Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
542/06.4TBGDM-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA EXECUTIVA
DIREITO DE REMIÇÃO
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP20211215542/06.4TBGDM-G.P1
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O caso julgado formal visa obstar a que no mesmo processo o juiz altere decisão anterior de caráter processual ou adjetivo.
II - Sendo a decisão judicial um ato jurídico formal é à sua interpretação aplicável as regras da interpretação da declaração negocial – vide artigos 236º e 238º do CC.
III - O direito de remição visa evitar a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado e com vista a tal desiderato reconhece aos seus familiares - cônjuge, descendentes ou ascendentes - o direito de se substituir ao comprador mediante o pagamento do preço por que tiver sido feita a adjudicação ou venda – cfr. artigos 839º nº 2 e 842º do CPC.
IV - O herdeiro habilitado ao assumir a posição do falecido nessa qualidade, não passa a ser ele próprio executado.
Não é o seu património pessoal que responde pela dívida exequenda, mas antes e só os bens da herança (cfr. artigo 2068º do CC).
V - Não obstante enquanto herdeiro habilitado substituir na execução o falecido e originário executado/devedor, não passa ele mesmo a título pessoal a ser executado, implicando continuar a poder exercer o direito de remição na qualidade de descendente.
VI - Atua em abuso de direito aquele que exercita um direito de que é titular de forma manifestamente excessiva para lá dos limites impostos pela boa-fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Àquele que invoca a atuação abusiva incumbe provar a factualidade integradora da mesma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 542/06.4TBGDM-G.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca Do Porto – Jz. Execução do Porto
Apelante/B…
Apelado/”Banco C…, S.A., Sociedade Aberta”

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório[1]
Banco C…, S.A., Sociedade Aberta” instaurou (em 07 de fevereiro de 2006) processo executivo para pagamento de quantia certa contra D…; B…; E… e F…, sendo título executivo uma livrança subscrita pelos executados.
*
Da consulta eletrónica dos autos e respetivos apensos resulta que na pendência dos mesmos faleceram os executados, tendo ocorrido a habilitação dos respetivos herdeiros que nessa qualidade assumiram a posição dos iniciais demandados.
Entre os herdeiros habilitados estão B…, filho de D… e de F….
*
O exequente nomeou à penhora o prédio urbano sito em Gondomar e sobre o qual foi constituída hipoteca a seu favor.
*
Após penhora, foi oportunamente decidida a venda do imóvel por meio de propostas em carta fechada (vide decisão do AE de 28/12/2011).
Frustrada a venda por esta modalidade foi ordenada a venda por meio de negociação particular (vide auto de 28/05/2012).
Por despacho de 28/05/2015 foi fixado o valor mínimo de venda do imóvel em € 840.285,00.
*
De entre várias vicissitudes processuais, decorrem do processo execução as seguintes ocorrências que se entende relevante descriminar, para a apreciação do mérito do recurso interposto:
1- em 10/09/2019 o herdeiro habilitado (HH) B…, notificado da apresentação de proposta de aquisição do imóvel nos autos penhorado, veio declarar:
“A proposta apresentada fica muito aquém do valor real do imóvel, cujo valor patrimonial tributário é de 778.180,00€ conforme já consta de documento junto aos autos em requerimento apresentado por G….
Também é do conhecimento do aqui exponente de que existem mais interessados na aquisição do imóvel, e de que existe, inclusive, já uma proposta de valor superior apresentada ao encarregado de venda.
Pelo que, não deve a proposta apresentada de 575,000,00€, ser aceite, porquanto a mesma é demasiada baixo em relação ao valor do real do imóvel, o que causaria um sério prejuízo a todos os interessados (herdeiros da herança indivisa da qual faz parte este imóvel).”
Idêntica oposição tendo deduzido em 05/12/2019, em resposta a posterior oferta de € 845.000,00 apresentada por “H…”[2], alegando entre o mais ter o imóvel sido “avaliado recentemente em valor superior a € 900.000,00” (vide notificações e requerimento da AE de 20/11/2019 e 21/11/2019).
2- Em 12/12/2019 é junta aos autos comunicação enviada à AE por este mesmo HH B…, na qual e invocando a qualidade de filho do executado originário (D…) manifestou a “sua intenção de exercer direito de remição sobre o imóvel (…)” penhorado.
Requerendo então e por estar em causa venda por negociação particular que o impede de tomar conhecimento da proposta mais alta apresentada, que oportunamente fosse informado desse valor, bem como conta bancária para efetuar o depósito integral.
Então juntou certidão de nascimento de onde resulta a sua qualidade de descendente de D… e F…, ambos primitivos executados e nessa qualidade habilitado como herdeiro[3].
3- Em 15/01/2020 a AE notifica os interessados de que foi designada a data de 21/01/2020 para apresentação e licitação de propostas por todos os interessados, “conforme comunicação do Sr. Encarregado de Venda que junto se anexa.”
Mais informa: “As propostas deverão ser apresentadas a partir do valor de 855.000,00€.
A melhor proposta formalizada junto do Sr. Encarregado de Venda, no dia, hora e local indicados, será aceite pela Agente de Execução, sendo tal decisão devidamente notificada às partes.
Para o efeito, deverá informar e comunicar a todos os interessados conhecidos por V. Exa, na aquisição do imóvel penhorado nos autos para comparecerem no dia, hora e local designados, a fim de formalizarem e apresentarem a sua proposta.
Após a realização desta licitação, não serão aceites novas propostas.”
4- Em 28/01/2020 é junto aos autos informação prestada à AE pelo encarregado de venda por negociação particular, informando que a melhor proposta obtida foi apresentada por “H…, no valor de € 900.000,00”.
5- Em 29/01/2020 o interessado B… apresenta nos autos o seguinte requerimento:
“O aqui exponente esteve presente na diligência de licitação entre interessados, realizada no escritório do encarregado de venda, no dia 21/01/2020, pela 11.30, conforme consta da comunicação efetuada pelo senhor encarregado de venda à Exma. Senhora Agente de execução e que foi junto a estes autos, pela mesma, com o seu requerimento datado de 28/02/2020.
Contudo não ficou a constar da mesma comunicação, que o aqui exponente, após a apresentação da melhor proposta que se registou no valor de 900,000.00€, manifestou desde logo, a sua intenção de exercer o seu direito de remição, enquanto filho do executado originário. O que agora se pretende corrigir.
Pelo que, caso a última proposta registada seja aceite, vem, o aqui exponente, mais uma vez, nos termos e para os efeitos constantes dos artigos 842º e 843º do Código Processo Civil, manifestar a sua intenção de exercer direito de remição sobre o imóvel infra melhor identificado:
- Prédio urbano constituído por rés-do-chão e logradouro, destinado a indústria, sito na Rua …, no …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 6367 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 3039,
Assim, requer-se que em caso de aceitação da proposta supra mencionada, seja indicado pela Exma. Sra. Agente de Execução e/ou o Exmo. Sr. Encarregado de Venda a conta bancária para onde deve ser efetuado o depósito do preço integral, para que seja possível ao aqui requerente concluir o exercício do seu direito, depositando o valor da proposta mais alta apresentada e aceite.”
6- Por despacho de 04/03/2020 é ordenada a notificação da “proposta direito de remição” às partes.
7- Em 08/07/2020 e na sequência de requerimento apresentado por G… é determinado:
“Notifique todas as partes para que tomem posição sobre a requerida alteração da modalidade da venda para leilão eletrónico, subjacente na reclamação apresentada a 17 de Janeiro pela executada, com a advertência de que nada dizendo se considera que as partes anuem na alteração da modalidade da venda como requerido.”
8- Em 14/08/2020 requerer de novo B…:
“notificado para se pronunciar sobre a requerida alteração da modalidade de venda para leilão eletrónico, em 17/01/2020, pela executada G…, vem dizer o seguinte:
Conforme já foi exposto em diversos requerimentos por outras partes, a presente execução data de 2006, tendo sido já várias as tentativas de venda do imóvel penhorado ao longo dos anos.
A melhor proposta obtida para venda do imóvel penhorado cifra-se em 900,000,00€, valor esse já superior ao mínimo de venda proposto pela executada reclamante de 855,000,00€.
Os credores notificados, já tinham manifestado de que não se opunham à venda por tal montante.
Atualmente, vislumbra-se que os preços de mercado do imobiliário após o surgimento do novo coronavírus, sofrerão uma estagnação ou até um afrouxamento.
Ademais, o prolongar da venda no presente processo com a alteração da modalidade, não parece acarretar qualquer vantagem para as partes, bem pelo contrário, poderá correr-se o risco de ver-se reduzido o valor já proposto.
Face ao exposto, entende o aqui exponente que deve ser indeferido o requerido pela executada G… e aceite a proposta de 900,000,00€ apresentada em Janeiro de 2020 ordenando-se o prosseguimento dos autos nesse sentido.”
9- Em 21/09/2020 é proferido o seguinte despacho:
“Notifique a Sr. AE para notificar as partes das propostas para exercerem o direito que lhes assiste e caso não haja oposição nada tem o Tribunal a opor que seja exercido o direito de remição.”
E em 28/09/2020 a AE informa nos autos:
“I…, Agente de Execução nos presentes autos, vem, na sequência da notificação do despacho com a referência 417046931, e dando cumprimento ao mesmo, procedemos á notificação da proposta de aquisição apresentada por H…, SA, titular do NIPC ………, com sede na Rua ., nº …-2º Esq.- ….-… Espinho, no valor de 900.000,00€ (novecentos mil euros).
Assim, face ao exposto, encontra-se em curso as notificações às partes da proposta apresentada para, no prazo de dez dias, querendo se pronunciarem (cfr, notificações juntas aos autos em 25 e 28-09-20).”
10- Em 06/10/2020 a interessada G… manifesta a intenção de exercer o seu direito de remição na qualidade de filha dos primitivos executados D… e F…
11- Em 07/10/20 o HH B…, na qualidade de filho do executado primitivo, declarou nada ter a opor à proposta de aquisição apresentada no valor de € 900.000,00 e reiterou o seu requerimento já antes apresentado em 29/01/2020 de pretender “exercer o seu direito de remição sobre o imóvel” em menção – inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 6367 e descrito na CRP sob o nº 3039.
Mais tendo declarado aguardar indicação de “conta bancária para onde deve ser efetuado o depósito do preço integral de 900.000,00€ (novecentos mil euros) para que seja possível ao requerente concluir o exercício do seu direito, depositando o valor da proposta aceite”;
12- Em 30/10/2020 a AE notifica ter agendado para “18/11/2020, pelas 11:00 Horas, no escritório do Encarregado de Venda nomeado, Sr. J…, sito na …, n.º .., Edifício …, 3.º andar, Sala .., em Matosinhos, para abertura de licitação de entre os remidores, referindo-se o que oferecer melhor preço, acima de 900.000,00 €, de acordo com o disposto no artigo 845º, nº 2 do Código do Processo Civil.”
13- Em 13/11/2020 a proponente “H…” junta aos autos requerimento onde entre o mais requer informação, por o desconhecer, se a proposta por si apresentada em 21/01/2020 foi aceite.
14- Em 16/11/2020 a interessada G… declara nos autos desistir da sua intenção anteriormente manifestada de exercer o direito de remição, renunciando irrevogavelmente ao exercício de tal direito
15- Em 17/11/2020 a AE notifica o requerente remidor B… para proceder ao pagamento do valor de € 900.000,00 correspondente à totalidade do preço do bem nos termos do disposto no artigo 843º nº 2 do CPC.
Para o efeito indicando os dados para efetuar esse mesmo pagamento - com indicação do prazo de pagamento até 20/11/2020;
16- Em 18/11/2020 o HH B… e remidor, notificado do requerimento de 17/11/20 da AE, invocando a inesperada desistência da outra requerente de remição que levou a ficar sem efeito a licitação que entre ambos os requerentes de remição havia sido agendada para 18/11 pela AE, requereu a concessão do prazo de 10 dias para efetuar tal depósito.
Mais expressamente declarando manter o referido propósito de remir, apenas “requerendo unicamente para o efeito, e atento o valor em causa, a concessão do prazo de 10 dias”.
17- Na mesma data de 18/11/20 a AE indefere a requerida “prorrogação do prazo para depósito do preço, assim como, do respetivo exercício do direito de remição, por não se encontrar preenchido o pressuposto do depósito integral do preço pelo remidor” e decide “notificar o proponente H…, S.A., titular do NIPC ………, com sede na Rua ., n.º .., 2.º Esquerdo, ….-… Espinho, para proceder ao depósito do preço, no valor de 900.000,00 € (novecentos mil euros), cuja proposta que se considera aceite em 15/10/2020.”
Notificação que efetua na mesma data de 18/11/2020;
18- Por requerimento de 19/11/2020 dirigido ao juiz do processo e à AE o HH B… declara
“. que em momento algum o aqui requerente referiu que não pretendia exercer a remição e depositar o preço no prazo que lhe foi estabelecido para o efeito, requereu unicamente uma prorrogação do prazo, tendo em conta as circunstâncias processuais que foram ocorrendo, que não tornava expectável um desfecho tão apressado, pelo que o despacho deveria ser unicamente no sentido de conceder a prorrogação ou não conceder a prorrogação, nada mais…
O despacho proferido enferma de uma manifesta nulidade por excesso de pronúncia e configura uma violação das mais elementares normas de direito e de boa-fé.
O aqui requerente reitera o exercício do direito de remição referindo que até ao termo do prazo concedido, 20 de Novembro de 2020, irá proceder ao depósito do preço.”
Terminando requerendo “que de imediato proceda à correção do despacho proferido com as demais consequências legais.”
19- Na mesma data de 19/11/2020 apresentou ainda o requerente remidor perante o juiz do processo reclamação do despacho da AE, declarando nunca ter referido que não pretendia exercer a remição e depositar o preço no prazo estabelecido, tendo apenas requerido “uma prorrogação do prazo para o efeito, pelo que o despacho deveria ser unicamente no sentido de conceder a prorrogação ou não conceder a prorrogação, nada mais…”
Terminando requerendo ao tribunal se “digne ordenar a imediata revogação do despacho proferido pela Exma. Sra. Agente de Execução, designadamente no que concerne ao indeferimento do exercício do direito de remição e à notificação do proponente H…, S.A., atendendo a que tal decisão é manifestamente nula, ordenando-se ainda que a Agente de Execução se abstenha de praticar qualquer ato subsequente com as consequências daí decorrentes.”
20- E com data de 20/11/2020 “à cautela” junta o requerente remidor comprovativo do depósito do preço - € 900.000,00.
Mais declarando pretender exercer o direito de remição por estar ainda em tempo para tal nos termos do artigo 843º do CPC, já que “tendo-se tratado como se tratou de uma venda por outra modalidade que não a de venda por carta fechada, a remição pode ser exercida até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, o qual ainda não se verificou.”
*
***
Apreciando o requerido, foi decidido pelo tribunal a quo:
“Como relata a SR. AE no seu requerimento de 23.11 que aqui se reitera vieram os Srs. G… e B…, arrogando-se filhos dos executados, exercer o direito de remição, em 06-10-2020 e 07-10-2020, respetivamente;
Sucede que, a Sra. G… veio desistir da intenção manifestada de exercer o direito de remição, assim como, renunciar irrevogavelmente ao exercício de tal direito e, ainda, prescindir do anteriormente requerido no que concerne ao leilão eletrónico, desistindo de tal pretensão e manifestando a concordância com a venda realizada;
Procedeu a Sr.AE à emissão de guia, com entidade e referência, em 17-11-2020, para o remidor, Sr. B…, proceder ao depósito do preço.
Nesse seguimento, veio de imediato, o remidor requerer a prorrogação do prazo para proceder ao pagamento;
A SR.AE indeferiu a prorrogação do prazo referindo que “• Salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, não decorre da lei que exista prazo para o remidor proceder ao depósito do preço; Pelo que, • Foi proferida decisão pela aqui Agente de Execução a indeferir aquela prorrogação, assim como, o direito de remição exercido, por falta do pressuposto basilar, isto é, o depósito integral do preço, taxativamente previsto na lei;”
A 20-11-2020 veio o remidor juntar aos autos o comprovativo de depósito do preço, no montante de 900.000,00 €, encontrando-se o valor disponível na conta do processo;
Acontece que o proponente veio, através de comunicação à Agente de Execução e em requerimento que fez juntar aos autos e que antecede, colocar em causa o exercício do direito de remição e nas palavras do mandatário do proponente, “temem que o exercício de remição in casu não teve como objetivo a preservação do bem na família mas sim a proteção de interesses de terceiros”;
Refere, ainda, o proponente, que tal é imprescindível para evitar um eventual requerimento posterior a requerer a nulidade da venda por fraude à lei.
No requerimento que antecede veio o proponente pedir seja proferido despacho sobre A POSSIBILIDADE DE O CO- EXECUTADO PODER OU NÃO EXERCER O DIREITO DE REMIÇÃO.
***
O Exequente, credor reclamante e demais executados pronunciam-se no sentido de ser aceite o pedido de remição tanto que a verba já se encontra depositada nos autos.
Vejamos pois:
O direito de remição encontrava-se previsto no art. 912º, do C.P.Civil (na redação anterior ao C.P.Civil introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho que é aplicável ao caso vertente face à regra prevista no art. 6º, nº 3, dessa lei) nos seguintes termos:
“ Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tiver sido feita a adjudicação ou a venda”.
Conforme referem Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes (in “ Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, pág. 621), «o direito de remição constitui um direito de preferência legal de formação processual que, tendo por finalidade a proteção do património familiar, evita, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado».
Por outro lado, como é evidente, este mecanismo da remição só pode ser exercido por um terceiro, por quem não é parte (mormente executado) no processo. Isto é, tem que ser requerido por quem é terceiro relativamente à execução em causa.
Ora, por lapso, no caso vertente não se constatou que no momento em que o requerente do direito de remição o solicitou já era parte nos autos, na medida em que foi habilitado na qualidade de sucessor do falecido D…, executado enquanto seu filho. Sendo esta decisão de 15.5.2009 (apenso C), a partir dessa data o mesmo assumiu a qualidade de co executado – deixando, pois, de ser um terceiro relativamente á execução.
Tendo em conta que o direito de remição foi exercido após essa data, não pode sido admitido a exercer tal direito de remição pela circunstância de ser parte nos autos, deixando de ser um terceiro face à presente execução.
Assim sendo, está o co executado e remissor impedido legalmente de exercer o pedido de remissão o que ora se declara.
Tal decisão implica ainda, como é evidente, a devolução ao referido co executado, após o trânsito em julgado desta decisão, do preço depositado pelo mesmo ao abrigo do direito de remição.
*
Decisão:
Destarte, declaro a impossibilidade do co executado B… poder exercer o direito de remissão.
*
Transitada em julgado a presente decisão, deverá o Sr. SE proceder à devolução ao co executado do preço pago pelo mesmo ao abrigo do direito de remição.”
*
***
Notificado o requerente remidor e HH B… do assim decidido e com o mesmo não se conformando, interpôs recurso de apelação oferecendo alegações, a final tendo formulando as seguintes

CONCLUSÕES
…………………………………
…………………………………
…………………………………
*
Foram apresentadas contra-alegações pela proponente “H…”, a final tendo apresentado as seguintes conclusões:
………………………………
………………………………
………………………………
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.
*
II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante serem questões a apreciar:
- se a decisão recorrida violou caso julgado formal, por referência à decisão de 21/09/2020
- se o recorrente preenche os requisitos legais para exercer o direito de remição
Ainda (e face ao alegado pela recorrida)
- se o exercício do direito de remição por parte do recorrente constitui um abuso de direito.

III. FUNDAMENTAÇÃO
Para apreciação do assim decidido, importa considerar as vicissitudes processuais acima elencadas.
*
Apreciando e conhecendo.
Para apreciação da violação do alegado caso julgado formal – por referência ao decidido em 21/09/2020 – relevam as vicissitudes processuais elencadas de 4 a 20 - para enquadramento do despacho em causa de 21/09/2020 reproduzido em 9.
A autoridade do caso julgado faz-se valer tanto por via de exceção [artigos 576º n.º 2, 577º al. i), 580º e 581º do CPC], levando a sua procedência à absolvição da instância, como por via da autoridade “(rectius: outras manifestações de autoridade) do caso julgado” [cfr. Castro Mendes in “Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil”, edições Ática 42, p. 38/39].
Delineando a traços largos este instituto, C. Mendes in ob. cit. (p.16/17) afirma que o mesmo visa a “resolução, através de uma via de direito, de situações de incerteza, pelo menos objetiva, mediante a escolha de uma das afirmações possíveis, não rigorosamente como verdadeira ou falsa, mas para ser colocada numa posição especial que provisoriamente definiremos como necessidade de respeito (pelo caso julgado: rebus enim judiciatis standum est)”, sendo esta necessidade de respeito pelo caso julgado, enquanto garantia do prestígio dos tribunais e pacificação jurídica que “exige que a afirmação ou afirmações nele contidas não sejam no futuro colocadas de modo juridicamente relevante numa situação de incerteza.” (Castro Mendes, in ob. cit. p. 34).
A decisão - sentença, despacho ou acórdão - suscetível de recurso [por contraposição às decisões proferidas no uso de um poder discricionário ou despacho de mero expediente, de simplificação ou agilização processual elencadas no artigo 630º do CPC não passíveis de recurso] faz ou forma caso julgado quando transita em julgado por não ser já suscetível de recurso ou reclamação (artigo 628º do CPC) e assim se tornar imodificável [sem prejuízo das situações excecionais decorrentes dos recursos extraordinários para uniformização de jurisprudência – artigos 688º e segs., do recurso de revisão – artigos 696º e segs. ou das sentenças sujeitas à cláusula “rebus sic stantibus” por condicionadas na sua eficácia ou autoridade à não alteração das circunstâncias que determinaram a condenação – artigo 619º n.º 2 do CPC].
Uma vez transitada em julgado a decisão, produz a mesma o efeito de “res judicata”, dizendo-se que formam caso julgado formal “de simples preclusão ou externo as decisões sobre questões ou relações de caráter processual ou adjetivo (por ex. o conhecimento de exceções dilatórias ou de nulidades processuais” (artigo 620º do CPC), produzindo força obrigatória intraprocessual, “não podendo o juiz, na mesma ação alterar a essa sua anterior decisão, o que contudo não impede que em outra ação a mesma concreta questão processual seja decidida em sentido divergente pelo mesmo ou por outro tribunal.” O que se justifica por no caso julgado formal estarem em causa apenas interesses de índole e disciplina processual.
Por contraposição diz-se que “as decisões relativas à relação material controvertida ou litigiosa (reconhecimento ou não reconhecimento de direitos substantivos das partes)” formam caso julgado material “substancial ou interno (…) não podendo o mesmo ou outro tribunal ou qualquer outra autoridade, definir de modo diverso, o direito aplicável à relação material litigada” a qual assim assume força vinculativa, obrigatória intra e extraprocessual (artigo 619º n.º 1 do CPC) [cfr. Francisco Ferreira de Almeida, in “Direito Processual Civil”, vol. II ed. 2015 Almedina, p. 595/596].
O recorrente invocou a violação de caso julgado formal por referência ao despacho de 21/09/2020 que determinou a notificação das partes das propostas apresentadas a fim de exercerem o direito que lhes assiste, caso não havendo oposição, declarando o tribunal nada ter a “opor que seja exercido o direito de remição”.
Nos termos acima já delineados, o caso julgado formal visa obstar a que no mesmo processo o juiz altere decisão anterior de caráter processual ou adjetivo.
Do alegado pelo recorrente, deduz-se entender o mesmo que através do despacho em causa o tribunal apreciou a sua pretensão de exercer o direito de remição, reconhecendo esse mesmo direito.
Nesta medida estando vedado posteriormente – sob pena de violação do caso julgado formal – declarar que o recorrente não preenche os requisitos legais para exercer tal direito, recusando o mesmo, tal como decidido na decisão recorrida.
A procedência da sua pretensão está dependente do alcance da decisão em causa.
Sendo a decisão judicial um ato jurídico formal é à sua interpretação aplicável as regras da interpretação da declaração negocial – vide artigos 236º e 238º do CC [4] - fazendo-se uso para tanto da denominada “teoria da impressão do destinatário” e assim recorrendo para tal ao critério de interpretação do declaratário normal colocado na posição do real declaratário, consagrada no artigo 236º do CC, conformada pela limitação da correspondência mínima entre o texto e o sentido da declaração a que se reporta o artigo 238º do CC para os negócios formais.
“A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”[5].
Sobre quais serão as circunstâncias atendíveis para a interpretação, diz o Prof. Mota Pinto que «se deverá operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efetivo, teria em conta”. Invocando M. de Andrade, e a título exemplificativo refere ainda este autor “os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes (…)”. E convocando o Prof. Rui Alarcão in BMJ nº 84, realça este mesmo autor “os modos de conduta porque posteriormente se prestou observância ao negócio concluído”[6].
Seguindo estes critérios interpretativos e o circunstancialismo que precedeu o despacho convocado [vide pontos 4 a 8], bem como os comportamentos processuais posteriores [vide pontos 10 a 21] não vemos como interpretar a decisão em causa como uma decisão que reconhece o direito do ora recorrente a obter a pretendida remição e que assim tenha a mesma sido interpretada pelos intervenientes processuais.
Uma coisa é declarar-se/ reconhecer-se que e na senda das vicissitudes processuais anteriores e do que o próprio requerente expôs nos autos, nada havendo a opor às propostas apresentadas [para aquisição do imóvel] e assim assente o valor de venda, estaria definido o momento processual para os interessados virem aos autos declarar o seu interesse em exercer o direito de remição nos termos definidos pela proposta aceite [sem prejuízo do que antes o ora recorrente já declarara].
E tanto que assim foi entendido que subsequentemente vieram dois herdeiros manifestar o seu interesse em remir – a interessada G… e o ora recorrente, este reiterando o que já antes havia afirmado nos autos.
Tendo este duplo interesse motivado um agendamento pela AE para licitações entre os dois interessados que entretanto foram dadas sem efeito pela desistência apresentada pela interessada G….
Outra coisa é entender que tal despacho reconheceu que o ora recorrente em concreto validamente exerceu tal direito e preenche os requisitos para o mesmo lhe ser reconhecido. O que não é o caso.
A decisão convocada pelo recorrente não tem esta abrangência, pois do seu conteúdo não pode um declaratário colocado na situação do real declaratário deduzir da mesma tal sentido e abrangência.
Ao invés, o que da decisão em causa decorre é que o tribunal expressou o entendimento de e na inexistência de oposição às propostas apresentadas – sendo a mais alta e no valor de € 900.000,00 a da proponente “H…” – deveria ser então exercido o direito de remição por aqueles que em tal tivessem interesse e fundamento para tanto. Definindo ser esse o momento processual para tanto.
Como aliás veio a ocorrer, nos termos já referidos.
Caso contrário, nem sequer teria sido agendada a já mencionada licitação perante a manifestação de vontade de outra interessada a que o recorrente nada objetou.
Em face do exposto decide-se julgar improcedente a arguida violação de caso julgado formal por referência ao antes decidido em 21/09/2020.

Em segundo lugar insurgiu-se o recorrente quanto ao decidido pelo tribunal a quo ao julgar que ao mesmo não assiste o direito de remição na medida em que não é terceiro, pois nos autos assume a qualidade de “co executado”.
A afirmada posição processual - de co executado – sustenta-se na qualidade de herdeiro habilitado do primitivo executado.
O direito de remição visa evitar a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado e com vista a tal desiderato reconhece aos seus familiares - cônjuge, descendentes ou ascendentes - o direito de se substituir ao comprador mediante o pagamento do preço por que tiver sido feita a adjudicação ou venda – cfr. artigos 839º nº 2 e 842º do CPC (anteriores artigos 909º nº 2 e 912º).
Como resulta dos normativos supra citados ao próprio executado está afastado o direito de remir, o que bem se entende na medida em que a este cabe o direito e obrigação de proceder ao pagamento da quantia exequenda precisamente por via da liquidação do seu património[7] (artigo 812º do CPC).
E caso tal direito lhe fosse reconhecido, uma vez retornados os bens ao seu património, nada impediria a sua nova penhora na mesma execução caso ainda não estivesse extinta por pagamento[8]. Argumento que justifica precisamente o inexistente direito de remição do executado.
Sendo o cônjuge, ascendente ou descendente simultaneamente executados de igual modo não podem remir, pelos mesmos motivos – sobre si recai então a obrigação de proceder ao pagamento da quantia exequenda e eventual remição não obstaria a uma nova penhora dos bens que ingressassem no seu património pessoal.
A situação não se apresenta a nosso ver tão linear se em causa está a pretensão de exercer o direito de remição por parte de um dos familiares identificados no artigo 842º do CPC quando tenham intervenção na execução, não enquanto executados originários, mas antes e apenas como herdeiros habilitados do originário executado, falecido na pendência da execução.
O sucessor da parte falecida na pendência da causa é habilitado para prosseguir os termos da demanda nessa qualidade de herdeiro, para quem a posição jurídica litigiosa do de cuius foi transmitida por sucessão e que assim substitui, repete-se, nessa qualidade (cfr. artigo 351º nº 1 do CPC).
Constitui este incidente uma “forma de modificação subjetiva da instância, que visa colocar um sucessor no lugar que o falecido ocupava no processo pendente, e a fim de causa poder prosseguir com ele, ou seja, o habilitado apenas vai ocupar a posição do falecido, exercendo os direitos e cumprindo as obrigações que a este último competiam,[9] ficando sujeito à sua anterior atuação processual e devendo aceitar a tramitação no estado em que a encontrar e apenas impulsionando para o futuro e dentro destes limites, o processo.
Concluindo, tem assim a habilitação-incidental como desiderato (…) promover a substituição da parte primitiva pelo sucessor na situação jurídica litigiosa, ocorrendo uma modificação subjetiva da instância (artº 270º, al. a), do C.P.C.), mediante a legitimação sucessiva do sucessor, enquanto tal e para a causa, ficando o seu efeito limitado a esta última”
O herdeiro habilitado ao assumir a posição do falecido nessa qualidade, não passa a ser ele próprio executado.
Não é o seu património pessoal que responde pela dívida exequenda, mas antes e só os bens da herança (cfr. artigo 2068º do CC).

E estando em causa bens da herança, o herdeiro não tem por si só o poder de dispor dos bens da herança, pois que apenas tem o direito a uma quota ideal e abstrata do acervo hereditário, não assumindo a posição de proprietário ou coproprietário dos bens que compõem a herança indivisa.
O poder de dispor dos bens da herança só pode ser exercido conjuntamente por todos os herdeiros (vide artigo 2091º do CC).
Atentos os poderes limitados do herdeiro habilitado sobre os bens da herança, não assume assim uma posição processual idêntica à do executado.
Não só não tem o dever de pagar a dívida exequenda – entenda-se por via do seu património pessoal – como se exercer o direito de remição sobre bem vendido da herança, adquire tal bem para o seu património pessoal que enquanto tal não poderá ser de novo penhorado para essa mesma execução por dívidas do falecido familiar, por não ficar a pertencer ao acervo hereditário.
Assim e não obstante enquanto herdeiro habilitado substituir na execução o falecido e originário executado/devedor, não passa ele mesmo a título pessoal a ser executado, implicando continuar a poder exercer o direito de remição na qualidade de descendente[10].
E exercendo tal direito, terá de proceder ao pagamento do “preço por que tiver sido feita a adjudicação ou venda” [cfr. artigo 842º do CPC, anterior artigo 912º do CPC].
Preço que se ofereceu para pagar.
Tendo-o feito tempestivamente já que respeita o disposto no artigo 843º nº 1 al. b) [anterior 913º nº 1 al.b)], nos termos do qual o direito de remição em caso de venda por negociação particular pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta – o que in casu ainda não havia ocorrido, conforme decorre das vicissitudes processuais enunciadas supra.
Em suma procede o nesta sede invocado pelo recorrente.
Sendo de concluir que ao recorrente assiste o direito de remição sobre o bem penhorado e que hoje faz parte do acervo hereditário da herança aberta por óbito do(s) primitivo(s) executado(s) enquanto descendente deste(s).
Tendo para o efeito já procedido tempestivamente ao depósito do valor da proposta aceite de € 900.000,00.

Por último cumpre apreciar se esta pretensão do recorrente constitui uma atuação em abuso de direito, como a recorrida/proponente invocou.
Nos termos do art. 334º do Cód. Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Entende-se assim que atua em abuso de direito aquele que exercita um direito de que é titular de forma manifestamente excessiva para lá dos limites impostos pela boa-fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Atentando-se, para determinar os limites impostos pela boa-fé ou bons costumes, de modo especial as conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade.
E para consideração do fim social ou económico do direito, convocando-se de preferência juízos de valor positivamente consagrados na própria lei. Sem excluir os fatores subjetivos ou intenção na atuação do titular, na medida em que estes relevarão para apreciação quer da boa-fé bons costumes quer ao próprio fim do direito[11].
Ora da factualidade provada nada indicia uma qualquer conduta abusiva por parte do recorrente.
O direito à remição do recorrente só poderia pelo mesmo ser validamente exercido a partir do momento em que o valor da venda estivesse definido e aceite pois só então o remidor saberia o valor a depositar.
Não obstante já em diversas anteriores ocasiões o recorrente ter expresso a sua intenção de remir, como referido, a concretização de tal direito só poderia operar após nomeadamente definição do valor de venda.
E não se diga que o abuso de direito provém da não oposição à venda, formando na convicção da proponente que nunca exerceria o seu direito de remição.
Ou da oposição à venda do bem por valor inferior e subsequente manifestação do interesse em remir quando é apresentada a proposta de compra de € 900.000,00.
Independentemente de já em dezembro de 2019 o recorrente ter expresso a intenção de oportunamente exercer o direito de remição, após uma oferta da recorrida de € 845.000,00 que não foi aceite, facto é que os argumentos apresentados não evidenciam qualquer abuso de direito por parte daquele porquanto e conforme já referido o seu direito só poderia ser validamente exercido após aceite uma proposta de compra e definido o valor de venda.
Ademais, a pretensão de o bem em venda ser vendido por um valor superior – que o recorrente e a outra interessada entendiam como justo, face ao valor de mercado – e que mereceu o assentimento do tribunal nos termos que resultam da tramitação processual, nunca poderá ser interpretado como uma atuação censurável, bem ao contrário.
Nenhuma factualidade foi demonstrada da qual se possa inferir que a atuação do recorrente é abusiva. Sendo certo que é àquele que invoca a atuação abusiva que incumbe provar a factualidade integradora da mesma.
Resta concluir pela improcedência do invocado abuso de direito.
Em conclusão, procede o recurso com a consequente revogação da decisão recorrida.
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto, consequentemente e revogando a decisão, reconhecendo ao recorrente o direito de remir o bem em venda pelo preço da aceite proposta de € 900.000,00 e que o mesmo já depositou nos autos.
Custas pela recorrida.

Porto, 2021-12-15.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
_____________
[1] Consigna-se que foram consultados os processos eletrónicos dos autos principais e apensos, na parte acessível.
[2] Conforme notificações da AE de 20/11/2019 e 21/11/2019.
[3] Faz-se notar que esta qualidade de herdeiro habilitado não se mostra questionada nos autos e/ou recurso e como tal se tem comos assente, não obstante não ser acessível a consulta eletrónica da sentença de Habilitação de Herdeiros proferida no respetivo apenso.
[4] Cfr. neste sentido, entre outros Ac. STJ de 01/07/2021, nº de processo 726/15.4T8PTM.E1.S1; Ac. STJ de 12/03/2014, nº de processo 177/03.3TTFAR.E1.S1; Ac. TRP de 03/12/2020, nº de processo 128/17.8T8PRT-A.P1; AC. TRG de 27/06/2019, nº de processo 606/06.4TBMNC-D.G1; Ac. TRG de 14/06/2017, nº de processo 426/11.4TBPTL-A.G1 todos in www.dgsi.pt
[5] Ant. Varela in C.C.Anot., 4ª ed. P. 223 – nota 4.
[6] Prof. Carlos Alberto Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. atualizada de 1989, p. 450/451.
[7] Assim José Alberto dos Reis em Processo de Execução, vol. 2º, 2ª Reimpressão, p. 480, justificando o afastamento do direito de remição ao executado por a este caber o direito de fazer cessar a ação executiva pelo pagamento.
[8] Este argumento da nova penhora na mesma execução foi convocado por Eurico Lopes Cardoso in “Manual da Ação Executiva, 3ª edição – Reimpressão p. 617 como argumento adicional para afastar o direito de remição ao executado que seja simultaneamente cônjuge ou descendente de outro executado.
Aqui tendo convocado dois Acs. do STJ de 1963. Um primeiro de 26/03/1963 onde foi reconhecido a uma herdeira habilitada de um executado falecido na pendência da execução o direito a remir bem vendido na qualidade de descendente da executada mulher; um segundo Ac. de 28/05/1963 onde sendo executados marido e mulher, esta executada pretendeu exercer o direito de remição o que lhe foi negado por extemporaneidade e também por ser executada.
[9] Cfr. Ac. TRG de 15/10/2013, nº de processo 3527/09.5TBBRG-A.G1 (realce nosso) in www.dgsi.pt;
[10] No sentido por nós defendido foi decidido no Ac. TRC de 22/05/2007, nº de processo 212-E/1997.C1, in www.dgsi.pt.
Em sentido contrário cfr. Ac. TRG de 30/11/2006, nº de processo 1977/06-1 in www.dgsi.pt, neste sendo citados os dois Acs. do STJ acima também já citados e ainda um outro de 28/03/95 BMJ. 445/412, numa interpretação extensiva sem relevo para o caso dos autos. Finalmente foi também citado um Ac. TRP de 6/7/2000, C.J.2000, Tomo IV, pag. 177.
[11] Assim Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, ed. 6ª p. 515/516.