Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
887/21.3PAESP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: CRIME DE FURTO
IMPRESSÃO DIGITAL
PROVA INDIRECTA
Nº do Documento: RP20230110887/21.3PAESP.P1
Data do Acordão: 01/10/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A prova indireta dos factos só ocorre quando a hipótese da acusação se afirma com probabilidade muito elevada, e desde que as hipóteses alternativas ou concorrentes não tenham um grau de probabilidade relevante (a probabilidade destas hipóteses mesmo sendo baixa, pode ser relevante quando suscite dúvidas atendíveis ao julgador).
II - No caso de furto de um veículo de uma garagem, que vêm a ser encontrado 5 dias depois, a cerca de 20 km de distância, com impressão digital do arguido no espelho retrovisor interior (sem mais elementos), se presença do arguido no veículo é insofismável, já associá-lo à subtração do veículo ocorrida no dia e local em causa, é uma valoração onde falham elementos de facto, que sustentem a probabilidade dessa subtração pelo arguido, a qual, o Standard de prova em processo penal impõe ser elevada, ao mesmo tempo que não poderá conviver com uma miríade de hipóteses, mais ou menos prováveis que derivam do tempo decorrido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 887/21.3PAESP.P1

Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

Nos autos de processo comum n.º 887/21.3PAESP, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Espinho – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, por sentença de 29.05.2023, decidiu-se, além do mais, condenar o arguido AA:
(i) pela prática, em autoria material, forma consumada e concurso efetivo, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;
(ii) pela prática, em autoria material, forma consumada e concurso efetivo, e como reincidente, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 03.01, com referência aos art.ºs 121.º, n.º 1, 122.º, n.º 1, e 123.º, nº 1 do C.E., na pena de 6 (seis) meses de prisão;
(iii) em cúmulo jurídico na pena única de 3 (três) anos de prisão efetiva;
(iv) no pagamento ao demandante da quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescido de juros desde a citação até integral pagamento.
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Inconformado, veio o arguido interpor o recurso ora em apreciação (Ref.ª 14761408) referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve:
I. O Tribunal “a quo” violou no douto Acórdão recorrido os princípios basilares do processo penal da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, consagrados nos art.ºs 127º e 32º CRP, pois o adequado cotejo e ponderação de (reduzida) a prova produzida, não podem deixar de resultar fundadas dúvidas se o Arguido praticou os crimes.
II. O valor probatório da perícia dactiloscópica deve ser encarado numa tripla perspectiva:
«a) A aparição de uma impressão digital de uma pessoa faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada aquela impressão;
b) Se a impressão digital faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada aquela impressão ou que aquela pessoa esteve no local onde ela foi colhida, já não faz prova directa da participação do sujeito no facto criminoso (até porque aquele contacto com a coisa pode ser posterior à prática do crime ou meramente ocasional).
c) Embora não faça prova directa da participação do sujeito no facto criminoso, a impressão digital pode ser encarada como um indício que, conjugado com outros indícios, pode fundamentar uma decisão condenatória.»
III. Portanto, têm de existir outros meios de prova ou indícios que através de um raciocínio lógico, coerente e fundamentado em critérios de razoabilidade, probabilidade e regras de experiência comum, retirar o facto desconhecido – o de que foi a pessoa a quem pertencem as impressões digitais ou palmares a autora dos factos integradores do crime – a partir do facto conhecido – o de que essa pessoa esteve naquele local ou em contacto físico directo com determinados objectos – tal como é permitido pelos arts. 349º e 351º do Cód. Civil e art.º 125º CPP, para além de qualquer dúvida razoável.
IV. Se indícios ou outros factos base não existem e, nesse caso, o juízo de inferência lógica próprio da prova indirecta por presunções judiciais não poderá ser feito, pela simples razão de que, sem esses factos complementares, não pode estabelecer-se uma correlação directa e segura, claramente perceptível, sem saltos lógicos, conjecturas ou premissas indemonstráveis, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que se adquire através da mesma presunção. Neste caso, por efeito do princípio in dubio pro reo, os factos integradores do crime não podem ser considerados provados e o Arguido terá de ser absolvido.
V. A concatenação entre os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo e o da admissibilidade da prova indirecta, através de presunções judiciais em Direito Penal, implica que as dúvidas acerca da demonstração de determinados factos, sejam resolvidas em benefício do Arguido quando, depois de analisadas todas as provas directas e de concluído todo o esforço lógico-dedutivo inerente ao apuramento dos factos através de presunções judiciais, se chegue a uma conclusão de “non liquet”.
VI. No caso vertente, mesmo que inexistindo qualquer explicação plausível para a existência de uma impressão digital do Arguido no interior veículo, contrariamente ao que se diz na decisão recorrida, não pode concluir-se que a mesma terá lá sido deixada aquando a prática dos factos, porque a única prova que aquela impressão digital é apta a produzir é a de que existiu um contacto físico entre o Arguido e o veículo, mas nada esclarece nem quando, nem como é que esse contacto se verificou. Para mais que, do texto da motivação nem sequer consta que a recolha de vestígios lofoscópicos tenha sido feita imediatamente à notícia da ocorrência do furto, mas – como se sabe – no dia seguinte à recuperação do veículo, mais de quatro dias depois do furto.
VII. Acresce a circunstância de o veículo ter estado, não se sabe quantos dias, abandonado num local ermo (uma mata, no ...) e ter ficado estacionado no parque de viaturas da PSP de Ovar. Tão-pouco se sabe como foi o veículo transportado do local onde foi encontrado, no ..., até à ao parque de viaturas da PSP de Ovar: dos autos não consta nenhuma informação da PSP sobre como foi feito o transporte, se por algum agente, se por reboque.
VIII. Sabe-se é que a viatura tinha o acesso ao interior franqueado, podendo qualquer um que da mesma se aproximasse aceder ao seu interior.
IX. Não há certeza de que o referido vestígio não foi lá deixado noutras circunstâncias: a perícia não foi feita no local e logo que a viatura foi encontrada, mas um dia depois e noutro local, tendo existido deslocação da mesma viatura antes da realização da perícia.
X. Nenhumas diligências de prova foram feitas relativamente ao local onde os factos ocorreram (uma garagem de uma residência em Espinho), nomeadamente inspecção para recolha de vestígios, nomeadamente lofocóspicos, que podiam, até, afastar a actuação do Arguido, ou, pelo menos, colocar mais alguém no local de onde a viatura foi furtada.
XI. Em resultado do que fica exposto, atentas as circunstâncias em que os factos tiveram lugar, é forçoso concluir, à luz das regras da experiência comum e da normalidade das coisas, que não pode ser não é excluída a possibilidade de o vestígio encontrado no interior do veículo furtado e correspondente à impressão lofoscópica do Arguido ser proveniente de um contacto ocasional totalmente desconectado com os factos integradores dos crimes dos autos.
XII. Por isso, de harmonia com o princípio in dubio pro reo, que constitui um afloramento, ao nível da apreciação da prova, do princípio constitucional da presunção de inocência consagrado no art.º 32º/2 CRP, que obriga o Tribunal a julgar não provado um facto desfavorável ao Arguido sempre que prevaleça uma dúvida razoável, racional e insanável sobre a sua ocorrência, impõe que se julgue não provado que o Arguido praticou os factos por que vinha acusado e que a Sentença recorrida deu como demonstrados.
XIII. Consequentemente, ao abrigo do disposto no art.º 431º al. a) do CPP, determinar-se a alteração da matéria de facto provada e não provada fixada pela decisão recorrida, de molde a que passem a constar da matéria não provada os factos descritos nos pontos 1. a 4. e 5. a 10. da matéria provada, no sentido de que não resultou provado que tenha sido o Arguido o autor dos factos integradores dos crimes de furto e de condução sem habilitação legal.
XIV. Perante o silêncio do Arguido, que não prestou declarações sobre os factos porque, como bem explicou ao Tribunal, não se recordava dos mesmos, já que em razão do uso de drogas (cf. 15. dos factos provados), não tinha memória da ocorrência de muitos factos, pelo que não podia justificar-se perante os factos, nomeadamente a prova que lhe foi apresentada, i. é, a sua impressão digital no espelho interior do veículo.
XV. Daí que não pode a postura do Arguido ser considerada como não colaborante com a Justiça: o Tribunal “a quo” não podia almejar uma confissão “livre e sem reservas” se o mesmo foi claro em afirmar que não se recorda dos factos. O Arguido não podia admitir factos de que não se recorda, mesmo que o Tribunal entenda que, para o cidadão comum, os mesmos têm alguma particularidade, porque ao tempo o Arguido era consumidor de estupefacientes (cocaína e heroína) e, posteriormente, fez tratamento à dependência com recurso à metadona.
XVI. O Arguido/Rec.te, AA, foi sincero e coerente quanto à razão pela qual não prestava declarações: não se recorda, nem desses nem de outros, em virtude da sua adição a estupefacientes e ao tratamento que fez para tal dependência. Sendo certo que, como resulta de numerosos estudos e é um dado adquirido, é comum a verificação de lapsos de memória em indivíduos em razão do uso de drogas e do tratamento químico à dependência das mesmas. Razão pela qual, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal “a quo” em entender «pouco credível» o seu depoimento.
XVII. Na ausência de qualquer outro elemento probatório, os factos provados são insuficientes para o Tribunal concluir ter sido o Arguido/Rec.te, AA a praticar os factos em causa: tem que fazer intervir o princípio in dubio pro reo, enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova, do princípio político-jurídico da presunção de inocência e que se traduz, precisamente, na imposição de que um “non liquet” na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do Arguido.
XVIII. Foram, nesta parte, violados, nomeadamente, os art.ºs 127º CPP, 32º CRP e 351º Cód. Civil, bem como o art.º 256º Cód. Penal.
Subsidiariamente, caso assim não se entenda:
XIX. O douto Acórdão recorrido violou os princípios da adequação e da proporcionalidade das penas, ao aplicar ao Arguido as penas parciais de 2 anos e 9 meses de prisão (crime de furto qualificado) e de 6 meses de prisão (condução sem habilitação legal), de que fez um cúmulo de 3 anos de prisão efectiva, o que sopesando todos os factos e elementos, entendemos que a pena é exagerada e inadequada.
XX. As necessidades de prevenção, tanto geral como de prevenção especial, embora não beneficiando especialmente o Arguido, também não podem desfavorecê-lo nos termos em que o fez o Tribunal “a quo”.
XXI. Apesar do registo criminal do Arguido, o mesmo passado criminal está manifestamente associado a crimes contra o património em razão da sua toxicodependência.
XXII. Resulta, ainda, que o Arguido teve um comportamento exemplar no cumprimento das penas de prisão a que foi sujeito, tendo até concluído estudos, pelo que o início da sua ressocialização, associada ao tratamento a que se submeteu para combater a sua dependência de drogas, merecia, salvo o devido respeito, que o Tribunal “a quo” aplicasse penas inferiores às efectivamente determinadas.
XXIII. A consideração das concretas exigências de prevenção especial positiva (de integração) e, sobretudo, de prevenção especial negativa (de intimidação), haverá, no quadro da moldura penal de prevenção, de fixar o quantum exacto de cada pena no perto do mínimo das penas de prisão, em detrimento da pena de multa no caso de condução sem habilitação legal.
XXIV. Há ainda que a considerar que o veículo foi recuperado e os danos causados não são sequer de “valor elevado”.
XXV. Tudo confere, na nossa opinião, intensidade média ao dolo.
XXVI. Salvo o devido respeito, o Arguido/Rec.te, AA merecia que o Tribunal “a quo” aplicasse uma pena inferior à efectivamente determinada, pois é essencial que se aposte na sua ressocialização agora que fez o tratamento para combater a toxicodependência.
XXVII. Atendendo às concretas exigências de prevenção especial positiva (de integração) e, sobretudo, de prevenção especial negativa (de intimidação) haveria que fixar o quantum exacto da pena em apenas 2 anos e 6 meses de prisão, que, no caso sub judice, se entende seria a pena justa e equilibrada.
XXVIII. O Tribunal “a quo” deveria, até, ter aplicado o regime da atenuação especial da pena, previsto no art.º 72º Cód. Penal.
Sem prescindir:
XXIX. Salvo o devido respeito, deveria, ainda, o Tribunal “a quo” ter decidido suspender da execução da mesma pena ou determinar a sujeição do Arguido ao regime de prova, pois das circunstâncias que acompanharam o crime não se pode concluir ou induzir perigo da prática de novos crimes.
XXX. o Arguido/Rec.te, AA, além de estar afastado de comportamentos ilícito-criminais, está socialmente integrado, tem apoio familiar e rendimento – mas, principalmente, fez tratamento à toxidependência, estando recuperado do vício, o que, por si só, constitui uma prognose favorável de que no futuro o Arguido pautará o seu comportamento pelo respeito pela Lei e ordem.
XXXI. A censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, servindo como elemento dissuasor da prática de novos crimes, constituindo a justa retribuição do mal praticado, dando satisfação ao sentimento de Justiça e Segurança da comunidade e contribuindo para a reinserção social do Arguido. Nem o Sentimento de Justiça e segurança da comunidade, atendendo à gravidade moderada dos factos, ficaria de modo algum desacautelado com a suspensão da pena.
XXXII. Se é certo que o quadro factual fornecido pelo certificado do registo criminal do Arguido não é realmente muito exuberante em termos de facultar a aplicação do regime da suspensão da pena ou regime de prova, temos como adquirido que o Arguido/Rec.te, AA, tem as principais penas por que foi condenado extintas pelo cumprimento e mostra-se profissional e familiarmente inserido.
XXXIII. A falta de outros elementos no processo, que não foram apurados pelo Tribunal (p. ex. o relatório social), que permitam uma decisão especialmente fundada sobre as circunstâncias do crime e as características da personalidade do Arguido não pode ser negativamente valorada, quando também se não provem factos que decisivamente apontem para a conformação de uma personalidade de contornos problemáticos e decisivamente avessa aos valores da ordem jurídica.
XXXIV. Ora, no caso dos autos, a situação do Arguido/Rec.te, AA, está longe de ser esta última. Pelo contrário, queremos – e o contrário também não resulta dos factos provados – que o desenvolvimento sociopsicológico do Arguido ainda consente uma qualquer intervenção de ajustamento e de consolidação da personalidade que funcione como uma vantagem para a sua reinserção social, tendo o longo período de tempo de prisão servido para o impelir a manter-se, definitivamente, longe dos problemas com a Justiça.
XXXV. A matéria de facto em termos objectivos nada aponta em desabono do Arguido/Rec.te, AA, antes até faz militar a seu favor algumas circunstâncias que caucionam a sua capacidade de reinserção: ocupação profissional e inserção familiar.
XXXVI. In casu, entende-se que o Tribunal “a quo” deveria ter suspendido a execução da pena, ainda que mediante regime de prova, nomeadamente de submissão a sucessivos tratamentos dos consumos de estupefacientes.
XXXVII. O Tribunal “a quo” alicerça a não suspensão da execução da pena no passado criminal do Arguido, mas não tem em conta sua condição de consumidor de cocaína e heroína, chegando assim a conclusão viciada, pois não tem em conta a relação entre a prática dos crimes e a condição de toxicodependente.
XXXVIII. A prisão não será certamente a primeira escolha para a cura de tal adição, considerada uma doença, susceptível de cura.
XXXIX. O facto de ter reconhecido a doença e ter iniciado o tratamento em ambiente prisional traduz, por si só, um juízo de prognose favorável quanto ao futuro do Arguido/Rec.te, AA, pois está erradicado o problema que despoletou a prática de crimes.
XL. O Tribunal “a quo” podia, e devia, suspender a execução de pena mediante imposição de deveres, sendo no caso aconselhado a manutenção do tratamento e a vigilância da abstinência do consumo de estupefacientes (art.º 50º/2 Cód. Penal).
XLI. Perante os factos provados, a disciplina do art.º 50º Cód. Penal e a justificação do Tribunal “a quo“, temos que a decisão de não suspender a execução da pena foi a decisão menos acertada, pois perante um processo de cura efectiva da sua doença estará o Arguido/Rec.te, AA, em condições de merecer uma prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro, sendo de acreditar que a simples ameaça de regresso ao ambiente prisional o mantenha no caminho e no processo de desintoxicação. Acresce que o actual quadro pessoal e social do Arguido continua sem o mínimo reparo: tem apoio social e económico da família, nomeadamente da mãe, e tem um filho menor, além de que tem uma ocupação profissional, auferindo um pequeno rendimento.
XLII. O Tribunal “a quo” fez uma incorrecta avaliação da personalidade do Arguido e da sua postura em Julgamento: o exercício do “direito ao silêncio” não o pode prejudicar.
XLIII. Nos termos do art.º 50º, n.º 1 do Cód. Penal, para a suspensão da pena é necessário, desde logo, um juízo de prognose favorável, pelo que, com os elementos de que dispõe, este Venerando Tribunal da Relação há-de ter como provável que a suspensão da execução da pena ou o regime de prova é suficientemente intimidador para o Arguido, de sorte que ele não voltará, provavelmente, ao cometimento de crimes e realizará o plano de readaptação social que lhe for imposto.
XLIV. O actual quadro pessoal e social do Arguido continua sem o mínimo reparo: tem apoio social e económico da família, nomeadamente da mãe, e tem um filho menor, além de que tem uma ocupação profissional, auferindo um pequeno rendimento.
XLV. Perante os factos provados, a disciplina do art.º 50º Cód. Penal e a justificação do Tribunal “a quo“, temos que a decisão de não suspender a execução da pena foi a decisão menos acertada, pois perante um processo de cura efectiva da sua doença estará o Arguido/Rec.te, AA, em condições de merecer uma prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro, sendo de acreditar que a simples ameaça de regresso ao ambiente prisional o mantenha no caminho e no processo de desintoxicação.
XLVI. Foram violados os art.ºs 71º, 72º, n.ºs 1 e 2, al. c), 50º e 53º do Cód. Penal.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve, pelas razões e fundamentos supra expostos, o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência,
A) ser a decisão recorrida revogada por outra que absolva o Arguido da prática dos crimes por que foi condenado, ou, quando assim não se entenda,
B) ser a pena única de prisão aplicada reduzida para 2 anos e 6 meses e, em qualquer caso, suspensa na sua execução, a pena aplicada ao Arguido, ainda que mediante a sujeição a um regime de prova, com o que se fará, como sempre, JUSTIÇA.
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O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela preservação do decidido, formulando as seguintes conclusões:
1- A Mm.º Juiz a quo fundamentou, justificando de forma cabal e inteligível, o motivo pelo qual conferiu mais credibilidade a determinados elementos de prova, em detrimento de outros, à luz das regras da experiência e no âmbito da sua livre convicção.
2- O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, sendo aí que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na admissão directa de prova.
3- O princípio in dubio pro reo impede a formação da convicção em caso de dúvida razoável.
4- Não é esse o caso dos presentes autos já que a Mm.ª Juiz a quo, perante todos os meios de prova constantes dos autos e produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento, não permaneceu numa situação de dúvida irremovível.
5- Sucede, pois, que o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção, explicando como chegou às conclusões acerca da matéria de facto.
6- Resulta que o arguido que era toxicodependente à data e que não tinha qualquer atividade profissional para fazer face às suas necessidades e dependências.
7- Do exame pericial realizado concluiu-se que o vestígio palmar assinalado com a Letra “A” e que foi retirado, precisamente “do espelho retrovisor interior do veiculo”, identifica-se com o datilograma correspondente ao dedo polegar da mão direito do arguido AA.
8- Não foi apresentada qualquer explicação lógica e plausível para a existência de tal vestígio naquele local.
9- De facto, o arguido não é conhecido do proprietário e, por outro, nunca se fez
transportar naquele veículo.
10- Acresce que o vestígio palmar se harmoniza, pela sua localização, com o acto de condução, típico de quem, sentado ao volante, ajusta o espelho com vista a iniciar a condução.
11- Por outro lado, o arguido já tem antecedentes criminais pela prática de vários crimes de furto. Tendo em conta tal ponto, não podemos olvidar que o mesmo reúne características de personalidade para ter cometido igualmente o que está em causa nos autos.
12- Atendendo ao supra exposto, tendo em conta a fundamentação levada a cabo pelo Tribunal a quo, entendemos nenhum reparo ser de fazer à douta sentença nesta parte, bem tendo andado o Tribunal a dar provados os factos constantes da mesma, como deu.
13 - Não foram violados quaisquer normas legais ou princípios gerais de Direito.
14 - Quanto à medida da pena deve ter-se em conta o disposto no artigo 71º do Código Penal, aí se dizendo – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
15 -Visando-se com a aplicação das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (crf. artigo 40º nº1 do Código Penal).
16 - Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
17 - Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena (artigo 71, nº 1 do Código Penal).
18 - Na determinação concreta da pena (dando-se preferência a pena não privativa da liberdade - artigo 70º do Código Penal), o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71º nº 2 do Código Penal.
19 - Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
20 - Tendo em conta o elevado grau de ilicitude, a intensidade do dolo, que se revelou directo, o valor do bem subtraído, as exigências de prevenção geral, que são elevadas em ambos os ilícitos, atendendo a que é cada vez mais usual a verificação deste tipo de ilícitos, e as óbvias exigências de prevenção especiais, na medida em que o arguido conta já com vastos antecedentes criminais, inclusive pela prática de crime contra o património e rodoviários, nenhum reparo há a fazer quanto às penas parcelares e única proferidas.
21 - Atendendo aos antecedentes criminais do arguido, não vislumbramos nas suas qualidades pessoais que a mera suspensão da execução da pena o determinasse a interiorizar o desvalor da sua conduta ou o determinasse a inverter o seu percurso delitivo, pelo que a pena em que vai condenado deverá ser efectivamente cumprida, bem tendo andado o Tribunal a quo a decidir do modo como decidiu.
22 - Não foram violados quaisquer normas legais ou princípios gerais de Direito.
Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pelo Tribunal a quo na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pelo arguido improcedente, como é de toda a JUSTIÇA.
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Neste Tribunal a Digna Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, tendo emitido parecer (Ref.ª 17412156), manifestando-se pela improcedência do recurso.
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Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., tendo o recorrente exercido contraditório, reiterando os fundamentos da sua pretensão (Ref.ª 375505).
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.
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Questões a decidir:
Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente, sem prejuízo do conhecimento, ainda que oficioso, dos vícios da decisão a que se alude no n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P. (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10).
No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursiva, constitui objeto do presente recurso apreciar:
a) Do erro de julgamento
b) Da violação do princípio in dubio pro reo.
c) Da (in)adequação das penas aplicadas.
d) Da (não) suspensão da execução da pena.
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Por facilidade de exposição, retenha-se o teor da sentença posta em crise, na parte atinente à respetiva fundamentação de facto:
(…)
II. Fundamentação da matéria de facto
2.1. Matéria de Facto Provada
De relevante para a discussão da causa, resultou provado o seguinte circunstancialismo fáctico:
1. Em hora e dia não concretamente apurados, mas seguramente compreendidos entre as 21.00 h. do dia 27 de dezembro de 2021 e as 08.00 h. do dia 28 de dezembro de 2021, o arguido AA, atuando de acordo com um plano previamente estabelecido, deslocou-se à residência sita na rua ..., em Espinho, propriedade do ofendido BB, com o intuito de se apoderar de bens e valores que encontrasse no seu interior.
2. Uma vez ali chegado, o arguido dirigiu-se à garagem, a qual se encontrava devidamente fechada com um portão metálico, de um modo não concretamente apurado, estroncou o mesmo e, em ato contínuo, introduziu-se no seu interior.
3. Continuamente, ao visionar o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de marca Nissan, modelo ..., de matrícula ..-..-BI, cor vermelha, propriedade do ofendido BB, com o valor de, pelo menos, € 5.000,00 (cinco mil euros), que aí se encontrava estacionada, resolveu apoderar-se mesma.
4. Assim, na execução de tal desiderato, o arguido abeirou-se da viatura, abriu a porta e introduziu-se no seu interior, sentou-se no lugar do condutor, e, de modo não concretamente apurado, logrou pô-la em funcionamento e abandonou o local conduzindo-a sem se encontrar legalmente habilitado para o efeito, assim a fazendo sua e dela se apropriando, fazendo seus também os objetos que nela se encontravam, nomeadamente:
- uma carteira em pele de cor preta, a qual continha o cartão de cidadão, a carta de condução, o livrete, o título de registo de propriedade, ficha de inspeção, certificado de seguro, certificado Covid-19 e outros papéis de menor importância;
- vários legumes e hortaliças, tudo de valor não concretamente apurado.
5. No dia 01 de janeiro de 2022, cerca das 16.35 h., foi o referido automóvel encontrado na via pública, mais concretamente na Rua ..., ..., em Ovar, a qual apresentava danos em várias partes, tendo sido entregue ao seu legítimo proprietário.
6. Ao retirar da residência, em particular da garagem, o mencionado veículo automóvel, quis o arguido fazê-lo seu, bem sabendo que não lhe pertencia e que atuava contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo proprietário.
7. Sabia igualmente não estar autorizado pelo legítimo proprietário a entrar na residência e garagem identificadas no artigo 1º.
8. O arguido agiu com o propósito concretizado de fazer seus o aludido veículo automóvel, onde sabia não poder entrar, e os referidos objetos, apesar de saber que não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade e em prejuízo do respetivo proprietário.
9. Mais sabia que necessitava de carta de condução para poder conduzir aquele veículo automóvel na via pública.
10. Agiu o arguido sempre livre, voluntária e conscientemente, tendo perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Mais se provou que:
11. Por força da conduta do arguido, BB, proprietário da carrinha furtada e que, apesar de recuperada, apresentava danos em várias partes, sofreu prejuízos no valor de, pelo menos, € 2.000,00, (dois mil euros).

E que:
12. O arguido completou o 9.º ano de escolaridade no Estabelecimento Prisional.
13. Atualmente, trabalha no Centro ..., de onde retira, em média, a quantia de € 400,00.
14. Vive em casa da sua mãe, que é quem cuida do seu filho de 10 anos de idade.
15. O arguido era consumidor de cocaína e heroína.
16. O arguido já respondeu criminalmente no âmbito dos seguintes processos:
1. N.º 16/2001, pela prática em31.01.2001, de um crime de furto, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 31.01.2001 e transitada em julgado a 15.02.2001, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 500$00;
2. N.º 17/2001, pela prática em 28.07.1999, de um crime de furto qualificado, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 12.10.2001 e transitada em julgado a 26.10.2001, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 500$00;
3. N.º 750/00.1PAOVR, pela prática em 09.10.2000, de um crime de furto simples, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 29.10.2001 e transitada em julgado a 13.11.2001, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos;
4. N.º 14/013PAOVR, pela prática em 05.01.2001, de um crime de furto qualificado, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 20.11.2001 e transitada em julgado a 05.12.2001, na pena 2 anos e 2 meses de prisão;
5. N.º 145/01, pela prática em 2000, de um crime de furto qualificado, um crime de furto qualificado na forma tentada e um crime de furto de uso de veículo, pelos quais foi condenado por sentença proferida a 028.02.2002 e transitada em julgado a 15.03.2002 na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
6. N.º 745/00.5PAESP pela prática em 20.06.2000, de dois crimes de furto qualificado, e um crime de furto qualificado na forma tentada, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 28.02.2002 e transitada em julgado a 21.12.2006, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
7. N.º 236/00.4GBVFR, pela prática em 24.07.2000 de um crime de furto qualificado, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 15.05.2002 e transitada a 31.05.2002, na pena de 14 meses de prisão efetiva;
8. N.º 344/01.4PAOVR, pela prática em 23.04.2001 de um crime de furto qualificado, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 11.07.2002 e transitada a 30.09.2002, na pena de 3 anos de prisão efetiva;
9. N.º 379/01.7PAOVR, pela prática em 08.05.2001 de um crime de furto qualificado, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 13.01.2003 e transitada a 28.01.2002, na pena de 3 anos de prisão efetiva;
10. N.º 63/01.1GBOVR, pela prática em 04.04.2001 de um crime de furto qualificado, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 06.02.2003 e transitada a 21.02.2003, na pena de 18 meses de prisão efetiva;
11. N.º 662/01.1PAOVR, pela prática em 04.08.2001, de um crime de condução sem habilitação legal, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 18.03.2003 e transitada a 08.04.2003, na pena de 3 meses de prisão;
12. N.º194/01.8PAVFR, pela prática em 04.04.2001 de um crime de furto qualificado, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 24.03.2003 e transitada a 28.04.2003, na pena de 3 anos de prisão efetiva;
13. N.º 226/09.1PAOVR, pela prática em 23.03.2009 de um crime de furto, um crime de condução perigosa de veículo, um crime de condução sem habilitação legal, e um crime de resistência de coação sobre funcionário, pelos quais foi condenado por sentença proferida a 26.03.2009 e transitada a 05.05.2009 na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
14. N.º 100/11.1GBOVR, pela prática em 18.03.2011 de um crime de furto qualificado na forma tentada, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 25.11.2011 e transitada a 09.01.2012, na pena de 6 meses de prisão efetiva;
15. N.º 32/11.3P6PRT pela prática em 24.03.2011 de um crime de roubo qualificado, pelo qual foi condenado por sentença proferida 19.10.2011 e transitada a 15.02.2012, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão efetiva;
16. N.º183/09.4PAOVR, pela prática em 05.03.2009 de um crime de furto qualificado, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 10.11.2011 e transitada a 26.09.2012, na pena de 3 anos de prisão efetiva;
17. N.º 725/10.2GCOVR, pela prática em 2011 e 2012 de nove crimes de furto qualificado, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 04.04.2013 e transitada a 06.05.2013, na pena única de 7 anos de prisão efetiva;
18. N.º 66/12.0GBETR, pela prática em 19.02.2012 de um crime de furto qualificado, pelo qual foi condenado por sentença proferida a 20.03.2014 e transitada a 28.04.2014, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efetiva;
19. No âmbito do processo n.º 297/12.3TxPRT-A, foi concedida liberdade condicional ao arguido com efeitos a partir de 26.05.2021 e até 26.05.2026.
2.2. Matéria de Facto Não Provada
Inexiste.
2.3. Motivação da matéria de facto
Vigora na lei processual penal vigente o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127 do CPP), que consiste, em suma, na livre convicção do julgador, em face de todas as provas carreadas para os autos e da apreciação crítica das mesmas, de acordo com as regras da experiência comum e os critérios da normalidade da vida, de modo a permitir-se uma avaliação do porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
Não se trata de “qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes estribada na sua análise segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento”, como se decidiu in acórdão do STJ de 11.03.98, Col Jur., Ano X, t. 1, 220; por outras palavras, o julgador tem o dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional, “a verdade objectiva, uma verdade que se comunique e imponha aos outros”, no dizer de Castanheira Neves, in Sumários do Processo Penal, 1967/67, 50.
Assim, no caso em apreço o tribunal formou a sua convicção a partir de todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, concretamente nos seguintes documentos juntos aos autos:
- Auto de denúncia de fls. 3;
- Aditamento n.º 1 de fls. 10;
- Termo de entrega de fls. 13;
- Relatório de inspeção judiciária de fls. 18 a 21;
- Reportagem fotográfica de fls. 22 a 24;
- Informação do IMTT de fls. 75.
No mais, ateve-se, ainda, na prova pericial junta aos autos a fls. 36 e ss, em conjugação com o depoimento das testemunhas BB e CC, que foram criticamente analisados e sopesadamente ponderados.
Com efeito, relativamente à ocorrência do furto em si mesmo considerado, às circunstâncias de tempo e lugar, ao modo como o mesmo foi levado a cabo, aos bens que foram subtraídos, o tribunal ateve-se, desde logo no depoimento das referidas testemunhas, respetivamente, proprietário e agente da PSP que lavrou o respetivo auto de denúncia.
Na verdade, o depoimento destas testemunhas foi prestado de forma segura, espontânea e imparcial, pelo que nos mereceu credibilidade o que, em conjugação com a referida prova documental, permite colmatar as eventuais falhas/lapsos de memória de tais depoimentos, perfeitamente normais atento o lapso temporal entretanto decorrido e os conhecidos efeitos diferenciados que o decurso do tempo causa na memória do homem comum.
Não havendo dúvidas sobre a prática do referido crime, resta explicitar sobre a convicção do tribunal sobre a imputação de tais factos ao arguido.
Na verdade, no caso presente este juízo valorativo é delicado na medida em que os meios de prova são indiciários, na medida em que, inexiste prova direta de que foi o arguido o seu autor.
É que, entre nós é seguro que a prova indiciária basta isoladamente para fundamentar a decisão de facto em processo penal (cfr. por todos Sérgio Gonçalves Poças, Da Sentença Penal-Fundamentação de Facto, in Julgar, n.º3, Set-Dez. 2007, págs. 27 e segs., e Euclides Dâmaso Simões, Prova Indiciária - contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo urgente, in Julgar, n.º2, 2007, págs. 203 e segs e pela sua profundidade o recente Ac RG de 19.1.09 in www.dgsi.pt).
Na verdade, o art. 349.º do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, sendo as presunções judiciais admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.
Todavia, conforme salienta o citado Ac RG de 19.1.09, acessível in www.dgsi.pt, (que nesta parte seguimos de perto), a eficácia probatória da prova indiciária está dependente da verificação de quatro requisitos:
1. Prova dos indícios: Os indícios devem estar plenamente provados por meio de prova directa e não serem meras conjecturas ou suspeitas, por não ser possível construir certezas sobre simples probabilidades;
2. Concorrência de uma pluralidade de indícios: embora a validade da regra “indicium unus indicium nullus” seja cada vez mais questionada, salvo em casos excecionais, um único facto (indício) impede a formulação de uma convicção judicial com base na prova indiciária. Para além dessa pluralidade exige-se ainda que os indícios sejam periféricos relativamente ao facto a provar, assim como estejam interligados com o facto nuclear carecido de prova e que não percam força pela presença de contraindícios que neutralizem a sua eficácia probatória;
3. Raciocínio dedutivo: entre os indícios provados e os factos que deles se inferem deve existir um nexo preciso, direto, coerente, lógico e racional. A falta de concordância ou irracionalidade deste nexo entre o facto base e o facto deduzido tanto pode ter por fundamento a falta de lógica ou de coerência na inferência como o carácter não concludente por excessivamente aberto, débil ou indeterminado.
4. Motivação da sentença: o tribunal deve explicitar na sentença o raciocínio em virtude do qual partindo dos indícios provados chega à conclusão da culpabilidade do arguido.
Isto posto, analisaremos então a prova produzida.
O arguido, apesar de ter desejado prestar declarações, não confirmou os factos imputados, mas também não os negou.
Na verdade, apenas afirmou que, por, à data, ser consumidor de produtos estupefacientes, não se recorda de ter praticado ou não os factos, (o que se nos afigurou pouco credível uma vez que não é plausível que o arguido não se recorde minimamente dos factos em questão, atenta a proximidade e particularidade dos mesmos: trata-se de um furto, cometido nem há dois anos e escassos meses depois de ter saído em liberdade condicional, numa habitação de Espinho e tendo por objeto uma invulgar carrinha de caixa aberta, de cor vermelha, (cfr. fls. fotografias de fls. 22), e que foi deixada numa mata em Ovar, “sendo provável que tenha sido abandonada pelo facto de não conseguirem retirar a mesma”, cfr fls. 10).
Não há testemunhas oculares dos factos, nem mesmo imagens de videovigilância.
Não obstante, o tribunal não tem qualquer dúvida de que o arguido foi o autor dos factos.
Em primeiro lugar, o arguido não só está referenciado, como foi já, por diversas vezes condenado, pela prática de vários crimes contra o património.
Com efeito, o seu certificado de registo criminal conta com mais de dezassete condenações pela prática de tais crimes, pelo que, também por este facto se conclui que o arguido mostra uma personalidade adversa às regras em sociedade e agir em conformidade com o direito, mostrando uma clara propensão para a prática de tais crimes.
Em segundo lugar, o arguido era, à data, consumidor de produto estupefaciente (heroína e cocaína), e não tinha qualquer atividade laboral.
Aliás, o arguido tinha saído em liberdade condicional poucos meses antes da prática dos factos.
Ora, as regras da experiência comum e normalidade ditam-nos que, estando o arguido desempregado, não auferindo rendimentos que lhe permitam fazer face às suas necessidades, haveria o impulso para a prática de factos como os ora dados como provados, procurando desta forma encontrar dinheiro para satisfazer todas as suas necessidades e dependências.
Em terceiro lugar, da prova pericial realizada nos autos, resulta que o vestígio palmar assinalado com a Letra “A” e que foi retirado, precisamente “do espelho retrovisor interior do veiculo”, identifica-se com o datilograma correspondente ao dedo polegar da mão direito do arguido AA, (cfr. fls. 37).
Em quarto lugar, não foi avançado qualquer motivo plausível para ter sido encontrado o vestígio palmar do arguido, cirurgicamente dentro do veículo, mais concretamente no espelho retrovisor.
Com efeito, o arguido não é conhecido dos então proprietários do estabelecimento, nem nunca se fez transportar dentro do referido veículo.
Ora, se o arguido, conectado com a prática de crimes contra o património, à data, consumidor de heroína e cocaína, desempregado, que não é conhecido nem amigos dos proprietários, nem nunca se fez transportar dentro de viatura de forma licita, deixou, coincidentemente por ocasião dos factos, uma impressão digital, cirurgicamente colocada dentro da viatura, é logico concluirmos, apelando às regras de experiência comum e normalidade de que é o arguido o autor do furto.
Tanto mais se atendermos ao facto de a impressão digital ter sido encontrada num local que demonstra, de forma inequívoca, que terá sido deixada não por qualquer ocupante da viatura, mas pelo condutor da mesma, (as regras da experiência comum ditam-nos que só o condutor da viatura mexe/endireita o espelho retrovisor interior da viatura, de forma a ajustá-lo/posicioná-lo à sua altura).
Tal como preconiza o Ac. da RE de 24.09.2019, acessível in www.dgsi.pt, “Na verdade, por um lado é de sublinhar a validade daquele meio de prova, ou seja, a recolha de vestígios (palmar e digital), acto contínuo à prática dos factos, logrando a identificação do recorrente como sendo a pessoa que ali deixou o vestígio palmar, o que reveste a natureza de prova pericial e, como tal, suportada em juízo técnico-científico (art. 151.º do CPP), com a especial relevância que o art. 163.º do CPP consagra.
Como método de investigação criminal, o relevo dessa recolha de vestígios radica na reconhecida circunstância das impressões digitais serem universais (porque comuns a todas as pessoas), permanentes (porque imutáveis desde que surgem, só desaparecendo com a putrefacção cadavérica), singulares ou inconfundíveis (porque únicas, jamais idênticas em dois indivíduos), indestrutíveis (porque não modificáveis, nem pela acção do sujeito, nem patologicamente, nem por falsificação) e mensuráveis (porque susceptíveis de comparação).
Em razão dessas características das impressões digitais, o valor probatório da perícia dactiloscópica deve ser encarado numa tripla perspectiva:
a) a aparição de uma impressão digital de uma pessoa faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada essa impressão;
b) mas, se a impressão digital faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada essa impressão, ou esteve no local onde foi colhida, já não faz prova directa da participação do sujeito no facto criminoso (até porque aquele contacto com a coisa pode ser posterior à pratica do crime ou meramente ocasional);
c) apesar de não fazer prova directa da participação do sujeito no facto criminoso, a impressão digital constitui um forte indício que, conjugado com outros indícios, pode fundamentar uma decisão condenatória.
Deste modo, com vista a obter-se uma certeza resultante de convicção fundada e segura, a sua conjugação com outra prova, mesmo que também indiciária, torna-se necessária.
Sem que, contudo, dada a especificidade daquela, sobretudo a sua singularidade e a sua inconfundibilidade, não se aceite que se desvalorize a sua correspondência a determinada pessoa, e só a ela, o que constitui, em si mesmo, prova cabal de que, na situação, o vestígio é unicamente do arguido, atentando que nada contende com a forma e com a metodologia que presidiram à elaboração do inerente relatório, com recolha de vestígio que ocorreu no mesmo dia em que se deu o desaparecimento dos objectos e que concluiu pela existência daqueles treze pontos característicos coincidentes com o dactilograma respeitante àquele, tecnicamente conferindo certeza absoluta nessa identificação.
Se assim é quanto a essa prova, a mesma surge complementada, no caso, pelos esclarecimentos dos ofendidos, em conjugação com o normal acontecer, na esteira do que o recorrente, acertadamente, invoca, na ausência de prova directa de que o arguido praticou os factos, mas configurando pluralidade de indícios que conflui para o colocar na autoria dos mesmos.
Já Vaz Serra salientava, in “Provas (Direito Probatório Material)”, BMJ n.º 110, pág. 190, que Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência.
Trata-se, pois, de apelar, a presunção subjacente ao raciocínio que deve imperar.
Ou seja, que, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, intervêm juízos de avaliação, produzidos através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.”.
No mesmo sentido, veja-se, a título meramente exemplificativo o Ac. da RG de 11.11.2019, acessível in www.dgsi.pt, que preconiza, “1. Não havendo, pericialmente, qualquer dúvida de que uma impressão digital - encontrada num pedaço de acrílico de uma máquina furtada do interior de um estabelecimento - pertence a determinada pessoa, é razoável e lógico inferir que foi essa pessoa quem praticou o furto ocorrido no estabelecimento. 2. O juiz só pode equacionar a aplicação do princípio in dubio pro reo se no momento da decisão se depara com uma dúvida insuperável sobre a realidade dos factos.
(…)
É que, de facto, se é certo que a impressão digital constitui prova direta do contacto do arguido com o objeto, mas já só prova indireta da prática de furto, não há dúvida de que, enquanto indício, a impressão digital possui a tríplice característica que lhe confere um inegável valor e a torna inultrapassável: trata-se de um indício grave, preciso e concordante. Grave por conter uma indiscutível capacidade de persuasão; preciso, porque insuscetível de diferentes interpretações; e concordante, porque converge com os demais factos apurados. (Cfr. Ac. RG de 25/10/2010 citado por Tiago Caiado Milheiro in Revista Julgar, nº 18, 50 - proferido no processo 300/04.0GBBCL.G2).”
Por todo o exposto, analisando criticamente os factos, (1) à luz das regras da experiência e senso comum, (2) conjugado com o facto de ter sido, já, por diversas vezes, condenado pela prática de crimes contra o património; (3) que era toxicodependente à data e que não tinha qualquer atividade profissional para fazer face às suas necessidades e dependências; (4) o facto de estar em liberdade aquando da prática dos factos; (5) a existência de impressão palmar, inquestionavelmente do arguido, no espelho retrovisor do interior da viatura; (6) inexistência de relação entre o arguido e os ofendidos, que desse qualquer explicação alternativa para a presença daquela impressão e (7) inexistência de qualquer explicação alternativa dada pelo arguido para a existência da impressão naquele local, (pelo contrário, o arguido, ouvido, declarou não se recordar se foi ou não o autor do furto), o tribunal não teve a mínima duvida em dar como provado que foi o arguido o autor dos factos.
A conclusão assim obtida respeita as regras da experiência comum, isto é, do normal acontecer, da sensatez na avaliação das coisas da vida.
Para prova do facto dado como provado no ponto 11., o tribunal ateve-se no aditamento de fls. 10, no termo de entrega de fls. 13, (o qual refere que a viatura se encontrava danificada em várias partes, e que o canhão da viatura se encontrava estroncado), em conjugação com o depoimento de BB, (que esclareceu, com foros de seriedade, que os prejuízos causados na viatura terão um custo de € 2.000,00) e as regras de experiência comum e normalidade.
Quanto às condições socioeconómicas e pessoais do arguido, tiveram-se em atenção as suas declarações, que não nos mereceram qualquer reparo nesta sede.
Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, atendeu o tribunal ao certificado de registo criminal junto aos autos.

III. Enquadramento jurídico-penal (…).
*
Cumpre apreciar.
Do erro de julgamento
Invoca o recorrente a existência de erro de julgamento quanto à matéria de facto, tendo a Mm. ª Juíza efetuado uma incorreta valoração da prova produzida (que se materializa, também - na perceção do recorrente - na violação do princípio in dubio pro reo, fundamento que apreciaremos adiante e de forma autónoma). No caso, considera incorretamente julgados os pontos 1 a 10 dos factos provados no sentido de que não terá resultado provado, na sua opinião, ter sido o arguido o autor dos factos integradores dos crimes de furto e de condução sem habilitação legal.
No entender do recorrente, o facto de ter sido encontrado vestígio lofoscópico no interior do veículo subtraído não é excludente da possibilidade de o mesmo resultar de um contacto ocasional, totalmente desconectado com os factos integradores dos crimes dos autos, sendo manifestamente insuficiente a existência de tal vestígio para, por si só, sustentar a prova dos factos postos em crise.
Cumprindo agora apreciar a impugnação da matéria de facto o Tribunal de recurso, a par dos vícios da decisão que se encontram previstos no art.410º nº2 do CPP; nos fundamentos da impugnação da matéria de facto e os meios de prova indicados nos termos do art.412º nº3 do CPP (quando conste do objeto de recurso), deve aferir se o Tribunal “a quo” apreciou e interpretou os meios de prova conforme os padrões e as regras da experiência comum (a regra da experiência expressa aquilo que normalmente acontece, é uma regra extraída de casos similares), não extraindo conclusões estranhas ou fora dos depoimentos, subsistindo sempre um plano de convencimento do Tribunal a quo, segundo a livre convicção do julgador que não cabe a este Tribunal de recurso reformular.
Em sede de apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127.º do C.P.P.
Este princípio impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. E se a convicção do Tribunal “a quo” se estribou nestes pressupostos, como já se enfatizou, o Tribunal “ad quem” não pode sindicar ou sobrepor outra convicção.
Com as limitações que decorrem da falta de mediação e da impugnação parcelar dos factos, o Tribunal de recurso somente poderá alterar a decisão de facto quando se “imponha” (usando a expressão legal), ou seja, quando o processo decisório de reconstituição do acontecer histórico da 1ª Instância se fundou fora da razoabilidade em juízos destituídos de lógica, ou distintos dos padrões da experiência comum.
Ponderando agora as divergências suscitadas pelo recorrente, como se referiu sustenta o mesmo que foram incorretamente julgados como provados os factos constantes dos pontos 1º a 10.º, os quais deveriam ter sido dados como não provados.
A aferição probatória concentra-se no local e no momento em que o veículo furtado vem a ser encontrado, e no vestígio lofoscópico detetado no interior da viatura, concretamente no espelho retrovisor interior.
No âmbito destas questões e hipóteses suscitadas, é pertinente convocar o que se sumariou no Ac.RelP por nós relatado no processo nº 285/18.6GAARC.P1 de 12/01/2022, publicado no site do ITIJ “I – Na prova indireta, por regra, a discussão em juízo dos factos circunstanciais não dispensa a ponderação das várias hipóteses alternativas que se suscitam ao julgador.
II - A valia de uma hipótese divergente na discussão, para ser ponderável pode não depender da prova que se faça dos seus pressupostos de facto (normalmente basta a mera indiciação desses pressupostos), e somente depender da mera enunciação de uma suposição e da inerente dúvida suscitada. É o caso, em que a defesa suscita uma conjetura que opera apenas segundo as regras da lógica a qual pode conferir probabilidades a essa suposição.
III - Nesse caso será a lógica que opera a conversão das possibilidades em probabilidades, o que ocorrerá nos casos em que, um mesmo facto circunstancial do acontecer histórico em discussão, possa simultaneamente ser interpretado a favor à hipótese da acusação, mas também em benefício da suposição/hipótese alternativa, suscitada pela defesa.
IV - Nos casos limite, em que a hipótese divergente é plausível em grau reduzido, mas com relevo suficiente para firmar a dúvida judiciária, esta deve prevalecer quando, segundo as regras da experiência comum e da lógica, mesmo com probabilidades reduzidas, é perturbada a consciência do julgador, que no plano constitucional está vinculada ao “standard” da prova em processo penal, só podendo julgar provados os factos da acusação, quando isso implique o afastamento das hipóteses divergentes, afirmando-se a hipótese da acusação como a única exclusiva que explique os factos..
Por sua vez, o Ac.RelP também por nós relatado no processo nº2282/17.0T9MAI.P1 de 28/04/2021, publicado no site do ITIJ sustentou-se “a probabilidade da hipótese divergente pode até situar-se num campo com “o irrelevante à vista”, mas ainda assim, o suficiente para produzir uma “réstia de dúvida” e por isso, constituir séria perturbação na convicção do julgador – na dimensão da dúvida o “sério” pode residir no mínimo. A dúvida deixará de existir, quando a probabilidade das hipóteses divergentes se desvaneça, se torne insignificante, não ponderável, permitindo ao julgador eleger como exclusiva a hipótese da acusação de probabilidade muito elevada (contudo, obviamente, este juízo de exclusividade não significa um absoluto). O horizonte de prova ocorre quando, fruto da racionalidade, no espírito do julgador é considerada como historicamente exclusiva a hipótese da autoria do arguido, afastando-se a probabilidade de outras hipóteses. Dito de outro modo, no confronto de várias hipóteses plausíveis, face ao acontecer histórico que se discute, a dúvida é relevante e triunfa, quando após a produção de prova a hipótese contrária à participação do arguido, continuar plausível. De notar que a plausibilidade da hipótese concorrente mantém-se enquanto subsistir o mínimo de probabilidade, não bastando a sua mera possibilidade. O meramente possível constitui uma conjectura racionalizada, mas não mede probabilidades, daí a expressão feliz do juiz Lord Nicholls «é claro que é possível, mas não é minimamente provável».
A discussão de várias hipóteses contrárias à participação do arguido, por si só, pode não enfraquecer a existência de fortes probabilidades da versão da acusação que é acompanhada de vários meios de prova (dado que aquelas hipóteses afirmam-se em cenários paralelos e alternativos). Se depois da discussão do concurso de hipóteses alternativas à imputação, permanecerem como plausíveis essas hipóteses contrárias, a absolvição será inevitável, exceto se as probabilidades daquelas versões forem ínfimas, irrelevantes e desconsideráveis, perante a elevada concentração de probabilidades no juízo de imputação. Portanto, o grau de plausibilidade de uma hipótese divergente para constituir uma dúvida relevante, basta que no espírito do julgador a mesma tenha expressão nas probabilidades (ainda que essa expressão quantitativa no universo total de probabilidades, seja mínima, não ultrapasse 10% ou 15%) mas ainda assim será audível, “ruidosa” e perturbadora no seio da harmonia do juízo de prova que pretende se afirmar com uma hipótese de elevada probabilidade.
O conjunto dessas garantias, no jogo de probabilidades entre as várias hipóteses em discussão e em apreciação, para que a prova se produza, exige que as possibilidades de verificação da hipótese da acusação, retire importância e degrade a probabilidade das hipóteses alternativas concorrentes.
O Juízo de prova só se consegue afirmar quando exclui ou torna insignificante a probabilidade das hipóteses concorrentes, e embora não exija certezas absolutas, aquele juízo, conferindo uma probabilidade muito elevada à autoria do facto pelo agente, tem por vocação a exclusão da probabilidade das hipóteses alternativas. É essa exclusão que afasta a dúvida e forma a convicção.
Torna-se pertinente aprofundar a necessária articulação que deve presidir no conjunto de hipóteses plausíveis que decorrem da discussão da lide, e que entram em jogo na prova indireta. Com efeito, o campo da apelidada prova indireta é muito fértil, enriquecendo a discussão probatória em juízo com a dialética entre a relevância das hipóteses alternativas e a hipótese da acusação, envolvendo a exploração dos factos circunstanciais. Casos há em que, muito embora a prova produzida seja fortemente sugestiva ou indutora de uma realidade de facto a favor da hipótese da acusação, por si só, essa sugestão não excluí, ou pode não excluir, a importância das hipóteses alternativas de facto.
Sobre o que sejam hipóteses alternativas à hipótese da acusação e que podem influir na discussão entre a absolvição e a condenação, destacam-se as versões trazidas expressamente pela defesa ou oficiosamente indagadas pelo Tribunal, que, ou excluem de forma absoluta a participação do arguido (elegendo a participação de terceiros, ou simplesmente, colocam o arguido fora do cenário do delito); ou alteram a participação do arguido nos factos (com discussão de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa); ou tornam a conduta do ofendido causal aos danos provocados.
Como se referiu no citado Ac.RelP de 28/04/2021, caberá mensurar a relevância do grau de plausibilidade das hipóteses alternativas, e, após a produção de prova, aferir se continuam plausíveis, com índice de probabilidade relevante (com importância jurídica na causalidade), caso em que não se dissipam as dúvidas, o que inquinará o juízo condenatório, mesmo que do lado oposto, se mantenha elevada a probabilidade da hipótese da acusação.
Com efeito, uma dúvida relevante pode ter assento numa hipótese divergente dotada de alguma probabilidade ainda que reduzida, mas mantendo-se plausível, continua a inviabilizar o sucesso da probabilidade da hipótese da acusação que se mantem elevada e sustentada por vários meios de prova.
Cabe também precisar a relação que existe entre a hipótese da acusação quando é de probabilidade elevada e as hipóteses divergentes. Como são hipóteses mutuamente excludentes, não sendo complementares, as suas probabilidades não se somam para atingir o universo de 100%, pois estão em histórias paralelas do acontecer histórico que se discute (ou seja, a probabilidade de cada hipótese afere-se na situação da vida em que se insere, ponderada segundo as regras da experiência comum). Daí que, num caso em que a hipótese da acusação assume uma probabilidade elevada (v.g., com cerca de 80% de possibilidades dessa versão ter acontecido, no universo de possibilidades), podem bem existir, no mesmo caso, outras duas hipóteses divergentes contrárias à tese da acusação, que à partida assumam, uma expetável probabilidade de 30% e uma outra 40%, sendo que, depois da produção de prova podem ser encontrados os mais diferentes graus de probabilidades, e, como se disse, a soma de todas as hipóteses podem bem exceder os 100%, por se situarem em “aconteceres históricos paralelos” em discussão.
Também, a tarefa de quantificação de percentagens das probabilidades é problemática, de modo que, na prática, o julgador opera a catalogação gradativa em escalões de probabilidades, do seguinte modo: reduzidas; baixas; moderadas; elevadas e muito elevadas[1]. Sendo que, como se viu, uma probabilidade reduzida, que subsista, pode com suficiência perturbar o juízo de prova, pois “ainda assim será audível, “ruidosa” e perturbadora no seio da harmonia do juízo de prova que pretende se afirmar com uma hipótese de elevada probabilidade”.
A probabilidade das hipóteses divergentes que vier a ser achada em audiência, enquanto se situar num grau plausível (de verificação razoável) afetará irremediavelmente a convicção probatória.
De notar que a ponderação sobre a plausibilidade das hipóteses alternativas e a verificação do seu quantum de probabilidade não supõe necessariamente a prova sobre a matéria fáctica das mesmas, dado que a relevância sobre a probabilidade de uma hipótese pode manter-se desde que, suscitada oficiosamente ou pela defesa, e desde que os seus pressupostos teóricos se apliquem e moldem à situação em discussão nos autos, criando a dúvida que será aferida pela lógica, em confronto com os restantes factos que se apurem. Ou seja, se a defesa suscitar uma hipótese alternativa, o julgador na ponderação da situação histórica em discussão, considerará os contornos daquela hipótese, podendo-lhe atribuir plausibilidade/probabilidade, apenas com apelo às regras da lógica, mesmo que não ocorra a prova concreta sobre os pressupostos de facto dessa hipótese alternativa, assim se instalando no seu espírito uma dúvida juridicamente relevante (podendo até bastar mera a argumentação lógica, como também, verificar-se a indiciação [que não prova] de alguns desses pressupostos, para que ocorra a dúvida).
In casu” verifica-se que o único facto que relaciona o arguido com o acontecer histórico vertido na acusação é a colocação da impressão digital do seu polegar no espelho retrovisor interior do veículo que havia sido furtado. Associado a este facto temos a circunstância do veículo haver sido encontrado em lugar distante do local do furto e sobretudo, cinco dias depois, não existindo qualquer outro elemento que associe o arguido aos factos descritos na acusação. Ora, esta distância no tempo e no espaço, em particular, os dias decorridos, acrescentam uma sucessão de possibilidades e de probabilidades que, na ausência de outro elemento, tornam a hipótese da autoria do furto imputável ao arguido, de probabilidade reduzida, pois suscitam-se diversos cenários alternativos que tornam a autoria do arguido duvidosa. É que, se presença do arguido no veículo é insofismável, já associá-lo à subtração do veículo ocorrida no dia e local em causa, pura e simplesmente, falham elementos de facto que sustentem parâmetros de probabilidade daquela subtração pelo arguido, probabilidade essa que, para o Standard de prova em processo penal, teriam de ser elevada, ao mesmo tempo que não poderia conviver com uma miríade de hipóteses, mais ou menos prováveis. E no caso, o tempo de cinco dias, no contexto de um veículo furtado, associado a comunidades de delinquência é fértil em acontecimentos ilícitos, quanto imprevisíveis.
Não é possível fixar um parâmetro de probabilidade elevada na versão que coloca o arguido na data e local da acusação a cometer a ato de subtração do veículo. Contudo, o Tribunal “A Quo”, na ausência de elementos válidos, não só, sustenta juízos probatórios sem suporte das necessárias regras da experiência comum, como faz uso, daquilo que apelida de “regras da experiência comum”, mas que não têm essa correspondência, designadamente quando elenca as razões: “conjugado com o facto de ter sido, já, por diversas vezes, condenado pela prática de crimes contra o património; (3) que era toxicodependente à data e que não tinha qualquer atividade profissional para fazer face às suas necessidades e dependências; (4) o facto de estar em liberdade aquando da prática dos factos”, desse modo, cometendo um erro notório cfr.art.410º nº2 alínea c) do CPP; como igualmente ofende o princípio “in dúbio pro reo”, concretamente no delito de furto, cujo juízo de prova formulado, encontra-se irremediavelmente cercado de dúvidas intransponíveis.
Já quanto ao ato de condução ilegal, a impressão digital colocada com o polegar no espelho retrovisor interior do veículo, é muito comprometedora desse acontecimento, porquanto, a mesma está diretamente associada com o ato de condução, cujo condutor procurará ajustar o espelho à medida da sua estatura, por forma a controlar o trânsito na retaguarda. E nessa medida, dentro de um quadro de probabilidade elevada, é possível formular um juízo de prova processualmente válido.
Contudo, mesmo assim, não será possível apurar esse facto nos presentes autos, dado que, o arguido encontrando-se acusado de haver conduzido o veículo no período compreendido entre as 21.00 h. do dia 27 de dezembro de 2021 e as 08.00 h. do dia 28 de dezembro de 2021 (correspondendo ao período em que o proprietário não dera pela falta do veículo), no entanto, como o veículo só viria a ser encontrado às 16.35 horas do dia 01 de janeiro de 2022, ou seja, quatro dias após o referido dia 28, a possibilidade do arguido ter conduzido o veículo em dia distinto daquele que consta na acusação, constitui uma alteração substancial de factos que, não tendo sido comunicada, implica que esse facto não possa ser tido em consideração.
Aqui chegados, e analisada a prova produzida, não se deslinda ter sido o arguido a cometer os atos de subtração do veículo da moradia em causa, assim como não se apura que o arguido tenha conduzido o veículo no período compreendido entre 21.00 h. do dia 27 de dezembro de 2021 e as 08.00 h. do dia 28 de dezembro de 2021, motivo porque, pese embora o Tribunal de recurso se convença da autoria da condução do veículo, não se apura que tenha sido no aludido período.
Por força desta análise, impõe-se alteração ao que fora decidido na matéria de facto, pelo que, os factos constantes dos pontos 1º a 4, 6º, 7º, 8º, 9º e 10ºdos factos provados passarão a compor o elenco dos pontos 1 a 9 dos factos não provados, procedendo as conclusões do recurso, ainda que em parte por outras razões.

Decisão.
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, revogando a sentença proferida e, em consequência, absolvendo o arguido dos crimes de que estava acusado, assim como do pedido de indemnização civil.
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Custas cíveis pelo demandante.
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Porto, 10 de janeiro de 2024
Nuno Pires Salpico
José Quaresma [(Vencido)
Em meu entender e conforme sufragado no acórdão por mim relatado e que não obteve maioria, seria de manter a condenação, em primeira instância, por ambos os crimes pelos quais o recorrente vinha acusado.
Na ausência de prova direta quanto à autoria do furto e condução sem habilitação legal, é precisamente contra a interpretação/valoração que o Tribunal a quo fez da prova pericial existente e consequências que daí extraiu que o recorrente se insurgiu, dissidindo quanto à sua suficiência, enquanto premissa para a conclusão obtida, sendo este o elemento de prova que, se tivesse sido convenientemente interpretado, imporia decisão diversa.
A questão sujeita a apreciação prendia-se, então, com a suficiência, no caso, da prova pericial e das inferências daí extraídas para a afirmação da autoria do arguido relativamente a ambas as situações (furto e condução).
Como se percebe e é fácil intuir a prática criminal – e para que, na perspetiva do agente, seja bem sucedida - ocorre, muitas vezes, às ocultas, procurando-se formas de atuação ilusivas e que dificultem o estabelecimento da ligação entre os sinais objetivos da ocorrência de um crime e o seu autor (ou autores). Destarte, e se a tarefa de reconstituição da verdade não pudesse combinar, no processo, elementos circunstanciais e indiretos, dificilmente poderia construir-se um juízo valorativo consistente e defluente numa condenação fora dos casos de confissão do agente ou de crimes praticados perante uma plêiade de testemunhas.
Do exposto resulta que, não raras vezes, terá o julgador que louvar-se em elementos indiciários/probatórios obtidos por via indireta, consequentemente envolvendo presunções obtidas por via judicial sendo até, amiúde, o único meio para chegar ao esclarecimento de um facto criminoso e à descoberta dos seus autores.
A prova indireta, que contém momentos de presunção ou inferência, pode igualmente justificar certeza bastante para fundar uma convicção positiva do Tribunal, desde que se assegure, na formação dessa convicção, uma valoração conjugada e coerente dos vários elementos indiciários a considerar, de forma motivada, objetivável e numa leitura que se afigure consentânea com as regras da experiência.
Dito isto, as razões do recorrente, como vimos, reconduzem-se à sustentação de que a existência de vestígios lofoscópicos seus no veículo subtraído não possibilitaria, por si só, estabelecer a sua autoria e o erro de julgamento detetado consistiria em tê-la, a partir disso, estabelecido, quer quanto ao crime de furto, quer quanto ao de condução de veículo sem habilitação legal.
Restava, então, saber se, mediante a apreciação conjunta daquela prova direta (vestígios lofoscópicos), dos dados circunstanciais que o julgador lhes juntou e das inferências que fez se poderia concluir se a decisão em matéria de facto foi acertada ou errada.
No contexto assinalado e sindicando a valoração de suporte à condenação, excluiria dois elementos circunstanciais da equação. No caso não consideraria que o facto de o recorrente ter sido condenado plurimas vezes pela prática de crimes contra a propriedade ou, sendo toxicodependente, se encontrar desempregado, pudesse ser convocado como elemento indiciário indireto para sustentação da autoria, não decorrendo de qualquer máxima da experiência, que não envolva preconceções, o entendimento pressuposto de que, sendo cadastrado ou carecido de liquidez, seria altamente provável a comissão dos crimes em causa. Em reversão diríamos que, se o arguido tivesse um historial de vida probo e conforme às regras do Direito e apetrechado de meios de subsistência, tal contexto poderia funcionar favoravelmente ao arguido como contraindício.
Resta, então, o vestígio lofoscópico extraído do espelho retrovisor interior do veículo subtraído da garagem da casa do ofendido.
Tendo em atenção a concreta localização do vestígio recolhido e correspondente ao polegar da mão direita do recorrente, no que tange ao exercício da condução, concordamos com a decisão recorrida. Efetivamente, sendo detetados 13 pontos coincidentes o que equivale a um juízo pericial de certeza, excluído à livre apreciação: - aquela impressão digital é, inequivocamente, do recorrente e, por conseguinte, este tocou naquele objeto, colocando-o no interior do veículo furtado e em contacto com um dos dispositivos necessários e imprescindíveis para o exercício da condução automóvel.
Assim sendo, existindo prova direta da permanência do recorrente no interior do veículo e verificado este requisito material a afirmação, por via indireta, de que exerceu a condução funda-se, a nosso ver, em critérios de lógica e da experiência, numa regra de sentido comum, sem o mínimo entorse, nenhuma explicação alternativa existindo que seja minimamente plausível.
Na verdade, se o veículo se encontrava (prova direta) na garagem do ofendido e se foi localizado, cerca de 4 dias após, noutro local, o mesmo foi movimentado. A localização do vestígio lofoscópico – no espelho retrovisor interior – é própria e típica do natural ajustar do espelho para a estatura e jeito do condutor, sendo que, nesse veículo, não foram encontrados outros vestígios compatíveis com a condução que não a impressão deixada pelo arguido, sendo que este (prova direta), não dispõe de título habilitante para o exercício da condução e não tem motivo legítimo algum para ali ter estado e de qualquer modo ali ter deixado, ocasionalmente, as suas impressões digitais, ainda para mais quando as mesmas se situam no interior do veículo e nos periféricos do exercício da condução.
O veículo foi conduzido, da garagem onde se encontrava para o local onde foi recuperado existindo, no posto de condução (instrumentos complementares), prova direta e irrefutável da presença do arguido (com exclusão de outras recolhidas) pelo que, tendo aquele estado dentro do carro e no lugar do condutor, tendo o veículo circulado, a afirmação da autoria afigura-se-nos clara e coerente. Ademais o arguido (natural de Ovar), conforme resulta dos autos e antes de residir em Santa Maria da Feira, vivia na Rua ..., ..., Ovar, o que dista, em termos alargados, menos de 20 Km de Espinho, onde reside o ofendido, pelo que não seria um estranho às imediações que crie um contraindício quanto à impossibilidade de autoria, ao que se acrescenta que o veículo foi encontrado já no concelho de Ovar (...), precisamente na direção ... e em aproximação ao local afirmado da antiga residência.
À validade da inferência contrapõe o arguido que o veículo foi encontrado num local ermo e que foi movimentado para o parque de recolha da P.S.P., criando a oportunidade, pelo tempo transcorrido (cerca de 4 dias) e pela ausência de custódia, para que as impressões ali surgissem por ato ocasional.
Discordamos, sendo que nem tais objeções imporão decisão diversa da assumida pelo Tribunal a quo.
A criação de contraindícios razoáveis e que infirmem o juízo estribado em prova indireta ou a impossibilidade de afirmação de uma regra de sentido comum pressupõe a sua plausibilidade. O Tribunal não terá, ele próprio, que gerar dúvidas que não tenham sido trazidas ao objeto do processo ou que não decorram, naturalmente, das regras da experiência. Ora, inexiste qualquer elemento gerador de escolho na afirmação do decidido porquanto não há qualquer razão minimamente plausível para que o arguido tenha entrado no veículo e aí deixado ocasionalmente a sua impressão digital. O arguido não o disse e não há regra de experiência ou de sentido comum que obrigasse o Tribunal a equacioná-la e relacionada com a entrada de estranhos “ocasionalmente” no interior de veículos alheios, exceto, por exemplo, se se tratasse de um táxi, frequentado por múltiplas pessoas estranhas ao proprietário e, ainda assim, a localização específica da impressão degradaria a verosimilhança de aposição acidental.
Por fim, refere ainda o arguido que as suas declarações foram injustamente subvalorizadas pois constitui regra de experiência que os toxicodependentes têm falhas de memória e o facto de não poder dar uma justificação para a existência da impressão não é circunstância esdrúxula.
Também aqui nos permitimos discordar, salvo o devido respeito.
Não constitui regra da experiência que as pessoas com problemas aditivos não se lembrem de ter exercido, ou não, a condução automóvel (ou subtraído veículos) ou a razão pela qual estiveram dentro de um carro furtado, mexendo no espelho retrovisor interior. O arguido tinha sido libertado, em situação de liberdade condicional, o que implicou a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao seu desempenho em liberdade e, certamente, um grau mínimo de estabilização comportamental. A toxicodependência, embora constitua um fator criminógeno, permite ao dependente um certo grau de determinação e de consciência mnemónica, certamente para perceberem da necessidade de reunir os meios necessários para prover ao consumo e onde e como poderão obter a próxima dose, não nos parecendo que o arguido subtraia tantos veículos ou exerça tantas vezes a condução em veículos alheios (não tendo sequer habilitação) por forma a que tal constitua um comportamento tão indiferenciado que faça diluir esta situação concreta na amálgama dessa normalidade.
Ora, existindo prova direta do contato do arguido com o veículo automóvel, em momento próximo à sua retirada do local onde se encontrava e movimentação para local distinto e sendo a impressão recolhida em objeto caraterístico e próprio do exercício da condução, ao que acresce a inexistência de contraindícios que enfraqueçam o juízo valorativo, a afirmação do exercício da condução, por parte do arguido e da responsabilidade do Tribunal, não permite concluir pela existência de qualquer erro de julgamento nem a argumentação recursiva impunha, a nosso ver, decisão diversa.
A nosso ver e pelas mesmas razões, também a autoria do furto estava demonstrada.
O veículo automóvel corporiza o objeto furtado na casa do ofendido para acesso à qual (e para permitir a saída) foi forçado o portão da garagem. No veículo daí retirado foi encontrada a impressão digital a que aludimos. Embora, como se viu, aquele vestígio não comprove, em termos diretos, a participação do recorrente no evento é, porém, um indício de tal participação.
Ora, tratando-se do objeto que se encontrava no interior da garagem assaltada e não se cuidando de algo que, pelas suas caraterísticas e localização da recolha do vestígio, fosse suscetível de um contato ocasional não relacionado - por forma a que, pelo menos lançasse qualquer dúvida no espírito do julgador quanto ao facto de ter sido ou não, o autor do crime – também aqui o processo seguido pelo Tribunal a quo nos parece legítimo e adequado. O veículo estava no interior da casa assaltada, existem evidências de que o arguido esteve no seu interior a conduzir e não há quaisquer razões plausíveis para que outrem, que não ele, o tenha retirado daquele espaço de resguardo, até porque não foram extraídos quaisquer outros vestígios que não os pertencentes ao recorrente. Ademais as caraterísticas da sua personalidade (que, a nosso ver, não poderiam ter sido valoradas como indícios coadjuvantes) não constituem - por não serem de retidão conforme ao Direito - pelo menos um contraindício que enfraqueça o raciocínio.
É certo que o vestígio não foi recolhido no interior da residência, o que reforçaria a carga indiciária. Porém foi localizado num objeto que, pacificamente e por prova direta, foi objeto de subtração da garagem onde se encontrava (sendo aliás o único), estando tal impressão aposta em local preservado dos elementos externos e não acessível à generalidade das pessoas, tendo sido o veículo localizado em momento próximo à comissão do furto, sem que tenham surgido contraindícios a que o Tribunal deva atender ou razões plausíveis para, de acordo com as regras da experiência, infirmar a linearidade do raciocínio seguido.
Sabemos que o arguido poderia remeter-se ao silencio sem que tal silêncio o pudesse desfavorecer. Porém, não sendo impostos ónus ao arguido e essencialmente quanto ao afastamento da sua responsabilidade em determinado evento criminoso, o silêncio, ante determinado quadro probatório, também não terá necessariamente que o favorecer. Ou seja, pelo silêncio (e, no caso, pela afirmação da falta de memória) não pode o Tribunal criar, motu proprio, uma miríade de hipóteses para a criação de contraindícios ou dúvidas fora do imediatismo daquelas que, pelas razões da experiência, são naturais em determinada situação concreta.
No caso de um furto, naturalmente praticado às ocultas, a recuperação posterior do objeto furtado – na hipótese um automóvel - contendo no seu interior impressões digitais de um estranho às relações do proprietário, certamente implicará que o titular de tais impressões forneça algum tipo de explicação (sem que daqui se retire um ónus) dado o valor identificativo da impressão digital na relacionação com o evento, mais forte, até, do que o depoimento de uma testemunha dado que a impressão digital é cientificamente exata e o depoimento pode sofrer algum engulho quanto à certeza de uma identificação positiva posterior.
Não tendo o recorrente oferecido qualquer explicação para a existência das suas impressões digitais no objeto furtado e em localização preservada dos elementos externos, o raciocínio expresso na decisão recorrida afigura-se-me leal à luz das regras da experiência comum, do normal acontecer das coisas, como o resultado lógico da convergência dos dados conhecidos.
Embora a autoria do recorrente não seja um facto que possa estabelecer-se diretamente em prova que imediatamente o verse, resulta, apesar de tudo, indireta mas seguramente, da prova sobre outros factos e das inferências que se permite, a partir destes, fazer-se, sem que possa dizer-se que o encadeamento de razões seguido seja demasiado extenso, especulativo ou débil para que, assim, se compatibilize com o grau de certeza que uma condenação criminal exige.
Mais uma vez, sem impor ao arguido a demonstração do contrário, não surgiu no âmbito da discussão da causa qualquer outra explicação plausível para o sucedido nem esta é evidente a partir das regras da lógica ou da afirmação de uma regra de senso comum. Não existe nenhuma máxima da experiência, a ponderar inelutável e oficiosamente, que afirme que o(s) autor(es) de furto(s), geralmente, podem emprestar os veículos furtados a terceiros para que, nos 3 ou 4 dias posteriores à ocorrência estes os possam conduzir aí deixando as suas impressões digitais curiosamente não as deixando o putativo autor da subtração.
Concluiríamos que a valoração da primeira instância, consentânea com as regras da experiência, não contém em si mesma qualquer entorse lógico que aponte para a existência de erro de julgamento, ao que acresce o facto de ter beneficiado do aporte e riqueza da imediação.]
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