.9T8BAO-A.P1, proferida por Eduarda Lobo, na qualidade de Vice-Presidente deste Tribunal: «Para a resolução jurídica da questão, importa ter presente o regime processual que resulta das normas a seguir transcritas, todas pertencentes ao RGCO: - art. 41º nº 1 “Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”; - art. 59º nºs 1. “A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é suscetível de impugnação judicial.” e 2. “O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor”; - art. 64º nºs 1. “O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.” e 2. “O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham”; - art. 67º nºs 1. “O arguido não é obrigado a comparecer à audiência, salvo se o juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos.” e 2. “Nos casos em que o juiz não ordenou a presença do arguido este poderá fazer-se representar por advogado com procuração escrita”; - art. 68º nº 1. “Nos casos em que o arguido não comparece nem se faz representar por advogado (…) julgar-se-á” - art. 73º nº 1. “Pode recorrer-se para a relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do art. 64.º quando (…).” - art. 74º nº 1. “O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste”. Em relação a esta última disposição, e depois de largamente debatida na jurisprudência a questão de saber qual o prazo aplicável ao recurso interposto da decisão da 1ª instância, se o de 10 dias, se o prazo geral de recurso estabelecido no C.P.P., a questão veio a ser definida pelo AFJ nº 1/2009[1], D.R. n.º 11, Série I de 16/1/09, que firmou a seguinte jurisprudência[2] “Em processo de contra-ordenação, é de 10 dias quer o prazo de interposição de recurso para a Relação quer o de apresentação da respetiva resposta, nos termos dos artigos 74.º, n.ºs 1 e 4 e 41.º do Regime Geral de Contra-Ordenações (RGCO)”, da qual não vislumbramos razões para nos afastarmos. Sendo, pois, de 10 dias o prazo do recurso, há então que determinar a partir de quando ele começa a correr. Na busca da solução para esta questão, sempre se deverá ter em atenção que, mesmo nos casos não regulamentados, o regime processual que resulta do C.P.P. não pode ser importado, sem mais, para o processo de contra-ordenação, desde logo porque não há identidade entre os princípios que regem os processos desta natureza e os processos de natureza criminal, encontrando-se a razão de ser das diferenças na menor ressonância ética do ilícito de mera ordenação social, com reflexos nos respetivos regimes processuais. No que respeita ao “dies a quo” para a interposição do recurso em processo de contra-ordenação, vem a jurisprudência, que reputamos maioritária, defendendo o entendimento de que a notificação a que se refere a última parte do nº 1 do art. 74º apenas se aplica nas hipóteses em que a decisão seja proferida por despacho ou em que a audiência seja realizada sem notificação regular do arguido e já não nos casos em que tenha defensor/mandatário e este haja sido notificado da data da leitura da sentença, contando-se nestes o prazo de interposição do recurso a partir do depósito da sentença mesmo que nenhum deles àquela haja comparecido[3]. Entendimento que teve juízo de conformidade constitucional no Ac. TC nº 77/2005 de 15/2/05[4].» Ora, no caso em apreço, o recurso foi interposto no quarto dia útil depois do termo do prazo de dez dias contados desde a data do depósito da sentença recorrida. Nesse dia, já não seria sequer possível o pagamento de multa pela apresentação intempestiva do recurso (ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, 107.º-A do Código de Processo Penal e 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil). O prazo em questão conta-se, pelas razões indicadas, desde a data do depósito da sentença recorrida, não desde a data da receção da carta enviada ao ilustre mandatário da arguida para notificação dessa sentença. Impõe-se, assim, a rejeição do recurso, por intempestivo, nos termos dos artigos 414.º, n,ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, b), do Código de Processo Penal. A recorrente deverá ser condenada nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Deverá ser-lhe devolvida a quantia correspondente à multa que pagou por apresentação intempestiva do recurso. III – Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em rejeitar, por intempestivo. o recurso interposto pela sociedade arguida, mantendo a douta sentença recorrida. Condenam a recorrente em três (3) U.Cs de taxa de justiça. A esta deverá ser devolvida a quantia correspondente à multa que pagou por apresentação intempestiva do recurso. Notifique. Porto, 28 de setembro de 2022. (processado em computador e revisto pelo signatário) Pedro Vaz Pato Eduarda Lobo Castela Rio _____________ [1] Publicado no D.R. n.º 11, Série I de 16/1/09. [2] De acordo com a corrente maioritária que já vinha sendo, e continua a ser seguida pelos tribunais superiores (em contrário apenas encontrámos a Reclamação para o Presidente do TRG 27/6/11, proc. nº 298/10.6TBCMN-A.G1). [3] cfr. Acs. RP 24/4/02, proc. nº 0240225 (“Em processo de contra-ordenação, em que o arguido foi notificado para julgamento, onde se fez representar por advogado e em que não era obrigatória a sua comparência, o prazo de recurso da sentença conta-se do respetivo depósito na secretaria, e não da data da notificação da sentença efetuada por via postal. A notificação a que se refere a última parte do n.1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.433/82, de 27 de Outubro apenas releva para a hipótese de a decisão acontecer mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido.”), RC 10/3/04, proc. nº 3147/03 (“Regularmente convocado o arguido para a audiência e não estando presente fisicamente isso não impede que se considere que esteve presente (processualmente) e, como tal, o prazo para interposição de recurso conta-se a partir da data do depósito na secretaria que não da data notificação da sentença efetuada por via postal.”), RG 6/10/04, proc. nº 1874/02-2 (“I - O art.º 74.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 não pode ser lido na sua literalidade imediata, sem recurso aos princípios e à coerência do processo de contra-ordenação para o interpretar. II - Assim, enquanto no processo penal a regra é a da obrigatoriedade da presença do arguido no julgamento, no processo de contra-ordenação a regra é a da não obrigatoriedade dessa presença, como dispõe o art.º 67.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, ou seja, o arguido pode ser obrigado a comparecer à audiência, apenas se o Juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos. III - Acresce que, em processo de contra-ordenação não é obrigatória a constituição de advogado, nem sequer a nomeação de defensor, nada impondo tal constituição para a interposição do recurso em 1.ª instância. IV - Dos artºs 46º, 47º e 68º, nº 1 do RGCO conclui-se que em processo de contra-ordenação, nada sendo ordenado quanto à obrigatoriedade de comparência do arguido à audiência de julgamento, este pode, simplesmente não comparecer, comparecer em pessoa ou fazer-se representar por advogado e, neste último caso, tudo se passa como se ele estivesse presente, através do advogado ou defensor. V - Tendo o arguido estado representado por advogado na audiência de julgamento, o prazo para o recurso tem de contar-se da sentença, nos termos da primeira proposição do n.º 1, do art.º 74.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, desde logo, porque a notificação da sentença fica feita, no próprio ato, na pessoa do advogado, nos termos dos art.ºs 46.º, n.º 2 e 47.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10. VI - Em suma, impõe-se a afirmação de que a segunda proposição do n.º 1, do art.º 74.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, «(...) ou da notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste», visa acautelar os casos em que o arguido não está presente nem representado no ato em que a mesma é proferida e, como tal, em que é possível que o prazo decorra, no seu desconhecimento da existência da decisão e do decurso do prazo. VII - A não ser assim, teríamos para o processo menos solene e em que os valores em jogo são de menor repercussão ética e material – o processo contra-ordenacional – uma solução processual mais garantística do que a vigente para o processo mais solene – o processo penal – o que seria uma solução senão absurda, pelo menos paradoxal, na harmonia do sistema.”) RL 6/6/06, proc. nº 575/2006-5 (“O facto de nem a arguida nem o seu ilustre mandatário constituído se encontrarem presentes na leitura de sentença é irrelevante uma vez que a notificação a que se refere a última parte do n.°1 do artigo 74° do Decreto-Lei n.° 433/82 apenas releva para a hipótese de a decisão acontecer mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido.”), Dec. Presidente do TRC 12/2/07, proc. nº 241/05.4TBFND-A.C1 (“O prazo para a sua interposição é de 10 dias e conta-se do depósito da sentença na secretaria, e não da notificação à arguida. É certo que o art.º 74°, n.°1 do DL 433/82, de 27 de Outubro, alude à notificação da sentença ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste. Só que a ausência (não presença) deste, para este efeito, considera-se apenas a decorrente do desconhecimento da realização da audiência e do momento da decisão final, não podendo equiparar-se tal situação àquela em que, como sucedeu no caso, a não presença da arguida, na data expressamente designada para o ato de leitura de sentença, decorreu de um ato de vontade (de uma opção) da própria, nesse sentido.”), Dec. Presidente do TRG 6/10/09, proc. nº 130/09.3TBGMR-A.G1 (“I – Considera-se notificado da sentença condenatória o arguido que, tendo estado presente na audiência de produção de prova, não compareceu na audiência em que se procedeu à leitura dessa sentença, à qual assistiu, porém, o seu defensor ou mandatário constituído, cujos deveres funcionais e deontológicos lhe impõem a oportuna comunicação ao arguido do resultado do julgamento, designadamente para aferição da viabilidade ou pertinência de um eventual recurso. II - O hipotético desconhecimento do exato teor da sentença por parte da arguida, só poderá, pois, atribuir-se a negligência própria, a qual não merece tutela jurídica, pois não se podem considerar violadas as suas garantias de defesa. Sibi imputet.”), RE 24/6/10, proc. nº 360/09.8TBGLG.E1 (“Uma vez que a arguida esteve representada por advogada na audiência de julgamento, que pediu dispensa de comparência na data que logo foi designada para leitura da sentença, foi com o depósito desta na secretaria que se iniciou o prazo de interposição do recurso.”) e Decisão sumária RL 21/9/11, proc. nº 2486/10.6TBOER.L1-5 (“Iº Em processo de contra-ordenação, diversamente do que ocorre em processo penal, o arguido pode litigar por si, desacompanhado de advogado ou defensor, e se o juiz não considerar como necessária a sua presença na audiência de julgamento, pode não comparecer, nem se fazer representar na mesma por advogado; IIº O art.74, nº1, do RGCO, não se refere à presença física, mas antes à presença processual, considerando-se o arguido notificado da sentença, depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído, contando-se o prazo de recurso a partir dessa data, mesmo que o arguido não tenha comparecido a esse ato.”). [4] Onde, a certo passo, se escreve: "tendo o arguido em processo contra-ordenacional visto dispensada a sua presença, e sendo ao defensor do arguido notificado o dia para a leitura pública da sentença e depósito desta na secretaria, tem este a possibilidade imediata de ainda que não possa assistir à audiência de leitura da decisão, consultar a decisão depositada na secretaria. E, de posse de uma cópia dessa sentença, pode, nos dias imediatos, refletir sobre ela., ponderando, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. O que não merece tutela, nem é tocado pela garantia de defesa do arguido em processo de contra-ordenacão, é o absentismo simultâneo do arguido — que viu a sua presença logo no julgamento dispensada — e do seu mandatário constituído que foi notificado da data para leitura da decisão, ou, muito menos, a falta de interesse ou diligência deste último, no sentido de notificado do dia da leitura da decisão ainda que a esta não possa assistir, concretizar a possibilidade de tomar conhecimento da decisão e a comunicar ao arguido. Ao defensor do arguido foi dado prévio conhecimento do ato judicial de leitura da decisão, e, em processo de contra-ordenacão, tal basta para se poder considerar notificada a decisão no momento dessa leitura, ainda que a esse ato faltem tanto o arguido como o seu mandatário constituído". |