Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1325/17.1T9PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: PERDA DE OBJECTOS
PERDA DE VANTAGENS
CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA
SEGURANÇA SOCIAL
INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Nº do Documento: RP201904301325/17.1T9PRD.P1
Data do Acordão: 04/30/2019
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º20/2019, FLS.61-67)
Área Temática: .
Sumário: I - O regime jurídico da perda de vantagens não justifica que sejam declaradas perdidas a favor do Estado vantagens que efetivamente não existiram, nem justifica declarações de perda meramente intimidatórias e sem utilidade prática.
II - Nos casos em que o arguido age em representação de uma sociedade, é esta quem adquire a vantagem resultante do não pagamento dos impostos e não o seu representante.
III - Só existe vantagem quando o agente vê o seu património aumentado para além, e na medida do excesso, do valor não entregue à Segurança Social e não abrangido pela condenação no pedido de indemnização civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal n º 1325/17.1T9PRD.P1
1ª Secção Criminal
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório

1.1. O Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, Juízo Local Criminal de Paços de Ferreira, recorreu para este Tribunal da Relação do Porto da sentença proferida nos autos acima referenciados que, além do mais, absolveu os arguidos da perda de vantagem patrimonial requerida pelo MP em sede de acusação, no montante global de €4.976,59. Formulou, para o efeito, as seguintes conclusões (transcrição):

1ª Como se sumaria no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.10.2017, disponível em www.dgsi.pt, “Tenha ou não deduzido pedido civil, tenha ou não a Autoridade Tributária entendido que dispõe de meios suficientes para a cobrança coerciva do imposto devido, há lugar, nos termos do artigo 111.º do Código Penal, num crime de burla tributária (ou em qualquer outro tipo de crime de natureza fiscal ou de abuso de confiança contra a Segurança Social, acrescentamos nós), ao decretamento de perda de vantagens obtidas com a prática do crime”.

2.ª Ao indeferir, na sentença recorrida, a requerida perda de vantagem patrimonial, a Mma. Juiz a quo, violou o disposto no artigo 111.º, n.º 2, do Código Penal, por interpretação de que este artigo no sentido de que a perda da vantagem patrimonial a favor do Estado, apenas existe se o Instituto da Segurança Social não tiver deduzido pedido de indemnização nos autos.

3.ª Tal decisão deve ser revogada e substituída por outra que defira a pretensão do Ministério Público da perda de vantagem patrimonial, obtida com a prática do crime em questão, no valor de €4.976,59, realçando-se, para a devida transparência das consequências jurídicas da decisão a proferir, que o Estado não poderá, em caso algum, obter o duplo pagamento das quantia em causa, devendo, igualmente, ser ressalvado, que o pagamento a ser determinado no âmbito dos presentes autos não prejudicará eventuais créditos financeiros da ofendida que ultrapassem esse valor e, ainda, que deverá ser reduzido o montante de eventuais pagamentos por conta da dívida que os arguidos já tiverem realizado à ofendida.

4.ª Nestes termos e nos mais de direito aplicável, que vossas excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão da Mma. Juiz de Direito que indefere o pedido de perda da vantagem patrimonial obtida com a prática do crime em questão, no valor de €261.796,46 e substituída por outra que defira o requerido pedido, assim se fazendo justiça.”

1.2. A este recurso ninguém respondeu.
1.3. O Exmo Procurador - geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e, transcrevendo um outro parecer, concluiu:
“ (…)
(1) A pendência de mecanismos fiscais de recuperação das vantagens da prática do crime de abuso de confiança fiscal não impede que na sentença seja declarado o perdimento do valor dessas mesmas vantagens, assim fazendo ver à comunidade que o crime não compensa;
(2) O valor declarativo dessa sentença não deve ser confundido com a possibilidade da sua execução futura;
(3) Para efeitos de prevenção geral e prevenção especial a sentença deverá – sem prejuízo dos direitos de terceiro, declarar a perda das vantagens decorrentes da prática do crime, assim demonstrando que ele não compensa.
(…)
1.4. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2 do CPP.
1.5. Colhidos os vistos legais foi o processo foi submetido à conferência, tendo o relator original ficado vencido.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto (transcrição):
“ (…)
“Factos Provados
Da discussão da causa, com interesse, resultaram provados os seguintes factos:
1. A sociedade “B…, Lda.” foi constituída a ...03.2002 e está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Paços de Ferreira com o NIPC nº ………..
2. A sociedade arguida tem por objeto social o comércio de vestuário.
3. A sociedade arguida tem a sua sede e instalações na Rua …, n.º … em …, no concelho de Paços de Ferreira, sendo aí que desenvolve a sua atividade comercial.
4. O arguido C… foi designado gerente da sociedade arguida em 21.11.2007.
5. Desde então e até ao presente momento é este arguido quem representa legalmente a sociedade e atua em seu nome, interesse e pratica todos os atos necessários à démarche da mesma.
6. É o arguido C… que decide dos destinos da sociedade, designadamente compra matérias - primas, contrata com clientes e fornecedores, procede à contratação e despedimento de trabalhadores, bem como decidem da afetação dos recursos financeiros da sociedade e, nessa medida, procede aos pagamentos inerentes ao exercício da atividade comercial da sociedade arguida, recebendo pagamentos de clientes, bem assim como efetuam o pagamento dos ordenados dos trabalhadores.
7. O arguido é ainda responsável pela gestão dos pagamentos aos credores, nomeadamente o pagamento ao Estado dos impostos apurados resultantes da referida atividade e dos impostos deduzidos nos rendimentos dos trabalhadores e quotizações deduzidas nessas remunerações e devidas à Segurança Social.
8. O arguido procede ou manda proceder aos descontos das quotizações devidas à Segurança Social nos salários pagos aos seus trabalhadores que devia entregar à Segurança Social entre os dias 10 e 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam.
9. A partir do mês de Janeiro de 2012, o arguido decidiu, enquanto gerente de facto e de direito da sociedade arguida, que sempre que pudesse, passaria a efetuar os descontos das quotizações devidas à Segurança Social nas remunerações dos seus trabalhadores (à taxa de 11%) e não entregariam tais montantes à Segurança Social, afetando esses valores ao pagamento de outras dívidas ou integrando essas quantias no seu património ou no património da sociedade.
10. Como tal situação não foi detetada pelos serviços da Segurança Social competentes, o arguido passou em cada um dos meses e períodos seguintes, sempre na qualidade de gerente, de facto e de direito, da arguida sociedade, a formular idêntico propósito.
11. A descrita atuação foi facilitada pelo facto de não haver fiscalização atempada por parte dos serviços da Segurança Social.
12. Desde de janeiro de 2012 a abril de 2012 e junho de 2012 a março de 2013 (inclusive), o arguido pagou os montantes referentes aos salários dos seus trabalhadores, respeitantes a esses períodos de tempo, e procedeu aos descontos das quotizações devidas à Segurança Social nessas mesmas remunerações que pagou.
13. Não obstante, e relativamente àqueles períodos temporais, o arguido – por si e na qualidade de representante legal da sociedade arguida “B…, Lda.” – não entregou os valores deduzidos daquelas remunerações, a título de quotizações devidas à Segurança Social nos prazos legalmente estipulados, isto é, entre os dias 10 e 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam.
14. As quotizações retidas nas remunerações supra aludidas, totalizam o montante global de €4.976,59 (quatro mil novecentos e setenta e seis euros e cinquenta e nove cêntimos), descriminados da seguinte forma:

(Quadro de valores devidos, documentados, e não entregues à Segurança Social)
Mês de referência Total de Remuneraçoes/ Taxas/ Contribuições Ent. Patronal/ Cotizações trabalhador/ Total (Montante Declarado) / Cotizações Trabalhador/ Total (Montante Pago) Total da Conta Corrente/ Cotizações Trabalhador (Saldo em dívida)
………………………………………………………………………………
………………………………………………………………………………
………………………………………………………………………………
15. Estes montantes foram retidos pelo arguido na sua totalidade.
16. O arguido reverteu e despendeu de tais quantias em proveito da sociedade por si gerida, enriquecendo o património social, na exata medida em que prejudicou a Segurança Social, pelo menos, em valor equivalente.
17. De facto, desde janeiro de 2012, inclusive, o arguido decidiu reter as quantias acima referidas, pese embora as tenha retirado previamente aos seus trabalhadores a título de quotizações devidas à Segurança Social.
18. O arguido atuou aproveitando a oportunidade favorável à prática da factualidade descrita, dado que após a prática dos primeiros factos, a sociedade por si gerida não foi alvo de fiscalização ou penalização, tendo assim verificado que persistiriam as possibilidades de repetir a sua atividade delituosa.
19. A entrega dos montantes apurados, devidos a título de quotizações não ocorreu no prazo legal, nem no prazo de 90 dias contados do termo desse prazo, nem ainda no prazo de 30 dias contados da notificação pessoal para pagamento voluntário, que ao arguido foi efetuada em 18.09.2017, encontrando-se em dívida o montante global de €4.976,59 (quatro mil novecentos e setenta e seis euros e cinquenta e nove cêntimos).
20. Com as condutas descritas, atuou o arguido de forma voluntária, livre e conscientemente, de modo reiterado, com o propósito deliberado de não entregar as mencionadas quantias à Segurança Social, o que logrou concretizar, não obstante saber que essas condutas constituíam violação da obrigação legal a que a sociedade arguida que por si era gerida estava adstrita.
21. Sabia ainda que as suas condutas eram proibidas e punida por lei, beneficiando da circunstância da Segurança Social não ter atuado atempada e eficazmente sobre situações semelhantes.
22. O arguido C… foi condenado por sentença proferida em 11.03.2014, transitada em julgado no dia 1.04.2014, no processo comum singular n.º1421/12.1TASTS, do extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, pela prática em 28.07.2012, de um crime de falsificação ou contrafação de documento, na pena de 200 dias de multa, declarada extinta pelo cumprimento em 26.12.2014.
23. A sociedade arguida não tem antecedentes criminais.
24. O arguido C… foi declarado insolvente no ano de 2017, tendo sido proferido despacho liminar de exoneração do passivo restante, está desempregado, reside em casa dos seus pais, que provêm pela sua subsistência; tem dois filhos menores que residem com a sua ex-mulher; é licenciado em economia.
25. A sociedade arguida está inativa desde 2012.
Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa resultaram não provados:
i.) O arguido C… fez reverter e despender as quantias retidas aos trabalhadores em proveito próprio, enriquecendo o seu património.”
Indicação, valoração e análise crítica da prova
(…) ”
2.2. Matéria de direito
2.2.1. Decisão recorrida.
O presente recurso tem como objecto a sentença que, além de ter condenado os arguidos C… e “B…, Lda” pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 107º, 1 e 2 e 105º 2 e 4 do RGIT, em conjugação com os artigos 26º, 30º, 2 e 79º do C. Penal, absolveu os mesmos da perda de vantagem patrimonial requerida pelo Ministério Púbico em sede de acusação.
A decisão recorrida, nessa parte, é do seguinte teor (transcrição):
(…)
“e) O Ministério Público, no mesmo despacho que deduziu acusação pública, veio requerer a perda da vantagem patrimonial nos termos do artigo 111°, n.ºs 2, 3 e 4 do Código Penal.
Após, o Instituto da Segurança Social, IP deduziu pedido de indemnização civil.
Cumpre apreciar.
Dispõe o artigo 111°, do Código Penal que: "1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico) para eles ou para outrem) é perdida a favor do Estado. 2 - São também perdidos a favor do Estado) sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas) direitos ou vantagens que) através do facto ilícito típico) tiverem sido adquiridos) para si ou para outrem) pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie. 3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transação ou troca com as coisas ou direitos diretamente conseguidos por meio do facto ilícito típico. 4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor".
Ora, como é sabido a perda de vantagens é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende uma condenação. Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes, "mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do ofendido” (4 In Comentário do Código Penal, pág. 315, em anotação ao art. 111.°).
Vertendo ao caso dos autos, cremos inexistir razões para condenar os arguidos na requerida perda de vantagens a favor do Estado, porquanto foi deduzido nos autos pedido de indemnização civil (não curando aqui de apreciar a sua procedência ou não).
De facto, a condenação destes arguidos nos termos pretendidos pelo Ministério Público poderia conduzir a uma dupla condenação.
Pelos motivos expostos e, porque o Instituto de Segurança Social, IP a perda de vantagem patrimonial requerida pelo Ministério Público terá que improceder.”
2.2.2. As teses em confronto.
No recurso para esta Relação, impugnando unicamente o segmento da sentença que indeferiu a requerida perda de vantagem patrimonial, o MP/recorrente cita, a propósito, um acórdão desta Relação que apreciou questão similar e decidiu no sentido de ser possível declarar a perda de vantagem patrimonial traduzida no equivalente ao valor do imposto não pago. No projecto de acórdão que não logrou vencimento, foi também citada jurisprudência e doutrina no sentido da posição sustentada pelo MP.
O Ex.º Procurador-geral Adjunto nesta Relação transcreveu mesmo um longo parecer onde essa posição foi também defendida e onde, em suma, se concluiu:
“ (…)
(1) A pendência de mecanismos fiscais de recuperação das vantagens da prática do crime de abuso de confiança fiscal não impede que na sentença seja declarado o perdimento do valor dessas mesmas vantagens, assim fazendo ver à comunidade que o crime não compensa;
(2) O valor declarativo dessa sentença não deve ser confundido com a possibilidade da sua execução futura;
(3) Para efeitos de prevenção geral e prevenção especial a sentença deverá – sem prejuízo dos direitos de terceiro, declarar a perda das vantagens decorrentes da prática do crime, assim demonstrando que ele não compensa.
(…)”
Paralelamente a esta posição, existe uma outra corrente jurisprudencial de que destacamos o Acórdão desta Relação, proferido no processo n.º 729/17.4IDPRT.P1, onde se sustenta, em suma, “ (…) não ser possível, no crime de abuso de confiança fiscal, pelas razões que deixamos expressas, fazer equivaler, sem mais, vantagem resultante da prática do crime ao valor do imposto não entregue na administração tributária. Quando prova existir de que o não pagamento do imposto gerou vantagens (lucros, benefícios, compensações) e apurado que esteja o valor dessas vantagens, ele será declarado perdido a favor do Estado, a não ser que (esse valor) tenha de ser atenuado equitativamente para que essa solução não redunde numa solução injusta ou demasiado severa”.
2.2.4. Análise dos fundamentos do recurso.
Expostas, em termos sintéticos, as posições jurisprudenciais em confronto sobre a questão, vejamos qual a melhor solução a seguir.
Antes de mais, importa no entanto sublinhar um lapso ocorrido na última conclusão do recurso do MP. Na verdade, refere-se ali a quantia de €261.796,46 como sendo a vantagem patrimonial obtida com a prática do crime em questão, quando tal valor é apenas de € 4.976,59 (quantia não entregue à Segurança Social).
Devemos ainda referir que apreciaremos o presente recurso tendo em atenção a norma jurídica aplicada (hoje revogada), isto é, o art. 111º do C. Penal. Com efeito, o regime actualmente em vigor não é mais favorável ao arguido e, nessa medida, deve ser aplicado o regime vigente na data da prática dos factos.

Relativamente à questão essencial, julgamos poder distinguir duas realidades diversas:
(i) por um lado, a realidade em que o arguido se apropria, ou não entrega ao Estado, determinada quantia, coisa, ou direito que lhe não pertence;
(ii) por outro lado, a realidade em que o arguido, com essa quantia, coisa ou direito que lhe não pertence, multiplica o seu património.
É para nós claro que todo o lucro ou benefício obtido à custa de coisa, direito ou quantia de que o agente de um facto ilícito se apropria, deve ser visto como uma vantagem que, nos termos do art. 111º do C. Penal, deve ser declarada perdida a favor do Estado. Dito de outro modo, e tendo presente a ilicitude fiscal, julgamos indiscutível que tudo o que ultrapassar o valor dos impostos não pagos - e nessa precisa medida - deve ser considerado como “vantagem patrimonial” a ser declarada perdida a favor do Estado.
Contudo, se não é discutível (é, a nosso ver, até trivial) que possam ser declaradas perdidas a favor do Estado todas as vantagens adquiridas pelo autor de um facto ilícito fiscal que excedam a quantia que não entregou ao Estado, já é discutível – e é essa a questão objecto deste recurso – saber se as quantias de que o arguido directamente se apropriou, ou não entregou à Segurança Social, também podem ser declaradas perdidas a favor do Estado, mesmo naqueles casos (como o presente) em que os arguidos foram condenados, na procedência do pedido de indemnização civil, a pagar à Segurança Social IP as mesmas quantias, acrescidas de juros de mora.

Delimitada assim a questão, vejamos em que termos a mesma deve ser enfrentada.

Como decorre dos acórdãos onde esta questão foi suscitada, notamos que todos eles estão de acordo quanto à razão de ser do art. 111º do C. Penal, qual seja, a de demonstrar que o crime não compensa. No parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, transcrito neste processo, as conclusões finais mostram que é essa a finalidade deste regime e, no essencial, também o seu grande argumento. Das três conclusões a que chega, o MP refere (em duas delas) a necessidade de demonstrar ao arguido e sociedade que o “crime não compensa”.

Na corrente contrária aceita-se que o regime existe para demonstrar que o crime não compensa, mas só deve declarar-se perdida uma vantagem que realmente tenha ocorrido, não bastando, para tal, a mera não entrega das quantias devidas ao Estado.

Concordamos que o regime da perda de vantagens tem como finalidade fazer ver à sociedade e fazer sentir ao condenado que “o crime não compensa”. Por isso, para além da perda dos bens, direitos ou coisas obtidas com a prática do facto ilícito, a lei penal hoje vai mais longe e permite a perda das vantagens adquiridas à custa dessas coisas ou direitos. Contudo, a nosso ver, o que resulta deste entendimento - e julgamos dever orientar a leitura do art. 111º do C.P – é que só haverá tal perda quando tenha efectivamente havido uma vantagem e, nessa medida, exista um mínimo de utilidade na declaração da sua perda a favor do Estado. Julgamos portanto que, adiantando desde já a conclusão, o regime jurídico da “perda de vantagens” previsto no art. 111º do C.P não justifica que sejam declaradas perdidas a favor do Estado vantagens que efectivamente não existiram, nem justifica declarações de perda de vantagens meramente intimidatórias e sem qualquer utilidade prática.

Vejamos estes aspectos com mais detalhe.

Em primeiro lugar, julgamos que a noção de “vantagem” a que alude o art. 111º do C.P tem o sentido de um incremento patrimonial efectivo, realidade que implica duas coisas: (i) a de que seja tomado em conta o património do agente do crime e (ii) a de que haja efectivamente um aumento desse património.

Deste modo, nos casos em que o arguido age em representação de uma sociedade, é esta quem adquire a vantagem resultante do não pagamento dos impostos e não o seu representante. Assim, mesmo na tese que não logrou vencimento, no caso de a sociedade ser também agente do crime (arguida), só relativamente a ela poderia ser declarada a perda. Com efeito, só as vantagens adquiridas pelo agente podem ser declaradas perdidas. No entanto, e como acima referimos, tendo em conta a noção de “vantagem” referida no art. 111º do C.P, isto é, encarada com o sentido de um incremento patrimonial efectivo, é ainda necessário que se verifique no património do agente o referido incremento patrimonial (a vantagem).
Assim, naqueles casos em que o agente vê o seu património incrementado apenas com o valor do imposto não pago e é condenado, a título de indemnização civil, a pagar esse montante ao Estado (Administração Tributária/Segurança Social), não existe qualquer vantagem. E não existe vantagem porque o seu património está afecto ao valor do correspondente direito de crédito.
Assim, e a nosso ver, quando a lei (art. 111º CP) fala em “vantagem”, está a reportar-se a um incremento patrimonial efectivo obtido pelo agente de um facto ilícito. De acordo com este entendimento, só existe vantagem quando o agente vê o seu património aumentado para além, e na medida do excesso, do valor não entregue à Segurança Social e não abrangido pela condenação no pedido de indemnização civil.

Por outro lado, a invocação do art. 130º do C.P - feita no acórdão citado pelo MP na motivação do recurso e longamente estudado no parecer para onde remete o Ex.º Procurador- geral-Adjunto nesta Relação - não traz rigorosamente nada de útil a esta discussão. Tal regime permite que o Estado, com o produto da venda dos bens declarados perdidos a seu favor, atribua ao lesado uma indemnização. Ora, permitir que o Estado indemnize o lesado com o produto da venda dos bens declarados perdidos a seu favor não é argumento concludente para justificar a aquisição, pelo Estado, de vantagens traduzidas precisamente no equivalente às quantias devidas ao lesado/Segurança Social.

Assim, julgamos que do art. 111º do C.P decorre a impossibilidade de se declararem perdidas a favor do Estado as quantias equivalentes às prestações não entregues à Segurança Social e, por maioria de razão, aquelas relativamente às quais tenha havido condenação no pedido de indemnização civil, fundamentalmente por duas razões: uma, assente na letra do preceito e outra, na inutilidade dessa declaração.

Quanto à primeira razão, diz-nos o citado artigo que são perdidos a favor do Estado, “sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridas”. Ora, a expressão “sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro quer dizer (segundo pensamos) que os direitos do ofendido ou de terceiro não podem eles mesmos ser declarados perdidos a favor do Estado.
Esta afirmação é evidente nos casos em que o arguido se apropria, por exemplo, de um livro. Esse livro deve ser entregue ao ofendido e não pode ser declarado perdido a favor do Estado. O direito de receber uma determinada quantia, dentro dos limites dessa mesma quantia, deve ter o mesmo regime. A Segurança Social é titular de um direito de crédito relativamente a uma obrigação. Esse direito de crédito não pode ser declarado perdido a favor do Estado, como é óbvio. Portanto, quando a lei quer impedir que a perda a favor do Estado prejudique o ofendido (ou terceiro), está a querer impedir que os seus direitos de crédito sejam declarados perdidos a favor do Estado. Daí que se o direito de crédito da Segurança Social não pode ser declarado perdido a favor do Estado, também não pode ser declarado perdido a favor do Estado o dever de cumprir essa obrigação. Assim, em termos literais, ou melhor dizendo, estruturais - pois temos em vista a estrutura da relação jurídica de onde emerge a alegada vantagem –, “sem prejuízo dos direitos do ofendido” significa que a obrigação tributária (por corresponder a um Direito do Estado ou da Segurança Social) não pode ser declarada perdida a favor do Estado. Chamar a essa obrigação uma “vantagem” é só mudar-lhe o nome, pois continua a ser uma obrigação cujo titular é, no caso, a Segurança Social. Sendo indiscutível que a quantia não entregue à Segurança Social é o objecto de uma obrigação cujo sujeito activo ou, dito de outro modo, cujo titular é o ofendido, a mesma não pode ser declarada perdida a favor do Estado, pois o artigo 111º, 2 do CP não permite que se declare perdido a favor do Estado um direito cujo titular seja o ofendido.

No caso de ter havido condenação em pedido de indemnização civil, a falta de previsão legal para se declarar a perda (da mesma quantia) a favor do Estado é ainda mais clara. A cumulação de títulos executivos (sentença condenando no pedido cível e liquidação do tributo devido) não é em si mesma ilegal, nem proibida pelo direito penal. Com efeito, obrigação tributária é devida por força da lei, isto é, pela verificação dos pressupostos de facto previstos na norma de incidência, e a indemnização civil, ainda que tenha a sua fonte no incumprimento daquela obrigação, tem um título jurídico diverso e pode ser superior, desde que desse incumprimento tenham advindo danos.
Todavia, e para o nosso caso, a existência de dois títulos jurídicos conferindo ao ofendido (I) o direito de exigir o cumprimento da obrigação tributária e (II) o direito de exigir o ressarcimento dos danos acrescidos, representa, sem sombra de dúvida, a existência de dois direitos de crédito pertencentes ao ofendido. Se estamos perante dois direitos de crédito cujo titular é o ofendido, parece que não pode o Tribunal declarar perdida a favor do Estado a obrigação/correspectivo jurídico desses direitos, com fundamento num artigo que manda precisamente salvaguardar os “direitos do ofendido ou de terceiro”.

Para além dos argumentos fundados na letra do art. 111º do CP, julgamos ainda que a perda a favor do Estado de “vantagens” traduzidas na falta de entrega de quantias devidas à Segurança Social, numa situação em que o arguido já foi condenado a pagar-lhe essa quantia a título de indemnização civil, não cabe nas finalidades e vai muito para além da necessidade de prevenção inerente ao regime do art. 111º do CP, precisamente por se traduzir na aquisição de mais um inútil titulo executivo.

É certo (e todos estamos de acordo neste ponto) que o art. 111º do C. Penal pretende evitar que o arguido enriqueça à custa do crime. Deve, portanto, evitar-se o sentimento geral de que o crime compensa, com repercussões efectivas na esfera patrimonial do condenado. Contudo, mesmo sendo acentuadamente preventiva-geral, essa finalidade não deve visar a “instrumentalização do condenado ao interesse geral ou à mera estabilização de ansiedades colectivas quanto à segurança” - FERNANDA PALMA, Direito Constitucional Penal, Almedina, 2006, pág. 126, a propósito da questão de saber se as finalidades meramente retributivas e de prevenção geral são constitucionais.
Entendemos também que não é possível uma leitura da finalidade preventiva do preceito ora em causa que vá para além do objectivo que se pretende alcançar e sem qualquer efeito prático. Devemos, isso sim, adequar o sentido da norma aos fins preventivos, mas sempre condicionados à necessidade, proporcionalidade e utilidade prática de toda a reacção penal – artigo 18º da Constituição da República Portuguesa.
Ora, é precisamente a clara e manifesta desnecessidade da perda de vantagens relativamente a uma obrigação que o arguido/condenado tem de prestar e para a qual já existem, no caso concreto, dois títulos executivos que evidencia não estar na finalidade do preceito (art. 111º) a intenção de se obter mais um (eventualmente inútil) terceiro título executivo.

Em termos de pura retribuição (reacção penal constrangedora), o agente tem de pagar a contribuição devida, porque a Segurança Social tem um título executivo; e tem ainda de pagar essa quantia, acrescida de juros de mora, por força da sentença que o condenou no pedido cível; ou seja, o agente já sente (duplamente) que o crime não compensa.
Em termos de justiça estritamente comutativa, o agente vê-se condenado a pagar um montante equivalente ao benefício obtido e, pelas razões expostas, não vê o seu património enriquecido; na verdade, se por um lado não entregou as quantias devidas, por outro, tem uma dívida de igual montante, acrescida dos juros de mora.
Em termos de plena reintegração do agente na situação em que se encontrava, antes da prática do crime, nada mais é necessário, pois o mesmo é obrigado, através de dois títulos, a pagar a quantia de que se apropriou, acrescida de juros de mora vencidos, até integral pagamento (no caso de condenação civil). Portanto, podemos concluir que o efeito preventivo (e até retributivo) da perda de vantagens não é, nestes casos, necessário.

Contudo, para além de não ser necessária a referida perda de vantagens, a mesma não tem qualquer utilidade prática. Aliás, o cuidado que tem a posição contrária, ao referir que o condenado não vai pagar duas vezes a mesma quantia só mostra, exuberantemente, a inutilidade de se declarar perdida a favor do Estado uma quantia que o mesmo agente já foi condenado a pagar e que será tomada em conta quando pagar ao Estado. Daí que, em boa verdade, esta “terceira” condenação (na mesma quantia) seja uma clara instrumentalização do condenado à mera estabilização de ansiedades colectivas de segurança que não tem qualquer outra justificação e que, em termos práticos, é inútil, pois o que importa é que o agente pague as importâncias em dívida apenas uma vez.
Daí que, pelas razões expostas, a finalidade do regime da perda de vantagens não seja, de modo algum, a de permitir alcançar o desnecessário e inútil terceiro título executivo.
Nestes termos, impõe-se manter a decisão recorrida (que indeferiu o pedido formulado pelo MP, de ser declarado perdido a favor do Estado o valor da vantagem patrimonial, no montante global de € 4.976,59) e consequentemente negar provimento ao recurso.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas.

Porto, 30/04/2019
Élia São Pedro (relatora por vencimento)
Francisco Marcolino
Paulo Costa (vencido conforme declaração que junto)
__________________________________________
Voto de vencido.
Processo nº 1325/17.1T9PRD.P1
Voto vencido quanto à decisão de não declarar perdidos a favor do Estado as vantagens decorrentes da prática do crime independentemente de haver condenação no pedido cível, pelas seguintes razões:

1. Vantagem, para nós, será tudo aquilo com que, no caso, o autor do facto ilícito típico criminal se locupleta indevidamente por ter praticado esse ilícito criminal e que possa ser economicamente avaliado – João Conde, Apreensão ou arresto preventivo dos proventos do crime, R. P. C. Criminal, 25 (2015), página 516 -.
Quem recebe uma quantia que não lhe pertence e lhe dá um qualquer destino que não seja a entrega ao legítimo titular, apropria-se desse valor e assim enriquece, obtendo uma vantagem.
Num crime de abuso de confiança, quem recebe uma quantia em dinheiro de uma pessoa para entregar a um terceiro e se apropria da mesma, dando-lhe o destino que entender (ou, pelo menos, desde que se prove que não entregou o dinheiro a esse terceiro e lhe deu outro uso, ainda que não concretamente apurado qual tenha sido – Ac. da R. L. de 19/05/2015, www.dgsi.pt), apropria-se ilegitimamente da quantia e, com essa apropriação, obtém uma vantagem, medida desde logo pelo valor que não entregou ao terceiro (mesmo que entregue a quantia a terceiro a título gratuito, obtém essa vantagem de poder proceder a essa entrega, por esse valor, à custa do proprietário).
Pode ter outras vantagens- adquiriu um bem com esse dinheiro, investiu-o obtendo proventos, ... - mas o primeiro benefício que obtém é o apropriar-se do valor não entregue.
2. Pensamos que a visão mais correta é aquela que defende que a perda das vantagens quando não é possível recuperá-las em espécie pode ser decretada pelo tribunal tenha ou não sido formulado pedido de indemnização civil pelo Estado, intervenha ou não o M.º P.º a defender os interesses civilísticos da A. T./ISS quando está em causa a apropriação de valores tributários.
A decisão de perda de vantagens é uma consequência necessária da prática de um facto ilícito criminal visando conseguir a maior reconstituição da situação do seu autor antes da sua prática, ou seja, sem ficar com qualquer benefício da prática do crime.
A referência a «prática de ilícito criminal» tem por base a ideia de que pode haver situações em que, não havendo crime e consequente condenação, pode ser decretada a perda das vantagens (por exemplo, o arguido falece no decurso do processo sem haver julgamento podendo ainda assim os autos prosseguirem para aferir da perda conforme se clarificou no atual artigo 110.º, n.º 5, do C. P.).
Mas, seja o arguido condenado (como no caso presente) seja apenas concluído que está em causa um facto ilícito típico e a obtenção de vantagens indevidas, esta conclusão assenta em juízos de índole criminal, havendo que aferir se se preenche a factualidade de um crime e daí concluir que as vantagens que advieram dessa prática são também elas ilícitas.
A ideia de evitar que o agente do facto ilícito típico não tenha qualquer vantagem com a prática do crime tem de assentar na intenção do M.º P.º em pedir essa perda de vantagem por ser o titular da ação penal – artigo 48.º, do C. P. P. -, e do tribunal por ter de apreciar o pedido e aferir qual deve ser a situação patrimonial do arguido (no caso) que deve ser reposta.
Naturalmente que o efeito prático de o demandado cível ser condenado a pagar ao Estado a quantia em que lesou o demandante cível Estado também se reflete em o demandado perceber que «o crime não compensou» pois acabou por ter de indemnizar o ofendido.
O tribunal não se deve impressionar com esta situação que lhe é alheia; se é feito um pedido de perda de vantagens pelo M.º P.º, tem de o apreciar por que efetuado por quem tem legitimidade, estar legalmente previsto e assim decidi-lo para cumprir na totalidade a decisão que abarca todos os efeitos da prática do facto ilícito típico.
Só se houver prova de que o aqui ofendido já foi ressarcido, é que tal perda não pode ser decretada por que se tornou inútil (originariamente se ainda não tinha sido efetuado o pedido, supervenientemente se já tinha sido formulado).
Aí, como em qualquer pedido, se o fim foi atingido, a respetiva «instância» tem de ser julgada extinta, tal como sucede quando ocorre o cumprimento de uma pena criminal.
3.O artigo 130.º, n.º 2, prevê que o lesado pode pedir ao Estado que lhe entregue as quantias obtidas a título de vantagens (aí se incluindo o artigo 111.º), para ressarcir o seu dano; ora se o ofendido/lesado declarara que não o pretendia e se este é o Estado, poderia concluir-se que então não haveria motivo para a perda a seu favor pois quem podia beneficiar dessa perda não pretende esse mesmo benefício.
Não é essa a nossa posição já que, mesmo que o Estado, na vertente tributária, demonstre que ou quer atuar sozinho ou não pretende reaver a quantia, na vertente penal a questão continua a ter interesse para que o agente (e a comunidade) entenda que não pode ter o agente qualquer benefício com a sua atuação ilícita.
Se a A. T/Segurança Social., como no caso, está interessada no ressarcimento da quantia ou então é deduzido pedido de indemnização civil, e também é efetuado um pedido de perda de vantagens, «apenas» há que apreciar as duas vertentes desse pedido.
Pode haver uma repetição de finalidades – ressarcimento do lesado e restituição da situação patrimonial do agente do crime ao momento anterior à sua prática -, mas com natureza diferente sendo que a vertente cível não substitui a vertente criminal, ou seja, a finalidade da prevenção criminal (geral e especial) foi reservada pelo legislador ao instituto da declaração da perda de vantagens e não ao pedido de indemnização civil, ainda que este possa vir, na prática, a obter um resultado semelhante (o que vimos referindo segue o mencionado nos Acs. da R. Guimarães de 14/01/2019, 22/03/2017, e 31/05/2017, 2019/04/11(Processo n.º 360/17.4IDPRT.P1.) da R. Porto, www.dgsi.pt; no Ac. da R. P. de 22/03/2017 foi proferido voto de vencido onde se conclui que os casos em que, nos crimes tributários, a vantagem corresponda integralmente à obrigação fiscal incumprida e à obrigação de indemnização civil decorrente da prática do facto ilícito típico, apenas pode/deve ser decretada a sua perda se o titular dos danos causados pelo mesmo (a Autoridade Tributária e Aduaneira) se desinteressar pela reparação do seu direito, casos que em a declaração de perda de vantagens, de forma necessária, proporcional e adequada, acautela as finalidades preventivas que a originaram), visão que não é a nossa.
O que sucede é que o Estado não pode receber duas vezes a mesma quantia atenta a coincidência de credor e prestação.
Se o arguido condenado a pagar o valor da vantagem que auferiu, cumpre essa obrigação, a vantagem foi recuperada pelo Estado e, ao mesmo tempo, obtém o pagamento da quantia eventualmente peticionada em sede cível, impossibilitando por exemplo a fase executiva ou impossibilitando ou fazendo cessar as diligências de pagamento do imposto pela A. T..
Se o demandado cível paga o valor em foi condenado em sede cível, a condenação no pagamento das vantagens que tinha auferido tem de se entender como cumprida e assim extinta.
Como refere Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, página 142: «e se a vantagem obtida corresponder integralmente ao imposto em dívida? Parece-nos que mesmo neste caso o tribunal deve condenar na perda de vantagem correspondente, ainda que se entretanto tiver sido pago o imposto em dívida deva considerar não haver já lugar à condenação por essa vantagem pertencer ao Estado a título de imposto já cobrado. …».
Não compete ao tribunal, de primeira instância ou de recurso fixar ressalvas sobre que direitos não podem ser prejudicados com esta perda nem como devem ser reduzidos pagamentos; essas questões terão que ser atendidas no momento próprio (na decisão em primeira instância ou em sede de recurso se já tiverem ocorrido pagamentos ou em execução se ocorrerem depois daquelas decisões) e sempre sem prejuízo de direitos legalmente conferidos não havendo que o declarar.

Paulo Costa