Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EUGÉNIA CUNHA | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO DIREITO A HABITAÇÃO ATRASO NA RESTITUIÇÃO DO IMÓVEL LOCADO RENDAS EM DÍVIDA | ||
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Nº do Documento: | RP202302064290/22.0T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/06/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O direito à habitação (v. art. 65.º, da Constituição da República Portuguesa), reveste, acima de tudo, natureza programática, dirigindo-se ao Estado, que o assegura por variados meios e com proteção das pessoas mais vulneráveis, nas situações em que, efetivamente, se reclame e justifique especial proteção, não se configurando como violadora de tal direito decisão a decretar a restituição de imóvel uma vez cessado o contrato de arrendamento (até com rendas em mora). II - Consagrando a lei regras gerais a regular a obrigação de indemnizar – arts 562º e segs, do Código Civil – não estão, contudo, as partes, ao abrigo da liberdade contratual e autonomia da vontade (art. 405º, de tal diploma), impedidas de acordar no quantum indemnizatório a ser atribuído, por incumprimento de determinada obrigação, exceto nas situações em que, imperativamente, são impostos limites indemnizatórios (casos de afastamento pela lei excecional quer da lei geral quer de convenção, apenas podendo ser exigida importância superior a mostrar-se verificada circunstância a configurar abuso de direito - com recurso, por isso, a válvula de segurança do sistema). III - Entre estas normas imperativas, excecionais, encontra-se o artigo 1045º, do Código Civil, a regular o atraso na restituição da coisa locada, cessada a locação, que limita a indemnização ao critério aí estabelecido. IV - Destarte, cessado o contrato de arrendamento e ocorrendo incumprimento da obrigação de entrega do imóvel, tem o senhorio direito (além de às rendas vencidas e não pagas (art. 1038º, al. a), do CC) e à entrega do imóvel (art. 1038º, al. i), do CC)), à indemnização que o legislador fixou, tendo em vista, na economia do contrato, proteger, de forma equilibrada e proporcional, o arrendatário, que sempre conhece os limites indemnizatórios, continuando a quantia correspondente à renda a ser devida pelo arrendatário enquanto não efetuar a entrega do imóvel, mas a título de justa compensação ao senhorio em valor legalmente estabelecido: i) em singelo na situação do nº1; ii) em dobro a ter havido constituição do arrendatário em mora, o caso do nº2 (o dos autos). V - Assim, imposta pelo legislador, nas relações de liquidação, ainda, a observância da economia do contrato, ao associar o quantum indemnizatório pelo incumprimento temporário da obrigação de restituição do imóvel ao valor que as partes, por acordo, livremente, atribuíram ao uso do imóvel (a renda), um quantum indemnizatório do triplo da renda, face ao estatuído no preceito anteriormente referido, surge, aos olhos do legislador, como desproporcional (por excessivo face ao valor conferido, por acordo das partes, ao uso), tendo de ser reduzido ao dobro da renda, na falta de invocação de circunstâncias a configurar abuso de direito dos arrendatários (nº2, do art. 1045º e nº1, do art. 342º, ambos do CC). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 4290/22.0T8PRT.P1 Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível) Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível do Porto - Juiz 2 Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha 1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida 2º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC): …………………………………………… …………………………………………… …………………………………………… * I. RELATÓRIO Recorrente: AA Recorridos: BB e CC BB, residente na Rua ..., ..., Viana do Castelo e CC, residente na Rua ..., ..., ..., Viana do Castelo, intentaram ação declarativa com processo comum contra AA e DD, residentes na Rua ..., ..., Porto, pedindo que: i) se declare válida e eficaz a cessação do contrato de arrendamento celebrado a 1 de novembro de 2008, por oposição à renovação deduzida pelos AA., com efeitos a partir de 31 de outubro de 2020, e, em consequência, se condenem os RR. à desocupação imediata do primeiro andar do prédio urbano identificado no artigo 1º da P.I. e a restituir e entregar de imediato aos AA. o primeiro andar do prédio urbano livre, desocupado de pessoas e bens e no estado de conservação e limpeza que se encontrava à data da celebração do contrato de arrendamento; ii) se condenem, solidariamente, os RR. a pagar aos AA. das rendas em dívida, no montante global de 700,00€, referente às rendas dos meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2020, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a data dos respetivos vencimentos até integral e efetivo pagamento, nos termos dos artigos 805º nº2 alínea a) e 806º do Código Civil. iii) se condenem, solidariamente, os RR. a pagar aos AA. da quantia de 420,00€, a título de indemnização, por cada mês ou fração de atraso na entrega do arrendado, desde o termo do contrato de arrendamento, a 31 de outubro de 2020, até à efetiva restituição do imóvel, totalizando, até à presente data (4/03/2022), o montante global de 7.140,00€ (420,00€ x 17 meses), sem prejuízo da quantia de 420,00€ por cada mês ou fração de atraso na entrega do arrendado, desde a presente data até à sua efetiva entrega aos AA. Subsidiariamente, devem os RR. ser condenados a pagar o dobro da renda vencida, ou seja, 280,00€, a partir da sua constituição em mora (31/10/2020), até à efetiva entrega/restituição do arrendado, nos termos do artigo 1045º do Código Civil. * Citados, os Réus apresentaram-se a contestar. * Considerou o Tribunal a quo conterem os autos todos os elementos necessários à decisão de mérito e passou à sua apreciação, nos termos do artigo 591º nº1 alínea b) do Código de Processo Civil. * Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva: “Por todo o exposto, julga-se a presente ação procedente e, em consequência, declara-se válida a cessação do contrato de arrendamento celebrado a 1 de novembro de 2008, por oposição à renovação deduzida pelos Autores, com efeitos a partir de 31 de outubro de 2020, e, condena-se os Réus a desocuparem o primeiro andar do prédio urbano identificado no artigo 1º da P.I. e a restituí-lo aos Autores livre, desocupado de pessoas e bens e no estado de conservação e limpeza que se encontrava à data da celebração do contrato de arrendamento. Condena-se os Réus a pagar aos Autores as rendas em dívida, no montante global de 700,00€, referente às rendas dos meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2020, acrescido dos juros legais de mora desde a data dos respetivos vencimentos até integral e efetivo pagamento e na quantia de 420,00€, a título de indemnização, por cada mês ou fração de atraso na entrega do arrendado, desde 31 de outubro de 2020 até à efetiva restituição do imóvel. Custas a cargo dos Réus, sem prejuízo do apoio judiciário concedido”. * Apresentaram os Réus recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a sentença recorrida e, substituída por acórdão que dê provimento ao recurso e, em consequência, dê sem efeito tal sentença, formulando as seguintesCONCLUSÕES: “A. O Douto Tribunal a quo decidiu pelo reconhecimento da cessação do contrato de arrendamento in casu; B. Os Réus, em concreto a Ré aqui apelante, foram condenados a desocupar o locado. C. A Ré, tal como o Réu, foi ainda condenada a pagar as rendas em atraso, e os juros inerentes à mora. D. Foi ainda determinado o pagamento de uma quantia indemnizatória por cada mês de atraso na entrega do imóvel. E. Essa quantia revela-se desproporcional. F. A decisão de cessação de contrato de arrendamento e consequente desocupação imediata, desrespeita princípios basilares do direito à habitação. G. A decisão em causa, não tem em conta o sentido de proteção constitucional destas normas. H. Deveria ter relevado a boa-fé que inegavelmente existe por parte da Ré e Apelante. I. Neste pendor, o Tribunal a quo não pode olvidar a situação sócio-económica da aqui Apelante. J. O presente recurso deve ter efeito suspensivo, tendo em conta que estamos perante uma ação que tem em crivo a posse da casa que é habitação da Ré, onde habita permanentemente. K. E a final, deve ser dada sem efeito a sentença recorrida, absolvendo-se a Ré”. * Responderam os Autores pugnando por que seja negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida apresentando as seguintes Conclusões: “1. Quanto à matéria de facto dada como provada, entendem os Recorridos que, do corpo das alegações apresentadas, resulta que a Recorrente não impugna a decisão sobre a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida. 2. A Recorrente não indica os concretos pontos de facto que, no seu entendimento, tenham sido incorrecta e indevidamente julgados/valorados nem especifica os meios probatórios que impunham decisão diversa daquela que foi proferida, em harmonia com o disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil. 3. Assim, no modesto entendimento dos Recorridos, a decisão sobre a matéria de facto não merece qualquer reparo e, por conseguinte, deve manter-se inalterada. 4. Acresce que, no entendimento da Recorrente, o Tribunal a quo não poderia deixar de valorar a sua situação sócio-económica nem a conjuntura económica que Portugal tem atravessado citando, para o efeito, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/01/2019, Processo n.º 10883/18.2T8PRT.P1. 5. Com o devido respeito, entendem os Recorridos que o acórdão mencionado pela Recorrente não tem aplicação ao caso em concreto uma vez que os Recorridos instauraram contra a Recorrente e contra o seu filho DD, uma acção declarativa de processo comum peticionando que fosse declarada válida e eficaz a cessação do contrato de arrendamento celebrado a 1 de Novembro de 2008 por oposição à renovação deduzida pelos Autores, com efeitos a partir de 31 de Outubro de 2020. 6. Não obstante o recebimento da carta junta com a petição inicial sob o nº 6, através da qual os Recorridos comunicaram à Recorrente a oposição à renovação automática do contrato de arrendamento, a Recorrente nada comunicou aos Recorridos, particularmente que se encontrava numa situação económica difícil, em função da qual, não dispunha de meios para proceder ao respectivo pagamento da renda. 7. A Recorrente optou por se remeter ao silêncio e, por conseguinte, incumpriu as obrigações a que se encontra adstrita por via do contrato de arrendamento celebrado com os aqui Recorridos, nomeadamente o pagamento da renda e a restituição da coisa locada após a cessação do contrato, em conformidade com o disposto nas alíneas a) e i) do artigo 1038º do Código Civil. 8. Assim, entendem os Recorridos que não assiste razão à Ré/Recorrente quando invoca que o Tribunal a quo não valorou a sua situação sócio-económica difícil uma vez que, para fundamentar a sua pretensão, a Recorrente apenas alude à concessão do apoio judiciário, não tendo juntado aos autos qualquer documento comprovativo do qual seja possível extrair que o rendimento que aufere mensalmente se demonstra insuficiente para satisfazer todas as suas necessidades básicas, colocando em risco quer a sua própria subsistência, quer a subsistência do seu agregado familiar. 9. Entende ainda a Recorrente que, em virtude da sua alegada situação de fragilidade, se encontra protegida por via das alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, que estabeleceu medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios. 10. Na verdade, as alterações introduzidas com a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, apenas assumem relevância para os casos de transição para o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) dos contratos habitacionais celebrados antes e durante a vigência do DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, que aprovou o Regime de Arrendamento Urbano (RAU) o que, com todo o respeito, não se verifica no caso em apreço. 11. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o artigo 107º do Regime do Arrendamento Urbano não tem aplicação ao caso em concreto uma vez que, por um lado, não estamos perante uma situação de denúncia (forma de extinção prevista para os contratos de duração indeterminada), e, por outro lado, o contrato de arrendamento dos autos foi celebrado durante a vigência da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, não sendo aplicáveis as normas transitórias especiais previstas nos artigos 26º e seguintes do NRAU, cuja aplicação se destina aos contratos habitacionais celebrados antes ou durante a vigência do RAU. 12. A Recorrente invoca ainda o princípio basilar consagrado no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, que diz respeito ao direito à habitação, bem como o artigo 7º da Lei de Bases da Habitação, que estabelece as tarefas fundamentais e as incumbências do Estado na efetiva garantia do direito à habitação a todos os cidadãos, mas sem razão. 13. No modesto entendimento dos Recorridos, não está a ser negado o direito à habitação conforme alega a Recorrente, uma vez que não compete aos Recorridos, enquanto titulares do direito de propriedade, assegurar o direito a uma habitação condigna, adequada ao rendimento do seu agregado familiar. 14. Aliás, incumbe ao Estado, e não aos particulares, o dever de garantir e assegurar a todos os cidadãos o direito à habitação, no desempenho da sua função social, nomeadamente através da criação de um sistema de acesso à habitação com renda compatível com o rendimento familiar, conforme dispõe o nº2 do artigo 7º da Lei de Bases da Habitação. 15. Por todos os fundamentos expostos, e com o devido respeito, entendem os Recorridos que a interposição do presente recurso constitui uma manobra meramente dilatória, com o notório objectivo de protelar a desocupação do imóvel arrendado, objecto do contrato de arrendamento extinto. 16. Desde Junho de 2020 que a Recorrente, juntamente com o seu filho DD, tem pleno conhecimento da extinção do contrato de arrendamento celebrado a 1 de Novembro de 2008, operada através da oposição à renovação deduzida pelos senhorios através das cartas enviadas e juntas com a petição inicial sob os nºs 6 a 8. 17. Ou seja, desde há mais de dois anos que a Recorrente permanece no locado, sem proceder ao pagamento de qualquer contrapartida e sem qualquer título que a legitime, sendo, por isso, a sua ocupação ilícita e ilegítima. 18. A conduta adotada pela Recorrente é demonstrativa do claro desígnio de retardar a desocupação do local arrendado, em notória contradição com a boa fé que “inegavelmente” existe por parte da Recorrente. 19. Com todo o respeito, não se pode desconsiderar nem desvalorizar os direitos dos Recorridos enquanto proprietários/senhorios, dando primazia e proteção ao comportamento injustificado e insustentável por parte da Recorrente, que actua com plena consciência dos prejuízos que a sua permanência ilícita no locado acarreta para os Recorridos. 20. O acolhimento das pretensões formuladas pela Recorrente consubstanciaria uma situação de claro desequilíbrio e desproteção dos direitos e interesses dos Recorridos, que sempre cumpriram as suas obrigações e responsabilidades enquanto senhorios. 21. Por conseguinte, não podem os Recorridos ficar limitados desproporcionalmente no exercício do seu direito de propriedade, por via da manutenção e protelação da ocupação ilícita da Recorrente no local arrendado. 22. Pelo exposto, entendem os Recorridos que a douta sentença recorrida não é passível de qualquer censura ou reparo, devendo, por isso, manter-se inalterada. 23. Pelo que, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Ré/Recorrente”. * Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.* II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Assim, as questões a decidir são, tão só, as seguintes: 1. Se a decisão recorrida, determinativa da desocupação imediata do locado, findo o contrato de arrendamento no termo da renovação, viola os princípios basilares do direito à habitação. 2. Se o quantum indemnizatório fixado por cada mês de atraso na restituição do imóvel (triplo do valor da renda) é ilegal, por desproporcional. * II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO1. FACTOS PROVADOS São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição): 1. Os Autores são donos e legítimos possuidores, na proporção de metade indivisa para cada um, do seguinte prédio: “Prédio urbano, composto por casa de 6 pavimentos, nomeadamente sub-solo, rés-do-chão, sobre-loja, dois andares e águas furtados, sito na Rua ..., ..., da União das Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, inscrito na matriz sob o artigo ..., a que correspondia anteriormente o artigo ... da extinta freguesia ..., concelho do Porto” 2. Tal prédio adveio à titularidade dos AA. por partilha celebrada por escritura pública no dia 27 de março de 2014, no Cartório da Notária EE, em Viana do Castelo, por óbito de FF, falecido em .../.../1995, e de sua esposa GG, falecida em .../.../1997, avós dos AA., e estes na qualidade de representantes de seu pai HH, pré-falecido em .../.../1991. 3. O direito de propriedade sobre o prédio identificado no artigo 1º, encontra-se inscrito e registado a favor dos AA., através da Ap. ... de 10/04/2014, na Conservatória do Registo Predial do Porto. 4. Por contrato de arrendamento urbano para habitação com prazo certo, celebrado a 1 de novembro de 2008, os anteriores proprietários, II, CC e BB deram de arrendamento a DD e a AA, ora Réus, o primeiro andar do prédio urbano sito na Rua ... 5. No referido contrato de arrendamento foram estipuladas as seguintes cláusulas: a) As obras exteriores e interiores, quer sejam de reparação, quer sejam de conservação e limpeza, ficam a cargo dos arrendatários e as benfeitorias que fizerem, ainda que autorizadas pelos senhorios, ficam a pertencer ao prédio, não podendo os arrendatários alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização. b) Os arrendatários comprometem-se a deixar a habitação em bom estado de conservação, conforme a encontrou, devendo ainda entregar todas as chaves e tudo mais o que nele se encontre à data da celebração do contrato de arrendamento, obrigando-se a indemnizar os senhorios dos prejuízos que daí possam advir; c) A duração do arrendamento é de 5 anos, com início a 1 de novembro de 2008 e com termo a 1 de novembro de 2013. Findo este período, o contrato poderá ser renovado por períodos de um ano se nenhuma das partes o denunciar com aviso prévio de 120 dias; d) A renda anual é de 1.440,00€, a pagar mensalmente em duodécimos de 120,00€, por transferência bancária, sendo atualizada anualmente de acordo com os fatores de atualização aplicáveis aos arrendamentos para habitação, publicados em Diário da República; e) O andar arrendado destina-se à habitação dos arrendatários, não podendo subalugar, ceder por qualquer outra forma os direitos de arrendamento sem consentimento dos senhorios, dado por escrito e assinaturas devidamente reconhecidas; f) Para o caso de incumprimento quanto à data de entrega do arrendado no fim do prazo ou da sua renovação, fica, de igual modo, estipulado que a indemnização, por cada mês ou fração, será igual ao triplo do valor a que ascender a renda em vigor na oportunidade. 6. Ao abrigo do referido contrato de arrendamento, os RR. passaram a ocupar o primeiro andar do prédio urbano identificado no artigo 1º supra. 7. A renda mensal, a pagar pelos RR. no primeiro dia útil do mês anterior a que diga respeito, cifrava-se, no ano de 2020, em 140,00€. 8. Em 2018 e 2019, os RR. começaram a atrasar-se no pagamento das rendas. 9. Por carta registada com aviso de receção datada de 8 de junho de 2020, os AA. comunicaram a ambos os RR. a sua oposição à renovação automática do contrato de arrendamento celebrado a 1 de novembro de 2008, cessando, assim, os seus efeitos a partir de 31 de outubro de 2020. 10. Por carta registada com aviso de receção de 8 de junho de 2020, os AA. comunicaram à Ré AA, a oposição à renovação do contrato de arrendamento, efetuada para o dia 31 de outubro de 2020, solicitando ainda a entrega do arrendado, livre e devoluto e das respetivas chaves, até essa mesma data, carta que a Ré recebeu em 19/06/2020. 11. Por carta registada com aviso de receção de 8 de junho de 2020, os AA. comunicaram ao Réu DD, a oposição à renovação do contrato de arrendamento, efetuada para o dia 31 de outubro de 2020, carta que foi devolvida por não ter sido reclamada pelo Réu. 12. Face à devolução da carta enviada ao 2º Réu, os AA. enviaram nova carta registada com aviso de receção, datada de 17 de julho de 2020, comunicando a oposição à renovação do contrato de arrendamento, efetuada para o dia 31 de outubro de 2020, solicitando ainda a entrega do arrendado, livre e devoluto e das respetivas chaves, até essa mesma data, carta que o 2º Réu recebeu a 24 de julho de 2020. 13. Os RR., continuaram a permanecer no locado e deixaram de pagar a respetiva renda, tendo a última renda sido paga a 15 de junho de 2020, referente ao mês de maio de 2020. 14. Por carta registada com aviso de receção, datada de 15 de outubro de 2021, os AA., por intermédio do seu mandatário, solicitaram que os RR. procedessem à desocupação e entrega do imóvel no prazo de 15 dias, tendo solicitado contacto e resposta no prazo de 10 dias, sob pena de recurso ao tribunal, cartas que foram recebidas pelos RR. a 21 e a 22 de outubro de 2021 respetivamente. * II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Insurge-se a Ré/Apelante contra a sentença que entende padecer dos vícios de: i) ilegalidade; ii) e inconstitucionalidade, pretendendo seja a mesma dada sem efeito. Conclui ser: - Ilegal, por o quantum indemnizatório fixado pelo atraso na entrega do imóvel ser desproporcional; -Inconstitucional, por desrespeitar os princípios basilares do direito à habitação, atenta a condenação de desocupação imediata do imóvel, no seguimento da declaração de validade da cessação do contrato de arrendamento, face à sua situação sócio-económica. Os apelados, afirmando o incumprimento das obrigações da locatária: a de pagamento da renda e, tendo cessado o contrato de arrendamento, a de restituição da coisa locada, previstas, respetivamente, nas alíneas a) e i) do artigo 1038º do Código Civil, sequer comprovado estando rendimento insuficiente para a satisfação das necessidades básicas e nenhuma violação de princípio basilar do direito à habitação tendo sido cometida, pois assegurar habitação condigna é incumbência do Estado, na efetiva garantia do direito à habitação dos cidadãos, não dos Recorridos, enquanto titulares do direito de propriedade, entendem ser de manter a decisão recorrida, legal e proporcional. Concluiu o Tribunal a quo pela procedência da ação por, não impugnando os Réus a factualidade alegada pelos Autores, meramente invocando difícil situação económica, bem resultar que: “Tendo o contrato de arrendamento sido celebrado na vigência da Lei 6/2006 – NRAU – estabelece o artigo 1097.º do CC, na sua redação atual - Lei n.º 31/2012, de 14/08 – que o senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses. A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação. A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte. (…) Resulta dos autos que as partes estipularam no contrato de arrendamento celebrado um prazo inicial de cinco anos. Mais, estipularam que o contrato poderá ser renovado por períodos de um ano se nenhuma das partes o denunciar com aviso prévio de 120 dias. Neste âmbito, importa ter presente o estatuído pela Lei n.º 1-A/2020, de 19/03 – com as alterações da - Lei n.º 4-A/2020, de 06/04; - Lei n.º 14/2020, de 09/05; - Lei n.º 58-A/2020, de 30/09; - Lei n.º 75-A/2020, de 30/12 - artigo 8.º Regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, ficam suspensos até 30 de junho de 2021: a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio; b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação; c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio; d) O prazo indicado no artigo 1053.º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas; e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado. O disposto no número anterior depende do regular pagamento da renda devida nesse mês, salvo se os arrendatários estiverem abrangidos pelo regime previsto nos artigos 8.º ou 8.º-B da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, na sua redação atual. O disposto no número anterior aplica-se às rendas devidas nos meses de outubro a dezembro de 2020 e de janeiro a junho de 2021. Nos autos alegam os Autores a falta de pagamento de rendas desde junho de 2020, circunstância que os Réus não impugnam. Tão pouco alegam o respetivo pagamento. Estabelece o artigo 1045º do CC que - se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro. Contudo, estipularam as partes no contrato celebrado que para o caso de incumprimento quanto à data de entrega do arrendado no fim do prazo ou da sua renovação, fica, de igual modo, estipulado que a indemnização, por cada mês ou fração, será igual ao triplo do valor a que ascender a renda em vigor na oportunidade”. Como resulta das conclusões das alegações, a delimitar o objeto do recurso, a Ré insurge-se contra a decisão, apenas, por: i) a condenação na desocupação imediata do imóvel desrespeitar os princípios basilares do direito à habitação; ii) o quantum indemnizatório fixado pelo atraso na entrega do imóvel ser desproporcional. Conhecendo: 1. Da ofensa dos princípios basilares do direito à habitação Vindo invocada tal ofensa, na verdade, nenhuma violação do direito à habitação consideramos ter existido. Não ocorre a violação do direito à habitação (consagrado no art. 65.º, da Constituição), pois que tal direito reveste, acima de tudo, natureza programática, dirigida ao Estado, e está contemplada na lei, a parte essencial do direito à habitação, ao estabelecer casos em que o assegura, casos esses que assentam na justa ponderação dos interesses do arrendatário e do senhorio, encontra-se salvaguardada, adequadamente, a essência do direito à habitação em relação às pessoas mais vulneráveis, situações em que mais se justifica uma proteção especial e a real utilidade da mesma. Por isso, ao legislar nos termos conhecidos, o Estado, no âmbito da sua função soberana enquanto legislador, assegurou, em termos razoáveis, o direito à habitação[1]. E, como decidiu a Relação de Lisboa, seguindo a orientação que vem sendo traçada pelo Tribunal Constitucional, o “art.1º, que baseia a República Portuguesa, além do mais, na dignidade da pessoa humana, tem, no caso, que ser conjugado com o direito à habitação a que alude o citado art. 65º. Na verdade, a dignidade da pessoa humana é que legitima e justifica, designadamente, a garantia de condições dignas de existência, que, por seu turno, é indissociável do direito à habitação. É certo que este implica determinadas obrigações positivas do Estado (nºs 2, 3 e 4, do citado art. 65º), embora não confira um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos, mediante a disponibilização de uma habitação. Todavia, o incumprimento por parte do Estado e demais entidades públicas das referidas obrigações constitucionais constitui uma omissão constitucional. É igualmente certo que o direito à habitação também pode ser realizado por via do direito de arrendamento, cumprindo ao Estado, além do mais, fomentar a oferta de casas para arrendar. No entanto, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. I, 4ª ed., págs. 836 e 837, « … o direito à habitação não preclude o funcionamento de um mercado de arrendamento, através da possibilidade de despejos em casos justificados e da liberdade de fixação de rendas. O direito à habitação justifica seguramente limitações à propriedade no caso de prédios arrendados e não só (…). Mas essas limitações devem obedecer a um princípio de equidade e de proporcionalidade». E acrescentam aqueles autores, in ob. e loc. cits., «Os titulares passivos do direito à habitação, como direito social, são primacialmente o Estado e as demais colectividades públicas territoriais e não principalmente os proprietários e senhorios». Assim, a Constituição “reconhece a todos, no artigo 65º, o direito à habitação e, em conjugação com o artigo 1º, o direito a uma morada digna, onde cada um possa viver com a sua família” e, “enquanto direito fundamental de natureza social, tal direito “pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo” (Ac. nº 829/96 – cfr. ainda Acs. nºs 131/92, 508/99 e 29/00)” [2]. Tal artigo, é configurado, fundamentalmente, como um direito à proteção do Estado. O nº2 impõe ao Estado um conjunto de incumbências em vista a assegurar o direito de todos à habitação e os nºs 3 e 4 têm igualmente como destinatários os poderes públicos. Tal direito não se move, à partida, no círculo das relações entre particulares. Destinatários do direito à habitação são o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais e não, em princípio, os proprietários de habitações ou os senhorios (Ac. nº. 130/92 – cfr. Ainda Ac. nº 590/04)[3], sendo que, contudo, a propriedade tem uma “função social” a ponderar sempre que há conflito de interesses entre o inquilino e o senhorio, embora se não revele legítimo, adequado, proporcional nem constitucional “obrigar os proprietários a sub-rogarem-se ao Estado no cumprimento das incumbências infungíveis que, por expresso imperativo constitucional, sobre ele recaem. Por outro lado, a realização do direito à habitação através da imposição de limitações intoleráveis e desproporcionadas ao direito de propriedade, não só não é constitucionalmente exigível (Ac. nº 633/95 – cfr. ainda Acs. nºs 101/92, 130/92 e 570/01), como, em rigor, se apresenta como constitucionalmente interdita”[4]. Deste modo, entendemos que a interpretação efetuada pela decisão recorrida em nenhuma violação ao direito à habitação, constitucionalmente consagrado, incorre. Na verdade, não se verifica a invocada inconstitucionalidade, pois que específicas razões há para, no domínio do arrendamento, acautelar determinadas situações de presumida maior vulnerabilidade nuns casos e não o fazendo a lei noutros. No caso, não podem ser sacrificados interesses superiores, do senhorio e públicos, ante a mera conveniência particular, que sequer se materializa em, demonstrada, efetiva e real necessidade dos inquilinos, incumpridores da obrigação de pagamento da renda. E a restrição ou compressão do direito à habitação é admitida e aceite pela Constituição, limitando-se, validamente, o mesmo na medida do estritamente necessário à salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (o direito de propriedade privada e de livre iniciativa económica, direitos expressamente previstos nos artºs 61º e 62º da CRP). Não se nos afigura, existir qualquer violação do direito à habitação, bem tendo sido satisfeito o direito dos senhorios, ao Estado cabendo assegurar, se for caso disso, o direito à habitação da Apelante, a disso carecer. Neste conspecto, cessado o contrato de arrendamento, com rendas em mora, bem foi reconhecido aos Autores, nos termos da lei, o direito, além do às rendas vencidas e não pagas na vigência do contrato, a que lhes seja entregue o locado e a indemnização pela mora na restituição do mesmo. Passemos, agora, à reapreciação do quantum indemnizatório a atribuir. * 2. Da desproporcionalidade do quantum indemnizatório fixado pelo atraso na restituição do imóvel (o triplo do valor da renda) e da sua fixação legal (dobro da renda acordada).Uma vez cessado o contrato de arrendamento, como cessou, pela, não impugnada, operada oposição à renovação, esta uma causa de cessação do contrato de arrendamento contemplada nos arts 1054º, 1055º, 1096º a 1098º, do Código Civil, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência, de tal cessação não pode deixar de resultar, para o arrendatário, o dever de imediata restituição do imóvel arrendado, dever esse a cumprir logo que cessa o contrato (artigos 1038.º, al. i), e 1081.º, n.º 1). E o incumprimento de tal dever gera, nos termos da lei, obrigação de indemnizar, estando esta especificamente regulada no artigo 1045º, constituindo-se o arrendatário na obrigação de pagar indemnização no valor da renda até ao momento da efetiva restituição (nº1), sendo que, a haver mora na restituição (cfr. nº2, do art. 804º e 805º, de tal diploma legal), essa indemnização é elevada ao dobro da renda (n.º 2), o caso, atentas as interpelações, para tal, dos credores aos devedores (nº1, do art. 805º). Na situação vertente, e na consideração do estipulado pelas partes no contrato de arrendamento (celebrado em 1/11/2008, pelo prazo de cinco anos), foram os Réus condenados, pela mora na entrega do arrendado no fim renovação (31/10/2020), na indemnização do triplo do valor renda em vigor. Tendo os Autores direito a indemnização a questão, agora, a analisar é a de: saber se o valor considerado (contratualmente estabelecido - triplo da renda) padece de desproporcionalidade e se deve ser reduzido ao valor fixado por lei (dobro da renda) e, como tal, se nesse valor deve ser fixado o quantum indemnizatório pelo atraso na entrega do imóvel desde 1/11/2020 até efetiva restituição. A tal questão não podemos deixar de dar resposta positiva. Vejamos. Resultando que as partes convencionaram uma indemnização para o incumprimento da obrigação de entrega do arrendado, findo o contrato, superior à que a lei especificamente prevê, foi-lhe aquela superior indemnização atribuída desde a cessação do contrato de arrendamento, verificada em 1/11/2020, e até efetiva restituição do imóvel. Na reapreciação da decisão, analisemos se deve ser observado o acordado pelas partes ou se, ao invés, por desproporcional, dado não garantir o adequado equilíbrio, na economia do contrato, deve ser outro o quantum indemnizatório a fixar pela mora na obrigação de restituição do imóvel, findo o contrato (em 31/10/2020, com rendas em mora). Ora, a lei, que regula a questão do direito à indemnização por falta de restituição, fá-lo de forma imperativa. Com efeito, a regular o quantum indemnizatório devido pelo locatário que findo o contrato não entrega a coisa locada temos o artigo 1045º, do Código Civil (que vem já da versão primitiva) que, com a epígrafe “Indemnização pelo atraso na restituição da coisa”, dispõe: “1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. 2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro”. Deste modo, e na não restituição do locado, previstas se encontram, neste artigo, duas situações: - Uma, a do nº1, em que não existindo mora na entrega da coisa por parte do locatário, o locador tem o direito a receber deste uma indemnização correspondente ao valor da renda convencionada até ao momento da entrega da coisa; - Outra, a do nº2, em que existindo mora do locatário na entrega do locado, o locador tem o direito a receber daquele o dobro do valor das rendas convencionadas, desde a constituição da mora e até efetiva entrega do locado. A mora referida neste nº2 é a que, como no caso, é provocada pela interpelação do locador no sentido da restituição da coisa locada[5] (cfr. nº1, do art. 805º), a não ter o contrato um prazo certo para terminar (al. a), do nº 2, do art. 805º). Assim, havendo interpelação do locatário, como houve, no sentido da restituição da coisa locada, uma vez constituído em mora, fica o mesmo obrigado ao pagamento do dobro da renda convencionada, desde o início da mora até à entrega da coisa – indemnização agravada cujo valor se encontra legalmente fixado. É, pois, esta a indemnização que o legislador presumiu e considerou proporcional e equitativa e não outra, sendo que a maior não tem o locador, por isso, direito, a menos que se configure situação de abuso de direito do locatário e alegue e prove ascenderem, nas circunstâncias do caso, os danos, efetivamente, a superior importância. E o próprio Tribunal Constitucional manifestou já o entendimento, que se exara, de não padecer a norma que limita a indemnização pelo atraso na entrega da coisa locada de inconstitucionalidade[6]. Nos termos expostos, “extinto o contrato, ele continua a ser o referencial de equilíbrio entre as prestações da relação de liquidação, pelo que, resultando da auto-regulação das partes, a renda representa o justo valor do lucro cessante da indisponibilidade da coisa locada”[7]. Sendo esta a solução legal, neste mesmo sentido interpretativo se vem orientando a Doutrina e a Jurisprudência. Na verdade, como se decidiu no Ac. da RE de 16/6/2016, proc. 2501/14.4TBSTB.E1, “não procedendo o arrendatário à entrega voluntária do locado, o atraso na restituição do mesmo tem, para além do mais[8], as consequências legalmente previstas no artigo 1045.º do CC. Diz-nos o n.º 1 deste preceito que, se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado (…). Trata-se, pois, de «uma presunção de existência de prejuízo do locador, com a consequente obrigação de indemnizar, pela não restituição da coisa depois de findo o arrendamento. Assim, nem o locador tem de alegar e provar que poderia ter obtido rendimento do imóvel no período de tempo em causa, nem o arrendatário pode alegar a inexistência do prejuízo. (…) O montante da indemnização devida será o valor equivalente a um mês de renda ou o dobro desse valor, em função da ausência ou verificação de mora do locatário quanto à obrigação de restituição»[9]. Trata-se de disposições legais que são de qualificar como respeitantes a um “estatuto legal” e não a um “estatuto contratual”, isto porque as mesmas são dirigidas «à tutela dos interesses duma generalidade de pessoas que se achem ou possam vir a achar ligadas por uma certa relação jurídica, de modo a poder dizer-se que tais disposições atingem essas pessoas, não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo tipo de vínculo contratual»[10]. No caso estamos perante uma relação jurídica de arrendamento urbano habitacional, pelo que tais disposições legais atingem os destinatários respectivos na qualidade respectivamente de senhorios e inquilinos, que assumiram mercê de vínculo contratual que os ligou até ao termo do contrato. Porém, as consequências legais resultantes do incumprimento das obrigações assumidas mercê desse vínculo não se dissolvem com a extinção do contrato, antes perduram enquanto as obrigações decorrentes do mesmo não se encontrem cumpridas. Assim acontece com a indemnização prevista no apontado artigo 1045.º, n.º 1, do CC. De facto, «[n]o quadro do art. 1045.º do CC há três hipóteses a considerar, consoante a causa da não restituição pontual do imóvel, findo o contrato: a) tratando-se de causa imputável ao inquilino, este constitui-se em mora e fica obrigado a pagar o dobro da renda até ao momento da restituição: é a hipótese do n.º 2 daquele preceito; b) tratando-se de causa imputável ao senhorio, há razão para a consignação em depósito do prédio: é a hipótese prevista na parte final do n.º 1 do mesmo artigo; c) por fim, devendo-se a não restituição a qualquer outra causa, aplica-se a solução da 1.ª parte do n.º 1: o locatário é obrigado a continuar a pagar a renda acordada, a título de indemnização, até ao momento da restituição do prédio»[11]. Efectivamente, «[a] razão de ser da norma do art.º 1045.º CC é a de que extinto o contrato continua, apesar de tudo, a renda a ser o referencial de equilíbrio entre as prestações da relação de liquidação. E isso com base na ideia de que a renda, tendo resultado da auto-regulação das partes, representa, em regra, o justo valor do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada»[12]. Na verdade, «[o] proprietário, sendo o locador, tem direito ao crédito da renda convencionada, eventualmente com a compensação decorrente da mora. Esse crédito, porém, não se transforma em crédito indemnizatório pelo facto de o contrato ter sido objecto de resolução judicialmente decretada, qualquer que tenha sido o fundamento desta. Por definição, a contrapartida de uma locação a satisfazer pelo locatário não assume o carácter de reparação de um prejuízo, nem de uma privação suportada pelo locador. Assim, apenas é possível, aplicando a norma do art.º 1045.º do CC, compensar os senhorios pelo atraso na entrega do imóvel depois de transitada a sentença que decretou o despejo, tomando para o efeito em consideração o valor da renda mensal contratualizada»[13]. Tudo se passa, portanto, como se o contrato se prolongasse até à entrega da coisa arrendada, devendo o arrendatário continuar a pagar a renda convencionada, agora a título da indemnização prevista no artigo 1045.º do CC, uma vez que, caso assim não acontecesse aquele continuaria a usufruir do local arrendado sem satisfazer a contrapartida contratualmente acordada, em clara situação de enriquecimento sem causa que o citado preceito visa prevenir[14]”[8]. Prevê o referido artigo específica indemnização a título de enriquecimento sem causa, à qual se não aplicam as normas dos art.ºs 473.º e segs, por esta ser uma via subsidiária - art.º 474.º -, revelando-se, pese embora o seu pressuposto contratual, a obrigação do pagamento de renda uma obrigação de indemnização do ex-locador, sendo a situação do nº2 uma obrigação agravada devido a incumprimento temporário culposo do locatário (mora)[9]. O artº 1045º fixa a indemnização devida pela não entrega do locado aquando da cessação do contrato de arrendamento, sendo, pois, uma indemnização cujo valor se encontra legalmente fixado, correspondendo ao valor das rendas, em singelo, no caso de não ocorrer mora (nº 1), e em dobro, no caso de mora do arrendatário (nº 2)[10]. Tal artigo, a regular especificamente a indemnização findo o arrendamento, “ao prever a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, limitou o cálculo da indemnização pelo critério consignado nesse preceito, com exclusão das regras gerais dos artigos 562º e seguintes do Código Civil: por um lado, o locador terá sempre direito a indemnização independentemente da prova de perda de valor locativo; por outro lado, o senhorio não é admitido a fazer prova de que a não restituição do locado lhe causou, em concreto, dano superior ao valor indemnizatório fixado, “a forfait”, naquele artigo 1045º”[11]. O locatário que não restitua a coisa locada findo o contrato tem, uma vez constituído em mora, de pagar indemnização correspondente ao dobro da renda ou aluguer estipulados (nº2, do artigo 1045º), sendo esse montante indemnizatório, fixado por lei a forfait, o a pagar independentemente de quaisquer circunstâncias sejam elas relativas a dificuldades económicas do locatário sejam referentes a inferior atual valor de uso, apenas se podendo configurar superior ressarcimento por prejuízos efetivos a fundar-se a não restituição do locado em abuso do direito por parte do locatário[12]. Assim, bem resulta legal e constitucional o entendimento uniforme de a “indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, prevista no art. 1045º do Código Civil, abrange todos os danos resultantes desse atraso e está limitada pelo critério consignado nesse preceito, com exclusão das regras gerais dos art. 562º e seguintes do mesmo Código”[13]. No caso vertente, o contrato foi celebrado com prazo certo (5 anos, com início no dia 1/11/2008 e termo no dia 31/10/2013), com renovação automática pelo prazo de 1 ano, e os Autores, valida e eficazmente, como decidido, opuseram-se à sua renovação, por carta registada com aviso de receção datada de 8 de junho de 2020, para o contrato cessar os seus efeitos a partir de 31 de outubro de 2020, solicitando a entrega do arrendado, livre e devoluto e das respetivas chaves, nessa data, interpelação recebida pela apelante. Incumbindo à arrendatária/apelante restituir o locado findo o contrato (art. 1038.º, al. i)), entrou em mora quanto à restituição do locado no dia 1-11-2020 (arts. 804º, nº2 e 805.º, n.º 1). Neste conspecto, entendendo o legislador ser equilibrada a indemnização do dobro da renda e fixando-a nesse valor, o triplo do valor da renda mostra-se, na verdade, desproporcional e violador de lei imperativa, não sendo, por isso, de arbitrar a excessiva indemnização contratualmente acordada. Assim, e no confronto da matéria de facto assente, cessado o contrato de arrendamento em 31/10/2020, tendo no dia seguinte os Réus entrado em mora quanto à obrigação de restituição, dada a interpelação havida e a falta de entrega do imóvel, constituíram-se os mesmos na obrigação de indemnizar os Autores pelo valor da renda em dobro, desde aquela data e até ao momento da restituição. Nesta conformidade, em vez da importância do triplo do valor da renda, têm os Réus de ser condenados a pagar aos Autores a, inferior, importância do dobro da renda (280,00€), até subsidiariamente pedida, desde a data da sua constituição em mora relativamente à obrigação de entrega do imóvel - 1/11/2020 - e até à efetiva entrega/restituição do arrendado, nos termos do nº2, do artigo 1045º, do Código Civil. No mais, improcedem as conclusões da apelação. * III. DECISÃOPelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em vez da importância do triplo do valor da renda, condenam os RR. a pagar aos Autores o dobro da renda (280,00€), desde a data da sua constituição em mora relativamente à obrigação de entrega do imóvel - 1/11/2020 - e até à efetiva entrega/restituição do arrendado, nos termos do nº2, do artigo 1045º do Código Civil, confirmando, no restante, a decisão recorrida. * Custas por apelante e apelados, na proporção de 9/10 para aquela e 1/10 para estes – art. 527º, nº1 e 2, do CPC, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.Porto, 6 de fevereiro de 2023 Assinado eletronicamente pelas Juízas Desembargadoras Eugénia Cunha Fernanda Almeida Teresa Fonseca __________________ [1] Acs da RL de 12 de novembro de 2015, processo n.º 894/13.0TVLSB.L1-6, e de 09-12-2015 - processo 396/14.7TVLSB-A.L1-2 (OLINDO GERALDES), onde se considerou que “O regime transitório, fixado no Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), continua a manter-se em vigor enquanto subsistirem os contratos de arrendamento para habitação celebrados antes ou durante a vigência do Regime do Arrendamento Urbano, aplicando-se aos contratos de arrendamento para habitação posteriores o regime previsto no art. 1106.º do Código Civil” in dgsi.net. [2] Jorge Miranda, Rui Medeiros, idem, pág. 958 e seg [3] Ibidem, pág 961 [4] Ibidem, pág 961 [5] Elsa Sequeira Santos, Ana Prata (Coord.), em anotação ao artigo 1045º, do Código Civil Anotado, 2017, volume I, Almedina, pág. 1272 [6] Cfr. Ac. do TC de 24/11/1999 (Relatora: Fernanda Palma) onde se analisa: “ A quantificação da indemnização pecuniária é feita, nos termos do disposto no artigo 566º do Código Civil, de acordo com a teoria da diferença. No entanto, tal norma ressalva expressamente o preceituado noutras disposições legais. É o caso, nomeadamente, dos artigos 899º e 909º do Código Civil. Assim, verifica-se que no plano infra-constitucional o legislador consagra determinadas soluções que constituem, de algum modo (ou podem constituir), limites à determinação do montante indemnizatório, que se fundamentam em circunstâncias objectivas. No presente caso, a norma impugnada limita a indemnização pelo atraso na entrega da coisa locada (trata-se, em concreto, de um imóvel) ao valor das rendas. Tal solução normativa, necessariamente inter-relacionada com a pré-existência de um contrato de arrendamento, assenta naturalmente numa lógica de prolongamento de facto do contrato, que se traduz na subsistência da utilização da coisa pelo locatário, com prejuízo do locador. Continuando aquele a auferir os benefícios decorrentes da celebração do contrato, deverá consequentemente pagar ao senhorio as rendas acordadas, a título de indemnização (cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, 1986, pp. 406 e 407). No entanto, a dimensão limitativa da opção legislativa resulta fundamentalmente da relevância conferida à conexão entre a utilização do bem no mercado de locação e a sua fruição. Com efeito, uma coisa, quando objecto de um contrato de locação, assume uma função económica específica (a função de coisa produtora de frutos civis) que, de certo modo, monopoliza a sua rentabilidade. Nessa medida, todo o potencial lucrativo da coisa locada que vá para além da produção de frutos civis encontra-se neutralizado enquanto durar a situação locatícia. No presente caso, a norma limita, como se referiu, a indemnização devida por atraso na entrega da coisa locada findo o contrato. Apesar de se tratar de um momento em que a relação contratual já se extinguiu formalmente, é ainda a projecção da situação contratual pré-existente, projecção acompanhada da continuação da situação de facto, que justifica a solução consagrada. Se o locatário não entrega a coisa no fim do contrato, a compressão do património do locador tem por equivalente pecuniário o valor da renda (ou do aluguer) acordado (tenha-se presente que, nos termos do nº 2 do artigo 1045º do Código Civil, a mora do locatário eleva o valor da indemnização ao dobro da renda ou do aluguer), pois foi essa a utilização que o locador decidiu fazer da coisa. Nessa medida, a indemnização corresponderá ao valor dos benefícios dessa utilização (corresponderá, pois, aos frutos da coisa). É esta a razão objectiva da solução normativa em apreciação no presente recurso de constitucionalidade. Trata-se da decorrência (ainda possível) de uma determinada utilização da coisa. Note-se, porém, que não é excluído o direito à indemnização. Na verdade, o critério pode até beneficiar o locador, uma vez que, sendo fixo, pode implicar um montante que vá além dos prejuízos efectivamente sofridos com o atraso na entrega da coisa (ou seja, a continuação da situação de facto pode corresponder ao interesse do locador, sendo-lhe portanto vantajosa). A possibilidade de o prejuízo ser superior ao valor devido insere-se, deste modo, no risco inerente à celebração do contrato de locação, risco que se justifica em face de uma certa normalização racional dos efeitos de determinada utilização das coisas. (…) não se verifica qualquer afectação do direito de propriedade violadora do artigo 62º da Constituição. Trata-se, apenas, da eficácia de uma situação contratual anterior que afectava a propriedade (…), e do direito à habitação (artigo 65º da Constituição). O direito de propriedade não é afectado pelo facto do exercício da liberdade contratual poder gerar situações em que o destino atribuído à propriedade implica alguma protecção jurídica de outras posições jurídicas e dos respectivos sujeitos. Com efeito, os critérios de determinação da indemnização devida pelo atraso na entrega do prédio locado dependem de uma lógica inerente a uma dada utilização económica do bem. Tal lógica fundamenta uma certa estabilidade de expectativas quanto às consequências do incumprimento, as quais são aceites por quem realiza um contrato de arrendamento ou sucede nessa posição contratual”. [7] V. Acs. STJ de 13/11/2007: CJ/STJ, 2007, 3º, 144 e de4/7/2002, Rev. 2188/02- 7ª: Sumários, Julho de 2002, citados in Abílio Neto, Código Civil Anotado 20ª edição Atualizada Abril 2018. Ediforum, pág. 993. [8] Ac. da RE de 16/6/2016, proc. 2501/14.4TBSTB.E1, acessível in dgsi. pt [9] Ac. do STJ de 15/9/2022, proc. 8520/20.4T8PRT-B.P2.S1, acessível in dgsi.pt, onde se decidiu “Trata-se, voltando ao caso do nº1 citado, de uma indemnização específica pela não restituição do locado: posto que o proprietário não possa usar ou dispor do bem, a indemnização vai fixada na renda praticada no contrato, considerando-se ser esse o valor de uso do prédio. A situação assim contemplada vem a ser apenas uma indemnização a título de enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia. Não se aplicam, todavia, as normas dos art.ºs 473.ºss. CCiv, por esta ser uma via subsidiária – art.º 474.º CCiv, existindo, como existe, a via expressamente prevista do art.º 1045.º n.º1 CCiv. Como é princípio geral da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, tudo quanto os bens sejam capazes de render ou produzir pertence, em princípio, ao respectivo titular – “a obrigação de restituir a que se referem os art.ºs 473.ºss. não visa reparar o dano do lesado (esse é o fim da responsabilidade civil), mas suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém à custa de outrem; por consequência, nos casos de intromissão em coisa alheia, a restituição terá por objecto tudo aquilo que foi obtido à custa do titular da coisa, mediante o uso, a fruição ou o consumo indevido dela” (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, I, 3.ª ed., art.º 479.º). Trata-se de vantagens que se encontravam reservadas ao titular do direito, segundo o conteúdo da destinação, afectação ou ordenação dos bens objecto desse direito”. [10] Ac. RL de 7/10/2021, proc. 12886/20.8 T8LSB.L1-8, acessível in dgsi. pt [11] Ac. RL de 6/2/2007, proc. 7797/2005-1, acessível in dgsi. pt [12] V. Ac. de 4/5/2006, proc. 3241/2006-8, in dgsi.pt onde se decidiu: “a indemnização prevista no nº2 visa ressarcir o locador pela não restituição do bem locado por culpa do locatário. O valor dos prejuízos está fixado por lei. Os prejuízos efectivos podem ser maiores ou menores do que o valor indemnizatório a forfait fixado pela lei. Não pode, no entanto, o locador ressarcir-se com base apenas no dever de restituição que a lei impõe ao locatário, findo o contrato, de danos superiores, mas também não pode o locatário alegar que o locador não auferiria o valor da renda ou aluguer estipulados. De facto, o artigo 1591º do CC italiano ressalva “l’obligo di risarcire il maggior danno” sem estabelecer para esse efeito qualquer montante, limite que a lei portuguesa impôs. Afigura-se, no entanto, que não fica o locador privado da possibilidade de se ressarcir de danos que tenham a sua causa na conjugação causal da violação contratual de não restituição com outro ilícito como, por exemplo, o de obstar a que o locador, por falta de acesso ao imóvel, fique impedido de evitar a deterioração acrescida do imóvel ou proceder a reparações. Nesta medida já se compreende a ressarcibilidade dos danos referidos anteriormente (ver 38. supra). E também não se vê que o locador não possa reclamar danos fundados e derivados da conjugação causal da não restituição do locado com o abuso do direito do locatário (…) Todas estas situações em que se suscita eventual abuso do direito por parte do locatário pressupõem que o locador preencha ainda o ónus de provar que, face à abusiva não restituição, houve prejuízos efectivos, ou seja, tratando-se de perda de valor locativo, a demonstração de que o local poderia ser efectivamente arrendado por valor superior e que tal apenas não sucedeu por persistir o locatário numa ocupação abusiva”. [13] Ac. RL de 17/3/2022, proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6, acessível in dgsi.pt Aí se deixa expresso “A lei estabeleceu uma indemnização a forfait numa linha de algum modo proteccionista do arrendatário, mas também com o propósito de evitar a litigiosidade acrescida que sempre resultaria da determinação do apuramento do valor locativo do imóvel ocupado, como se decidiu no Acórdão desta Relação de 4/5/2006 (Salazar Casanova), disponível em www.dgsi.pt. Continuando a citação deste aresto, A não ser assim, podia dar-se o caso de o locador, não obstante a ocupação, não receber qualquer indemnização por se provar, por exemplo, que o imóvel não seria arrendado, dadas as difíceis condições de mercado existentes no local, ou então receber indemnização inferior à renda que o locatário suportava por se provar que o valor locativo era afinal menor do que a renda suportada pelo arrendatário. Dir-se-á, portanto, que o artigo 1045º do Código Civil tem em vista a indemnização correspondente ao valor de uso do prédio, que fixa a forfait, impedindo o locupletamento à custa alheia por parte do arrendatário e, por isso, é-lhe indiferente a questão de saber se o locador, com o prosseguimento da ocupação causada pela não restituição do locatário, acaba por beneficiar ou sofre prejuízo. Por outro lado, a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada prevista no art. 1045 do Cód. Civil, abrange todos os danos resultantes desse atraso e, em princípio, está limitado pelo critério consignado nesse preceito, com exclusão das regras gerais dos art. 562º e seguintes do mesmo Código, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 8/7/2003 (Afonso Correia), disponível na mesma base de dados. Continuando nesta decisão do Alto Tribunal: Trata-se de verdadeira obrigação de indemnização ("a título de indemnização") pelo incumprimento do dever de restituição da coisa locada e a circunstância de a lei prever um critério especial para a fixação do seu montante, baseado na renda, é incompatível com a aplicação das regras gerais previstas nos art. 562º e seguintes do Código Civil. O princípio da igualdade das partes exclui que o senhorio possa fazer a prova de dano superior, uma vez que o locatário também não é admitido a provar um dano inferior. (…) do confronto com a lei anterior, onde se previa a responsabilidade do locatário "por perdas e danos" (art.ºs 1616º do Cód. Civil de 1876 e 25º do Dec. nº 5411, de 17-4-1919), ou seja, em conformidade com os princípios gerais sobre indemnização, resulta que o legislador, com o cit. artº 1045, quis consagrar solução diversa e mais restritiva. A solução pode não ser porventura a mais rigorosa mas tem alguma razoabilidade: a indemnização baseia-se em montante que estava estipulado pelas partes; qualquer delas fica desonerada da prova dos danos efectivos; e está de harmonia com certa protecção tradicionalmente concedida ao arrendatário”. |