Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ALEXANDRA PELAYO | ||
Descritores: | NULIDADE DE ACTO NOTARIAL CONTRATO DE COMPRA E VENDA A RETRO RESOLUÇÃO DO CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | RP202109141513/18.3T8PRD-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/14/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A venda a retro prevista no art. 927º do Código Civil, é a venda em que se reconhece ao vendedor a faculdade de resolver o contrato, restituindo o preço recebido e recobrando a coisa vendida. II - Apesar de se reconhecer que a mesma pode vir a ser utlizada para servir desígnios de usura e até para encobrir a celebração de um pacto comissório, em que o preço funcionará como capital mutuado em empréstimo hipotecário, proibido por lei (art.694º do C.C), a venda a retro pode também servir interesses legítimos, desde que devidamente comprovados no caso concreto. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | 1513/18.3T8PRT-A.P1 Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução do Porto - Juiz 1 SUMÁRIO: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO Por apenso à execução para ENTREGA DE COISA CERTA, movida por “B…, SA”, onde pede a entrega da Fração autónoma designada pela letra "O", situada na Rua …, …, rés-do-chão, bloco dois, destinada a atividades económicas e/ou escritórios, inscrita na matriz no artigo 5437 da freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 1492, veio a executada C…, deduzir Embargos de Executado, pedindo a procedência dos mesmos, com a consequente extinção da execução. Para tanto e em suma alega que nada deve á Exequente, não tendo vendido àquela sociedade o imóvel a que se reportam os autos, nem tendo aquela Exequente lho comprado. Isto porque, explica, contactou a Exequente, pretendendo dela obter um empréstimo da quantia de € 10.000,00, mediante constituição de hipoteca sobre aquele imóvel. Porém, a Exequente apenas lhe veio a emprestar a quantia € 4.000,00, tendo assinado o contrato denominado de compra e venda com cláusula a retro, onde consta a sua declaração de venda á exequente do dito imóvel pelo valor de 8.500,00, sendo porém falsas as declarações de compra e de venda aí exaradas. O conteúdo do contrato não lhe foi explicado, nem lido, pelo que as declarações da senhora solicitadora que lavrou o termo de autenticação do contrato não correspondem á verdade, desconhecendo a exequente o alcance duma venda a retro. A Executada limitou-se a contrair junto da exequente um empréstimo no valor de 4.000,00 euros, quantia que lhe foi entregue e da qual restituiu á Exequente a totalidade do capital mutuado e ainda pagou-lhe a quantia de € 1.950 euros a titulo de juros. A exequente explorou a sua situação de necessidade simulando um contrato, que as partes não quiseram celebrar. A exequente conseguiu ainda que a executada, mais tarde, assinasse ainda um contrato promessa, que teve por objeto o mesmo imóvel, pressionando-a a pagar a quantia de € 8.8800 euros, contrato este que é falso, quanto ao seu teor, data e local, e também nunca a executada quis fazer qualquer declaração para efeitos de extinção da cláusula a retro, tendo-se limitado a assinar um papel apresentado pela exequente e com o qual aquela logrou o registo do cancelamento da cláusula. Pede a condenação da embargante como litigante de má-fé. Contestou a Embargada, pugnando pela improcedência total dos presentes embargos, dizendo em suma que a pretensão da Exequente assenta em documentos autênticos, nos quais foram reduzidas a escrito as declarações dos outorgantes, claras quanto á celebração de um contrato de compra e venda com clausula a retro que teve por objeto o imóvel cuja entrega é pedida na execução. Que negoceia no ramo imobiliário, tendo adquirido a fração autónoma á executada, a quem deu a possibilidade de readquirir a fração, permitindo-lhe que no prazo de um ano lhe devolvesse a quantia paga a título de preço. Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, afirmados pela positiva os pressupostos processuais. Foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. Realizou-se a audiência de julgamento e no final foi proferida sentença que julgou a ação da seguinte forma: “Pelo exposto, julgo os presentes embargos procedentes por provados, e consequentemente jugo extinta a execução por falta de título, ante a sua nulidade formal e substancial. Julgo improcedente o pedido de condenação da exequente embargada como litigante de má-fé. Custas a cargo da embargada/exequente.” Inconformada, a Exequente/Embargada B…, SA interpôs o presente recurso de APELAÇÃO, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: “Da impugnação da matéria de facto A. Nos termos do disposto no artigo 640º / nº 1 alínea a) do C.P.C., encontram-se incorretamente julgados, e por isso vão concretamente impugnados os factos provados nºs 4., 5., 6., 8., 11. e 12. elencados na sentença em crise. B. Impõem decisão diversa, nos termos do disposto o artigo 640º / nº 1 alínea b) do C.P.C. os seguintes meios da prova, compostos de documento particular autenticado junto a folhas 5 a 13 dos autos principais, o documento composto de contrato promessa junto a folhas 180 a 183 dos embargos, bem assim: i. Depoimento de parte de D…, gravado em suporte digital do dia 23-10-2020 das 10:12:19 às 11:14:16, concretamente entre o minuto 02m30s a 03m05s, 04m00s a 05m15s; ii. Da testemunha E…, gravado em suporte digital do dia 04-11-2020 das 14:55:36 às 16:02:26, concretamente aos minutos 00m35s a 00m50s, 02:20 a 04m04s, 02m30s a 05m00s, 07m00s a 09m00s, 10m00s a 11m00s e 50m00s a 53m00s; iii. Da testemunha F…, gravado em suporte digital do dia 04-11-2020 das 16:03:12 às 16:17:45, concretamente aos minutos 00m50s a 01m00s, 03m00s a 03m20s; iv. Da testemunha G…, gravado em suporte digital do dia 04-11-2020 das 16:18:33 às 16:41:48, concretamente aos minutos 02m30s a 03m10s e 03m35s a 06m46s; v. E por fim, das declarações de parte da embargante C…, gravadas em suporte digital do dia 04-11-2020 das 16:45:01 às 17:24:57, concretamente aos minutos 28m00s a 29m00s. C. Apesar do Tribunal ter dito que formara convicção nos documentos juntos e “nos depoimentos das testemunhas inquiridas, na parte em que se demonstrou lastro coincidente, entre esses depoimentos, ou entre estes e as declarações de parte”. D. A verdade é que o Tribunal se estribou exclusivamente e de forma inadmissível, nas declarações da embargante, que na 25ª hora do Julgamento (e importa sublinhar, apenas depois de produzida toda a prova ao longo de mais do que uma sessão de Julgamento, e com conhecimento prévio do que fora dito), veio dizer ao Tribunal que o negócio declarado (leia-se compra e venda com cláusula a retro) era distinto daqueloutro querido pelas partes, e que este se resumia a um mútuo com hipoteca. E. Todas as alusões ao dito empréstimo, que como vimos não tem respaldo na prova produzida, devem ser extirpadas, de modo a que os factos provados reflitam o teor do documento de folhas 5 a 13 e os termos e que o negócio foi levado a cabo, tal qual resulta dos depoimentos supra indicados (e que encontram as suas passagens transcritas em parte no introito destas alegações). F. O Tribunal fez tábua rasa do disposto no artigo 394º/ nº 2 do C.C. e das limitações de prova dos negócios dissimulados, quando invocados pelos simuladores e permitiu que a Embargante “deixasse em cacos” e desdissesse o negócio em que teve participação e intervenção direta (documento de folhas 5 a 13 dos autos principais). G. Olvidou o Tribunal que as declarações da embargante contradiziam totalmente o documento de folhas 5 a 13, bem assim os depoimentos das únicas testemunhas com conhecimentos direto dos factos, a saber das testemunhas G… (que exerceu funções análogas às de Notário) e E…. H. O Tribunal, pese embora tenha explanado aquele seu juízo crítico na fundamentação, na prática, e sem cuidados especiais de fundamentação, não seguiu o caminho que indicou e bastou-se com as declarações da embargante para sedimentar factos que lhe eram favoráveis, sem confirmação direta ou indireta de outro elemento de prova. I. Trazendo à colação o aresto doutamente relatado pela Senhora Desembargadora Vera Sottomayor, tirado pela Veneranda Relação de Guimarães, a 18/01/2018, extraído do processo nº 294/16.0Y3BRG.G1, publicado em www.dgsi.pt, as declarações de parte têm força probatória débil, e não podem servir para prova dos factos que lhe são favoráveis, quando não corroboradas por outros elementos de prova constantes dos autos. J. O Tribunal foi crítico e bem, na parte em que considerou que as declarações da embargante não mereciam crédito quando atestou ter recebido apenas 4.000,00€, e foi parcimonioso, quando entendeu que deveria acolher a tese apenas pela embargante subscrita, que o negócio querido pelas partes fora um mútuo, ainda que com hipoteca e não uma compra e venda com respaldo no documento de folhas 5 a 13 dos autos principais. K. A embargante é uma pessoa vívida, que se dedica ao comércio, que interveio anteriormente noutras escrituras, com um discurso de alguém com o mínimo de conhecimentos, não padecendo de qualquer limitação no entendimento do conteúdo e alcance dos negócios por si celebrados, tendo trazido aos autos uma versão parcial, destituída de sentido e não alicerçada noutros meios de prova. L. O único “lastro de coincidência”, que resulta patente da prova produzida, mormente das testemunhas indicadas supra, é que para a embargante era essencial que, embora vendesse a loja, ficasse consagrado a possibilidade de a readquirir, assim se justificando o recurso à figura da venda a retro. M. Nos termos do disposto no artigo no artigo 640º / nº 1 alínea c) do C.P.C., e no nosso modesto entendimento, atento o que se deixou dito supra, devem os factos concretamente passar a ter a seguinte nova redação a saber: “4. A executada ao longo dos anos, acumulou um passivo que pretendia liquidar. 5. Assim, tendo em conta que a embargante conhecia a E…, gerente da sociedade H…, Unipessoal, Lda., que informou a embargante que havia uma sociedade representada por D… que a podia ajudar. 6. De seguida, a dita E… pediu-lhe que lhe enviasse a documentação do Prédio para a empresa que o ia adquirir, avaliar o imóvel, e, saber em que condições legais se encontrava. 8. A Executada pretendia um empréstimo de 10.000,00 €, mas foi informada que a sociedade representada por D… apenas estava disposta a comprar a loja e pelo preço de 8.500€, dando-lhe a possibilidade de a readquirir pelo mesmo preço no prazo de um ano. 11. À data da celebração do contrato de “COMPRA E VENDA A RETRO” id em 1 a executada conheceu o dito D… que lhe disse que representava a sociedade B…, S.A. 12. Efetivamente, este indivíduo entregou à Executada a quantia de € 8.500,00 a título de preço pela compra do imóvel, em notas. Desta quantia a executada embargante pagou o acto de autenticação.” Da matéria de direito N. O Tribunal fez incorreta interpretação e aplicação das disposições conjugadas do artigo 68.º, n.º 1, alínea f) e 71.º, n.º 2, ambos do Código do Notariado. O. A nulidade do ato notarial, leia-se do Documento Particular Autenticado, composto de Compra e venda com cláusula a retro, por inabilidade dos abonadores, porque casados entre si, não pode ser conhecida e decretada nos presentes autos. P. Este vício “funcional” ou seja, decorrente do exercício da função de notário ou de quem exerça função equiparada e que fere ou inquina o próprio título, só pode ser conhecido em ação autónoma, própria e em que estes sejam chamados aos autos a intervir como partes principais o Notário ou quem exerça tais funções equiparadas. Q. Vejam-se, neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto e do Tribunal da Relação de Guimarães, datados, respetivamente, de 10-05-2005 e de 27-09-2018, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt, onde extraímos que “Pedindo-se a declaração de nulidade ou a falsidade de uma escritura pública, a ação tem de ser proposta necessariamente também contra o Notário que a celebrou.” R. Esta nulidade não podia ser conhecida nestes embargos à execução, sendo que a ausência da Solicitadora nesta ação inquina decisivamente a pretensão da embargante e paralisa a possibilidade de se conhecer deste vício, e importa a ilegitimidade passiva da embargada. S. A nulidade do título dado à execução não podia ter sido conhecida e declarada nos presentes autos, uma vez que se verifica uma exceção dilatória de ilegitimidade passiva, motivo pelo qual deve a sentença recorrida ser revogada nesta parte, mantendo-se válido o título executivo dado à execução, não admitindo prova testemunhal, tendo em conta que se está perante documento autêntico que faz prova plena, conforme disposições conjugadas dos artigos 371.º, n.º 1 e 393.º do Código Civil. T. O título também não padece de qualquer vício substancial, já que, nos autos estamos diante de uma venda a retro, perfeitamente válida, prevista no artigo 927 e seguintes do C.C. U. Quiçá induzido em erro pela errada interpretação do facto provado 3. (“…a embargante não entregou à exequente o referido imóvel”), o Tribunal entendeu, mal, que não houvera transmissão da propriedade. V. Ora, a transmissão da propriedade opera por mero efeito do contrato, a menos que as partes estipulem de outro modo, tendo sido, o que aconteceu nos autos, por mero efeito da outorga do documento de folhas 5 a 13 dos autos principais. W. No caso dos autos, em nada releva que a executada/embargada não tenha entregue o imóvel à exequente, até porque a posse transmitiu-se para este através da figura do constituto possessório, previsto no artigo 1264.º do C.C. que é uma forma de aquisição da posse sem necessidade de acto material ou simbólico que a revele e que assenta em acordo no sentido da manutenção da detenção da coisa pelo antepossuidor ou por terceiro (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 04/12/2007, processo n.º 0725035, disponível para consulta em www.dgsi.pt ). X. Permanecendo a embargante a deter a coisa, leia-se a loja, tendo como causa que justificasse essa detenção, a expectativa de a voltar a adquirir, através da já falada cláusula a retro. Y. O Tribunal confundiu a mera detenção da loja por banda da embargante, com a posse e propriedade, que por efeito do contrato transmitiu para a embargada. Z. Não se verificando qualquer fraude à lei, não pode o negócio de compra e venda com cláusula à retro ser declarado nulo, por força do disposto no artigo 280.º do C.C..” A Embargante C…, interpôs igualmente recurso de APELAÇÃO, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1º A douta sentença recorrida ao julgar provado que o contrato de compra e venda junto como título executivo tem como fundamento para o Tribunal formar a sua convicção as provas analisadas criticamente com referência aos artºs 17 e 18 sobre que foi proferida a resposta do ponto 5, e, aos documentos 2 e 9 juntos com a petição, e, ainda, a carta dirigida à Embargada pela Embargante em 10/02/2017, como melhor se invoca sob os nºs 1, 2, 3 e 4 na pág. 11 destas alegações pelo que o depoimento prestado pela Embargante além de ter apoio nesses documentos tem o seu sustento no depoimento de E… gravado sob o ficheiro nº 20201104145535-15166522-2871476, de 04/11/2020, que repetida, e, claramente refere o empréstimo, depoimento transcrito nas págs. 12 e 13 supra. 2º Decorre, ainda, que a prova do empréstimo decorre além do depoimento sério da Embargante, das testemunhas I…, J…, e, de K… a que se alude nas págs. 15 a 17 supra, o que tudo aqui reproduz, sem deixar de aqui reproduzir o depoimento da Embargante gravado sob o ficheiro nº 20201104145535-15166522-2871476 de 04/11/2020, e, transcrito a fls. 13 a 15. Pelo que carecem de razão e fundamentação as alegações da Recorrente ao defender que foi uma prova débil do contrato, quando os autos contrariam completamente o que foi consignado no acórdão da Relação de Guimarães que a Recorrente cita. 3º A prova do empréstimo é clara, tem uma sustentação sólida, inequívoca, para que o Tribunal concluísse que de um empréstimo se tratou, e, não de um contrato de compra e venda, não havendo, pois, ofensa do nº 2 do artº 394º do Código Civil, nem do artº 640º, nº 1, do C.P.C. Não merecem, à exceção do valor da entrega, pois esta foi de 4.000,00 €, qualquer censura as respostas proferidas sob os nºs 4, 5, 6, 8, 11, e, 12 da matéria provada nem a nova redação pretendida pela Recorrente tem qualquer suporte probatório ou sentido. 4º Também a sentença considerou que o invocado contrato de compra e venda com cláusula à retro é formalmente inválido por nulidade do instrumento do termo por violação do disposto no nº 1 do artº 68º do Código do Notariado que bem se invoca na sentença com as consequências do que a tal respeito dispõem o artº 71º desse mesmo Código, e, o artº 369º do Código Civil, julgando igualmente inválido o contrato sob o ponto de vista substancial o que a Embargante defende, e, aplaude pelo acerto da decisão, discordando do que a Recorrente alega quanto à matéria de direito sob as letras N, O, P, R, e, S das suas conclusões. 5º Não obstante, a Embargante, salvo o devido respeito, discorda das respostas, que ora impugna, proferidas negativamente sob as alíneas a), b) e c) dos factos não provados, pois, por não ser feita uma análise crítica da prova, a sentença violou o nº 4 do artº 607º do C.P.C. 6º Não vem provado que o empréstimo a contrair pela Embargante era de 4.000,00 €, e, que não foi esta a quantia que lhe foi entregue. Ao contrário, na sentença consigna-se que o empréstimo ascendeu a 8.500,00 € a pagar em prestações mensais, como flui da mesma decisão. Esta resposta resulta de um notório erro de julgamento como a Embargante argumenta nas págs. 17 a 21 destas alegações aqui reproduzidas sob o nº IV, nº 1 referenciadas aos ficheiros nºs 20201023101219-15166522-2871476, de 23/10/2020, (D…) 20201104145535-15166522-2871476, (E…), e, 20201104160312-15166522-2871476 ambos de 04/11/2020 (F…), A resposta deverá ser alterada no sentido de que a resposta correta, e, que emerge da prova produzida no sentido de que o valor do empréstimo é de 4.000,00 €, e, não de 8.500,00 €. 7º A Embargante invocou sob os artºs 31º e 36º da petição que as declarações constantes do contrato de compra e venda são falsas, aceitando apenas que ela assinou este contrato, pois que na verdade não vendeu, nem a Embargada comprou. 8º A resposta negativa contradiz o que a sentença a tal respeita pois julgou provado, ou seja, que o contrato configurava um empréstimo pelo que se impõe que seja formulada a seguinte resposta: “Em 07/12/2015 no contrato denominado de compra e venda nem a Embargante quis vender, nem a Embargada quis comprar o imóvel identificado no contrato de compra e venda, nem a Embargante deu qualquer quitação.” sendo esta a redação correta que requer. 9º À matéria dos artºs 37º a 38º a resposta deve ser “provado”, pois que a resposta positiva resulta do depoimento da Embargante, e, dos depoimentos de J…, e, K…, prestados, respetivamente sob os ficheiros nºs 20201023120635-15166522-2871476, 20201023113349-15166522-2871476, ambos de 23/10/2020, que conhecendo-a a definem como uma pessoa simples, sem conhecimentos, inexperiente, necessitada. 11º A Embargante alegou que foi aliciada para entrar num esquema de vender aquilo que não queria vender mas, apenas, dar como garantia de um empréstimo. 12º A Embargante pretende se amplie o objeto do recurso, pois que a douta sentença, não obstante a Embargante ter suscitado não só a questão da falsidade do contrato que serviu de título à execução não conheceu das demais questões que a Embargante invocara na sua petição no que respeita ao crime de burla, extorsão, de falsificação de documentos, de usura, e, ao de abuso de direito invocado sob o artº 58º da petição de embargos de que este Tribunal deverá conhecer, como requer, sem prejuízo de aceitar, como aceita, a procedência da ação no que respeita ao fundamento fraudulento com que se mascarou o contrato de compra e venda pois que efetivamente se tratou de um empréstimo como defendeu a sentença. 13º Com efeito, como alega sob o nº 24º da pág. 25 destas alegações, já a Embargante tinha requerido que o Tribunal conhecesse dos vários fundamentos pelos factos invocados nos nºs 19, 20, 21, e, 23 da matéria que se transcreve nas págs. 24 e 25 destas alegações, deixando a sentença de se pronunciar sobre tais questões suscitadas pela Embargante incorrendo, assim, na nulidade prevista pela al. d) do artº 615º do C.P.C. 14º Também a sentença por um lado sufragou a tese da Embargante que invocou como título executivo contrato de compra e venda de que a Embargada se serviu quando na verdade consubstanciava um empréstimo dando como não provada a matéria dos artºs 31º e 36º da petição em contradição frontal com o que vem sufragado na sentença tendo, aliás, deixado de considerar a matéria do artº 35º daí que a Embargante entenda que a essa matéria deve o Tribunal responder positivamente, e, não o fazendo a sentença ocorre em notório erro de julgamento e na nulidade prevista na al. c) do citado nº 1 do aludido artº 615º do C.P.C., pois que nela se surpreende uma notória ambiguidade. 15º A douta sentença ora em apreciação ao deixar de condenar a Embargada fez errada interpretação do que a respeito da má fé dispõe o nº 2 do artº 542º do C.P.C., pois que ao prevalecer-se da declaração para a extinção da cláusula à retro que foi escandalosamente forjada, sendo, falsa quer no aspeto formal quer quanto ao seu conteúdo que não foi declarado pelos intervenientes dela constantes, pois que não compareceram perante a Senhora Solicitadora, nem, por isso, nada declararam, e, com a mesma ter obtido a extinção da cláusula para que a loja se mantivesse na sua esfera patrimonial, assim defraudando a Embargante, e, conhecendo a sua falsidade, veio ainda nas suas alegações sustentar a sua força probatória como documento autêntico o que revela notoriamente má fé e uso reprovável do processo que bem definido vem no acórdão da Relação do Porto de 12/05/2005, in www.dgsi.pt, que refere que atua com má fé (material) a parte que, com dolo ou negligência grave, para convencer o tribunal de um facto ou pretensão que sabe ilegítima, distorce ou deturpa a realidade de si conhecida ou omite factos relevantes, também por si conhecidos, para a decisão (violando conscientemente o dever de verdade) bem como a que deduz oposição cuja falta de fundamento não pode ignorar ou fizer do processo uso reprovável (má fé instrumental), entorpecendo a ação da justiça. A sanção adequa-se aquele que, conscientemente, litiga de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal, cujo fim é a busca da verdade e a realização da justiça, e, de igual modo, ao seu antagonista no processo. 16º Finalmente, a conduta da Embargada, ora Recorrente, além de delituosa, eivada de grosseira má fé, caindo em abuso de direito ao exercer os mais elementares princípios do direito, e, da ética, pelo que revogando-se a sentença deve a Recorrente ser condenada em multa, e, indemnização condigna. Pelos fundamentos expostos requer que, mantendo-se a douta sentença em recurso que julgou provados, e, procedentes os Embargos, e, extinta a execução, se dê provimento ao presente recurso interposto pela Embargante com ampliação do seu objeto com vista à reapreciação da matéria de facto e de direito, e, a apreciação das questões de que a mesma douta sentença não conheceu, e, assim, se fará JUSTIÇA.” Não foram juntas contra-alegações. Foi proferido despacho que admitiu ambos os recursos, como sendo de APELAÇÃO, com efeito meramente devolutivo e subida imediata nos próprios autos. Neste Tribunal superior foi proferido despacho a admitir o recurso interposto pela Embargada B…, SA, tendo sido remetido para este acórdão a apreciação da questão prévia da admissibilidade do recurso interposto pela Embargante. Colhidos os vistos, importa decidir. II-OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso. As questões decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes: Recurso apresentado pela Embargada: -modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas. -saber se o tribunal podia ter declarado a nulidade do ato notarial. -apreciar a questão da nulidade substancial do contrato de compra e venda a retro. Recurso apresentado pela Embargante: -questão prévia da admissibilidade do recurso interposto autonomamente. -eventual apreciação da ampliação do objeto do recurso, onde se inclui: -modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas. -nulidade da sentença prevista pela al. d) do artº 615º do C.P.C. -litigância de má-fé. III-QUESTÃO PRÉVIA DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DA EMBARGANTE A embargante, apesar da sentença proferida nos autos de Embargos de Executado que move contra a exequente lhe ter sido favorável, já que os embargos de executado foram julgados procedentes, com a consequente extinção da execução, que foi jugada extinta a execução por falta de título, ante a nulidade formal e substancial do contrato, veio interpor recurso de APELAÇÃO, o qual foi admitido por despacho proferido pelo tribunal recorrido (despacho de 23.4.2001). No requerimento de interposição de recurso a Embargante, declara interpor recurso independente da sentença, alegando não se conformar com questões que a sentença não conheceu. Afirma ainda que se se entender que o recurso independente e autónomo não é tempestivo, deverá ser admitido como recurso subordinado. Vejamos Dispõe o art. 631º nº 1 do CPC que, “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.” A regra geral é assim, a de que só a parte principal que tenha ficado vencida na causa pode recorrer. O vencimento e o decaimento devem ser aferidos em face da pretensão formulada ou da posição assumida pela parte relativamente á questão que tenha sido objeto de decisão. Nessa medida, como refere Abrantes Geraldes[1], “o que sobreleva é o resultado final e não tanto o percurso trilhado pelo tribunal para o atingir. E explicita “sendo o réu absolvido do pedido, pouco importa se, para o efeito, o tribunal fundou a decisão na falta de prova dos factos alegados pelo autor, ou na verificação de alguma exceção perentória aduzida pelo réu, ou ainda se, em lugar de determinado vicio do contrato que foi invocado pelo réu, o tribunal conheceu oficiosamente de outro vicio que determinou a improcedência da ação (…)”. E acrescenta “o mecanismo de recurso pressupõe que se aperceba duma utilidade na posterior intervenção de um tribunal hierarquicamente superior traduzida na alteração, revogação ou anulação da decisão, com o cotejo dos efeitos que dela emana e não para satisfazer interesses subjetivos do recorrente, para dirimir questões puramente académicas ou para mero conforto moral, sem repercussão no resultado da lide”. (…) Destarte ainda que a parte destinatária de uma decisão favorável seja confrontada com uma resposta negativa a algum ou a alguns dos argumentos ou questões que suscitou, não fica legitimidade a interpor recurso (…). Daqui decorre que a Embargante, que obteve uma decisão que lhe é favorável, com a extinção da execução como consequência da procedência dos embargos de executado por si deduzidos (cfr. art. 732º nº 4 do CPC), não tem legitimidade para interpor recurso autónomo de apelação. Também a decisão que indeferiu o pedido feito pela embargante de condenação da embargada como litigante de má-fé, com a qual aquela Embargante discorda, não pode também nessa parte, ser objeto de recurso, á luz do que dispõe o art. 542º nº 3 do CPC porque não houve decisão condenatória. Apenas nessa situação é que é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência. Posto isto, vejamos agora se podia interpor recurso subordinado, como pretende a recorrente. Desde logo, a natureza do recurso como independente ou subordinado não pode ficar dependente da eventual extemporaneidade do recurso autónomo, como parece pretender a recorrente. As especiais circunstâncias em que a parte pode apresentar recurso subordinado encontram-se estabelecidas no art. 633º nº 1 do CPC. Dispõe esta norma que “Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer da parte que lhe seja desfavorável, podendo nesse caso o recurso ser independente ou subordinado.” E dispõe o nº 5, se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre. Da norma citada decorre que a interposição de recurso subordinado está dependente da existência de uma decisão desfavorável ao recorrente, implicando que haja decaimento de ambas as partes, o que não ocorre na situação em apreço, uma vez que a sentença se mostra favorável á embargante, que logrou obter a extinção da execução apensa movida contra si. De salientar ainda que o “vencimento das partes” se refere ao objeto do processo, nele não se incluindo por isso a eventual pretensão da partes quanto á litigância de má-fé. Do exposto resulta que não é admissível o recurso de apelação apresentado pela Embargante, pelo que não se conhecerá do seu objeto. Porém, como a embargante nas suas alegações de recurso pede a ampliação do objeto do recurso, (pedido desnecessário, quando se apresenta um recurso independente, uma vez que é o recorrente quem delimita o objeto do recurso quer interpor), invocando o art. 636º do C.P.C., há que aferir se o tribunal poderá apreciar tal pretensão. O pedido de ampliação do objeto do recurso tem por função permitir que a parte vencedora se acautele duma eventual alteração da decisão que lhe foi favorável, como consequência do recurso apresentado pela parte contrária. Assim é que o art. 636ºº do CPC dispõe o seguinte: “1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação. 2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.(…)” Estando vedado à parte impugnar de imediato as decisões não previstas no art. 644º, nºs 1 e 2 do CPC, quando, apesar de obter vencimento na ação, venha a ser interposto recurso pela contraparte, há que reconhecer-lhe a possibilidade de ampliar o objeto do recurso na medida em que uma resposta favorável seja relevante para a manutenção da decisão principal. A solução legal proporciona assim á parte vencedora, a possibilidade de se acautelar duma decisão desfavorável em consequência do recurso interposto pela parte contrária, suscitando a reapreciação de questões cuja resposta tenha sido desfavorável. A ampliação do objeto do recurso nas referidas situações constitui um mecanismo processual que não prescinde da iniciativa da parte, devendo integrá-la nas contra-alegações do recurso interposto pela parte vencida. No caso em apreço, a recorrente aproveitou as alegações do recurso autónomo por si interposto para pedir também a ampliação do objeto do recurso. Apesar de não ser adequada a forma que a Embargante utilizou para o efeito pretendido, ao interpor recurso autónomo, já que o pedido deveria ter sido formulado em sede de contra-alegações ao recurso da parte contrária, a mesma revela contudo, uma clara vontade de impugnar a sentença, pedindo a reapreciação quanto a questões cuja resposta lhe foi desfavorável, concretamente quanto á existência de um contrato de mútuo da quantia de € 4.000,00 euros e quanto á nulidade da sentença por o tribunal não se ter pronunciado por questões que devia ter apreciado, pretendendo ver as mesmas apreciadas, devendo por isso ser admitida a ampliação do objeto de recurso, relativamente ás questões em tal se mostre admissível. Com efeito, porque o pedido de ampliação do objeto do recurso se mostra feito dentro do prazo (referimo-nos ao prazo das contra-alegações) em que lhe era legítimo assumir uma posição com tal significado, entendemos, tal como entendeu já o STJ[2] ser justificada esta posição, “orientada pela ideia de que devem privilegiar-se os aspetos de ordem substancial em detrimento da hipervalorização de elementos de ordem formal”, como se pode ler no acórdão citado. Em conclusão, não se admite o recurso interposto pela Embargante, mas procede-se á qualificação da sua atuação, como verdadeira ampliação do objeto do recurso de apelação, nos termos do art. 636º do CPC, para efeitos de se reapreciar a decisão nos pontos assinalados, caso o recurso da parte contrária lhe venha a ser desfavorável. Apreciemos de seguida o recurso da Embargada. IV-MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa." (sublinhado nosso). A “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei nº 113/XII salientou o intuito do legislador de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada ao referir que “para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar insuficiente, obscura ou contraditória – são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede á reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”. O Tribunal da Relação deve, pois, exercer um verdadeiro e efetivo segundo grau de jurisdição da matéria de facto, sindicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida, e referenciar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Porém, a possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova reanalisados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo, melhor dizendo, “imponham decisão diversa”. O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do C.P. Civil, sem olvidar porém, o princípio da oralidade e da imediação. Com efeito, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados. Assim sendo, se a decisão do julgador se mostra devidamente fundamentada, segundo as regras da experiência e da lógica, não pode ser modificada, sob pena de inobservância do princípio da livre convicção. 4.1 IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO FEITA PELA APELANTE Impugna a Apelante a seguinte factualidade, que reputa de incorretamente julgada: os factos provados nºs 4., 5., 6., 8., 11. e 12. elencados na sentença, que passamos a transcrever: 4. A executada ao longo dos anos, acumulou um passivo que pretendia liquidar, e não tendo crédito bancário constou-lhe que havia entidades que emprestavam dinheiro com poucas formalidades. (matéria provada da alegada nos artigos art.º 14.º e 15.º da petição de embargos). 5. Assim, em condições não apuradas, chegou a contacto com E…, gerente da sociedade H…, Unipessoal, Lda que informou a Embargante que havia uma sociedade representada por D… que emprestava dinheiro desde que a interessada tivesse um imóvel. (parte provada dos art.º 17.º e 18.º da p.i). 6. De seguida, a dita E… pediu-lhe que lhe enviasse a documentação do prédio para a empresa que ia conceder o crédito, avaliar o imóvel, e, saber em que condições legais se encontrava, pois, que ia servir de garantia ao empréstimo (art.º 20.º da petição de embargos). 8. A Executada pretendia um empréstimo de 10.000,00 €, mas foi informada de que apenas lhe podia ser emprestada quantia inferior, e, que a loja seria dada de garantia. (art.º 22.º da petição de embargos). 11. À data da celebração do contrato de “COMPRA E VENDA A RETRO” id em 1 a executada conheceu o dito D… que lhe disse que representava a sociedade B…, S.A. que declarou à Executada que lhe emprestava dita quantia, a quantia em causa, mediante a celebração do contrato referido em 1. (art.º 27.º da petição de embargos). 12. Efetivamente, este indivíduo entregou à Executada a quantia de € 8.500,00 a título de empréstimo, em notas. Desta quantia a executada embargante pagou o ato de autenticação, (parte provada do art.º 28.º da petição de embargos). Alega a Apelante que, na prova desta factualidade, o tribunal estribou-se unicamente nas declarações da embargante, a qual, ao arrepio de toda a prova produzida veio afirmar que o negócio declarado (a compra e venda com cláusula a retro constante de documento escrito autenticado) era distinto daqueloutro querido pelas partes, e que este se resumia a um mútuo com hipoteca, mútuo esse duma quantia também ela diversa da quantia acordada a título de preço do imóvel. Indica comos meios de prova que impõem decisão diversa, os seguintes: -documento particular autenticado junto a folhas 5 a 13 dos autos principais, o documento composto de contrato promessa junto a folhas 180 a 183 dos embargos; -o depoimento de parte de D…, gravado em suporte digital, nas passagens que indicou; -o depoimento da testemunha E…, gravado em suporte digital nas passagens que indicou; -o depoimento da testemunha F…, gravado em suporte digital nas passagens que indicou; -o depoimento da testemunha G…, gravado em suporte digital nas passagens que indicou E por fim, das declarações de parte da embargante C…, gravadas em suporte, nas passagens indicadas. Após se proceder á audição da prova gravada e á análise da prova documental junta aos autos, é nosso entendimento que assiste razão á Embargada ora Apelante. Com efeito, afirma-se na sentença, na parte da fundamentação da matéria de facto o seguinte: “Atendeu-se ao depoimento das testemunhas inquiridas, na parte em se demonstrou o lastro coincidente, com entre esses depoimentos, ou entre estes e as declarações de parte”. Não foi isto porém que o tribunal a quo fez, já que, tal como alega a Apelante, na matéria de facto por esta invocada integrou factualidade que se mostra unicamente suportada pelas declarações prestadas pela embargante, ao arrepio dos demais meios de prova produzidos, concretamente no que respeita á questão da existência dum empréstimo. Se não vejamos. A ora Apelante instaurou execução para entrega de coisa certa, pedindo que lhe fosse entregue fração autónoma designada pela letra "O", situada na Rua …, …, rés-do-chão, inscrita na matriz no artigo 5437 da freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 1492, juntando como título executivo, o documento autenticado constituído pelo “contrato de compra e venda com clausula a retro”, junto á execução. A executada C… defendeu-se, através de embargos de executado, dizendo em suma que o contrato que sempre quis celebrar e celebrou foi um contrato de mútuo, sendo que apenas lhe foi emprestada a quantia de € 4.000,00, quantia já por si liquidada, assim como os juros. Apesar de reconhecer ter assinado o contrato sob execução, alegou que as declarações nele constantes são falsas, porque nunca quis vender a fração autónoma em causa, assim como a executada nunca a quis comprar, sendo que o que as partes quiseram foi celebrar um contrato de mútuo, sendo o contrato em execução um contrato inválido, porque simulado. Como escreveu Lebre de Freitas[3] «a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo extrínseco à ação executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da ação que nele se baseia». Ou seja, a oposição á execução ou os embargos de executado são o meio de oposição idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção[4] e tem como finalidade única a de impedir os efeitos do título executivo.[5] A procedência dos embargos apenas determina a extinção, total ou parcial, da execução e nada mais, sendo que á embargante cabia o ónus de demonstrar a invalidade do contrato. A Embargante, ora apelada foi ouvida em declarações de parte, tendo sustentado esta versão dos factos, constante da petição de embargos, tendo dito em suma que se encontrava numa situação de “desespero total”, cheia de dívidas e precisava de €10.000,00 estando disposta a hipotecar a loja. Que nos bancos o processo era muito demorado, pelo que procurou na internet “financeiras”, que anunciavam ser fácil a obtenção de crédito. Foi assim que entrou em contacto telefónico com uma sociedade financeira, tendo falado com a testemunha E…, que lhe disse que arranjava quem lhe fizesse o empréstimo e que ia tratar dos documentos da hipoteca da loja. Que se dirigiu com aquela testemunha a Lousada, onde “assinou os papéis”, tendo recebido 4 mil euros a título de empréstimo. Afirmou que estava lá uma “doutora”, mas não lhe leram os papéis, pelo que para si, o que assinou foi uma hipoteca. Declarou ainda que, quando mais tarde assinou o contrato promessa de compra e venda da loja e um documento para cancelar o registo da cláusula a retro, não leu tais documentos, estando convencida que o contrato que celebrou foi um empréstimo de €4.000,00. Esta versão da embargante, não se mostra corroborada por nenhum meio de prova, sendo ademais contrariada pelos documentos juntos aos autos por si assinados, concretamente pelo documento que constitui o título executivo, constituído por um contrato denominado “compra e venda com cláusula a retro”, que se mostra autenticado pela solicitadora G…, que foi ouvida como testemunha, que exerceu funções de notária. Este documento mostra-se assinado pela Embargante, assinatura que aquela não impugnou. E também contraria as declarações apostas no contrato promessa de compra e venda de fls. 180 e ss. Com efeito, as testemunhas K…, I… e J…, pessoas das relações da embargante, nada demonstraram saber sobre o negócio concreto feito pela embargante. Existem porém testemunhas que presenciaram diretamente a outorga do contrato: a testemunha G…, que, como dissemos exerceu funções análogas às de Notário e E…, que declarou ter intermediado o negócio entre a Embargante e legal representante da Embargada, já que conhecia quer a Embargante, por ser cliente da loja daquela e conhecia o legal representante da embargada, sociedade com quem tinha negócios relacionados com a compra e venda de imóveis, já que exercida a atividade de mediadora de imóveis, testemunha que acompanhou a embargada a Lousada, tendo-se ambas deslocado no carro do marido desta testemunha. Foi também ouvido em declarações de parte o legal representante da sociedade embargada. E, ao invés, das declarações prestadas pela apelada, as declarações de parte prestadas pelo legal representante da sociedade Embargada, D…, mostram-se suportadas por outros meios de prova, que não as suas meras declarações. O depoente relatou ao Tribunal que foi abordado pela testemunha E…, como quem mantinha um relacionamento comercial, na área do imobiliário, que lhe apresentou a pretensão da embargante como sendo pessoa das suas relações, que necessitava de ajuda, através dum empréstimo, declarado que informou a E... que a sua empresa era uma imobiliária e como tal não fazia empréstimos, mas tendo-se disponibilizou-se a “ajudar”, adquirindo a fração autónoma, dando-lhe a possibilidade de a reaver, se a vendedora lhe devolvesse o preço. Que foi esse o negócio que veio a ser feito, no escritório da solicitadora G…, com quem costumava trabalhar, em Lousada, tendo oportunamente solicitado àquela para redigir a minuta do contrato. Que a Embargante se deslocou para esse efeito ao escritório da solicitadora, onde assinaram o contrato de compra e venda a retro, que se encontra em execução, através do qual a sociedade que representa adquiriu o imóvel por €8.5000 euros, preço que pagou, tendo-o entregue em dinheiro nesse ato, tal como lhe fora pedido, pois a embargante tinha problemas com os bancos. O depoente foi muito claro ao afirmar que nunca esteve em causa proceder a um empréstimo, desde logo porque a sociedade que representa é uma sociedade imobiliária, não fazendo parte do seu objeto a celebração de mútuos e que desde o início apenas se prontificou a comprar a loja da embargante. Estas declarações mostram-se suportadas quer pelos depoimentos prestados pela Testemunha E… e seu marido F…, que também se deslocou a Lousada e que com aquela E…, serviu de testemunhas abonatórias da identidade da embargante que tinha, na altura o seu documento de identificação caducado, tendo a primeira testemunha confirmado que nesse ato foi entregue á embargante um envelope com dinheiro que a própria ajudou nessa altura a contar, que era no valor de 8.500,00 euros, que a embargante recebeu nesse ato, e do qual retirou a quantia necessária para pagamento das despesas da escritura. Também a solicitadora G… confirmou esta situação, declarando que viu a entrega de dinheiro num envelope e que se apercebeu que ficaram na sala a contá-lo. Esclareceu ainda que leu as cláusulas contratuais aos presentes (embargante, legal representante da embargada e testemunha E…) e disponibilizou-se no final da leitura a proceder esclarecimentos, que segundo referiu não lhe foram solicitados. Finalmente o contrato em execução, não atesta nenhum “empréstimo” da quantia de 4 mil euros referida pela embargante. Como é sabido, depois da reforma de 2013 do CPC, as partes podem fazer prova de factos favoráveis, com as suas declarações, como decorre do art. 466º nº 1 do CPC. A parte deve ser admitida a prestar declarações apenas sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto e que sejam instrumentais ou complementares dos alegados. As declarações prestadas são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se constituírem confissão, como se prevê no art. 466º nº 3 CPC. A jurisprudência tem sido consistente no sentido que as declarações de parte não são suficientes, por si só, para estabelecer qualquer juízo de aceitabilidade final, sendo apenas coadjuvantes da prova de um facto desde que conjugadas com outros meios de prova. Por todos citamos o acórdão desta Relação de 24 de setembro de 2018[6], onde se pode ler no respetivo sumário: “I - O valor probatório das declarações de parte, avaliado livremente pelo tribunal, estará sempre dependente do confronto com os demais elementos de prova (art. 466º/3 CPC). II - Quando o declarante não confessou os factos e limitou-se a transmitir a versão que consta dos articulados, a qual não foi confirmada pela restante prova produzida, não constitui meio de prova que fundamente a alteração da decisão de facto.” Daqui resulta que não merece relevo probatório as declarações em que a parte se limita a narrar os factos alegados no respetivo articulado. Lebre de Freitas,[7] a propósito do valor probatório das declarações de parte observa:” a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas”. Assim sendo, porque o valor probatório das declarações de parte, avaliado livremente pelo tribunal, estará sempre dependente do confronto com os demais elementos de prova, temos forçosamente concluir pela ocorrência do apontado “erro de julgamento”, quando na resposta aos factos ora impugnados de faz referência a “empréstimo”, porquanto, com exceção da apelada, ninguém demonstrou ter conhecimento, que ficasse acordado entre as partes a celebração de um contrato de mútuo, situação que é ainda totalmente contrariada pelo teor do contrato assinado pela embargante, denominado “contrato de compra e venda com cláusula a retro”. Da prova produzida resulta que inicialmente era esse o contrato que a embargante pretendia celebrar quando contactou a testemunha E…, mas já que não que a celebração desse tipo contratual se tivesse concretizado. A prova produzida mostra-se contraditória com a versão dos factos que a embargante se propôs demonstrar, impondo-se por isso, uma alteração da matéria de facto julgada provada. Em face da prova produzida, não podia o Tribunal a quo dar como provada a versão da embargante que não tem suporte na prova testemunhal ouvida, nem na prova documental, impondo-se por isso a alteração da matéria de facto, tal como pretende a apelante neste recurso. Em face do exposto e agora relativamente a cada um dos factos impugnados, mantem-se a redação do facto 4. (A executada ao longo dos anos, acumulou um passivo que pretendia liquidar, e não tendo crédito bancário constou-lhe que havia entidades que emprestavam dinheiro com poucas formalidades), que se mostra suportado quer pelas declarações de parte da embargante, quer pelo depoimento da testemunha E…. No demais, dá-se provimento á impugnação da matéria de facto, procedendo-se á alteração da redação dos factos 5, 6, 8, 11 e 12, que passarão a ter a seguinte redação: 5. Assim, em condições não concretamente apuradas, através de E…, gerente da sociedade H…, Unipessoal, Lda soube que poderia obter as quantias que necessitava, através de uma sociedade representada por D…, uma vez que era proprietária de um imóvel. 6. De seguida, a dita E… pediu-lhe que lhe enviasse a documentação do prédio para a dita empresa avaliar o imóvel. 8. A Executada pretendia inicialmente um empréstimo de 10.000,00 €, mas foi informada de que apenas lhe podia ser entregue a quantia de €8.500 euros pela venda do imóvel, com possibilidade de o reaver, devolvendo o preço. 11. Foi só na data da celebração do contrato de “COMPRA E VENDA A RETRO” id em 1 que a executada conheceu o dito D…, representante da sociedade B…, S.A., tendo os contactos anteriores sido efeitos através da identificada E…. 12. Na data do contrato, este indivíduo entregou à Executada a quantia de € 8.500,00, em notas, tendo desta quantia que recebeu, a executada embargante pago o ato de autenticação. Impõe-se por último retificar o facto 1 dos factos provados, pois ali ficou a constar que “1. Foi apresentada à execução de que estes autos constituem um apenso, o documento junto aos autos de execução a fls. 5 a 13 celebrado a 7.12.2015, em Lousada, denominado “CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM CLAUSULA A RETRO” “COMPRA E VENDA E MUTUO COM HIPOTECA”, incluindo o termo de autenticação, de fls. 9 e ss, e efetuado por G…(…)”. Ora na documentação junta á execução, não consta nenhuma menção a “COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA”, pelo que tal menção só pode ter ocorrido por lapso manifesto de escrita, procedendo-se á sua retificação oficiosa, ao abrigo do disposto nos arts. 613º nº 2 e 614º nº 1 do C.P.C., eliminando-se tais dizeres. 4.2 IMPUGNAÇÃO FEITA EM SEDE DE AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO PELA APELADA: Em sede de ampliação do objeto de recurso, a Embargante pediu a reapreciação a seguinte matéria de facto: respostas proferidas negativamente sob as alíneas a), b) e c) dos factos não provados, dizendo que por não ser feita uma análise crítica da prova, a sentença violou o nº 4 do artº 607º do C.P.C. É a seguinte a factualidade impugnada: a) Que o empréstimo a contrair com a celebração do contrato referido em 1, era no montante de € 4.000,00, sendo esta a quantia que foi entregue, efetivamente à embargante/executada, pela exequente, no momento da celebração do contrato referido em 1. (matéria invocada nos artigos 26.º, 27.º e 28.º da petição de embargos); b) Matéria invocada nos artigos 37.º e 38.º da prestação de embargos; c) (facto em branco)[8] d) Matéria invocada nos artigos 31.º, 36.º, 37.º a 39.º da petição de embargos. Quanto ao facto a), em face da re-apreciação da matéria de facto feita no recurso apresentado pela Embargada, para a qual remetemos, não pode pretensão da Embargante proceder. Como vimos, a mesma está “sozinha” na ação a sustentar tal versão dos factos, versão que é contrariada pelos meios de prova que acabamos de analisar. A mesma não logrou fazer prova de que tenha recebido apenas aquantia de €4.000 euros aquando da celebração do contrato em execução e que essa quantia lhe tenha sido entregue a título de mútuo. Acresce que estaria também impedida de produzir prova testemunhas, nos termos do que dispõe o art. 393º do Código Civil. O mesmo se diga quanto á matéria supra indicada sob a alínea d). A matéria dos embargos, 31.º, 36.º, 37.º a 39.º da petição de embargos, trata-se de factualidade que se mostra prejudicada pela matéria provada, Quanto aos factos 37 e 38 que foram julgados não provados pretende a Embargante ver provado que é inexperiente e que não podia conhecer o alcance dum contrato com cláusula a retro. Obviamente que não colhe a impugnação, não sendo desde logo crível que uma comerciante, como é a embargante, com loja aberta ao público há anos, não perceba o conceito duma mera compra e venda e da possibilidade de ficar acordada a possibilidade de reaver o bem vendido, se devolvesse o preço. Improcede pois a pretensão da embargante, nesta impugnação da matéria de facto que faz em sede de ampliação do objeto do recurso. IV-FUNDAMENTAÇÃO: Com interesse para a decisão encontram-se provados os seguintes factos: 1. Foi apresentada à execução de que estes autos constituem um apenso, o documento junto aos autos de execução a fls. 5 a 13 celebrado a 7.12.2015, em Lousada, denominado “CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM CLAUSULA A RETRO” incluindo o termo de autenticação, de fls. 9 e ss, e efetuado por G…, na qualidade de solicitadora nos termos aí constantes, cujo teor se dá aqui por reproduzido, nos termos do qual foi vendido o imóvel aí identificado, foi vendido à exequente pelo preço de € 8500,00, livre de ónus e encargos, constando da clausula 4.º desse contrato sob a epigrafe de “clausula a retro” 1. O segundo outorgante em nome da sociedade que representa reconhece à vendedora a faculdade de resolver presente venda no prazo de um ano a contar da presente data desde que até ao final desse mesmo período devolva a quantia estipulada a título de preço.2. A devolução do preço, deve ocorrer em prestações no valor mínimo de cento e cinquenta euros por mês. 3. A primeira outorgante fica com o beneficio de antecipar o pagamento do preço.” (requerimento executivo). 2. Mais juntaram o documento junto a fls. 16 a 18, cujo teor se dá aqui por reproduzido, autenticado perante a mesma, G…, denominado “DECLARAÇÃO PARA EFEITO DE REGISTO EXTINÇAO DA CLAUSULA”, constando do mesmo, como local e data de celebração, Lousada 27 de Fevereiro de 2017”.(requerimento executivo). 3. Na data referida da celebração do contrato de COMPRA E VENDA COM CLAUSULA A RETRO, dado à execução, e referido em 1, a embargante não entregou à exequente o referido imóvel. (art.º 5.º da petição de embargos) 4. A executada ao longo dos anos, acumulou um passivo que pretendia liquidar, e não tendo crédito bancário constou-lhe que havia entidades que emprestavam dinheiro com poucas formalidades. 5. Assim, em condições não concretamente apuradas, através de E…, gerente da sociedade H…, Unipessoal, Lda soube que poderia obter as quantias que necessitava, através de uma sociedade representada por D…, uma vez que era proprietária de um imóvel. (facto ora alterado) 6. De seguida, a dita E… pediu-lhe que lhe enviasse a documentação do prédio para a dita empresa avaliar o imóvel. (facto ora alterado). 7. Satisfazendo o pedido, foi enviada toda a documentação respeitante à loja, quer a escritura de compra, certidão do registo predial a seu favor, e, licença camarária. 8. A Executada pretendia inicialmente um empréstimo de 10.000,00 €, mas foi informada de que apenas lhe podia ser entregue a quantia de €8.500 euros pela venda do imóvel, com possibilidade de o reaver, devolvendo o preço. (facto ora alterado) 9. No espaço que decorreu entre o envio dos documentos, e, a data em que foi celebrado o contrato referido em 1. decorreu muito pouco tempo sendo tudo feito de uma forma muito célere. (art.º 23.º da petição de embargos). 10. Neste contexto E…, e, F… abonaram, a identidade da Executada como consta de 1 e título executivo, e, conduziram-na de automóvel a Lousada, em 07 de Dezembro de 2015, para assinatura do doc. Identificado em 1. (art.º 25.º da petição de embargos). 11. Foi só na data da celebração do contrato de “COMPRA E VENDA A RETRO” id em 1 que a executada conheceu o dito D…, representante da sociedade B…, S.A., tendo os contactos anteriores sido efeitos através da identificada E…. (facto ora alterado) 12. Na data do contrato, este indivíduo entregou à Executada a quantia de € 8.500,00, em notas, tendo desta quantia que recebeu, a executada embargante pago o ato de autenticação. (facto ora alterado) 13. O contrato referido em 1, apesar de a Executada não ter documentos de identificação pessoal foi assinado pela Executada cuja identificação pessoal foi abonada por E…, e, F… que a transportaram a Lousada nesse dia, e que são casados entre si. 14. Por conta do contrato referido em 1) a executada embargante, transferiu para a conta de D…, o montante global de € 5.950,00 € desde 12 de Janeiro de 2016 a 15/04/2017 mediante prestações de diversos valores, sendo certo que em 14/04/2017 transferiu 2.000,00 €, e, em 15/04/2017 a mesma quantia de € 2.000,00. 15. Quanto ao documento junto a fls. 16 a 18,da execução e referido em 2, o mesmo foi assinado pela executada embargante, em Vila Nova de Gaia, nessa mesma data e não em Lousada 16. Com tal documento (referido em 15.) a Srª Solicitadora G… no dia seguinte à declaração datada de 23 de Fevereiro de 2017 mediante a requisição 1054 de 24/02/2017 por ela assinada e apresentada na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras, obteve o cancelamento da cláusula a retro que consta do contrato de compra e venda de 07/12/2015, dado à execução. 17. Em Fevereiro de 2017 entre a exequente/embargada representada por D… e a executada/embargante foi assinado, o documento denominado por “CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA” junto aos autos a fls. 180 a 183, e cujo teor se dá aqui por reproduzido. 18. Em finais de Março de 2017 apareceram na a loja da embargante instalada na fração id. Em 1. dois indivíduos que se apresentaram como serralheiros, e, que a pedido, e, por ordens de D… vinham arrombar a porta, e, mudar a fechadura alegando ser este o proprietário daquela fração. 19. O imóvel objeto do contrato referido em 1, dado à execução, foi adquirido pela Executada, em 09 de Março de 2005 por preço 15.000,00 €, sendo nessa fração que a executada/embargante exercia a sua atividade de comprou essa fração para exercer a sua atividade de comércio de roupas confecionadas, e, de arranjos de costura. 20. No ano de 2017, o imóvel identificado em 1. Tinha um valor tributário de € 12.602,02. E foram julgados não provados os seguintes factos: a) Que o empréstimo a contrair com a celebração do contrato referido em 1, era no montante de € 4.000,00, sendo esta a quantia que foi entregue, efetivamente à embargante/executada, pela exequente, no momento da celebração do contrato referido em 1. (matéria invocada nos artigos 26.º, 27.º e 28.º da petição de embargos); b) Matéria invocada nos artigos 37.º e 38.º da prestação de embargos; c) (facto em branco) d) Matéria invocada nos artigos 31.º, 36.º, 37.º a 39.º da petição de embargos. e) Que a fração em causa, à data tinha um valor de mercado entre 30.000,00 € a 35.000,00 (art.º 52.º da petição de embargos). V-APLICAÇÃO DO DIREITO 5.1.DA NULIDADE FORMAL DO TÍTULO EXECUTIVO A Apelante insurge-se quanto á decisão do tribunal a quo que declarou a nulidade formal do título executivo, com fundamento no facto, constatado no decurso da audiência de julgamento, que os abonadores da identidade da Embargante, outorgante naquele contrato, eram casados entre si, situação geradora de inabilidade legal. O tribunal a quo concluiu assim que: “O negocio constante do titulo dado à execução, é assim nulo por falta de forma, decorrente da nulidade do acto notarial, consistente no termo de autenticação por via da inabilidade dos abonadores, casados entre si. cfr. art.º 68.º e Art.º 71.º do código do notariado, 369.º n.º 1 e 2 , 875º e 220.º estes do código civil.” Defende a Apelante que o Tribunal fez incorreta interpretação e aplicação das disposições conjugadas do artigo 68.º, n.º 1, alínea f) e 71.º, n.º 2, ambos do Código do Notariado. Afirma que a nulidade do ato notarial, leia-se do Documento Particular Autenticado, composto de Compra e venda com cláusula a retro, por inabilidade dos abonadores, porque casados entre si, não pode ser conhecida e decretada nos presentes autos. Este vício “funcional” ou seja, decorrente do exercício da função de notário ou de quem exerça função equiparada e que fere ou inquina o próprio título, só pode ser conhecido em ação autónoma, própria e em que estes sejam chamados aos autos a intervir como partes principais o Notário ou quem exerça tais funções equiparadas. E cita, neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto e do Tribunal da Relação de Guimarães, datados, respetivamente, de 10-05-2005 e de 27-09-2018, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt, onde extraímos que “Pedindo-se a declaração de nulidade ou a falsidade de uma escritura pública, a ação tem de ser proposta necessariamente também contra o Notário que a celebrou.” Afigura-se-nos ter razão a Apelante. Com efeito, a nulidade do ato notarial tem de ser apreciada em ação própria e em que esteja presente na ação como parte principal, desde logo, o Notário ou quem exerça tais funções equiparadas, de molde a permitir o exercício da faculdade expressamente prevista no artigo 71.º nº 3 do Código do Notariado, que dispõe, o seguinte: “3 - O acto nulo por violação das regras de competência em razão do lugar, por falta do requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior ou por incapacidade ou inabilidade de algum interveniente acidental pode ser sanado por decisão do respetivo notário, nas seguintes situações: a) Quando for apresentada declaração, passada pelo notário competente, comprovativa da sua ausência na data em causa e as partes justificarem, por escrito, o carácter urgente da celebração do ato; b) Quando as partes declararem, por forma autêntica, que as palavras inutilizadas, quaisquer que elas fossem, não podiam alterar os elementos essenciais ou o conteúdo substancial do acto; c) Quando o vício se referir apenas a um dos abonadores ou a uma das testemunhas e possa considerar-se suprido pela idoneidade do outro interveniente.” Com efeito, a nulidade em causa contende diretamente com a fé-pública que o documento em causa passou a gozar com a autenticação efetuada pela solicitadora que exerceu funções equivalentes ás do Notário. A autoridade do ato praticado por aquela é afastada pela nulidade do ato, situação que a nosso ver impunha que, na situação em apreço, porque o vício apontado versa a fé pública do documento, aquela fosse demandada, havendo por conseguinte interesse direto em agir do próprio Notário, e consequente ilegitimidade (art. 30º do C.P.C). A nulidade formal do título dado à execução, (que aliás não foi sequer pedida pela parte que da mesma beneficiaria), não podia ter sido conhecida e declarada nos presentes autos, uma vez que se verifica desde logo a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, uma vez que a pessoa que exerceu funções equivalentes ás de Notário e que autenticou o documento não se encontrava na ação, impondo-se pois a revogação da decisão, nesta parte. Tal como se pode ler no acórdão desta Relação de 10 de Maio de 2005 citado pela Apelante; “Assim, afigura-se-nos que para se pôr em causa a fé pública de um documento autêntico com base na sua falsidade imputável a autoridade pública tem de a ação ser proposta (também) contra a autoridade pública que presidiu ao acto (no caso o Notário), já que o documento autêntico constitui prova plena das declarações prestadas pelos outorgantes perante a entidade documentadora, sendo impensável que uma ação deste tipo pudesse ser julgada sem que essa autoridade pública não tivesse a possibilidade de defender-se.” Revoga-se assim a decisão na parte em que declarou a nulidade formal do documento que constitui o título em execução. 5.2 DA NULIDADE SUBSTANCIAL DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA A RETRO Discorda ainda a Apelante da nulidade substancial do negócio celebrado entre as partes, também declarada na sentença, defendendo que o contrato celebrado é perfeitamente válido á luz da ordem jurídica vigente, dizendo em suma que estamos diante de uma venda a retro, prevista no artigo 927º e seguintes do C.C., perfeitamente válida. Diz a Apelante que, quiçá induzido em erro pela errada interpretação do facto provado 3. (“…a embargante não entregou à exequente o referido imóvel”), o Tribunal entendeu, mal, que não houvera transmissão da propriedade, quando a transmissão da propriedade opera por mero efeito do contrato, a menos que as partes estipulem de outro modo, tendo sido, o que aconteceu nos autos, por mero efeito da outorga do documento de folhas 5 a 13 dos autos principais. Que a detenção da coisa, leia-se a loja, pela Apelada, tem como causa que a justificou, a expectativa de a voltar a adquirir, através da já falada cláusula a retro. Assim, conclui, no caso dos autos, em nada releva que a executada/embargada não tenha entregue o imóvel à exequente, até porque a posse transmitiu-se para este através da figura do constituto possessório, previsto no artigo 1264.º do C.C. que é uma forma de aquisição da posse sem necessidade de acto material ou simbólico que a revele e que assenta em acordo no sentido da manutenção da detenção da coisa pelo antepossuidor ou por terceiro. Vejamos se assim é. O Tribunal a quo não acolheu a tese da embargante da falsidade das declarações prestadas perante a solicitadora da execução, que fundamentaram os presentes embargos. Como é sabido, o documento particular autenticado faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento, nos termos do disposto no artigo 376º do Código Civil. Não foi arguida a falsidade do documento, mas sim a falsidade das declarações prestadas, falsidade que poderia vir a ser reconhecida com base na falta ou vícios da vontade. No caso em apreço, resulta da matéria de facto que a embargante não logrou provar falta de vontade na celebração do contrato dos autos. Na sentença, o tribunal a quo concluiu pela invalidade substancial do negócio jurídico celebrado entre as partes, contido no título dado á execução, com outro fundamento: negócio nulo por fraude á lei. Afirma-se aí o seguinte: “Há também que apurar qual o fim visado pelas partes ao celebrarem a venda a retro. Trata-se aqui de determinar se efetivamente os contraentes pretendiam celebrar um contrato de compra e venda a retro ou, se antes, pretendiam apenas escapar à proibição do pacto comissório e atuar em verdadeira fraude à lei. No nosso entender, é aqui claro o intuito fraudulento das partes, pois que não pretenderam trocar um bem por um preço, o que resulta evidente, não só pela falta de transmissão da propriedade da fração, decorrido o prazo previsto para o efeito no contrato, como também pelo facto de ter resultado provada a existência de um acordo escrito denominado “contrato promessa de compra e venda” assinado em Fevereiro de 2017, onde mais uma vez se dá a faculdade à embargante de “readquirir” a fração, nos termos dele constantes. Deste modo, o acordo junto aos autos de execução a fls. 5 e seguintes, é inválido, pois que foi efetuado com intuito de permitir ao exequente escapar à proibição de celebração de um pacto comissório, pois que almejou, que caso a embargada não restituísse o montante mutuado no prazo de 1 ano, o exequente satisfizesse o seu crédito à custa da apropriação imediata da fração objeto da venda a retro.” Vejamos. Resulta da factualidade provada que a executada ao longo dos anos, acumulou um passivo que pretendia liquidar, e não tinha crédito bancário e pretendia obter um empréstimo da quantia de 10.000,00, sendo que estava disposta a constituir hipoteca sobre o imóvel dos autos, de que era proprietária. Através de E… veio a ser informada que apenas lhe podia ser entregue a quantia de €8.500,00 euros pela venda do imóvel, com possibilidade de o reaver, devolvendo o preço. Veio a celebrar o contrato denominado de “COMPRA E VENDA COM CLÁUSULA A RETRO”, em 7.12.2015, sendo que só nessa data conheceu o legal representante da empresa que adquiriu o imóvel. Na data do contrato, este indivíduo entregou à Executada a quantia de € 8.500,00, em notas, tendo desta quantia que recebeu, a executada embargante pago o ato de autenticação. Nesse contrato, que inclui termo de autenticação de fls. 9 e ss da execução apensa, efetuado pela solicitadora G…, na qualidade de solicitadora nos termos aí constantes, a Embargante declara vender á sociedade embargada o imóvel aí identificado, pelo preço de € 8500,00, livre de ónus e encargos, constando da cláusula 4.º desse contrato sob a epígrafe de “clausula a retro” o seguinte: “1. O segundo outorgante em nome da sociedade que representa reconhece à vendedora a faculdade de resolver presente venda no prazo de um ano a contar da presente data desde que até ao final desse mesmo período devolva a quantia estipulada a título de preço. 2. A devolução do preço, deve ocorrer em prestações no valor mínimo de cento e cinquenta euros por mês. 3. A primeira outorgante fica com o benefício de antecipar o pagamento do preço.” Provou-se ainda que na data referida da celebração do identificado contrato, a embargante não entregou à exequente o referido imóvel. Após discorrer sobre a figura da venda a retro (permitida pelo art. 927º do C.Civil) versus proibição de pactos comissórios, (proibidos pelo art. 694º do C.Civil), conclui o tribunal a quo que o ataque à venda a retro pode ser atingido por duas vias: simulação ou fraude a lei por se ter atingido um pacto comissório proibido, concluindo pela existência desta última situação, dizendo: “No nosso entender, é aqui claro o intuito fraudulento das partes, pois que não pretenderam trocar um bem por um preço, o que resulta evidente, não só pela falta de transmissão da propriedade da fração, decorrido o prazo previsto para o efeito no contrato, como também pelo facto de ter resultado provada a existência de um acordo escrito denominado “contrato promessa de compra e venda” assinado em Fevereiro de 2017, onde mais uma vez se dá a faculdade à embargante de “readquirir” a fração, nos termos dele constantes.” Vejamos se é assim. Vigora no direito das obrigações a liberdade contratual, consignada no artigo 405º, nº1 do CCivil, no qual se predispõe que “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código, ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.” A venda a retro por sua vez, encontra-se tipificada na lei, estabelecendo o art. 927º do C.C. o seguinte: “Diz-se retro a venda em que se reconhece ao vendedor a faculdade de resolver o contrato”. Batista Lopes,[9] refere que venda a retro é a venda em que se reconhece ao vendedor a faculdade de resolver o contrato, restituindo o preço recebido e recobrando a coisa vendida. Como efeito da resolução, segundo esta norma, o comprador deve restituir a coisa comprada e o vendedor deve restituir o preço. Apesar de ter sido abolida pelo código de 1867, por se ter entendido que a venda a retro encobria, na generalidade dos casos um contrato de usura, em que a possibilidade de rescisão funcionava como garantia de cumprimento da obrigação excessiva assumida pelo vendedor, [10] a mesma, apesar de vista com alguma desconfiança, mostra-se tipificada no Código Civil vigente, tal como resulta da norma citada. Como refere Pedro Romano Martinez,[11] “Não foi essa a posição do legislador de 1966; considerou-se que a venda a retro, não obstante os perigos que poderia acarretar, por facilitar a conclusão de negócios usurários, representava uma forma viável de resolver alguns problemas, designadamente o do recurso ao crédito.” A este propósito veja-se em anotação ao art. 927º, Pires de Lima e Antunes Varela [12] que citam Galvão Telles, quando afirma que “o mal que se vê na venda a retro é de ela poder servir desígnios de usura”. E prosseguem, dizendo que “Diz-se que em muitos casos equivalerá praticamente a um empréstimo pignoratício ou hipotecário, com pacto comissório, em que o preço funcionará como capital mutuado. A coisa vendida como objeto de garantia e a transmissão da propriedade como cláusula comissória, que, em caso de não restituição do capital, pelo resgate, permitirá ao mutuante (comprador) reter como seu objeto, sem avaliação”. Mas se isto é assim, em defesa deste instituto, transcrevem aqueles autores, mais uma vez, as palavras de Galvão Teles, quando afirma que “A venda a retro pode servir interesses legítimos, como o daquele que, precisando de dinheiro, não queira todavia recorrer ao crédito, para não sentir o peso de encargos, e não queira também despojar-se definitivamente dos bens, conservando a esperança e o direito de os recuperar”. Relembra-se apenas que o pacto comissório consiste na estipulação pela qual uma das partes, o credor, pode ficar com o bem dado em garantia, se o devedor não paga a dívida na data do seu vencimento. O artigo 694º do CCivil comina com a invalidade este tipo de acordos: «É nula, mesmo que seja anterior ou posterior à constituição de hipoteca, a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir.». A este propósito veja-se também a anotação de Pires de Lima e Antunes Varela ao normativo inserto no artigo 694º do CCivil, no Código Civil Anotado, [13]: “Esta proibição aparece na generalidade das legislações e funda-se no prejuízo que do pacto comissório pode resultar para o devedor, que seria facilmente convencido, dado o seu estado de necessidade, a aceitar cláusulas lesivas dos seus interesses. O fundamento é paralelo ao da proibição da usura. A proibição abrange também, pelo seu espírito, o pacto pelo qual se convencione o direito de venda particular. 2. A doutrina também distingue entre pactos comissórios reais e obrigacionais (vide Vaz Serra Penhor, nº7). Pelos primeiros a coisa transfere-se para o credor pelo não cumprimento; pelos segundos, fica o credor com o direito de crédito às transmissões. A razão da proibição abrange, sem dúvida, qualquer deles.” Atenta a matéria de facto que emergiu provada parece-nos que a situação dos autos “encaixa” precisamente na situação em que se reconhece utilidade na venda a retro para servir interesses legítimos. No caso, serve o interesse da Embargante, que necessitando de dinheiro, como a mesma reconheceu, não queria e não podia recorrer á banca, e não pretendia despojar-se em definitivo do imóvel dos autos, constituído por uma loja, onde exercia o seu comércio, necessário ao seu sustento, obtendo a quantia que necessita correspondente ao preço do imóvel a cuja venda procede, mas com a faculdade de o reaver num determinado prazo. E inexistem nos autos quaisquer factos materiais de onde se possa retirar a invocada falsidade das declarações prestadas perante a solicitadora que autenticou o documento, tão pouco factos que possam sustentar vício na formação da sua vontade que pudesse inquinar o acordo havido, nomeadamente coação moral e/ou que o negócio tivesse sido feito por usura, de forma a obter a sua anulabilidade nos termos dos artigos 255º, 256º e 282º, nº1 do CCivil. E não concordamos com o raciocínio expendido na sentença, quando deteta a existência de “intuito fraudulento das partes”, dizendo que as mesmas não pretenderam através daquele contrato trocar um bem por um preço, “o que resulta evidente, não só pela falta de transmissão da propriedade da fração, decorrido o prazo previsto para o efeito no contrato, como também pelo facto de ter resultado provada a existência de um acordo escrito denominado” contrato promessa de compra e venda” assinado em Fevereiro de 2017, onde mais uma vez se dá a faculdade à embargante de “readquirir” a fração, nos termos dele constantes.” É que, a detenção do imóvel pela vendedora encontra justificação no facto da embargante ali exercer a sua atividade comercial, desde logo necessária á obtenção de proventos para eventualmente ter meios para poder vir a reaver a loja, e ainda no facto de ser expectável perante ambas as partes a eventualidade da embargante vir efetivamente a reaver o imóvel vendido, situação esta equacionada por ambas as partes, quanto acordaram e reconheceram á vendedora a possibilidade de resolver o contrato de compra e venda. Por outro lado, mostra-se pertinente a observação feita pela ora Apelante quando chama á colação o instituto do constituto possessório. Com a compra e venda celebrada, transmitiu-se para o adquirente o direito de propriedade sobre a coisa, nos termos do disposto no art. 879º alínea a) do Código Civil, encontrando-se por sua vez a vendedora obrigada a entregar a coisa (alínea b) da mesma norma), o que se provou não ter ocorrido, isto é não houve entrega material do imóvel. Mas isto não significa que não tenham ocorrido, por força do contrato os efeitos da compra e venda estabelecidos no art. 879º do C.C. e que a posse não tenha sido transmitida. Com efeito, dispõe o art. 1264º do C.Civil o seguinte: “Se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir este direito a outrem, não deixa de considerar-se transmitida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa.” “O constituto possessório é assim uma forma de aquisição da posse, solu consensu, isto é uma aquisição sem necessidade de um ato material ou simbólico que a revele. Consiste tradicionalmente num acordo, pelo qual o possuidor, alienada a posse, reserva, por qualquer titulo, a detenção da coisa e se dispensa, assim, de a entregar ao novo possuidor. O alienante que tinha em relação á coisa uma causa possessionis, passa a deter a coisa em virtude duma causa detentionis (M Rodrigues, ob cit, pg 24)”.[14] No caso em apreço, como vimos a detenção da loja pela vendedora encontra justificação no facto das partes terem expressamente previsto a possibilidade daquela poder vir a reaver a loja no prazo de um ano e no facto da vendedora precisar de continuar a ali exercer o seu comércio, tendo em vista também tal objetivo, isto obter fundos para poder vir a reaver a loja, resolvendo o contrato, devolvendo a quantia que recebeu a titulo de preço. Posto isto, também não vemos que o segundo argumento usado para fundamentar a existência de fraude á lei, isto é a celebração posterior dum contrato promessa entre as partes, tendo por objeto o mesmo imóvel, contrato que foi e celebrado após o prazo de um ano previsto no contrato para a resolução da venda, possa dalguma forma contrariar o que foi dito e expendido. Tal contrato celebrado cerca de um ano após a celebração do primeiro, ocorre após não se terem verificado as condições para a resolução do contrato de compra e venda, com a retoma do imóvel pela Embargante, e mostra-se devidamente assinado pela ora Apelada que ali promete comprar o imóvel dos autos, que a Apelante promete vender nas condições aí exaradas pelo preço de 8.800,00 euros. Este contrato promessa, é, ao contrário, significativo que a embargante reconhece a embargada como proprietária do imóvel, visto não ter exercido atempadamente o direito de resolução contratualmente previsto na compra e venda e bem assim do facto relatado pelo legal representante da embargada no sentido que foi sensível ás “súplicas” [15] da embargante, concedendo-lhe uma (mais uma) última oportunidade de vir a re-adquir o imóvel, mediante a celebração de tal contrato. Não tem colhimento as declarações prestadas pela embargante nas declarações que prestou ao dizer que “não leu o que assinou”, como se a sua eventual negligência ao não ler o que assina, pudesse dalguma forma a beneficiar, quando vigora o princípio da autorresponsabilização das pessoas que intervém no tráfico jurídico. ´ No que respeita assim à fraude á lei, da matéria de facto resulta apenas um facto – venda por um preço inferior ao do valor tributário – que poderia eventualmente suscitar dúvidas, mas que a nosso ver encontra também justificação nas circunstâncias do negócio, nomeadamente na “pressa” da apelada na obtenção do dinheiro que precisava e no facto da resolução contratual implicar a devolução integral do preço acordado. Concluímos assim que as partes nos autos, no pleno exercício da exercício da sua liberdade contratual e em particular a Embargante, sem que nada a fizesse tolher, acordaram na compra e venda do imóvel nos precisos termos em que a mesma ficou consignada na escritura, tendo sido aí consignado o direito da vendedora resolver a venda no prazo de um ano desde que até ao final desse mesmo período devolvesse a quantia estipulada a título de preço, tal como permite a previsão do art. 927º do C.C., tendo-se ainda em consideração os efeitos da resolução contratual (arts. 433º e 434ºdo C.Civil). Impõe-se pois também aqui a procedência do recurso, revogando-se a decisão na parte em que considerou inválido o negócio celebrado, com fundamento na existência em fraude á lei. VI-DA AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO. Como decidido supra, não obstante a não admissão do recurso independente interposto pela Embargante, o tribunal apreciará as questões por si suscitadas em sede de ampliação do objeto do recurso, que deveria ter sido suscitada antes em sede de contra-alegações, pelas razões supra enunciadas. De referir que a apreciação da ampliação do objeto de recurso só tem lugar, no caso de acolhimento da pretensão do Recorrente principal, tal como ocorre na situação em apreço. Quanto á eventual alteração da matéria de facto, mostra-se a mesma já supra apreciada e desatendida pelas razões aí explanadas. Em face da validade que se reconhece ao contrato autenticado de compra e venda a retro, que constitui o título executivo, importa em sede de aplicação do objeto do recurso se assiste razão á embargante nas questões relativamente às quais pediu a apreciação deste tribunal em caso de alteração da decisão da primeira instância que lhe era favorável. Importa assim analisar se ocorre a invocada nulidade da sentença. Alega a Apelada que a sentença não se pronunciou sobre questões suscitadas pela Embargante incorrendo, assim, na nulidade prevista pela al. d) do artº 615º do C.P.C. Vejamos. Os vícios determinantes da nulidade da sentença elencados no art. 615º do CPC correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). Ocorre “omissão de pronúncia” sempre que o juiz deixe de proferir decisão sobre questão que devesse conhecer (art. 615º nº 1 al d) do CPC). Esta nulidade está diretamente relacionada com o artigo 608º nº 2 do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Há porém que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava Alberto dos Reis[16] “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. Constitui ainda jurisprudência pacífica que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”. Diz a Embargante que o tribunal a quo não se pronunciou “no que respeita ao crime de burla, extorsão, de falsificação de documentos, de usura, e, ao de abuso de direito invocado sob o artº 58º da petição de embargos este Tribunal deveria conhecer tal pedido.” Para além da manifesta incompetência material do tribunal para a apreciação de matéria de natureza criminal, ressalta o facto de na petição de embargos e nomeadamente no art. 58º da petição de embargos citado pela Embargante, não estarem alegadas tais questões, sendo que naquele artigo, a Embargante se limita a fazer considerações genéricas, sem suporte factual.[17] Em concreto não é apontada qualquer questão que tivesse sido colocada pelas partes que o tribunal devesse conhecer na sentença e não o tivesse feito. Não estamos assim manifestamente perante o vício apontado, pelo que improcede o vício apontado. Finalmente, quanto á pretensão da embargante no que concerne o pedido de condenação da embargada como litigante de má-fé, dir-se-á tão só o seguinte: relativamente á condenação em que demonstra discordância quanto ao decidido, mostra-se a mesma devidamente apreciada pelo tribunal a quo, na sentença proferida que absolveu a requerida, tendo a mesma transitado em julgado. Quanto ao pedido de condenação como litigante de má-fé da ora Apelante, invocando comportamento processual da parte em sede de interposição de recurso, é manifesta a improcedência da pretensão da Embargada em face da total procedência do recurso daquela. VII-DECISÃO Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em: -Não admitir o recurso independente ou subordinado interposto pela Embargante C…. -Julgar totalmente procedente o recurso interposto pela Embargada/apelante, alterando-se a sentença quanto á matéria de facto, em consonância com o supra exposto e revogando-se a sentença proferida, devendo a execução prosseguir os seus ulteriores e normais termos. -Julgar improcedentes as questões suscitadas pela Apelada em sede de ampliação do objeto do recurso. -Jugar improcedente o pedido de condenação da Apelante como litigante de má-fé na interposição do recurso. Custas do recurso da embargante pela própria e custas do recurso da embargada pela embargante, por ter decaído (art. 527º nº 1 do CPC). Porto, 14 de setembro de 2021. Alexandra Pelayo Fernando Vilares Ferreira Maria Eiró _____________ [1] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed, pg. 87. [2] No acórdão do STJ de 30.3.2017 (Relator Abrantes Geraldes), disponível in www.dgsi.pt. [3] in A Ação Executiva, Coimbra Editora, 1993, pg. 162. [4] ibidem, pg 164. [5] J. P. Remédios Marques, Curso de Processo Executivo Comum, 151. [6] Relatora Ana Paula Amorim, acórdão disponível in www.dgsi.pt. [7] In A Ação Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013, pag. 278. [8] O facto c) constante da sentença tem a seguinte redação ipisis verbis: “Que a embargante;” [9] In Compra e Venda, 203, citado por Abílio Neto, Código Civil anotado, 14º edição, em anotação ao artigo 927º. [10] Ver neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela in CC anotado, vol II, 3º edição, pg. 227. [11] Da Cessação do Contrato, 217, 3ª edição, Almedina, Pg 263. [12] Loc citado. [13] Ob citada, pg. 686. [14] Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol II, 2ª ed.pg. 29. [15] Na carta manuscrita por esta, junta aos autos a fls. 133, a embargante dirige-se àquele, expressamente afirma “venho mais uma vez pedir desculpa e suplicar que tenha mais um pouco de paciência (…)” [16] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 143. [17] É o seguinte o teor do art. 58º da petição de embargos: “O embuste e o engenho fraudulento é clamoroso e, lesa os princípios da ética, dos bons costumes, e, da boa-fé, sendo todos os documentos que junta, uma armadilha que vem grassando na sociedade portuguesa através de um esquema fraudulento a que se deve pôr cobro pois que pululam por cá anúncios, quer na imprensa, quer na internet, de uma forma á maneira do bom samaritano publicitam: Precisa de dinheiro? Tem imóvel? Temos solução, contacte-nos” |