Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FÁTIMA ANDRADE | ||
Descritores: | INTERESSE DO MENOR REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS ACORDO DOS PROGENITORES DECISÃO PROVISÓRIA | ||
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Nº do Documento: | RP20200714544/20.8T8MTS-C.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/14/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O interesse que o processo tutelar cível visa salvaguardar é o do menor. Nessa medida não são os progenitores propriamente parte vencida ou vencedora no processo, sem prejuízo de serem intervenientes ativos e interessados no que no mesmo é decidido. II - Tem, nesta medida, interesse em agir o progenitor que interpõe recurso da decisão que fixou regime provisório da regulação das responsabilidades parentais nos termos do acordo obtido junto de ambos progenitores em sede de conferência, com fundamento em que o mesmo não acautela os interesses do menor. III - A exigência de fundamentação tem como alvo as decisões que apreciam o mérito das pretensões submetidas à apreciação do tribunal, resolvendo o litígio de acordo com a lei substantiva e processual aplicável ao caso. Quando as partes chegam a um acordo, pondo fim ao litígio, a função do tribunal é apenas de fiscalização da validade e regularidade do acordo quanto ao objeto e partes nele intervenientes [vide artigo 299º e 300º do CPC]. Nestas situações não se aplica a exigência de fundamentação de facto ou de direito a que alude o artigo 615º nº 1 al. b) do CPC. IV - Expressa a vontade dos progenitores em estabelecer um regime provisório da regulação das responsabilidades parentais, limita-se o tribunal a quo, reconhecendo-lhe a capacidade de acautelar os interesses do menor, a fixar o mesmo. V - Se o regime provisório estabelecido em conformidade com a vontade comum expressa por ambos os progenitores em conferência, em nada indicia perante os elementos que constavam do processo à data da decisão, ser contrário aos interesses do menor e respeita os critérios legais, não merece o mesmo censura. VI - É vedado o conhecimento pelo tribunal de recurso de questões novas antes não suscitadas entre as partes, nos termos do artigo 608º n.º 2 do CPC. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº. 544/20.8T8MTS-C.P1 3ª Secção Cível Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade Adjunta – Juíza Desembargadora Eugénia Cunha Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. de Família e Menores de Matosinhos Apelante/ B… Apelada/C… Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC): ……………………………… ……………………………… ……………………………… Acordam no Tribunal da Relação do Porto I- Relatório[1] Instaurou o MºPº ação de regulação das responsabilidades parentais em representação do menor D…, nascido em 29/08/2018, contra os seus progenitores B… e C…, requerendo que a final fosse fixada “a residência do menor, atribuindo-se o exercício das responsabilidades parentais, definindo-se um regime de visitas e determinando-se os alimentos devidos ao menor e a forma de os prestar.” Foi agendada a conferência a que alude o artigo 35º do RGPTC. Realizada a mesma, a 09/03/20, foi tentada a obtenção de acordo entre os progenitores quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, o qual não foi possível. Contudo e tal como consta de tal ata, os progenitores: “Acordaram, no entanto, no seguinte regime provisório: Residência do menor: O menor fica a residir com a progenitora e à guarda da mesma. O exercício das responsabilidades parentais, nas questões de particular importância para a vida do menor, cabe a ambos os pais. Regime de visitas: O menor poderá estar com o pai, aos fins de semana, quinzenalmente, para o efeito deverá recolher o menor em casa da Ama/infantário ou, em caso de feriado, em casa da mãe, no final das atividades, pelas 18:00horas e entregando na segunda-feira no início das atividades letivas, pelas 09:00horas, em casa da Ama Infantário ou, no caso de ser feriado, em casa da mãe Para além disso, o menor poderá estar com o progenitor, de quinta para sexta-feira, nas semanas que antecedam o fim de semana em que vai estar com a mãe, e de terça para quarta-feira nas semanas que antecedam o fim de semana em que vai estar com o pai. Para o efeito o progenitor deverá recolher o menor, em casa da Ama/Infantário ou em dia feriado em casa da mãe pelas 18:00horas e entregando em casa da Ama/Infantário ou em dia feriado em casa da mãe pelas 09:00horas. Festividades: - O menor passará as festividades de Natal sempre com a progenitora e a passagem de Ano sempre com o progenitor. Férias: Nas férias de Verão em Agosto, o menor passará 2 semanas, em períodos interpolados de uma semana, com cada um dos progenitores, sendo que passará com a progenitora a primeira e terceira semana de Agosto e com o progenitor a segunda e quarta semana do mês de Agosto. Alimentos A título de prestação de alimentos devidos ao menor, o progenitor pagará a quantia mensal de € 50,00 (cinquenta euros), a enviar à progenitora, até ao dia 08 de cada mês a que disser respeito, por depósito ou transferência bancária para conta cujo o Iban a mãe facultará. O progenitor, comparticipará em metade das despesas de educação (incluindo a ama), médicas, medicamentosas, de saúde extraordinárias na parte não comparticipada. Devendo o pagamento ser efetuado até ao dia 8 do mês seguinte ao da apresentação do recibo.” * Sobre o acordo provisório expresso pelos progenitores foi pelo MºPº dito “Uma vez que os progenitores não conseguem chegar a acordo, promovo que se fixe o regime provisório acima definido e que as partes sejam remetidas para audição técnica especializada.”Após o que foi proferida pelo Mmº Juiz o seguinte despacho: “Nos termos do artigo 28.º, do RGPTC, fixo como regime provisório o acima exposto pelos progenitores. Uma vez que as partes não lograram entendimento, nos termos do artigo 38.º, do RGPTC, remetem-se para audição técnica especializada pelo período de 2 meses. Notifique e comunique-se ao ISS.” * Por requerimento de 19/03/20 o requerido B… veio em suma alegar que a ata da conferência não reflete o que de facto aconteceu na conferência de pais realizada no dia 09/03/2020, pois que o “Requerido nunca disse que pagou de prestação alimentar 50,00€ ao menor.(…) O que Requerido disse sim foi que pagava metade da despesa da Ama no valor de 75,00€ e que fazia compras de bens alimentares para o D… e as entregava à Requerente” A que acresce ainda “que, o requerido estava visivelmente nervoso, e o mesmo não concordou com o regime provisório que foi imposto nem com os termos do mesmo.” Tendo a final requerido a “retificação da ata nos termos supra expostos.” O assim requerido foi indeferido pelo tribunal a quo nos seguintes termos: “No que se refere à ata, o que dela consta é que o pai pagará a título de prestação de alimentos a quantia mensal de € 50,00 (cinquenta euros), bem como metade das despesas de educação (incluindo a ama), médicas, medicamentosas, de saúde extraordinárias na parte não comparticipada. De resto, conforme se fez constar na parte final dessa ata (quando a diligência já havia terminado e o signatário se encontrava no gabinete), o progenitor aceitou o valor da prestação alimentar, que surgiu na sequência de ambos os pais terem dito que era o montante que se encontrava a pagar antes da experiência recente de guarda partilha que durou perto de duas semanas (e que na opinião do pai correu bem e na opinião da mãe correu mal). Acresce que na diligência, a própria ilustre Advogada do requerente perguntou por duas ou três vezes ao progenitor se aceitava este acordo, tendo o progenitor referido que sim, inclusive que o aceitava em termos definitivos, certo que passado poucos segundos, sem que se conseguisse perceber a razão, acabou por dizer que não aceitava que ficasse definitivo mas apenas provisório. Sempre se acrescenta que foi por causa disso mesmo, dos progenitores aceitarem este regime, ainda que de forma provisório, que o Tribunal o aplicou, não parecendo que possa o progenitor acabar a diligência para dizer que aquilo que aceitara afinal já não aceita. Desta forma, não existe razão alguma para alterar a ata. Notifique.” Notificado o requerente, não reagiu contra esta decisão. * Ainda e não se conformando com o regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais fixado na conferência de pais realizada a 09/03/2020, interpôs o progenitor B… recurso de apelação, oferecendo alegações e a final tendo formulado as seguintes Conclusões: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Apresentou o MºPº contra-alegações, a final tendo concluído nos seguintes termos: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.Foram dispensados os vistos legais. *** II- Âmbito do recurso.Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC [Código de Processo Civil] – resulta das formuladas pelo apelante serem questões a apreciar: I- nulidade da decisão recorrida por absoluta falta de fundamentação nos termos do artigo 615º nº 1 al. b) do CPC) [vide conclusões D) a F)]; II- se o recorrente nunca esteve de acordo quanto ao regime provisório imposto [vide conclusões H) a J)]. III- se o regime fixado não tutela o superior interesse do menor [vide conclusão G), K) e segs.]. Neste campo sendo apreciado se é admissível o conhecimento por este tribunal de recurso de questões novas não suscitadas antes entre as partes. Como questão prévia, impondo-se ainda apreciar: i- do interesse em agir do recorrente [questão suscitada pelo MºPº]; *** III- Fundamentação.Cumpre em primeiro lugar apreciar a suscitada questão prévia da falta de interesse em agir do recorrente. Fundou o MºPº a exceção assim deduzida na inexistência de decisão contrária aos interesses do recorrente. Para tanto tendo alegado que o recorrente interpôs recurso da decisão que foi ao encontro da posição pelo mesmo assumida nos autos. E sendo a decisão concordante com a própria posição do recorrente não é o mesmo parte vencida, pelo que carece de interesse em agir, sob pena de violação dos deveres de lealdade e de boa-fé processual. Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC – Regime Geral do Processo Tutelar Cível [como é o caso dos autos principais de que o presente recurso é apenso] - têm natureza de jurisdição voluntária (vide artigo 12º do RGPTC) e regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo – dos quais se destacam o princípio do superior interesse da criança [a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto]; da responsabilidade parental [a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem] e da audição obrigatória e participação [a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção] – vide artigo 4º[2] da Lei 147/99 de 1/09 aplicável ex vi artigo 4º nº 1 do RGPTC. A que acrescem os seguintes princípios, especificados no nº 1 do artigo 4º do RGPTC: “a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto; b) Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito; c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.” Dos princípios orientadores acima elencados decorre que o interesse que o processo tutelar cível visa salvaguardar é o do menor. E nessa medida não são os progenitores propriamente parte vencida ou vencedora no processo, sem prejuízo de serem partes e intervenientes ativos e interessados no que no mesmo é decidido. Tanto mais quando as decisões tomadas devem permitir e favorecer sempre que possível que os progenitores assumam integralmente os seus deveres para com os filhos, interferindo na vida da criança e da família na medida do estritamente necessário e dando prevalência à integração da criança na sua família. Para tanto sendo garantida a audição dos pais e os conflitos familiares dirimidos preferencialmente por via do consenso. Precisamente pelo papel ativo e interessado dos progenitores, orientado pelo superior interesse da criança, é a estes reconhecida legitimidade para interpor recurso das decisões que aplicam, alteram ou decidem pela cessação de medidas tutelares cíveis. Assim dispõe o artigo 32º do RGPTC: “1- Salvo disposição expressa, cabe recurso das decisões que se pronunciem definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares cíveis. 2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 63.º, podem recorrer o Ministério Público e as partes, os pais, o representante legal e quem tiver a guarda de facto da criança.” O interesse em agir, por sua vez, é aferido em função da necessidade de atuação jurisdicional para dirimir um conflito, garantir a proteção de um direito que o recorrente invoca estar ameaçado ou carecido de tutela judicial. Num processo tutelar cível, o interesse em agir é portanto aferido em função do interesse do menor, não do decaimento dos progenitores que pelo acima exposto inexiste[3]. O recorrente alegou em sede de recurso, entre o mais, não ter existido do seu lado acordo para o regime fixado que mais afirma não tutela os interesses do menor por não ter sido estipulada a residência alternada com ambos os progenitores e por períodos de tempo idênticos. Na medida em que é precisamente o interesse do menor que o processo tutelar cível visa salvaguardar, é de concluir que tem interesse em agir o progenitor que interpõe recurso da decisão que fixou um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais nos termos do acordo obtido junto de ambos progenitores em sede de conferência, com fundamento em que o mesmo não acautela os interesses do menor. Está portanto justificado o interesse em agir do recorrente. E conclui-se nos termos expostos nada obstar à admissão e apreciação do objeto do recurso. * Em segundo lugar cumpre apreciar da invocada nulidade da decisão recorrida por absoluta falta de fundamentação – arguida por referência ao disposto no artigo 615º nº 1 al. b) do CPC.E por com esta questão relacionado, se o recorrente nunca esteve de acordo quanto ao regime provisório imposto [vide conclusões H) a J)]. Nos termos do artigo 615º nº 1 al. b) conjugado com o disposto no artigo 613º nº 3 do CPC é nula a sentença ou despacho que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Sendo entendimento uniforme na jurisprudência e com apoio na doutrina que apenas a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito, e apenas esta e já não a sua deficiência, em que assenta a decisão são causa de nulidade da mesma[4]. O dever de fundamentação ou motivação decorre do disposto nos artigos 205º nº 1 da CRP e 154º nº 1 do CPC, sendo a base da sindicância de tais decisões. Tal como decorre do citado artigo 154º do CPC as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas (nº 1). Não se bastando a justificação com a mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade. A exigência de fundamentação tem portanto como alvo as decisões que apreciam o mérito das pretensões submetidas à apreciação do tribunal, resolvendo o litígio de acordo com a lei substantiva e processual aplicável ao caso. Diversa é a situação quando as partes chegam a um acordo, pondo fim ao litígio – estando em causa direitos disponíveis – cuja validação submetem ao tribunal (vide artigo 1249º do CC). Aqui a função do tribunal é apenas de fiscalização da validade e regularidade do acordo quanto ao objeto e partes nele intervenientes [vide artigo 299º e 300º do CPC]. Não incumbindo ao juiz emitir pronúncia substantiva. O mesmo é dizer que nestas situações não se aplica a exigência de fundamentação de facto ou de direito convocada pelo recorrente. A decisão recorrida que é alvo da imputada nulidade respeita à aceitação, por parte do tribunal a quo, do acordo expresso pelos progenitores na conferência que teve lugar nos termos do artigo 38º do RGPTC. Acordo quanto ao regime provisório. E não regulação definitiva das responsabilidades parentais já que quanto a estas de igual modo consta da respetiva ata não foi possível obter consenso entre os progenitores. É certo que o recorrente invoca ter inexistido o acordo que de forma clara e sem margem para dúvidas interpretativas quanto ao sentido da declaração, consta da respetiva ata. Igualmente é certo que o recorrente suscitou essa mesma questão em requerimento autónomo. Questão que foi apreciada pelo tribunal a quo e julgada improcedente. Quanto a esta decisão não tendo o recorrente reagido [tal como consta do relatório supra]. Sendo a ata da conferência um documento autêntico (vide artigo 369º do CC) faz a mesma prova plena “dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora” (vide artigo 371º do CC). Mais, a força probatória de tal ata só poderia ter sido ilidida com base na sua falsidade – vide artigo 372º do CC. O recorrente não fez uso de tal expediente processual. Consequentemente, faz a ata em questão prova plena dos factos que nela se referem como praticados e atestados. Constando da respetiva ata que os progenitores declararam em tal ata, ambos (e como tal também o recorrente), estarem de acordo quanto ao regime provisório de regulação das responsabilidades parentais nos termos das cláusulas que constam em tal ata, tem-se como assente a vontade então expressa para vigorar provisoriamente até oportuna fixação do regime definitivo - sem prejuízo da livre modificabilidade que às decisões proferidas em processos de jurisdição voluntária é reconhecida, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração (vide 988º do CPC). Afastado fica portanto o alegado inexistente acordo do recorrente, porquanto a ata em questão faz prova plena precisamente do contrário. Assente a existência de acordo dos progenitores, cumpre apreciar se a decisão recorrida que se limitou a fixar o regime provisório apresentado pelos progenitores ao tribunal, nos termos do artigo 28º do RGPTC, padece do vício de nulidade que lhe é assacada pelo recorrente. Para tanto é ainda de recordar não estar o tribunal sujeito nos processos de jurisdição voluntária a estritos critérios de legalidade, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna na defesa dos interesses do menor (artigo 987º do CPC) E orientado por este fim último de promoção dos interesses do menor, sempre será de privilegiar o consenso entre as partes interessadas quando possível, nomeadamente os progenitores, porquanto deste resultará uma maior probabilidade de ambos acompanharem e promoverem de forma sadia, harmoniosa e equilibrada o crescimento do menor. Em consonância com o exposto, dispõe o artigo 37º do RGPTC: “Estando ambos os pais presentes ou representados, o juiz procura obter acordo que corresponda aos interesses da criança sobre o exercício das responsabilidades parentais. 2 - Se conseguir obter o acordo, o juiz faz constar do auto da conferência o que for acordado e dita a sentença de homologação.” Conforme decorre deste normativo legal, havendo acordo e desde que seja entendido corresponder o mesmo aos interesses da criança, limita-se o juiz a ditar a sentença homologatória – sem exigência de fundamentação de facto ou de direito, em consonância com o que acima já analisámos. Nos autos não foi obtido o acordo entre os progenitores que permitiria pôr fim ao processo instaurado. Mas foi expressa a vontade destes mesmos progenitores em regular provisoriamente as responsabilidades parentais. Regulação provisória das responsabilidades parentais que sempre seria de estipular pelo juiz em função dos elementos já obtidos até àquele momento na aludida conferência em que ambos os progenitores estavam presentes e não chegaram a acordo quanto ao termos em que tais responsabilidades serão exercidas (vide artigo 38º do RGPTC). Embora não expressamente previsto nos artigos vindos de citar a possibilidade de acordo das partes para o regime provisório, existindo este nada obstava – atentos os princípios que enformam este processo e acima já referidos, destacando-se para este fim a não sujeição a critérios de estrita legalidade aliado ao princípio orientador da consensualização - a que o mesmo fosse considerado pelo tribunal a quo. Ademais, do disposto no artigo 28º do RGPTC decorre a possibilidade de o tribunal decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas, também a requerimento de qualquer dos interessados. Assim, expressa a vontade das partes em estabelecer um regime provisório da regulação das responsabilidades parentais recai sobre o tribunal, reconhecendo-lhe a capacidade de acautelar os interesses do menor, fixar o mesmo. Foi o caminho seguido pelo tribunal que para tanto convocou o disposto no artigo 28º que dá acolhimento à consideração dos requerimentos das partes. Na medida em que o tribunal acolheu na totalidade o regime proposto por consenso por ambos os progenitores e que igualmente obteve o assentimento do MºPº, ao abrigo do disposto no artigo 28º, entende-se que a decisão em causa não carecia de fundamentação de facto ou de direito. É certa a exigência de verificação de que tal acordo satisfaz os interesses do menor, mas esta tem-se por pressuposta na expressa concordância de todos os interessados a tal acordo e sua subsequente homologação. Em suma, conclui-se pela improcedência da arguida nulidade da decisão por falta de fundamentação nos termos do artigo 615º nº 1 al. b) do CPC. * Cumpre em terceiro lugar apreciar se o regime fixado não tutela efetivamente o superior interesse do menor.Neste campo sendo apreciado se é admissível o conhecimento por este tribunal de recurso de questões novas não suscitadas antes entre as partes e perante o tribunal a quo. Recorda-se que em causa está a fixação de um regime provisório da regulação das responsabilidades parentais estabelecida na conferência inicial a que alude o artigo 38º do RGPTC, numa altura em que portanto as partes ainda nem sequer foram notificadas para alegar e apresentarem provas do que alegam – o que só ocorre em momento processual posterior, conforme decorre do disposto no artigo 39º do mesmo RGPTC. No caso dos autos, o processo foi instaurado a requerimento do MºPº e logo agendada a conferência em causa. Nesta e perante o acordo alcançado, nada consta quanto à situação concreta do menor que acrescente ou questione o que foi alegado ab initio pelo MºPº. E neste requerimento inicial consta apenas que o menor nascido em 29/08/2018 e portanto à data da conferência com pouco mais de ano e meio de idade, residia com a mãe. Estando ambos os progenitores - que viveram em condições análogas às dos cônjuges durante cerca de dois anos e meio - separados desde finais de dezembro de 2019 sem que tenham regulado as responsabilidades parentais do filho menor. Mais consta alegado que de acordo com o progenitor o mesmo estava com dificuldades em conviver e visitar o menor por não se conseguir conciliar a esse respeito com a progenitora. Inexistindo acordo quanto ao “destino do menor, regime de visitas e ao montante da prestação alimentícia”. Perante este contexto factual foram provisoriamente reguladas as responsabilidades parentais nos termos do acordo acima já identificado e que o tribunal a quo aceitou. Do mesmo extrai-se que as progenitores fixaram o exercício conjunto das responsabilidades parentais nas questões de particular importância, bem como definiram a residência do menor com a mãe, tal como se encontrava à data deste acordo. Ou seja, provisoriamente, optaram os progenitores por uma solução conservadora, introduzindo alterações ponderadas sem deixarem de ser relevantes na vivência do menor, ainda de tenra idade, até que os demais elementos a aportar aos autos permitam melhor aferir do concreto interesse do filho de ambos e em função do mesmo ser tomada uma decisão final. Simultaneamente deram cumprimento ao disposto no artigo 1906º nºs 1 e 5 do CC, seguindo o princípio regra do exercício conjunto das responsabilidades parentais (nº1), aplicável ex vi artigo 1911º nº 2 do CC (de acordo com o alegado pelo MºPº). Bem como estipularam um regime de visitas ao progenitor com quem o menor não ficou a residir. Regime este que definiu ficar o pai, em fins de semana alternados, com o menor para o efeito indo buscar o filho no final das atividades, entregando-o na segunda-feira seguinte pelas 9.00 no início das atividades letivas. Ainda e nas semanas que antecedem o fim de semana em que o menor ficará com a mãe, ficou estipulado o direito de o menor estar com o pai de 5ª para 6ª feira e de terça para 4ª feira nas semanas que antecedam o fim de semana em que vai estar com o pai. O mesmo é dizer que para além dos fins-de semana em que o menor fica com o pai, de 15 em 15 dias, sempre em todas as semanas fica o menor com o pai um dia por semana. Nos termos do disposto no artigo 1905º nº 5 do CC “O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.”. O regime provisório estabelecido respeitou o disposto no artigo 1905º nº 5 do CC pois determinou a residência do filho e estipulou os direitos de visita – incluindo período de festividades e férias - de modo conforme ao acordo expresso pelos progenitores. Para além de ter definido os alimentos. Mais e objetivamente garante a convivência do menor com seu pai, promovendo o fortalecimento e o estreitar das relações entre ambos neste período em que vigora o regime provisório. Sendo já uma evolução em relação à situação anterior vigente [de acordo com o alegado no requerimento inicial]. É do superior interesse da criança que à mesma seja propiciado um ambiente familiar estável e harmonioso que promova o seu são desenvolvimento, onde impere a capacidade de diálogo e entendimento, favorável ao estabelecimento de fortes laços familiares com cada um dos progenitores e família alargada respetiva. O regime provisório estabelecido, na sua globalidade, em nada indicia – em função dos elementos que constavam do processo à data da decisão - ser contrário aos interesses do menor e respeita os critérios legais. E como tal não merece censura na sua globalidade, tendo respeitado, repete-se, a vontade dos progenitores. O que o recorrente pretende é por via de recurso a alteração do acordo que foi estabelecido. E para tanto convoca novos argumentos e nova factualidade que não foi considerada nem apreciada pelo tribunal a quo. Tendo presente que através dos recursos é visado o reexame das decisões proferidas em 1ª instância por forma a pela via da modificação de decisão antes proferida ser validado o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos que as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas, salvo em situações limitadas e expressamente consagradas como por exemplo no caso de ocorrer alteração ou ampliação do pedido em 2ª instância (artigo 264º do CPC) ou de se impor o conhecimento oficioso de exceção ainda não decidida com trânsito em julgado. O mesmo é dizer que o objeto de recurso está limitado pelas questões que foram sujeitas à apreciação do tribunal recorrido[5]; Consequentemente a apreciação de nova factualidade [vide conclusões K) a R)] e novas questões formuladas perante este tribunal de recurso é de rejeitar. Tal como já antes referido, atenta a natureza de jurisdição voluntária deste autos, a modificabilidade das decisões proferidas é livre com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração (vide 988º do CPC). Querendo e para tanto tendo fundamento, deverá o recorrente suscitar tal reapreciação em sede própria perante o tribunal a quo. Nesta sede de recurso em face do acima já analisado, temos que o acordo estabelecido entre os progenitores para vigorar provisoriamente sobre a regulação das responsabilidades parentais e que o tribunal aceitou não evidencia ser contrário aos interesses do menor e nessa medida não merece censura. É nestes termos totalmente improcedente o recurso interposto pelo recorrente. * IV. Decisão.*** Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente confirmando a decisão recorrida. Custas do recurso pelo recorrente, sem prejuízo do que vier a ser decidido sobre o por este requerido benefício do apoio judiciário. Notifique. *** Porto, 2020-07-14.Fátima Andrade Eugénia Cunha Fernanda Almeida ____________ [1] Consigna-se a consulta eletrónica tanto deste apenso, como dos autos principais. [2] Artigo 4º da Lei 147/99 que aqui se deixa reproduzido: “A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios: a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida; d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo; e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade; f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem; g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante; h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável; i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa; j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção; k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.” [3] Cfr. neste sentido Ac. TRC de 12/11/2013, nº de processo 876/10.3TMCBR-A.C1 e da mesma Relação Ac. de 04/04/2017, nº de processo 94/16.7T8PNH-A.C1, ambos in www.dgsi.pt [4] Vide neste sentido Ac. TRP de 11/01/2018, Relator Filipe Caroço; Ac. TRL de 03/12/2015, Relator Olindo Geraldes; Ac. TRG de 21/05/2015, Relatora Ana Duarte in http://www.dgsi.pt. [5] Vide neste sentido Ac. STJ, Relatora Ana Geraldes de 17/11/2016; ainda e entre outros, Ac. TRC de 14/01/14, Relatora Maria Inês Moura; Ac. TRP de 16/10/2017, Relator Miguel B. Morais e Ac. STJ de 07/07/2016 Relator Gonçalves Rocha, todos in www.dgsi.pt . |