Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3459/18.6T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RP202005153459/18.6T8MAI.P1
Data do Acordão: 05/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A obrigação assumida pela Seguradora, no âmbito de um contrato de seguro de responsabilidade civil, consiste em responder pelas indemnizações devidas pelo seu segurado.
II - Neste tipo de contratos pode-se, assim, dizer, genericamente, que o risco coberto pela Seguradora é a eventualidade de ocorrência de danos que venham de algum modo a ser imputados ao segurado, por forma a que este tenha de responder por eles.
III - No caso concreto, não tendo sido imputado, a título de responsabilidade civil, ao segurado a ocorrência dos danos causados a um seu próprio trabalhador, mas sim a um terceiro responsável (civil), nunca a sua Seguradora – para quem se mostrava transferida a sua responsabilidade civil extracontratual -, nestas circunstâncias, poderia responder pela indemnização aqui peticionada, em termos de direito de sub-rogação fundada no art. 17º, nº 4 da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, pela Seguradora laboral (que ressarciu o aludido trabalhador em sede de acidente de trabalho).
IV - Com efeito, nestas situações vigora aqui em pleno o princípio de que a Seguradora, neste âmbito da responsabilidade civil, só responderá na medida em que o seu segurado responda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 3459/18.6T8MAI.P1
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Comarca de Porto– Juízo Local Cível da Maia - Juiz 3
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s):- B… – Companhia de Seguros, S. A.;
Recorrida:- C… – Companhia de Seguros, S. A.;
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A Autora B… – Companhia de Seguros, S. A. intentou a presente Acção de Condenação com Processo Comum contra os Réus C… – Companhia de Seguros, S. A., D…, Lda., e E…, alegando, em síntese, que:
- No exercício da actividade seguradora a que se dedica celebrou com a F… um contrato de seguro que cobria o risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores daquela;
- No âmbito desse contrato foi participado um sinistro com um trabalhador, do qual resultaram lesões e danos para o mesmo;
-Tal sinistro ficou a dever-se aos 3º e 2º Réus, condutor do empilhador envolvido no acidente e entidade patronal do mesmo;
-Ao abrigo do referido contrato de seguro a Ré pagou a quantia de € 8379,15, tendo ficado sub-rogada nos direitos do trabalhador contras os responsáveis pela produção do acidente.
Concluiu requerendo que a presente acção seja julgada procedente, por provada e, em conformidade, os Réus condenados a pagar a quantia de €8379,15, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento a partir da citação.

Regularmente citados os Réus C… – Companhia de Seguros, S. A., D…, Lda., e E…, apenas Ré C… veio contestar invocando as excepções de ilegitimidade passiva e de prescrição.
Alegou ainda que, de qualquer forma, existe exclusão de responsabilidade por força das condições previstas no contrato de seguro e que a culpa do sinistro é também do lesado.
Concluiu requerendo que a Ré seja absolvida da instância e, caso assim não se entenda, seja absolvida do pedido.
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A Autora veio responder às excepções alegadas, pugnando pela sua improcedência.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia.
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Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva[1]. Foi ainda proferido despacho com identificação do objecto do litígio e dos temas da prova.
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Realizou-se audiência final com cumprimento das formalidades legais.
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De seguida, foi proferida a seguinte sentença:
“VII – Decisão:
Nos termos e pelos fundamentos expostos decide-se:
- Absolver a Ré C…, Companhia de Seguros, SA dos pedidos contra si formulados;
- Condenar solidariamente os Réus D…, Lda., e E… a pagar à Autora B…, Companhia de Seguros, SA a quantia de € 8379,15 (oito mil trezentos e setenta e nove euros e quinze cêntimos), acrescida de juros legais contados desde a data da citação dos Réus condenados e até efectivo e integral pagamento.
Custas pelos Réus condenados.
Registe e notifique.”
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É justamente desta decisão que a Autora/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
Conclusões:
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A Recorrida apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a Recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:
- Saber se a Autora, actuando em sub-rogação do direito do lesado, pode pedir a indemnização que pagou àquele (em sede laboral), à Ré/Recorrida "C…", já que tal pretensão está coberta pelo contrato de seguro que esta celebrou com os responsáveis civis.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
“III – Factos Provados:
1 – A Autora é uma sociedade que se dedica à actividade seguradora.
2 – No exercício da sua actividade a Autora celebrou com a sociedade F…, S. A.” o contrato de seguro titulado pela apólice nº …………., nos termos da qual assegurou a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores daquela indicados nas respectivas folhas de salários.
3 – No dia 9 de Junho de 2014 a referida sociedade participou à Autora um sinistro ocorrido cerca das 1.20h do dia 8 de Junho de 2014, com o trabalhador G…, que constava da folha de salário que a segurada lhe havia apresentado.
4 – O referido acidente de trabalho ocorreu nas instalações da segurada da Autora, sitas na Zona Industrial …, …, …, na Maia.
5 – O local era, à data, iluminado por iluminação artificial.
6 – O referido trabalhador encontrava-se, no âmbito das suas funções de expedidor, na zona de separação das instalações da F… a aguardar a chegada de uma carga que seria descarregada de um camião que havia chegado ao local momentos antes e, posteriormente, transportada até si com o recurso a um empilhador.
7 – O trabalhador sinistrado encontrava-se a desempenhar as suas funções de acordo com as instruções da sua entidade patronal, transmitidas através do seu superior hierárquico.
8 – O referido acidente consistiu no atropelamento do referido trabalhador por um empilhador, marca Mitsubishi, modelo …, número série ………. propriedade da F… e à data conduzido pelo Réu E…, no exercício das suas funções por conta e no interesse da Ré, D…, Lda., e de acordo com as instruções por esta definidas.
9 – O trabalhador sinistrado encontrava-se nas instalações da F…, na zona de separação a aguardar a chegada de uma carga contendo jornais, e que seria transportada com o recurso a um empilhador.
10 – Nessas circunstâncias o mesmo saiu da sua bancada de trabalho, muniu-se de um porta-paletes e dirigiu-se para o local onde o acidente veio a ocorrer, aí ficando a aguardar a chegada do empilhador.
11 – No mesmo local, a cerca de 120 metros, encontrava-se o empilhador de marca Mitsubishi, à data manobrado pelo Réu E….
12 – O qual, de acordo com as instruções que recebeu, procedeu ao carregamento de uma carga composta por caixas de cartão com cerca de 1,90 metros de altura e 1,00 metros de largura.
13 – Finda tal tarefa o condutor do empilhador inicio a marcha daquela em direcção ao local onde se encontrava o trabalhador sinistrado.
14 – Em virtude da altura da carga transportada, o condutor do empilhador não tinha visibilidade para a frente deste.
15 – Ainda assim, entendeu iniciar a marca do empilhador, prosseguindo a mesma, no armazém, durante cerca de 120 metros.
16 – Ao acercar-se do local onde se encontrava o trabalhador e não se apercebendo da presença do mesmo, o empilhador colheu-o, atropelando-o.
17 – O empilhador embateu no trabalhador sinistrado empurrando-o para a frente.
18 – Em virtude do embate o trabalhador sinistrado caiu desamparado no chão.
19 – Em consequência do (que) (e) o trabalhador sinistrado sofreu fractura do colo de M2 e M3(2º e 3º metatarsianos), fractura de F1(falange proximal) do hallux sem desvio significativo e luxação MTF da articulação metatarsofalângica, razão pela qual foi imediatamente encaminhado para a urgência de Hospital …, onde recebeu acompanhamento clínico.
20 – Em virtude das lesões sofridas o trabalhador encontrou-se em situação de incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho desde 9.6.2014 a 16.10. 2014 e de Incapacidade Temporária Parcial de 20% de 17.10.2014 a 6.11.2014 e de 15% de 7.11.2014 a 14.12.2014, data em que lhe foi atribuída alta médica com uma Incapacidade Permanente Parcial de 3%.
21 – O trabalhador sinistrado foi assistido no Hospital … e nos Serviços Clínicos da Autora.
22 – E durante o tempo em que se manteve em recuperação necessitou de medicamentos e produtos farmacêuticos.
23 – Correu termos um processo no Tribunal de Trabalho, sob o nº14654/14.7T8PRT, no qual a aqui Autora foi Ré.
24 – Por Auto de Tentativa de Conciliação, judicialmente homologado por sentença, e estando assente que em função do descrito acidente o trabalhador ficou a padecer de uma I.P.P. d 3% e a necessitar de ajudas medicamentosas, a aqui Autora foi condenada a pagar o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 247,73, devida a partir de 15.12.2014, acrescida de juros de mora e as despesas de deslocação.
25 – A Autora despendeu as seguintes quantias: € 3154,10 a título de capital de remissão; € 2497,30 a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho; €190,16 a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Parcial; €211,79 a título de acertos de indemnizações; €265,80 a título de subsídios; €215,02 a título de despesas de ambulatório; € 132,60 a título de despesas judiciais; €142,92 a título de despesas no serviço nacional e saúde; €50,00 a título de despesas com EAD- RX,; € 2,57 a título de despesas com intervenções cirúrgicas; €63,08 a título de juros; €57,31 a título de despesas com medicamentos; € 440,00 a título de despesas com medicina física e de reabilitação;€ 249,00 a título de despesas com próteses e ortóteses; €72,00 a título de despesas com transportes públicos; €635,00 a título de despesas com transportes de táxi.
26 – O último pagamento efectuado pela Autora ao trabalhador sinistrado ocorreu a 16 de Junho de 2015, através do cheque nº ………., entregue em 3.6.2015, no âmbito da entrega do capital de remição
27 – À data do acidente em apreço o empilhador de marca Mitsubishi modelo …, número de série ………., conduzido pelo 3º Réu, era propriedade da segurada da Autora que tinha a responsabilidade civil pela laboração do referido empilhador transferida para a 1ª Ré através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ………..
28 – No contrato de seguro celebrado com a 1ª Ré prevê-se nas Condições Gerais Página 3 e 4 de 46 (Exclusões - artigo 6º, número 1, alínea g): “O presente contrato nunca garante os danos causados aos empregados, assalariados ou mandatários do segurado, quando ao serviço deste e desde que tais danos resultem de acidente enquadrável na legislação sobre acidentes de trabalho ou doenças profissionais”.
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Factos resultantes da instrução da causa:
29 – À data do acidente, o condutor do empilhador não tinha habilitações para conduzir o mesmo, facto que era do conhecimento da sua entidade patronal que mesmo assim lhe deu ordens para o fazer.
30 – O condutor do empilhador estava a manobrar o mesmo em frente, tendo assumido que o devia fazer de marcha atrás por forças da ausência de visibilidade para a frente em virtude da altura da carga transportada.
31 – O empilhador estava dotado de um pirilampo que não foi accionado pelo condutor
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiu em cima a questão que importa apreciar e decidir.
No fundo, importa saber se o seguro contratado pela F… (também segurada da Autora) junto da Ré abrange o sinistro aqui em discussão no seu âmbito de cobertura.
Entendeu a sentença aqui posta em crise que não, fazendo apelo ao clausulado do contrato (nomeadamente, à cláusula 6ª – exclusões -, nº 1, al. g) do contrato de seguro).
Discorda a Recorrente da fundamentação da sentença, considerando que “a responsabilidade civil do referido empilhador foi transferida para a 1ª Ré através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ……….".
Cumpre decidir.
A primeira nota que aqui deve ser referida diz respeito à incorrecta configuração jurídica que poderá decorrer da factualidade dada como provada.
Na verdade, embora no ponto transcrito da factualidade tenha efectivamente ficado provado que a Ré/Recorrida teria assumido através do contrato de seguro “a responsabilidade civil do referido empilhador”, a verdade é que tal “conclusão” não só não corresponde, em termos gerais, ao enquadramento jurídico do contrato de seguro[2], como não corresponde sequer ao teor do próprio contrato de seguro concretamente celebrado pelas partes.
Quanto àquela primeira parte, é pacífico, em termos jurisprudenciais[3] e doutrinais, que o seguro de responsabilidade civil tem natureza pessoal, pelo que a obrigação assumida pela Seguradora consiste em responder pelas indemnizações devidas pelo seu segurado, que é o que, ao tempo do acidente, consta da apólice.
“Num contrato de seguro de responsabilidade civil, pode dizer-se, genericamente, que o risco coberto é a eventualidade de ocorrência de danos que venham de algum modo a ser imputados ao segurado, por forma a que este tenha de responder por eles” (…) “Costuma dizer-se que o bem protegido é, nestes seguros, o património do segurado como um todo – porque o fim deste seguro é proteger o segurado contra o desembolso das indemnizações por si devidas” [4].
Assim, o objecto do contrato de seguro incide sobre a responsabilidade daquele (segurado) – e não sobre a coisa segura – e, nessa medida, a Seguradora só poderá responder, em termos contratuais, se o seu Segurado puder ser considerado responsável por danos por ele provocados ou por algum seu “empregado, assalariado ou mandatário do segurado” – cfr. cl. 3ª das condições particulares da apólice aqui em discussão.
Com efeito, a medida da responsabilidade da seguradora é a responsabilidade do seu segurado, pois foi com este que celebrou o contrato e é este e só este quem paga o prémio, só ele podendo beneficiar do contrato.
Onde não há responsabilidade do segurado (ou dos seus empregados, assalariados comissários, mandatários, representantes, etc.), não há responsabilidade da seguradora.
No caso sub judicio, o seguro de responsabilidade civil extracontratual celebrado entre as partes transferiu, assim, a eventual responsabilidade civil extracontratual da F… (que também é segurada no Seguro laboral de onde deriva o direito peticionado pela Recorrente/Autora) e não qualquer responsabilidade civil que pudesse derivar da utilização/circulação do empilhador.
Trata-se como já se referiu de um seguro que tem natureza pessoal no sentido atrás explanado.
Na verdade, o seu objecto foi o de transferir a eventual responsabilidade civil extracontratual que poderia decorrer para a F… “da sua actividade” e que lhe seja “imputada por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros em consequência de lesões corporais e/ou materiais que ocorram durante o período de vigência da apólice” – v. condições particulares – art. 3º (âmbito de cobertura).
Um desses danos aí previstos é justamente o que resulta “dos danos causados por … operações de carga, descarga, arrecadação e entrega de objectos e/ou mercadorias necessárias ao exercício da actividade do segurado”.
Por assim ser, é inequívoco que, em termos de enquadramento jurídico geral, a 1ª Ré só poderia responder pelos danos causados ao trabalhador da Segurada/entidade patronal se a sua Segurada (ou algum seu empregado, assalariado, comissário, mandatário, representante, etc.) tivesse sido responsabilizada em termos de responsabilidade civil extracontratual.
Ora, isso não sucede no caso concreto, pois que, conforme decorre da sentença proferida – na sua parte não questionada -, os responsáveis civis pelos danos causados ao aludido trabalhador da segurada da Autora foram os 2º e 3ºs RR. (já que os danos não foram imputados à Segurada da aqui 1ª Ré nem a qualquer colaborador seu)[5].
Aqui chegados, ficaria, desde logo, afastada a hipótese de poder a Autora responsabilizar a 1º Ré pelos danos aqui reclamados, pois que esta última, como já ficou referido em cima, só responde na medida da responsabilidade do seu segurado – que, no caso, como se vê, não foi afirmada, não tendo a F…/segurada (no contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual) sido condenada na sentença proferida.
Importa, aliás, referir que, tendo em conta a aludida responsabilização civil dos 2º e 3ºs RR., quem poderia ser responsável era a respectiva Seguradora, caso se venha a constatar que os aludidos responsáveis civis terão transferido a sua responsabilidade civil para alguma Companhia de Seguros.
Como quer que seja, o que não há dúvidas é que não tendo sido imputado, a título de responsabilidade civil, à F… (segurada) a ocorrência dos danos causados a um seu próprio trabalhador, nunca a Recorrida/Seguradora (1ª Ré), nestas circunstâncias, poderia responder pela indemnização aqui peticionada, em termos de direito de sub-rogação pela Autora.
Aliás, julga-se que, no caso concreto, outra solução nunca poderia ser obtida, se considerarmos o próprio regime do direito de sub-rogação em que a Autora fundou o seu pedido formulado contra a 1ª Ré.
Na verdade, decorre do art. 17º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais) o seguinte:
(Acidente causado por outro trabalhador ou por terceiro):
“1 - Quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais.
(…)
4 - O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente”.
Ou seja, decorre deste regime jurídico que a F… (empregadora) ou a sua seguradora (aqui Autora) se tiverem pago a indemnização ao seu trabalhador acidentado – como sucedeu no caso concreto – podem sub-rogar-se no direito deste contra “o trabalhador ou terceiro que causou o acidente de trabalho”[6].
Ora, conforme decorre da decisão proferida, quem causou o acidente de trabalho foi o 3º Réu, E…, manobrador do empilhador, tendo produzido os danos constantes dos factos no trabalhador da F….
Tal terceiro, causador do acidente de trabalho, não era trabalhador da F…/segurada, mas sim da 2ª Ré, D…, Lda., tendo agido de acordo com as instruções por esta definidas.
Não há, assim, dúvidas que a Autora (e a empregadora F…) não podem exercer o direito de sub-rogação contra a F…/segurada, não só porque esta não teve qualquer responsabilidade (civil) na ocorrência dos danos sofridos pelo lesado/trabalhador, mas também porque tais danos nem sequer são imputáveis a qualquer trabalhador da segurada da 1ª Ré, mas sim a terceiro (ao 3º Réu e à sua entidade empregadora, 2ª Ré).
Aqui chegados, sendo esta a conclusão, fica evidenciado, de uma forma clara, e sem necessidade de mais considerações relacionadas com outras cláusulas contratuais, que a 1ª Ré (seguradora da F…, com a cobertura da sua responsabilidade civil) não pode ser responsabilizada, em termos extracontratuais, pela ocorrência dos danos efectivamente ressarcidos pela Autora no âmbito laboral, já que, conforme já se referiu, tal possibilidade só surgiria se a segurada da 1ª Ré (a F… ou algum seu colaborador) pudesse ser responsabilizada pela ocorrência dos danos sofridos pelo trabalhador da (mesma) F….
Vigora aqui em pleno a referida imposição legal (contratual) de que a Seguradora, neste âmbito da responsabilidade civil, só responderá na medida em que o seu segurado responda.
Improcede, pois, só por aqui a pretensão de sub-rogação deduzida pela Autora, ficando nessa medida totalmente prejudicada (no seu conhecimento) toda a argumentação que aquela apresentou com fundamento em exclusivo na eventual não aplicação da cláusula 6ª, nº 1, al. g) das condições gerais do contrato de seguro celebrado.
De qualquer forma, importa dizer que todas estas considerações mostram-se ainda mais reforçadas, no caso concreto, se tivermos em conta o teor do contrato de seguro celebrado entre a 1ª Ré e a segurada F… (que, como já referimos, é também a segurada da Autora no seguro laboral).
Com efeito, a solução para o presente caso passa, também, pela interpretação do clausulado do contrato de seguro celebrado entre as partes.
Como já referimos, trata-se de um contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual (de exploração), pela qual a segurada F… transferiu para a 1ª Ré a sua eventual responsabilidade civil extracontratual que poderia decorrer “da sua actividade” e que lhe pudesse ser “imputada por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros em consequência de lesões corporais e/ou materiais que ocorram durante o período de vigência da apólice” – v. condições particulares – art. 3º (âmbito de cobertura).
Além disso, tal contrato de seguro continha as seguintes cláusulas que apontam obviamente no mesmo sentido:
Condições gerais:
- Artigo 2º - Objecto do contrato
“O presente contrato de seguro garante a responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado, no exercício da actividade ou na qualidade expressamente referida nas Condições Especiais ou Particulares da apólice”.
- Artigo 3º - Âmbito da garantia
O presente contrato de seguro garante, até ao limite do valor seguro constante das Condições Particulares, o pagamento de indemnizações que sejam legalmente exigíveis ao Segurado por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros em consequência de actos ou omissões do Segurado, bem como dos seus empregados, assalariados ou mandatários, no exercício da actividade ou na qualidade expressamente referida nas Condições Especiais ou Particulares da apólice.”
- Artigo 6º Exclusões
Em especial o seu nº 1, alínea g) das condições gerais:
“O presente contrato nunca garante os danos causados aos empregados, assalariados ou mandatários do segurado, quando ao serviço deste e desde que tais danos resultem de acidente enquadrável na legislação sobre acidentes de trabalho ou doenças profissionais”.
Esta exclusão também é aplicável às coberturas abrangidas pela responsabilidade civil exploração (ponto 229 das condições especiais) onde expressamente se prevê a inclusão no âmbito da garantia prestada “os danos causados a terceiros, em consequência da utilização de veículos, máquinas, aparelhos de elevação ou outros quando utilizados, dentro ou fora da empresa, assim como instalações de carga e descarga, propriedade do segurado ou actuando sob a sua direcção efectiva” - cláusula 2ª, nº 2 e 3 das condições especiais do contrato de seguro.
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Comecemos por dizer que a sentença recorrida funda a sua decisão precisamente nesta última cláusula, entendendo que a citada al. g) expressamente excluía a possibilidade de a 1ª Ré ser responsabilizada por força do contrato de seguro celebrado.
Com efeito, é justamente com fundamento na interpretação do clausulado do contrato que se acaba de transcrever que, na decisão aqui posta em crise, apresentando-se argumentação pertinente no que concerne àquela interpretação, se concluiu que o sinistro que aqui se discute não estava coberto pelo contrato de seguro celebrado pelas partes.
Julga-se, no entanto, que, independentemente do que já ficou anteriormente amplamente dito, também no âmbito da interpretação do clausulado do contrato, outra conclusão aqui não podemos deixar de chegar, tendo em conta as cláusulas acima referidas.
Na verdade, decorre das mesmas que apenas cabe, no âmbito de cobertura do contrato de seguro celebrado, o pagamento de indemnizações que sejam legalmente exigíveis ao Segurado por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros em consequência de actos ou omissões do Segurado, bem como dos seus empregados, assalariados ou mandatários.
Exige-se, pois, de uma forma uniforme, nas referidas cláusulas, que, para que a 1ª Ré pudesse ser responsabilizada na sequência da transferência da responsabilidade civil extracontratual da sua Segurada F…:
1. Que se tratem de actos que possam ser imputados à F… ou aos seus empregados, assalariados ou mandatários;
2. E que tais actos tenham causado danos a terceiros (nestes não se incluindo, os seus empregados, assalariados ou mandatários do segurado, quando ao serviço daquela e desde que tais danos resultem de acidente enquadrável na legislação sobre acidentes de trabalho ou doenças profissionais).
Daqui resulta que, conforme se referiu, tratando-se de actos imputáveis a terceiros (que não podem ser imputados à F…/segurada ou aos seus empregados, assalariados ou mandatários) – mas sim ao 3º Réu e à sua entidade patronal (2ª Ré) -, os danos produzidos por tais actos (ilícitos e culposos) no trabalhador da Segurada da 1ª Ré não se encontram abrangidos pelo âmbito de cobertura do contrato de seguro celebrado.
Como decorre das citadas cláusulas, a cobertura do contrato de seguro aqui em discussão só abrangia actos imputáveis à F… ou aos seus empregados, assalariados ou mandatários, o que como decorre da decisão recorrida – na parte não contestada – não ocorreu – os actos ilícitos e culposos foram praticados pelo 3º Réu.
Por outro lado, os danos aqui abrangidos pelo âmbito de cobertura do contrato de seguro incluem apenas os danos que tenham sido causados a terceiros (excluindo-se expressamente aqueles que tenham sido causados aos empregados, assalariados ou mandatários do segurado, quando estes se encontrem ao seu serviço e desde que tais danos resultem de acidente enquadrável na legislação sobre acidentes de trabalho ou doenças profissionais). Ora, os danos aqui em jogo, e que foram indemnizados em sede de acidente laboral, foram causados justamente a um trabalhador da segurada, pelo que o contrato de seguro de responsabilidade civil aqui em discussão não abrangia no seu âmbito de cobertura esses danos (tanto mais que o referido trabalhador se encontrava em serviço e foi reconhecido que o acidente em causa podia ser qualificado como um acidente de trabalho).
Tudo serve para dizer que a Autora/Recorrente não logrou demonstrar a verificação de um evento que, nos termos das cláusulas do contrato de seguro celebrado entre a F… e a 1ª Ré, pudesse ter-se como gerador da obrigação de indemnizar, sendo certo que a demonstração daquele evento era um facto constitutivo do seu direito (cfr. art. 342º, n.º 1, do CC), pelo que bem andou o Tribunal Recorrido em concluir pela necessária improcedência da acção quanto à 1ª Ré.
Uma última nota, para referir que, neste âmbito do contrato de seguro, importa atender a que as cláusulas, onde a 1ª Ré (e a sentença recorrida) funda(m) a recusa de pagamento da indemnização, devem ser qualificadas como cláusulas contratuais gerais.
Ora, essa constatação constitui um ponto relevante, em sede de interpretação do contrato aqui em discussão, na medida em que é pacífico que o contrato de seguro se trata de um contrato de adesão, que contém cláusulas contratuais gerais, as quais devem obediência às regras estabelecidas no DL 446/85, de 25 de Outubro (alterado pelo Decreto-Lei 220/95, de 31 de Agosto, com declaração de rectificação nº 114-B/95, de 31 de Agosto, DL 249/99, de 07 de Julho e DL 323/2001, de 17 de Dezembro).
De facto, com excepção das cláusulas constantes das condições particulares, o contrato de seguro celebrado não foi negociado pelas partes, limitando-se a F… a aderir à subscrição do mesmo[7] - o que se julga ser pacífico para ambas as partes.
Ora, é dentro destas balizas contratuais (e legais) que o âmbito de cobertura do contrato de seguro celebrado deve ser averiguado, averiguação essa que, como vimos, passa pela interpretação do respectivo clausulado contratual.
A tarefa, pois, que incumbiria aqui realizar seria a de interpretação do contrato, tendo em conta as cláusulas contratuais mais relevantes já atrás mencionadas, e todas as circunstâncias que o legislador manda atender nesta sede interpretativa.
Vejamos quais são essas circunstâncias.
É conhecida a regra legal essencial na interpretação dos contratos: a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º, nº 1, do CC).
É generalizadamente aceite que o legislador consagrou a doutrina da impressão do destinatário, de cariz objectivista, valendo a declaração com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Assim, do citado preceito legal resulta que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, se dá prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário, mas a lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia.
“Há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, ….e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo” [8], sendo que o declaratário normal corresponde ao "bonus pater familias" equilibrado e de bom senso, pessoa de qualidades médias, de instrução, inteligência e diligência normais.
Por outro lado, no domínio da interpretação de um contrato podem surgir como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: "a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos"[9]; ou, dito de outra maneira, “… os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento), a finalidade prosseguida, etc…”[10].
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art. 237º do CC).
Nos negócios formais, acresce que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º, nº 1, do CC)[11].
Também em matéria de interpretação, o contrato de seguro não se afasta destas regras gerais do direito civil, previstas nos citados arts. 236º e 237º do Código Civil.
No regime jurídico contratual português impera, como é sabido, a regra da autonomia da vontade, permitindo-se às partes que fixem livremente o conteúdo dos contratos que celebrem, dentro dos limites da lei (arts. 397º e 405º do CC).
A esta regra não escapa o contrato de seguro, entendendo o legislador que tal contrato se regula pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições da LCS[12].
Ora, em matéria de interpretação, como se disse, o contrato de seguro também se rege pelas regras gerais do direito civil, previstas nos arts. 236º e ss. do CC.
Assim, “… o declaratário corresponde à figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, tendo em consideração, em matéria de interpretação do contrato, o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objecto, vale dizer ao “âmbito do contrato” nas suas vertentes da “definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos”, adoptando o sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice ou, quando seja o caso, o sentido técnico dos termos que claramente se apresentem em tal conteúdo…”[13].
Como refere José Vasques[14], os conceitos e linguagem utilizados na apólice e outros escritos relativos ao contrato de seguro, a complexidade dos clausulados dos contratos, a necessidade de articular as condições gerais e particulares, a consideração de outros elementos anteriores ou posteriores à apólice são algumas das fontes de dificuldade na interpretação do contrato de seguro.
No caso concreto, ainda nesta sede interpretativa, como já referimos em cima, as cláusulas que aqui se pretendem interpretar, no sentido de apurar o âmbito de cobertura do contrato de seguro, assumem a natureza de cláusulas contratuais gerais (excepto, como também se referiu, as que dizem respeito às condições particulares).
Daí que a sua interpretação não se baste pelas referidas normas do Código Civil, havendo que ponderar ainda as regras especiais previstas no DL 446/85, mais concretamente, nos seus arts 10º e 11º.
Ora, apesar de se prever naquele primeiro preceito legal que as cláusulas contratuais gerais são interpretadas “…de harmonia com as regras gerais de interpretação dos negócios jurídicos… “(remetendo para os art. 236º e ss. do CC), logo aí se específica que tal deve ser efectuado “…dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam as cláusulas”.
Prevalece, assim, na interpretação, a realização de uma justiça individualizadora face ao dever de observar o contexto de cada contrato singular, ali se incluindo as circunstâncias da sua celebração.
Segundo Ana Prata[15], deverão, neste âmbito, ser tidas em consideração, designadamente, a) as negociações preliminares entre as partes; b) as práticas estabelecidas entre as partes; c) o comportamento das partes posterior à conclusão do contrato; d) a natureza e a finalidade do contrato; e) o sentido comummente atribuído às cláusulas e expressões no ramo de comércio em causa; f) os usos, etc.; enfim, todos factores conducentes ao apuramento da “compreensão real” que as partes tiveram ou da que “pessoa razoável da mesma condição” possa ter tido.
Em situações de ambiguidade, as cláusulas gerais têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real. E, na dúvida, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente (citado art.º 11º).
Citando doutrina, o acórdão da Relação do Porto de 17.1.2008[16] regista, desta forma, os seguintes regimes interpretativos:
“- cláusulas gerais de alguns contratos aprovados por Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal e cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários se limitem a subscrever ou aceitar: é-lhes aplicável o regime interpretativo previsto pelo art. 10.º e segs. do decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro;
- cláusulas contratuais gerais elaboradas com prévia negociação individual: é-lhes aplicável o regime geral de interpretação do negócio jurídico.
A apólice integra condições gerais, especiais, se as houver, e particulares. O regime interpretativo das cláusulas contratuais gerais aplica-se às condições gerais e especiais elaboradas sem prévia negociação individual, mas não às cláusulas particulares, as quais não participam dos requisitos das cláusulas predispostas por apenas uma das partes, pelo que se lhes aplicam as regras de interpretação típicas do negócio jurídico.”
Destas considerações resulta, então, que, quando se trata de interpretar cláusulas contratuais duvidosas relativas a condições gerais da apólice, tem-se entendido que deve prevalecer a sua interpretação restritiva, impondo-se o princípio do “in dubio contra proferentem ou contra stipulatorem” por serem cláusulas típicas de contrato de adesão, merecendo o aderente protecção especial.
Efectivamente, no seguimento da convocação e aplicação dos princípios da boa-fé (arts. 227º, nº 1 e 762º, nº 2, do CC) e da confiança, a lei responsabiliza o declarante pelo sentido da sua declaração, fazendo-o responder pelo sentido que a outra parte teve de considerar querido ao captar as intenções daquele, ou seja, pela aparência da sua (do declarante) vontade. Deveria então o declarante ter-se exprimido de uma forma, tanto quanto possível, clara e correcta.
Como assim, nas palavras de Ana Prata[17], “…esta solução faz recair o risco da ambiguidade da cláusula sobre o respectivo predisponente, nos casos em que aquela não seja susceptível de fixação de um sentido unívoco por um aderente de comum diligência, o mesmo é dizer que faz impender sobre aquele um ónus de clareza”… “Não impensadamente se qualifica a posição do predisponente das cláusulas gerais como ónus de expressão clara e unívoca, pois que, aqui, diversamente do que sucede no artigo 5°, a consequência é apenas a desvantagem para aquele de uma interpretação mais favorável ao aderente”.
Uma cláusula ambígua é uma cláusula obscura, duvidosa, polémica quanto ao seu sentido interpretativo.
Aqui chegados, importa reverter para o caso concreto (e para a interpretação do contrato de seguro celebrado, tendo em conta estas regras interpretativas explanadas).
Ora, conforme decorre do exposto, não há dúvidas que, no caso concreto, a cláusula já referida (relativa ao âmbito de cobertura do contrato de seguro e à exclusão da responsabilidade da seguradora) não contém qualquer ambiguidade (v. o que já se disse quanto à sua interpretação).
Com efeito, o âmbito de cobertura do contrato de seguro celebrado surge, aos olhos de qualquer tomador medianamente instruído, como claro, na medida em que, desde logo, nas suas condições particulares – que, como se referiu, não constituem cláusulas contratuais gerais – se definiu que apenas estava abrangida pelo contrato a responsabilidade civil extracontratual que seja imputada ao segurado (à F…).
Por outro lado, também decorre do clausulado das condições particulares que, mesmo que se tratasse de um caso de responsabilidade civil extracontratual que pudesse ser imputada à actuação da F…, apenas estava abrangida a responsabilidade que fosse fundada em “danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros decorrentes da sua actividade”.
Estas conclusões que se podem, desde logo, retirar das condições particulares negociadas entre as partes, mostram-se perfeitamente coerentes com as demais cláusulas contratuais (gerais) onde, como se viu, se prevê também que o âmbito de cobertura do contrato de seguro apenas abrange aquelas específicas situações de responsabilidade civil extracontratual da F… (excluindo as demais).
Obviamente que as demais situações – por exemplo, as relativas a acidentes de trabalho dos próprios trabalhadores da F… – estavam excluídas, porque as mesmas se encontravam abrangidas pelo âmbito de cobertura do Seguro laboral também celebrado.
Nessa medida, não tem razão a Autora quando afirma que o facto de ter indemnizado o lesado em sede laboral “em nada contende com a presente situação em que actua sub-rogada no direito daquele lesado de pedir indemnização pelos danos que sofreu ao responsável civil, a ora Ré/Recorrida "C…", pelo simples facto que os factos aqui em discussão não permitem imputar ao segurado na 1ª Ré os aludidos danos em termos de responsabilidade civil (mas sim aos 2º e 3º RR.).
Tem, assim, razão a Autora quando, mais à frente, conclui que “… o lesado, nos termos da legislação de trabalho, tem direito a ser indemnizado pela sua entidade patronal (ou respectiva seguradora), gozando também, nos casos em que o acidente se deve a facto de terceiro - como é o presente caso em que o acidente se deveu a culpa do Réu E… - do direito autónomo ou complementar de peticionar indemnização contra esse terceiro com base na respectiva responsabilidade extracontratual”.
Sucede que a responsabilidade civil extracontratual desse terceiro (os 2º e 3º RR.) não se mostra transferida para a 1ª Ré, pois que, nos termos do contrato de seguro, esta só garante a Responsabilidade extracontratual que seja imputada à F… (e os aludidos terceiros nenhuma relação jurídica tem com esta).
Diga-se, finalmente, que a Autora também não tem razão quando afirma que a aceitar-se a interpretação aqui seguida se “restringiria de forma absurda a garantia de responsabilidade civil geral assumida pela Ré "C…", que poderia sempre recusar o pagamento de qualquer indemnização desde que na origem dos danos estivesse, como é o caso dos autos, um acidente considerado de trabalho, embora susceptível de provocar a obrigação de indemnizar com base na responsabilidade extracontratual por actos ilícitos ou pelo risco, não tendo sido este o sentido com que as partes quiserem negociar e celebrar o contrato de seguro em questão, muito menos a entidade "F…", sob pena de o mesmo não garantir absolutamente nada”.
Na verdade, a única situação excluída pela referida cláusula refere-se “aos danos causados aos empregados, assalariados ou mandatários do segurado, quando ao serviço deste e desde que tais danos resultem de acidente enquadrável na legislação sobre acidentes de trabalho ou doenças profissionais” - a explicação para esta exclusão já foi referida em cima.
No entanto, se se tratar de danos causados aos empregados, assalariados ou mandatário de uma entidade terceira, mesmo que seja reconhecido que se trata de um acidente de trabalho, já a 1ª Ré/seguradora terá que responder, se os danos causados àqueles puderem ser imputados à F… (ou a um qualquer seu trabalhador), a título de responsabilidade civil extracontratual.
Assim, por exemplo, se a situação dos autos fosse ao contrário, ou seja, se fosse o trabalhador da F…/segurada que, conduzindo o empilhador, tivesse atropelado culposamente o trabalhador da D…, Lda., nesta situação se o aludido trabalhador tivesse sido ressarcido pela Seguradora laboral da sua entidade patronal, esta poderia demandar a aqui Ré Seguradora no exercício do peticionado direito de sub-rogação nos termos já atrás explanados, uma vez que a responsabilidade civil, que poderia ser imputada à sua Segurada (F…) se mostrava transferida pelo contrato de seguro celebrado.
Não é verdade, pois, que a cláusula que exclui a responsabilidade da Recorrida em casos de acidente de trabalho, conduziria ao entendimento de que esta nunca garantiria, em termos contratuais, a responsabilidade extracontratual da sua Segurada nestas situações, pois se os mesmos disserem respeito a acidentes de trabalho imputáveis à F… (ou a um seu colaborador) que tenha provocado danos a terceiros (trabalhadores de terceiros), a eventual responsabilidade civil da F… mostrava-se transferida para a 1ª Ré.
Sucede que, no caso concreto, não estamos perante esta situação.
Não sendo a situação dos autos imputável, em termos de responsabilidade civil, à F…, segurada da 1ª Ré – mas sim ao trabalhador da 2ª Ré e à sua entidade empregadora - nem dizendo respeito, a situação dos autos, a danos sofridos por terceiros (trabalhadores de entidades terceiras), mas sim a um trabalhador da própria segurada, julga-se ter ficado evidenciado que a 1ª Ré não pode ser responsabilizada pelas quantias peticionadas porque, no âmbito do contrato de seguro celebrado, aquela não garantiu a responsabilidade civil extracontratual dos aqui imputados responsáveis civis (ou seja, dos 2º e 3º RR.).
Uma última palavra, para referir que, independentemente de todas estas considerações, que prejudicam o conhecimento da restante argumentação da Recorrente, também nunca se lhe poderia reconhecer legitimidade para invocar a nulidade da cláusula 6º das condições gerais do contrato, com o fundamento invocado, pois que, como é bom de ver, tal arguição lhe está vedada por não ter intervindo como contraente na celebração do questionado contrato de seguro.
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Aqui chegados, e tendo em consideração todo o exposto, resta-nos, pois, concluir pela improcedência do Recurso.
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Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):
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III-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente a apelação e, em consequência, decide-se manter integralmente a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente (art. 527º, nº1 do CPC).
Notifique.
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Porto, 11 de Maio de 2020
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
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[1] Com os seguintes fundamentos: “(…) Na configuração que dá à acção, a Autora demanda a Ré C… – Companhia de Seguros, S.A. na qualidade da seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade civil pela laboração do empilhador que conduziu aos danos cujo pagamento suportou, conforme a apólice n.º ……….. Os óbices que a Ré C… – Companhia de Seguros, S.A. coloca situam-se ao nível da ilegitimidade substantiva e não da ilegitimidade processual, dado que a Autora, considerando que o contrato de seguro celebrado por aquela a vincula, no seu entender, ao pagamento do valor peticionado, incluiu-a na relação material controvertida. A circunstância que subjaz à invocação de excepção dilatória pela Ré poder relevar ao nível de prova e da discussão jurídica, mas sendo a Ré, na configuração dada à acção pela Autora, responsável pelo peticionado, é de asseverar o respectivo interesse em contradizer, pelo prejuízo que lhe possa advir pela condenação no pedido. Deste modo, cumpre concluir que a Ré C… – Companhia de Seguros, S.A. é parte legítima e declarar improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva invocada”.
[2] Como é sabido, o contrato de seguro define-se como a convenção por virtude da qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado), a assumir um risco ou conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado. Ou, como diz José A. Engrácia Antunes, in ROA (Revista da Ordem dos advogados) Ano 69, pág.821, “por contrato de seguro… designa-se o contrato pelo qual uma pessoa singular ou colectiva (tomador de seguro) transfere para uma empresa especialmente habilitada (segurador) um determinado risco económico próprio ou alheio, obrigando-se a primeira a pagar uma determinada contrapartida (prémio) e a última a efectuar uma determinada prestação pecuniária em caso de ocorrência do evento aleatório convencionado (sinistro) …”.
[3] V. por ex. o ac. da RC de 19.2.2004, disponível em Dgsi.pt. No mesmo sentido, para o seguro de responsabilidade civil automóvel, v. o ac. da RP de 15.4.2004 (relator: Mário Fernandes), in dgsi.pt onde se refere que: “Tem sido orientação dominante na doutrina e jurisprudência … que o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel se trata de um contrato de natureza pessoal, pois o que se segura é a responsabilidade pessoal de todo aquele que possa vir a ser chamado a responder pelos danos causados a terceiros pela circulação de um veículo a motor – v., por todos, Antunes Varela, in RLJ, ano 118, págs. 255 a 256 e Ac. do STJ de 2.12.82, in BMJ 322-315.Esta asserção é reforçada, no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, pelo que vem disposto no art. 1.º, n.º 1, do DL n.º 522/85, de 31.12, ao estabelecer que “toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veiculo terrestre a motor … deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se … coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade”. V. ainda o ac. da RL de 19.3.2015 (relator: Victor Amaral), in dgsi.pt: “O contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel tem natureza pessoal (e não real), significando que a obrigação de segurar se liga à pessoa que possa ser civilmente responsável e não ao próprio veículo, apesar de o seguro se reportar a determinado veículo de circulação terrestre a motor”.
[4] Margarida Lima Rego, in “Contrato de seguro e terceiros. Estudo de direito civil”, pág. 528.
[5] A fundamentação dessa responsabilização, em termos de responsabilidade civil extracontratual, dos 2º e 3º RR. é a seguinte: “Igualmente se provou que o sinistro em causa se ficou a dever à conduta descuidada e temerária do condutor do empilhador que o fazia ao abrigo das instruções da sua entidade empregadora (D…), que embateu no trabalhador sinistrado sem sequer se ter apercebido do mesmo, já que nem sequer tinha visibilidade. Na verdade, o próprio condutor assumiu não ter habilitações para conduzir o empilhador, facto que a sua entidade patronal bem sabia e que mesmo assim lhe ordenou que o fizesse. Por outro lado, admitiu que deveria conduzir o empilhador de marcha atrás, mas que não o fez porque não sabia como fazê-lo dada a pouca experiência, sendo que a forma como o conduziu o impedia de ter visibilidade para a frente devido à altura da carga e bem assim que nem sequer tinha accionado o pirilampo que dispunha o mesmo e que serve para sinalizar a sua marcha. Ou seja, forçoso é concluir que o acidente se ficou a dever á conduta do manobrador do empilhador, o Réu E…, sendo a sua entidade patronal, a Ré D… responsável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 500º do CC (…).
[6] Como é sabido, havendo cumulação de responsabilidades por parte das seguradoras, o sinistrado apenas pode receber a indemnização que escolher, adquirida em função das normas que regulam a reparação por acidentes de trabalho ou determinada segundo as regras da responsabilidade civil, nos termos dos arts. 562º e ss. do CC. Refira-se, aliás, que a indemnização fundada na responsabilidade civil, além de ser paga, por regra, na totalidade de uma só vez, é, também, mais ampla, por incluir danos não ressarcíveis ao abrigo do direito infortunístico laboral. Mas essas indemnizações são inacumuláveis. Realmente, se for a seguradora da responsabilidade civil a indemnizar, isso desonera a seguradora laboral (pelos danos cobertos por esta seguradora); caso a indemnização for paga pela aquela não for inferior à que, pelos mesmos danos, teria de ser imperativamente paga por esta. Ao invés, se for a seguradora do ramo laboral, esta tem direito a ser reembolsada, pelo responsável civil, do que pagou ao lesado. É o que decorre do mencionado art. 17º, nº 4 da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro. Tal direito tem por base a sub-rogação (e não propriamente o direito de regresso como aludia o anterior normativo – art. 31º nº 4 da Lei nº 100/97), cujo pressuposto essencial é o prévio pagamento ao sinistrado das prestações devidas pela entidade empregadora ou pela sua seguradora. Está em causa, pois, uma sub-rogação legal (art. 592º do CC), a qual tem como efeito a aquisição, pelo sub-rogador, na medida da satisfação do direito do credor, dos poderes que a este, competiam (art. 593º, nº 1, do CC). Dito de outro modo, há uma substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre no lugar do devedor, ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento.
[7] V. sobre este ponto, Margarida Lima Rego, in “O contrato e a apólice de seguro” (estudo integrado no livro “Temas de direito dos seguros”), págs. 27 e ss.;
[8] Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico”, pág. 208.
[9] Luís Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, pág. 416/417.
[10] Cfr., a este propósito, Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, pág. 213.
[11] V. A. Varela/ P. Lima, in CC anotado, vol. I, pág. 225 que defendem, como aqui também se defende, que o art. 238º do CC visa resolver um problema de interpretação; existem, no entanto, outras interpretações doutrinárias que assim não o entendem e que se mostram elencadas por Evaristo Mendes/Fernando Sá, no “Comentário ao CC anotado- parte geral”, págs. 546 e 547;
[12] O art. 11º da actual Lei do contrato de seguro (LCS) refere que “… o contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção e os decorrentes da lei geral…”.
[13] V. o ac. da RG 2.7.2013 (relator: Filipe Caroço); cfr. José Vasques, in “Contrato de Seguro” pág. 350 e 355.
[14] In “Contrato de Seguro”, pág. 348 e ss..
[15] In “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, págs. 301 e 302
[16] (relator: Teles Menezes), in Dgsi.pt.
[17] In “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, págs. 304, incluindo a nota 895.