Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
528/23.4T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: MANDATO FORENSE
REVELIA DO RÉU
Nº do Documento: RP20240111528/23.4T8VNG.P1
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No caso em que o mandato forense é conferido num procedimento cautelar preliminar a ação declarativa que correu termos autonomamente, posteriormente apensado àquela, é de considerar nos termos do disposto no artigo 44º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a extensão do referido mandato para representação da parte, na ação principal, aos respetivos incidentes e apensos.
II - A notificação a efetuar nos termos do artigo 567º, nº 2, do C.P.C., após se verificar a situação de revelia do réu e se considerarem confessados os factos articulados pelo autor, para os efeitos previstos na citada norma, só se aplica ao réu, não contestante, no caso deste estar representado por advogado constituído no processo,.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 528/23.4T8VNG.P1



SUMÁRIO (ARTIGO 663º Nº 7 DO Código de Processo Civil)


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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


A..., Lda, demandou B..., Unipessoal, Limitada, ambas com os sinais dos autos requerendo:
a) Que seja declarado e reconhecido que a Autora é a única dona e legítima proprietária da fração autónoma identificada pela letra “U”, que corresponde a uma habitação do tipo T4 simplex, no piso 1, do Bloco B, identificada por B.1.5, com aparcamento e arrumos identificados pela letra U, ambos no piso -1, do prédio urbano sito no ..., n.ºs ..., da freguesia ... (...), concelho de Vila Nova de Gaia, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ... e um daquela freguesia e inscrita na respetiva matriz urbana sob o artigo ...31 da união de freguesias ... e ..., Vila Nova de Gaia;
b) Que seja reconhecida e declarada e judicialmente a falsidade da procuração e do respetivo termo de autenticação com base nos quais foi lavrada a escritura pública de compra e venda em 18 de novembro de 2021, no Cartório Notarial do Dr. AA, na Maia, exarada a folhas cinquenta e dois a cinquenta e quatro do Livro de Notas para Escrituras Diversas número ... em uso naquele Cartório;
c) Que seja reconhecida e declarada e judicialmente a nulidade do negócio jurídico titulado pela escritura identificada em b), e bem como a nulidade da própria escritura Pública, que deve ser declarada de nenhum efeito;
d) Que seja ordenado o cancelamento do registo da apresentação n.º ...58 de 2021/11/19 que incide sobre a fração autónoma representada pela letra “U”, que corresponde a uma habitação do tipo T4 simplex, no piso 1, do Bloco B, identificada por B.1.5, com aparcamento e arrumos identificados pela letra U, ambos no piso -1, do prédio urbano sito no ..., n.ºs ..., da entretanto extinta freguesia ... (...), concelho de Vila Nova de Gaia, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ... e um daquela freguesia e inscrita na respetiva matriz urbana sob o artigo ...31 da união de freguesias ... e ..., Vila Nova de Gaia;
e) A condenação da Ré na entrega à Autora do referido imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens que não sejam da propriedade da Autora, em bom estado de conservação e em perfeitas condições;
f) A condenação da Ré no pagamento da quantia correspondente ao valor locativo do imóvel, durante o período da sua ocupação desde dezembro de 2021 até 16.01.2023, ou seja, pelo menos €48.750,00; g) A condenação da Ré no pagamento à Autora das quantias vincendas desde 16.01.2023 até à efetiva restituição do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, pelo valor locativo mensal mínimo de €3.750,00;
h) A condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de €50,00 por cada dia que decorra até à sua efetiva desocupação e entrega à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória;
i) A condenação da Ré a abster-se da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte da Autora do imóvel já identificado;
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A Recorrida apresentou contra a Recorrente um procedimento cautelar especificado de arrolamento, que correu termos sob o n.º 1587/22.2T8VNG, no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 2, Tribunal da Comarca do Porto.
No âmbito do referido processo, a Recorrente constituiu mandatária a Sr.ª Dr.ª BB.
No dia 17.01.2023, a Recorrida procedeu à apresentação da petição inicial, que originou os presentes autos, aos quais, foi apensado o prévio procedimento cautelar.
A Ré foi citada nos termos do disposto no artigo 246º do Código de Processo Civil em 7.02.2023.

Em 17.04.2023 a ré remeteu email ao processo a informar que requereu proteção jurídica na modalidade de nomeação de patrono e de dispensa e pagamento de taxa de justiça e demais encargos. Em 20-06-2023 o ISS informou os autos do ofício remetido à Ré, em 26/05/2023, informando da “intenção destes serviços indeferir o seu pedido pelos fundamentos supra expostos, fica V. Ex.ª notificada, nos termos do disposto nos artigos nº 117º, 118º e 119º do Código do Procedimento Administrativo, ex vi art.º 37.º da Lei n.º 34/04 de 29 de julho, e 14º e 15º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto, para no prazo de 10 dias úteis proceder à junção de documentos (…) A falta de resposta, por qualquer meio, ao solicitado, implica o indeferimento do pedido de proteção jurídica, e ocorrendo o indeferimento no 1.º dia útil seguinte ao do termo do prazo de resposta, com imediata comunicação ao Tribunal onde se encontre pendente a ação judicial (se for o caso), não se procedendo a qualquer outra notificação, nos termos do disposto no n.º 4, do art. 8º-B e art. 23º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto e do art. 91º n.º 1 a 3 do Código do Procedimento Administrativo (…)”.
Por ofício de 26-09-2023, o ISS informou os autos que o pedido de apoio foi objeto de uma proposta de decisão (Audiência Prévia) de indeferimento, cuja notificação para o requerente seguiu por correio registado em 31-05-2023.
A falta de resposta, por qualquer meio, ao solicitado, implicou a conversão da proposta de decisão em decisão definitiva (indeferimento), e ocorrendo tal no 1.º dia útil seguinte ao do termo do prazo de resposta. (…) Assim, decorrido o prazo legal de que dispunha para responder ao que lhe era solicitado, o requerente nada disse, pelo como expressamente refere o nosso ofício, foi o seu pedido considerado indeferido.
Sequentemente foi proferido despacho que declarou regularmente citada a Ré e em face da ausência de contestação nos termos do disposto no artigo 567º, n.º 1, do Código de Processo Civil, declarou os factos articulados pela Autora confessados.
Este despacho foi notificado à mandatária da Autora e à mandatária da Ré constituída no apenso de procedimento cautelar, prévio à presente ação.
A Autora veio alegar.

A Mandatária da Ré, constituída para o procedimento cautelar, em 13/10/2023, em face daquela notificação, apresentou requerimento informando que não representa a Ré nos presentes autos.
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Seguidamente foi proferido despacho judicial com o seguinte teor: “Nos termos do disposto no art. 44º n.º 1 do C.P.C., o mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo principal e seus incidentes.
Assim, tendo a procuração forense sido junta ao procedimento cautelar e não tendo sido revogada, nem existindo renuncia, mantém os seus efeitos.
Caso o apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, tivesse sido concedido, o tribunal teria que convidar a parte para esclarecer se revogava a procuração. Não o tendo sido, considera-se que nada há a determinar. Pelo que, mantem-se a representação da parte conferida pelo mandato forense, materializada na respetiva procuração”.
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SEGUIU-SE A SENTENÇA QUE JULGOU A AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.

Veio a Ré, representada por novo mandatário, juntar requerimento nos autos, a arguir a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, por alegadamente:
1- A mandatária notificada no processo não estar constituída, tendo o seu mandato sido restrito apenas para o procedimento cautelar, pelo que, foi irregular a sua notificação para os efeitos do artigo 567º/2 do Código de Processo Civil.
2- Consequentemente, o Tribunal teria que notificar a Ré para a constituição obrigatória de Advogado, concedendo prazo concreto para o efeito, sob pena de ficar sem efeito a defesa, conforme aconteceu nos presentes autos.
3- Que o Tribunal considerou que o pedido de apoio judiciário requerido pela Ré foi indeferido, tendo por base o ofício remetido pelo Instituto da Segurança Social, datado de 26/09/2023, referindo que o requerimento de apoio judiciário foi objeto de uma proposta de indeferimento, cuja notificação para a Requerente seguiu por correio registado em 31/05/2023, tendo a falta de resposta implicado a conversão da proposta de decisão em definitiva (indeferimento).
4- Não ter sido determinadas oficiosamente diligências destinadas a apurar se as notificações a que alude o ofício do ISS ocorram efetivamente uma vez que este oficio não vem acompanhado de documento comprovativo de que tais notificações se efetuaram efetivamente, como efetivamente aconteceu dado que não foi notificada de qualquer decisão/oficio.
Este requerimento foi indeferido por despacho com os seguintes fundamentos: “Quanto à questão da extensão do mandato forense à ação principal, mostra-se a questão decidida pelo despacho proferido em 13.10.2023, pelo que, estando o poder jurisdicional esgotado, nada mais há a determinar.
No mais, considerando que a Ré foi regularmente citada, que se relevou a interrupção do prazo para a apresentação da contestação com a demonstração do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono formulado junto do I.S.S., I.P. para, caso fosse deferido, daí se extraírem consequências, que reiniciado o prazo em causa, na sequência do indeferimento do requerido apoio judiciário, o mesmo decorreu sem que fosse apresentada a contestação, limitando-se o tribunal a aplicar a lei perante a revelia, afigura-se-nos que não foi cometida qualquer nulidade”.
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A RÉ APELOU DA SENTENÇA TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:

A Recorrida apresentou contra a Recorrente um procedimento cautelar especificado de arrolamento, que correu termos sob o n.º 1587/22.2T8VNG, no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 2, Tribunal da Comarca do Porto.
B. No âmbito do referido processo, a Recorrente constituiu enquanto sua mandatária a Sr.ª Dr.ª BB.
(…)
D. No dia 13.10.2023, o Tribunal, a quo, proferiu despacho no sentido de se estender o mandato conferido no âmbito do procedimento cautelar aos presentes autos, encontrando-se a Recorrente devidamente representada.
E. No mesmo sentido, foi proferida a sentença recorrida, referindo que a ora Recorrente, regularmente citada, não contestou nem deduziu oposição.
F. Todavia, a Recorrente não apresentou contestação porquanto não se encontrava em curso o prazo para o efeito dado que, o referido prazo se interrompeu por força da apresentação de um pedido de apoio judiciário.
G. No dia, 07.02.2023, o distribuidor do serviço postal procedeu ao depósito da citação da recorrente, portanto, ao prazo de defesa acresceria a dilação de 30 (trinta) dias.
H. Ora, no dia 17.04.2023, a Recorrente apresentou um pedido de apoio judiciário (…), bem como de nomeação e pagamento da compensação de patrono.
I. O Tribunal a quo considerou que a mandatária constituída no âmbito do procedimento cautelar findo tinha poderes de representação no âmbito do processo principal posteriormente apresentado.
J. O que não pode deixar de se entender como um manifesto enviesamento da interpretação da lei, designadamente do artigo 44.º, n.º 1, do CPC, que refere especificamente os poderes do mandatário no processo principal e respetivos incidentes,
L. Ademais, a Sr.ª Dr.ª BB, ao ter conhecimento da interpretação feita pelo Tribunal a quo ao referido artigo, procedeu à junção de um requerimento em que dá indicação de não ser mandatária nos presentes autos.
M. Nessa sequência, o Tribunal a quo interrompeu o prazo para apresentação de contestação até ser constituído mandatário nos presentes autos, conforme disposto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei 34/2004.
N. Todavia, em momento posterior o Tribunal a quo, proferiu o despacho recorrido e, nessa sequência, a sentença de que se recorre, considerando a Recorrente não contestante regularmente citada para o efeito.
O. Ora, conforme vindos de expor, a Sr.ª Dr.ª BB apenas representou a Recorrente no âmbito do procedimento cautelar.
Q. Portanto, considerar que o mandato conferido no âmbito de um procedimento cautelar prévio à apresentação da ação é extensível à ação principal proposta em momento posterior não se afigura concebível à luz do princípio da livre escolha de mandatário.
S. Posto isto, é evidente que a Recorrente não foi notificada para a constituição de mandatário e, tratando- se de uma causa em que existe a obrigatoriedade de representação, o mesmo será dizer que todos os atos praticados se encontram feridos de nulidade, incluindo a sentença proferida.
T. Nestes termos, não poderia ter sido proferida sentença sem ser exercido o direito ao contraditório em sede de contestação pela Recorrente, pelo que, desde já se requer que seja concedido prazo para que a Recorrente possa apresentar a sua defesa nos presentes autos.
Sem prescindir nem conceder, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona,

U. O Tribunal a quo considerou, que o pedido de apoio judiciário fora indeferido em virtude da apresentação, por parte do Instituto da Segurança Social, de uma proposta de indeferimento.
V.A Recorrente nunca foi notificada da proposta de indeferimento, nem o Instituto da Segurança Social juntou aos autos prova de que a notificação foi efetivamente enviada e entregue.
W. Aliás, a falta de resposta à proposta de indeferimento vem exatamente demonstrar que a Recorrente não teve conhecimento da mesma, uma vez que era a maior interessada em tentar assegurar o pedido de apoio judiciário por si formulado.
X. Conforme resulta do artigo 411.º, do CPC, considerando-se imprescindível o conhecimento de uma proposta de indeferimento, deveria o Tribunal a quo, ao abrigo do princípio de gestão processual consagrado no artigo 6.º, do CPC, ter notificado o Instituto da Segurança Social para que viesse juntar o n.º de registo da notificação enviada por correio registado no dia 31.05.2023 ou ordenar quaisquer diligências de prova nesse sentido.
Y. Em face do exposto, é evidente que foram tomadas decisões contraditórias numa tentativa clara de considerar a ora Recorrente regularmente citada e representada, quando não o foi na realidade.
Z.O mesmo será dizer que não se poderá aceitar que o Tribunal a quo, não poderia considerar interrompido o prazo em curso para apresentação de contestação em virtude do pedido de apoio judiciário formulado pela Recorrente, e em momento posterior considerar que a Recorrente tinha mandatária constituída por força do mandato conferido no âmbito do procedimento cautelar que correu termos de forma autónoma aos presentes autos.
AA. Por este motivo, deverá considerar-se a nulidade do despacho proferido e, consequentemente da sentença, devendo ser concedido prazo para apresentação da competente contestação aos factos vertidos na petição inicial.
Nestes termos, deverá considerar-se que a Recorrente não tinha mandatária associada com poderes de representação, devendo ser anulada a sentença e substituída por douto acórdão que conceda prazo para apresentação da competente contestação, assim se fazendo a costumada e necessária.
RESPONDEU A AUTORA A SUSTENTAR QUE:
(…)

Nada obsta ao mérito. OBJETO DO RECURSO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Em consonância e atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:

1.Saber se o mandato conferido no apenso cautelar não é extensivo ao processo principal e se a sentença é nula por violação do dever prévio de notificar a ré para constituir mandatário, sendo a causa de patrocínio obrigatório.
2.Saber se o Tribunal deveria ter diligenciado oficiosamente pelo apuramento dos factos informados no ofício do ISS de 26/09/2023


O MÉRITO DO RECURSO:


FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.


FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: 1
A extensão do mandato conferido no procedimento cautelar a este processo.

1.1 A sentença declarou extensivo aos presentes autos o mandato conferido no processo cautelar, nos termos do disposto no artigo 44º, nº1, do Código de Processo Civil.
Vem a Recorrente sustentar a inaplicabilidade aos autos, do disposto no artigo 44º, nº1, do Código de Processo Civil, uma vez que procedimento cautelar é prévio à ação.
VEJAMOS.

A posição da Recorrente não tem acolhimento legal.

Com efeito, de acordo com o artigo 44º, nº 1, do Código de Processo Civil, o mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes, mesmo em tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante. A extensão do mandato deve ser aferida pelo texto do instrumento que o confere, mas, genericamente, a simples junção aos autos implicará os poderes forenses atribuídos ao mandatário para representação em todos os atos e termos do processo, incluindo os respetivos incidentes. Note-se que “a referência aos incidentes do processo principal envolve também os processos que são tramitados por apenso” – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 76. Além disso, porquanto a procuração não cinge tais poderes a um concreto processo, a concessão de “poderes forenses” permite a sua utilização em mais de um processo – cf. art. 45º, n.º 1 do CPC; cf. J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pp. 98-99.
Na verdade, ainda que o art. 44º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aluda expressamente à extensão do mandato conferido para representação da parte na ação principal aos respetivos incidentes e apensos, não se pode deixar de considerar aplicável idêntica abrangência quando aquele haja sido conferido inicialmente num procedimento cautelar preliminar que correu termos autonomamente mas foi posteriormente apensado à ação principal de que é dependência – cf. neste sentido, ao que se depreende, o acórdão deste Tribunal da Relação de 2/12/2013 (DOMINGOS FERNANDES) 654/12.5TJPRT.P1, acessível na dgsi.pt.
O artigo 44º não estabelece qualquer ordem na extensão do mandato conferido nos diversos incidentes/procedimentos cautelares ao processo principal, sendo que a sua interpretação deve fazer-se como aliás vem decidido no acórdão do TRL de 24-09-2019 (MICAELA SOUSA) 6113/18.5T8ALM.L1.L1-7, in dgsi, que aqui seguimos de perto, no sentido de que: « II(…)o mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes, no que se consideram abrangidos os apensos, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante. III– A referida extensão do mandato verifica-se ainda quando aquele haja sido conferido inicialmente num procedimento cautelar preliminar, que correu termos autonomamente, mas foi posteriormente apensado à ação principal de que é dependência».
Vale isto por dizer que a Ré estava patrocinada nos autos por mandatário judicial por força da extensão à ação do mandato conferido no procedimento cautelar, sendo que mesmo face à declaração da mandatária de 13/10/2023, que incorpora uma renuncia, este mandato apenas terá caducado com a junção de nova procuração ( cfra artigo 47º /1, 2 e 3 do Código de Processo Civil).

1.2
Prosseguindo, quanto ao alegado dever de notificar a ré para constituir advogado.

Ainda que assim não fosse, há que reafirmar que em qualquer caso a constituição obrigatória de advogado, nas causas que o artigo 40º do C.P.C. identifica, apenas significa que as partes não podem pleitear por si nessas ações, pois só o podem fazer por intermédio de advogado, ou seja, os articulados, os recursos e os requerimentos em que se levantem questões de direito não podem ser subscritos pelas partes, mas apenas por advogados, e a intervenção nas diligências, designadamente, na audiência de julgamento, tem de ser levada a cabo também por advogado.
Portanto, no caso de a parte passiva, querendo intervir no processo, tem de o fazer representada por advogado, não pode fazê-lo por si só.
Mas isso não significa que tenha de ter um advogado a representá-la, se não quer intervir no processo, constitui-se em situação de revelia absoluta.
Mesmo que se não considerasse regularizado o mandato no processo e considerou-se e, bem, como se fez notar, não tinha o tribunal que tomar quaisquer providências quanto à constituição de advogado por parte da R., até porque não se estava perante qualquer das situações previstas no artigo 41º do C.P.C., que respeitam à intervenção da parte no processo sem estar representada por advogado.

1.3
Efetivamente, nos termos do art. 567º, nº 2, do C.P.C., após se verificar a situação de revelia do réu e se considerarem confessados os factos articulados pelo autor, é concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito.
Esta referência ao mandatário do réu respeita aos casos em que o réu, não obstante não ter contestado, juntou procuração a mandatário judicial no prazo da contestação (cfr. nº 1 do mesmo artigo), tendo, pois, advogado constituído nos autos.
Obviamente, que se o réu não estiver representado por advogado no processo não há lugar à sua notificação, porque não há mandatário e porque esta específica notificação não se destina à própria parte (como já se disse anteriormente, o réu revel só tem de ser notificado da decisão final).
Na verdade, “como tais alegações de direito têm de ser redigidas e subscritas pelos advogados das partes (art.º 40.º, n.º 2), o réu não contestante só pode produzir alegações se tiver constituído mandatário. Se assim não acontecer, apenas o autor pode alegar” (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3ª ed., Almedina, pág. 681; no mesmo sentido, o Ac. da R.L. de 30/03/2023 já aludido).
Portanto, se a ré não tivesse advogado a representá-la à data em que foi proferido o despacho previsto no artigo 567º/2 do C.P.C., apenas havia que notificar a mandatária da A., o que foi feito, não tendo sido preterida qualquer formalidade. (neste sentido acórdão deste tribunal de 12.10.2023, ISABEL FERREIRA, processo 11137/22.5T8PRT.P1, in dgsi, no qual, a ora Relatora, foi 2ª adjunta).
2. 2.1
Os efeitos da apresentação do requerimento de proteção jurídica na modalidade de nomeação de patrono.
Conforme o que acima se referiu e, uma vez que o mandato não cessou por qualquer uma das causas legais admissíveis, o pedido de nomeação de patrono apresentado na ISS em 17.04.2023 não teve qualquer interferência na marcha do processo.
Daí a irrelevância dos efeitos da junção ao processo do requerimento apresentado no ISS requerendo a nomeação de patrono e da informação proveniente do ISS a informar que o pedido foi indeferido, ficando assim prejudicada a posição do apelante no sentido de que deveriam ter sido efetuadas diligencias destinadas a apurar os factos informados no requerimento de 26/09/2023 do ISS.
Com efeito, relembramos que nos termos do art. 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29/07, na redação conferida pela Lei nº 47/2007, de 28/08, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, salvo, se, o pedido de nomeação de patrono ocorre quando o requerente tem mandatário constituído em que não há lugar à interrupção do prazo em curso.
No sentido de que não gozará da interrupção da instância (Ac. RP. 13/09/2011; Ac. RP. 8/09/2020; Ac. RC. 1/10/2013; AC 25/06/2019; Ac. RE.22/10/2015 apud Ac. do TRG de 15-06-2021 (ESPINHEIRA BALTAR) 18750/20.3YIPRT-A.G, in dgsi.

2.2
Em 28-09-2023, foi proferido despacho judicial a declarar confessados os factos articulados na petição, por decurso do prazo da contestação o que se mostra de acordo com a regular tramitação dos autos.
Não tinha obviamente o tribunal em tal caso que efetuar quaisquer diligências destinadas a apurar os factos comunicados no ofício do ISS de 26-09-2023 (informação do ISS de que o pedido de apoio judiciário foi indeferido, indeferimento que ocorreu no 1º dia útil subsequente aos 10 dias uteis concedidos para juntar documentos por não cumprimento desta notificação).

É indefensável a posição do apelante. Seja porque não houve lugar à interrupção do prazo, seja porque mesmo no caso em que ocorre esta interrupção não compete ao tribunal indagar sobre a não existência de uma notificação administrativa que se presume efetuada nos termos do disposto no artigo artigo 113.º, n.ºs 1 e 2 do CPA, do que resulta que caberia ao recorrente vir ilidir esta presunção de que foi notificado.

Acresce que, como se acentua no Ac. da R.G. de 23/05/2019 (MARIA CONCEIÇÃO SAMPAIO) 1345/18.9T8CHV-A.G1, in dgsi “o exercício do dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e justa composição do litígio, não comporta uma amplitude tal que o autorizem a colidir quer com o princípio da legalidade e da tipicidade que comanda toda a tramitação processual, quer com outros princípios fundamentais como o do dispositivo, da autorresponsabilidade das partes e o da preclusão, importando este que, ao longo do processo, as partes estão sujeitas, entre outros ónus, ao de praticar os atos dentro de determinados prazos perentórios” (no mesmo sentido O Ac. da R.G. de 19/11/2020, (JORGE TEIXEIRA) 26/12.1TBAFE-C.G1 in .dgsi.pt).

Um tal entendimento conflituaria com o princípio da autorresponsabilidade das partes, que, apesar da mitigação decorrente das várias alterações legislativas ao processo civil, se mantém válido e operante. Logo também aqui carece de razão o recurso.

Não é de acolher pois o recurso.

SEGUE DELIBERAÇÃO.
NÃO PROVIDO O RECURSO. MANTÉM-SE A SENTENÇA APELADA.

Custas pela Recorrente


Porto, 11.01.2024
Isoleta de Almeida Costa
Paulo Dias da Silva
Isabel Peixoto Pereira