Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA LUÍSA ARANTES | ||
Descritores: | REENVIO PREJUDICIAL CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA REPRESENTAÇÃO DO ARGUIDO POR ADVOGADO | ||
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Nº do Documento: | RP2022120715914/17.0T9PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/07/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | CONFIRMADA A REJEIÇÃO DO RECURSO | ||
Indicações Eventuais: | 1. ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O deferimento de um pedido de reenvio prejudicial não está subordinado à sua mera solicitação, estando antes dependente da sua utilidade processual, a qual se afere pela apreciação judicial sobre a necessidade de ser proferida uma decisão de direito comunitário para dirimir uma questão que seja necessária para a decisão do litígio. II - Devendo a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, por força do disposto no art.52.º, n.º3, ser interpretada de harmonia com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e por consequência, no caso em concreto, o invocado art.º 48.º, n.º 2, daquela Carta com o art.º 6.º, n.º3, desta Convenção, e tendo entendido o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a quem cabe a autêntica interpretação da Convenção, já em duas decisões, que a legislação processual penal portuguesa ao impor que o arguido seja representado em tribunal por um defensor, não podendo autorrepresentar-se ainda que seja advogado, não viola o mencionado art.º 6.º, n.º3, o reenvio prejudicial solicitado não é pertinente, não tem utilidade processual. III – Não é de invocar, a este propósito o artigo 9.º da Diretiva 2013/48/EU do Parlamento Europeu, pois as diretivas europeias não têm aplicação direta na União Europeia, tendo antes o legislador de cada Estado Membro de adaptar o direito nacional aos objetivos nelas fixados, transpondo-as para esse direito nacional. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. N.º 15914/17.0T9PRT.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO Nos presentes autos n.º15914/17.0T9PRT, proferida decisão sumária que, ao abrigo dos arts.417.º, n.º6, alínea b) e 420.º, n.º1, alínea b) do C.P.Penal, rejeitou o recurso subscrito pelo arguido AA, este veio reclamar para a conferência, insurgindo-se, em síntese, quanto ao entendimento vertido nessa decisão de que é obrigatória a assistência de defensor nos recursos ordinários e extraordinários, não podendo o arguido, advogado, defender-se em causa própria e invocando que a decisão reclamada enferma de omissão de pronúncia ao não ordenar, como requereu, o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), previamente à decisão a proferir, com vista à apreciação da seguinte questão: “No quadro do direito ao julgamento imparcial, integrante do direito fundamental ao processo equitativo, estabelecido no segundo parágrafo do artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em correspondência, segundo a observação oficial do competente Praesidium, com o n.º1 do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, - o n.º2 do artigo 48.º da Carta, na medida em que, nos exactos da correlativa Anotação ao artigo 48.º, consagra o direito do acusado em processo penal a “defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor de sua escolha” preceituado na alínea c) do n.º3 do artigo 6.º da Convenção, em conjugação com o direito à renúncia ao direito à assistência e, em geral, ao “direito de acesso um advogado em processo penal” estatuído no n.º4, in fine, do artigo 3.º e no n.º1 do artigo 9.º da Directiva 2013/48/EU do Parlamento Europeu e do Conselho - deve ser interpretado no sentido de que se opõe às disposições jusprocessuais nacionais – tal como, in concreto, a norma do n.º1 do artigo 64.º do Código de Processo Penal português – que estabelecem, de modo geral e abstrato, a constituição obrigatória de advogado, id est: a usurpação legal dos direitos do acusado pelo defensor judicialmente nomeado e a obrigatoriedade deste defensor, designadamente, em todos os recursos: A) Mesmo contra a vontade expressa do jurisdiconado civilmente capaz), B9 mesmo que o assim obrigado tenha, ele próprio, a qualidade de advoagado?” à norma do n.º1 do art.64.º do C.P.Penal normativa a dar ao artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.ao não ordenar o reenvio ao TJUE da questão prejudicial enunciada na reclamação que apresentou da rejeição do recurso interposto do despacho que rejeitou o requerimento para abertura da instrução por ser subscrito pelo próprio advogado arguido e que deu por reproduzido no recurso interposto da sentença. Conclui que a decisão reclamada constitui um ato judicial nulo pleno jure por recusar accionar procedimento processual obrigatório nos termos do art.267.º do Tratado sob o Funcionamento da União Europeia, omitindo pronúncia sobre questão de direito essencial para o justo julgamento da causa e consequentemente deve ser revogada e ordenado o reenvio prejudicial requerido, decretando-se a suspensão da instância no pendente recurso. Notificado desta reclamação, o Ministério Público nada disse. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência. * II – FUNDAMENTAÇÃO Decisão reclamada É do seguinte teor a decisão reclamada: “I. No processo comum n.º15914/17.0T9PRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 5, por sentença proferida em 28/2/2022, o arguido AA foi condenado pela prática de três crimes de usurpação de funções p. e p. pelo art.358.º, alínea b), do C.Penal, na pena de quatro meses de prisão por cada um deles e, em cúmulo jurídico, na pena única de oito meses de prisão. Esta pena única foi substituída por 240 dias de multa, à taxa diária de €5,00, perfazendo o total de €1.200,00. Inconformado com a decisão, o arguido, que é advogado, interpôs recurso, subscrevendo-o ele próprio. O recurso foi admitido. O Ministério Público junto da 1ªinstância apresentou resposta em que sustenta que o recurso, tendo sido subscrito pelo arguido, advogando em causa própria, não deveria ter sido admitido, uma vez que o arguido que é advogado não se pode autorrepresentar na prática de atos que a lei reserva ao defensor – art.64.º, n.º1, do C.Penal (referência 70133). Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º, n.º1, do C.P.Penal, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que, aderindo à posição assumida pelo Ministério Público na 1ªinstância de que o arguido, advogado, não pode assumir a sua própria representação, pronunciou-se pela rejeição do recurso – art.420.º, n.º1, alínea b), do C.P.Penal (Referência 15820397/fls.530 a 531). Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2, do C.P.Penal, na pessoa da defensora oficiosa do arguido, veio este apresentar resposta ao parecer, sustentando a posição de que se pode autorrepresentar (fls.533 a 538). Procedendo a exame preliminar, verifica-se que o recurso interposto deve ser rejeitado por existir causa que devia ter determinado a sua não admissão e, consequentemente, nos termos dos art.s 417.º, n.º 6, alínea b) e 420.º, n.º 1, alínea b) do C.P.Penal, proferir-se-à decisão sumária. II. O recurso foi admitido por despacho proferido a fls.412. Contudo, nos termos do art. 414.º n.º 3 do C.P.Penal, a decisão sobre a admissibilidade do recurso não vincula o tribunal superior, pelo que pode este Tribunal da Relação rejeitar o recurso. Vejamos: Nos termos do art.64.º, n.º1, alínea e), do C.P.Penal, é obrigatória a assistência de defensor nos recursos ordinários e extraordinários. “A obrigatoriedade de defensor nos recursos tem a razão de ser na especificidade do meio; o recurso é um remédio jurídico contra erros de julgamento de facto ou de direito, nos limites e pressupostos de admissibilidade previstos na lei. Nos recursos dirigidos aos tribunais superiores, a matéria e o objeto apresentam componente técnicas e jurídicas, cuja apresentação e discussão não podem ser compreendidas fora do exercício da defesa técnica através de defensor.”.[1] Nos casos em que o C.P.Penal prevê a obrigatoriedade de assistência por defensor, está afastada, por razões de justiça, a autodefesa. Como se refere no Ac.R.Guimarães de 25/1/2021[2] “a defesa do arguido em determinados atos não é apenas questão que apenas ao arguido diz respeito. O legislador autonomizou a figura do defensor, elevando-a à categoria de sujeito processual, com um estatuto próprio com a imposição de deveres e o reconhecimento de direitos. No caso em que o arguido é advogado mantém-se válida a razão da obrigatoriedade de assistência por defensor, pois que falta-lhe a objetividade e a serenidade imprescindíveis à defesa dos seus interesses. E daí que se coloque a questão de ser assegurada uma defesa eficaz e efetiva ao arguido, para além da questão de, em certas fases do processo, os papeis de arguido e defensor serem inconciliáveis.” Este entendimento de proibição da autodefesa em processo penal na prática de atos que a lei reserva ao defensor está sedimentado na doutrina e na jurisprudência[3] e não é contrário à C.R.P, conforme tem sido reiteradamente afirmado pelo Tribunal Constitucional – cfr., entre outros, Acórdãos do T.Constitucional n.º578/2001 e 960/2006. Também o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, confrontado com a proibição legal da autorrepresentação e a obrigatoriedade de constituição ou nomeação de defensor decidiu, no acórdão de 4/4/2018, que não viola o art. 6 §§ 1 e 3 c) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Na nossa legislação processual penal, o assistente também não pode autorrepresentar-se – art. 70º n.º 1 do CP.Penal. O Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ n.º 15/2016, decidiu que “nos termos do artigo 70.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o ofendido que seja advogado e pretenda constituir-se assistente, em processo penal, tem de estar representado nos autos por outro advogado” Em suma, o arguido ou o assistente no processo, mesmo que seja advogado, não podem subscrever peças recursórias. No caso vertente, porque o recurso que o arguido, advogado, apresentou nos autos não está subscrito por defensor constituído ou nomeado, impõe-se rejeitá-lo por não cumprir com uma das condições necessárias para que pudesse ser admitido - arts. 420.º, n.º 1, alínea b) e 414.º, n.º 2, do C.P.Penal. III. Pelo exposto, ao abrigo dos art.s 417.º, n.º6, alínea b) e 420.º, n.º1, alínea b) do C.P.Penal rejeita-se o recurso interposto pelo arguido e não subscrito por defensor. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC, a que acresce a importância de 3 (três) UC, nos termos do art. 420º, nº 3, do C. P. Penal.” Apreciação Antes de mais cabe assinalar que a presente reclamação deve ser apreciada não obstante o reclamante persistir em autorrepresentar-se, uma vez que a questão suscitada na reclamação é precisamente a admissão de autorrepresentação, sob pena de, não se admitindo a reclamação por estar subscrita pelo próprio reclamante, ser criado um ciclo vicioso que o impediria de discutir a questão. O reclamante insurge-se quanto à decisão sumária pelo facto de não se ter pronunciado quanto à questão do reenvio prejudicial, sustentando que o mesmo é obrigatório de acordo com o art.267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Dispõe o mencionado art. 267º: “O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.” A decisão sumária rejeitou liminarmente o recurso e, por isso, não conheceu do seu objeto. Tendo sido rejeitado o recurso, não foram apreciadas as várias questões nele suscitadas, entre as quais, o reenvio prejudicial. Assim, não estamos perante uma omissão de pronúncia, porquanto não cabia apreciar na decisão sumária as diversas questões suscitadas no referido recurso. Ademais, entendemos in casu não se impor o reenvio prejudicial. Vejamos. O deferimento de um pedido de reenvio prejudicial não está subordinado à sua mera solicitação, estando antes dependente da sua utilidade processual, a qual se afere pela apreciação judicial sobre a necessidade de ser proferida uma decisão de direito comunitário para dirimir uma questão que seja necessária para a decisão do litígio. Com efeito, o TJUE, desde o Acórdão Cilfit de 6 de outubro de 1982 (Processo 283/81), vem entendendo que aquela obrigatoriedade cessa quando a questão não for necessária ou pertinente para o julgamento do litígio. Neste sentido, veja-se o Ac.STJ de 17/03/2016, proferido no processo nº 588/13.6TVPRT, da 6ª secção, in www.dgsi.pt: “A aparente obrigatoriedade decorrente de um pedido de reenvio ter sido feita a um órgão jurisdicional cujas decisões, à luz do direito interno, sejam insusceptíveis de recurso ordinário, veio a ser resolvida pelo caso Cilfit de 6 de Outubro de 1982, onde se conclui que a convocação das instâncias comunitárias só se justificará, quando as instâncias nacionais considerem que o recurso àquelas é necessário para a solução do pleito”. Na mesma linha de pensamento, afirma Luísa Lourenço, in Julgar, n.º35, “O reenvio prejudicial para o TJUE e os pareceres consultivos do Tribunal EFTA”, pág.195, “No acórdão CILFIT, o TJUE estabeleceu claramente que não há obrigação, para um tribunal nacional, de fazer um reenvio prejudicial se a questão em causa não for relevante e não puder, assim, ter qualquer influência no resultado do litígio. Contudo, acrescentou o TJUE, se o tribunal nacional considerar que o recurso ao direito da UE é absolutamente necessário para resolver o processo em causa, o reenvio prejudicial torna-se obrigatório. Há, todavia, exceções: diz-nos o mesmo acórdão que a obrigação de reenvio encontra o seu limite no facto de o TJUE ter já lidado com a questão de direito controvertida, independentemente de os processos que dão origem a essa questão não terem a mesma natureza, nem as questões serem idênticas.” O art.52.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sob a epígrafe O Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios, estabelece no seu n.º3 “Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.” De acordo com este preceito nas diversas normas da Carta que contenham direitos contemplados na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, conhecida de forma mais abreviada por Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), o sentido e o âmbito desses direitos têm a abrangência dos previstos na CEDH. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) foi criado a fim de assegurar o respeito dos compromissos que resultam da CEDH e seus protocolos para os Estados Parte e a competência do Tribunal abrange todas as questões relativas à interpretação e à aplicação da CEDH e dos respetivos protocolos que lhe sejam submetidas. No caso vertente, o reenvio prejudicial prende-se com a interpretação do art.48.º, n.º2 da Carta no sentido de se opor, em harmonia com o art.6.º, n.º3, alínea c), da CEDH, ao preceituado no art.64.º, n.º1, do C.P.Penal, sendo que este último tem sido interpretado no sentido de o arguido, advogado, não se poder autorrepresentar. Sobre o art. 6.§§ 1 e 3 da CEDH, já o TEDH se pronunciou nos acórdãos de 15/11/2001 e 4/4/2018 (em que as queixas foram apresentadas precisamente pelo ora reclamante), no sentido da proibição legal da autorrepresentação e da obrigatoriedade de constituição ou nomeação de defensor, ainda que o arguido seja advogado, impostas pelo art.64.º da legislação processual penal portuguesa, não violarem o art. 6 §§ 1 e 3 c) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. No acórdão de 4/4/2018, entendeu o TEDH que “um Estado-Membro pode legitimamente considerar que um arguido, pelo menos em regra geral, está mais bem defendido se for assistido por um advogado de abordagem imparcial e tecnicamente preparado, e que mesmo um arguido com formação jurídica, como o requerente, pode não ser capaz, porque as acusações são dirigidas contra ele pessoalmente, para defender seu próprio caso de forma eficaz. (…)Acresce que o carácter particularmente restritivo da legislação portuguesa, do ponto de vista de um arguido como o recorrente, não significa que o interessado tenha sido privado de qualquer possibilidade de escolher a forma de conduzir a sua própria defesa e nela participar efetivamente Enquanto o processo penal português reserva os aspetos técnicos da defesa ao advogado, a legislação aplicável deu ao arguido vários meios de participar no processo e nele intervir pessoalmente. (…) A norma portuguesa relativa à obrigatoriedade de representação por advogado em processo penal visa, essencialmente, garantir a boa administração da justiça e um julgamento justo, respeitando o direito do arguido à igualdade de armas. Tendo em conta todo o contexto processual em que foi imposta esta obrigação de representação e a margem de apreciação deixada aos Estados-Membros quanto à escolha dos meios a aplicar para garantir a defesa do arguido, os fundamentos apresentados em apoio da o dever de ser assistido, em geral e neste caso, foram relevantes e suficientes.” Por sua vez, no acórdão de 15/11/2001, lê-se: “nesta matéria é essencial que o interessado possa apresentar a sua defesa de forma adequada e de acordo com os requisitos de um julgamento justo. No entanto, a decisão de permitir que um acusado se defenda ou nomeie um advogado para ele ainda está na margem de apreciação dos Estados Contratantes, que estão em melhor posição do que o Tribunal para escolher os meios adequados para permitir que seu sistema judiciário garanta a direitos da defesa. De realçar que as razões invocadas para exigir a representação obrigatória por advogado, em determinadas fases do processo, são, aos olhos do Tribunal, suficientes e pertinentes. Trata-se, de facto, nomeadamente, de uma medida no interesse do arguido e destinada a uma defesa eficaz deste último. Os tribunais nacionais podem, portanto, considerar que os interesses da justiça exigem a constituição obrigatória de um advogado. (…) Embora seja verdade que, regra geral, os advogados podem representar pessoalmente perante um tribunal, os tribunais competentes podem, no entanto, considerar que os interesses da justiça exigem a nomeação de um representante para um advogado que esteja em processo criminal e que, portanto, possa, para esse efeito, razão, não estar em condições de avaliar corretamente os interesses em jogo e, portanto, de assegurar eficazmente a sua própria defesa. Na opinião do Tribunal, isto está novamente dentro dos limites da margem de apreciação de que gozam as autoridades nacionais.” O TEDH já foi chamado a pronunciar-se sobre a obrigatoriedade de o arguido ser representado por advogado ao abrigo da lei processual penal portuguesa e esta obrigatoriedade ser consentânea com o preceituado no art.6.º, n.º3, da CEDH. Devendo a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia por força do disposto no art.52.º, n.º3, ser interpretada de harmonia com a CEDH e por consequência no caso em concreto, o invocado art.48.º, n.º2, daquela Carta com o art.6.º, n.º3 da Convenção, e tendo entendido o TEDH, a quem cabe a autêntica interpretação da Convenção, já em duas decisões que a legislação processual penal portuguesa ao impor que o arguido seja representado em tribunal por um defensor, não podendo autorrepresentar-se ainda que seja advogado, não viola o mencionado art.6.º, n.º3, o reenvio prejudicial solicitado não é pertinente, não tem utilidade processual. Invoca ainda o reclamante o artigo 9.º da Diretiva 2013/48/EU do Parlamento Europeu, mas as diretivas europeias não têm aplicação direta na UE, tendo antes o legislador de cada Estado Membro de adaptar o direito nacional aos objetivos fixados nas diretivas, transpondo-as para o direito nacional. O cidadão só adquire direitos e obrigações depois de adotado o ato de transposição. Pelas razões apontadas, o TJUE não deve ser solicitado a pronunciar-se em sede de reenvio prejudicial, pelo que se indefere a pretensão do reclamante. Por outro lado, alega o recorrente a inconstitucionalidade material do n.º1 do art.64.º do C.P.Penal, interpretado no sentido de que o arguido, mormente se for advogado, não pode subscrever ele próprio um requerimento reclamatório como o presente e, em função dessa interpretação, forem a reclamação e o próprio recurso em pendência desconsiderados. Porém, o reclamante não fundamenta em que termos ocorre a invocada inconstitucionalidade, o que inviabiliza a apreciação dessa questão. Por último, no que se reporta ao teor em si da decisão reclamada, o reclamante insurge-se quanto ao facto de serem invocados vários acórdãos do Tribunal Constitucional (ressalve-se que a referência ao Ac.T.Constitucional 960/2006 é um lapso de escrita, de que nos penitenciamos, pois trata-se antes do processo n.º 960/2006 e que deu lugar ao acórdão 196/2007) e ainda o acórdão de 4/4/2018 do TEDH, mas este Tribunal ad quem não está impedido de se socorrer de decisões jurisprudenciais para reforçar o seu entendimento de que ao abrigo do art.64.º, n.º1, alínea e), do C.P.Penal, o arguido, ainda que seja advogado, tem de ser assistido por um defensor para interpor recurso e as razões que justificam tal obrigatoriedade. Aderimos integralmente ao entendimento do TEDH no sentido de que a obrigatoriedade de assistência de defensor imposta pela lei processual penal portuguesa, tem em vista uma melhor defesa, mais eficaz do arguido. O facto de ser obrigatoriamente assistido por um defensor, não significa que o arguido esteja privado de todos os meios para escolher como pretende a sua defesa ou para participar efetivamente na sua própria defesa, pois tem o direito de estar presente em todas as fases do processo que o afetem, de prestar declarações ou de guardar silêncio sobre os factos que lhe são imputados e de apresentar exposições ou requerimentos (art.98.º do C.P.Penal). Além disso, se o arguido não estiver satisfeito com a defesa levada a cabo pelo advogado que lhe foi nomeado, pode pedir a mudança de advogado desde que apresente fundamento válido. Por todo o exposto e reiterando os argumentos aduzidos na decisão sumária, a reclamação apresentada não pode proceder, sendo de manter a rejeição do recurso. III – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em indeferir a presente reclamação apresentada pelo arguido AA e em consequência manter a rejeição do recurso. Custas a cargo do reclamante, fixando-se em 2 Uc a taxa de justiça. (texto elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários). Porto, 7/12/2022 Maria Luísa Arantes Luís Coimbra Raúl Esteves ________ [1] Conselheiro Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal Comentado, 2014, pág.228 [2] Proc. n.º6032/19.8GMR.G1, disponível in www.dgsi.pt [3] Ac.R.Porto de 5/6/2002, proc. n.º0240116, Decisão do Vice-Presidente do T.R.Porto de 12/10/2011, Ac.R.Guimarães de 18/12/2017, proc. n.º143/15.6T9PTL-B.G1, disponíveis em www.dgsi.pt |