Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
605/17.0T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: SIMULAÇÃO NEGOCIAL (REQUISITOS)
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA PESSOA COLETIVA
Nº do Documento: RP20220504605/17.0T8AVR.P1
Data do Acordão: 05/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Para que haja simulação, nos termos do art. 240º, nº 1 do Cód. Civil, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: a) intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; b) acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório); c) intuito de enganar terceiros;
II – Se a própria sociedade autora é simuladora não pode ser havida como terceiro para o preenchimento deste 3º requisito da simulação – intuito de enganar terceiros;
III – A prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades apenas é válida quando houver justificado interesse próprio da sociedade garante ou quando a sociedade garante se encontre em relação de domínio ou de grupo com o devedor;
IV – O justificado interesse é definido pela própria sociedade através dos seus órgãos;
V – Constituída a garantia, cabe à sociedade que invoque a nulidade o ónus da prova da ausência de interesse próprio ou da inexistência da relação de grupo;
VI- Não é nula a hipoteca constituída pela sociedade autora sobre um seu prédio urbano para garantir uma dívida contraída por uma outra sociedade se a sociedade autora agiu dentro da sua capacidade, não se tendo demonstrado a ausência de justificado interesse próprio;
VII – A desconsideração da personalidade coletiva justifica-se pela necessidade de corrigir comportamentos ilícitos, fraudulentos, de sócios que abusaram da personalidade coletiva da sociedade, seja atuando em abuso de direito, em fraude à lei ou, de forma mais geral, com violação das regras de boa-fé e em prejuízo de terceiros; VIII – Se o respetivo gerente ficcionou a constituição da sociedade autora com vista a colocar o seu património imobiliário nessa sociedade (que não tem atividade, que não tem receitas, que não tem clientes, que não tem conta bancária) e, nessa qualidade, munido de uma deliberação social, no âmbito de um contrato de mútuo constitui hipoteca sobre um prédio integrado nesse património, para, mais tarde, após não ter conseguido cumprir com o que fora estipulado, vir a sociedade autora invocar regras societárias para invalidar tal garantia respeitante a esse prédio impõe-se o recurso ao instituto da desconsideração da personalidade coletiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 605/17.0T8AVR.P1
Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 3
Apelação
Recorrente: “S..., Unipessoal, Lda.”
Recorridos: AA e BB
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
A autora “S..., Unipessoal, Lda.” intentou ação declarativa na forma comum contra os réus AA e BB.
Alega, em síntese, que é proprietária de um imóvel. O gerente, à data, CC, sem conhecimento da única sócia da sociedade, DD, realizou uma escritura na qual hipotecou aquele imóvel para garantir um mútuo que a ré alegadamente lhe concedeu.
Mais tarde, o marido da ré, na qualidade de representante da autora (isto porque naquela escritura o gerente passou-lhe procuração), realizou uma dação em cumprimento com a ré na qual o referido imóvel foi a esta entregue para pagamento da quantia mutuada.
Todavia, quem emprestou o dinheiro, em termos usurários, foi o réu e não a ré. Além disso, a quantia não foi emprestada à autora, mas sim a uma outra empresa na qual o gerente da autora era colaborador directo (C...).
Deste modo, este negócio não é válido, pois não faz parte do objeto social da autora garantir empréstimos de terceiros. Por outro lado, houve abuso de representação por parte do gerente. Além disso, aquele negócio foi simulado, pois o mútuo não foi feito pela ré nem concedido à autora, tendo visado prejudicar esta última.
Acresce que a supra referida procuração é nula nos termos do art. 252º do Cód. das Sociedades Comerciais. Além de que nessa procuração se atribuiu um poder que excede o objeto social da autora.
Por outro lado, não existiu qualquer deliberação social que permitisse a constituição da hipoteca. A ata que existe a este respeito contém uma assinatura falsificada de EE.
Por fim, os réus tomaram posse do imóvel sem título para tal, tendo-se apoderado do recheio, não devolvendo à autora os bens que o integram. Além disso, privaram a autora de usar o imóvel o que lhe causou prejuízo.
Pede assim o seguinte:
Nestes termos, deve a acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser:
a)- declarado nulo o contrato de mútuo com hipoteca identificado nos arts. 1º e 2º desta p.i, com as legais consequências, e condenados os R.R. a assim reconhecerem;
b)- declarado nula e/ou ineficaz em relação à autora, a ata identificada nos arts. 65º e 68º desta p.i. e que consta do doc. nº 17 que se junta, com as legais consequências, e condenados os R.R. a assim reconhecerem;
c)- declarada ineficaz e/ou nula a procuração identificada nos arts. 28º, 29º e 30º desta p.i. e que consta do doc. nº 15 que se junta, com as legais consequências, e condenados os R.R. a assim reconhecerem;
d)- declarado nulo o contrato de dação em pagamento identificado no art. 6º desta p.i., com as legais consequências, e condenados os R.R. a assim o reconhecerem;
e)- ordenado o cancelamento das inscrições registrais alusivas à hipoteca e à dação em pagamento aludidas nos arts. 1º, 2º, 5º e 6º desta petição, a expensas dos R.R.;
f)- os R.R. condenados a restituírem à A. o imóvel descrito no art. 2º desta p.i., bem como todos os móveis descritos no art. 76º e todos os outros que componham o recheio do imóvel aludido no art. 2º desta p.i. e se vierem a provar existir, no estado de conservação que os mesmos apresentavam na data da escritura mencionada no art. 6º, ou caso os mesmos já não existam, serem condenados os R.R. a pagar à A. o respetivo valor, acrescido de juros de mora a contar da citação até integral pagamento;
g)- os R.R. condenados a pagar à A. a quantia de 30.000,00 €, já vencida e liquidada, de indemnização por privação do uso do imóvel descrito no art. 2º, nos termos referidos supra no art. 81º, bem como a pagar, pelo mesmo motivo, à A. as quantias que se vencerem até à entrega efetiva do imóvel do art. 2º, calculados nos mesmos termos mencionados no art. 81º, acrescidas de juros de mora à taxa legal, a contar da citação e até efetivo e integral pagamento;
h)- os R.R. condenados a pagar à A. a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença por todos os danos que a A. sofreu e sofrerá ainda e não são ainda passíveis de liquidação, a que se alude no art. 83º desta p.i., acrescida de juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
i)- tudo com as demais consequências legais;
j) - serem os R.R. condenados nas custas.
Citados, os réus contestaram alegando, em síntese, que EE e DD são filhos de CC. Este sempre se apresentou como o dono da autora e da “C...” e que, por dívidas que tinha, não podia ter nada em seu nome. De facto é ele quem dirige todas as sociedades. Todas as escrituras correspondem à realidade e os negócios são válidos. Os móveis que a autora alega não são seus.
A autora respondeu mantendo o alegado.
Foi proferido despacho saneador, onde se considerou o réu parte legítima, se definiu o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Foi depois proferida sentença que absolveu os réus dos pedidos.
Inconformada com o decidido interpôs recurso a autora que finalizou as suas alegações com as seguintes – e muito extensas - conclusões:
I- A douta sentença proferida nos autos decidiu erradamente, tanto do ponto de vista da matéria de facto que julgou provada ou não provada, como do ponto de vista do direito aplicável.
II- Reapreciando o Tribunal ad quem a prova gravada produzida na audiência de julgamento e conjugando-a com a documentação existente no processo, está certa a recorrente que procederá às alterações à matéria de facto dada como provada e não provada, nomeadamente considerará os pontos 15, 19, 21, 22, 23 e 24 dos factos dados como provados na sentença como não provados e os factos considerados não provados e elencados sob as alíneas a), b), e), f) e g) na mesma, como provados.
III- Na verdade, o testemunho prestado pelas testemunhas da A. e restantes foi tratado pelo tribunal a quo como credível no que a prejudica e não credível no que a beneficia.
IV- Não é despiciente considerar, na apreciação e valoração da prova, designadamente da testemunhal, o nível cultural (baixíssimo) das (principais) testemunhas, o período pandémico e seu reflexo, o uso de máscaras e que a factualidade em causa já remonta a 8 anos atrás.
V- O ponto 15 da matéria dada como provada, no que respeita à referência de que o R. marido emprestou dinheiro ao CC para aplicar na sociedade C..., não está de acordo com a prova produzida.
VI- Com efeito, o tribunal a quo reconhece a dado passo na sentença proferida que os empréstimos do R. eram para as “C...” e não para o CC, o que, de resto, ficou demonstrado pelos documentos juntos pela A. (cheques), todos ou grande parte dos alegados empréstimos efetuados à C... (inclusivamente o mútuo colocado em crise nos presentes autos) estavam titulados por cheques/garantia emitidos pela mesma ou foram pela mesma pagos através de cheques seus ou de entregas em dinheiro daquela sociedade e não do CC.
VII- Nesse sentido, vão também os depoimentos das testemunhas FF (depoimento gravado desde as 11h33m e 50 segundos até 11h40 m e 06 segundos, com especial relevo a parte do mesmo gravado desde o minuto 01:47 até ao minuto 03:38), CC (depoimento gravado desde as 17h 47m e 54 segundos até às 14h 53m e 44 segundos, com relevo para a parte do mesmo gravado desde o minuto 01:00 até ao minuto 04:31 e desde o minuto 06:56 até ao minuto 07:11) e GG (depoimento gravado desde as 15h 14m e 28 segundos até às 15h 29m e 09 segundos, com relevo o trecho do mesmo desde o minuto 11:37 até ao minuto 13:29).
VIII- Quanto ao ponto 19 da matéria dada como provada, encontra-se o mesmo incorretamente julgado, afigurando-se de grande importância para permitir o desenvolvimento do raciocínio doutrinal e jurídico sobre a qualificação dos atos e institutos com referência a conhecimento e responsabilidade pelos mesmos, nomeadamente, em matéria de ilicitude e má-fé, razão pela qual discorda a apelante do texto e das considerações tecidas sobre este ponto pelo tribunal a quo.
IX- Neste consta como provado que “…As escrituras e procuração supra elencadas foram acompanhadas/assessoradas profissionalmente pelo mandatário dos RR. e a pedido do CC, este advogado remeteu uma minuta de acta de assembleia geral.” e na explicação subsequente, desvalorizando-o, o Meritíssimo Juiz a quo refere-o como se tratando de algo instrumental.
X- Desse entendimento discorda a recorrente, uma vez que a assessoria jurídica por parte de quem se encontra devidamente habilitado para tal (o advogado) consubstancia uma efetiva verificação e autoria na escolha, controlo e verificação de todos os atos que formalizaram os contratos.
XI- O mandatário escolhido foi-o pelos R. R. e não por CC, que o mandataram para tratar de tudo o que fosse preciso para que tudo corresse pelo melhor (para eles RR.) – o que resulta do depoimento de parte da Ré BB, gravado com início às 10:39:46h e fim às 11:07:21h, minuto 10:48 ao minuto 11:06, minuto 11:39 ao minuto 11:48, minuto 13:00 ao minuto 13:02, minuto 16:57 ao minuto 17:12, minuto 26:38 ao minuto 26:49 e minuto 26:50.
XII- Com efeito, foi o mandatário dos RR. quem definiu a minuta e conteúdo da ata da assembleia, logo, os poderes que deveriam constar da procuração, foram especificamente determinados e/ou determinantes (em razão) desta, nada tendo resultado do depoimento das testemunhas ouvidas que o CC tenha instruído ou determinado seja o que for a tal mandatário.
XIII- A intervenção e acompanhamento do advogado no tratamento do assunto é de suma importância no conhecimento que os RR. tiveram da situação relevante de tudo o que teve a ver com a A., o negócio e suas diversas variantes e implicações e, nomeadamente, em matéria de alegadas ilicitude e abuso de direito que o Meritíssimo Juiz a quo usa na sentença proferida como base da sua argumentação doutrinal contra a A., sem qualquer consideração por factualidade tão juridicamente relevante.
XIV- Na escritura pública de setembro de 2013 de mútuo com hipoteca, foram prestadas falsas declarações, cujo conhecimento e anuição de rodos os intervenientes presentes, com exceção do notário, não deixa dúvidas.
XV- Na sua contestação os RR., em aparente e desesperada defesa e justificação e à mingua de outros argumentos, vieram alegar a existência de um alegado complô da “família ...” que, em bom rigor, não se compreende e representa, pelo menos, manifesto abuso de direito, pois não se percebe qual foi o engano, abuso ou ilicitude praticadas pela A., que, aliás, o tribunal não logrou especificar.
XVI- Não foi a A. quem escolheu a forma dos negócios, sua concretização e respectivos meios, não foi esta quem expressamente, no ato público, afirmou que o dinheiro lhe tinha sido a ela emprestado.
XVII- Quem foi enganada foi a A. porque, mesmo sem se discutir a matéria respeitante à assinatura da ata da assembleia da A., nunca recebeu qualquer empréstimo dos RR., não beneficiando do que quer que fosse, não procedeu ao tratamento do que quer que fosse com vista a obter o empréstimo em causa nos autos.
XVIII- Os prédios que constam do seu património pertencem ao seu imobilizado pelo menos há mais de 20 anos (pelo menos 12 anos antes deste negócio e sua concretização formal), sem prática de qualquer ato de que possa resultar perigo ou atuação de má-fé ou intenção de prejudicar os RR., que é o que aqui também está em causa.
XIX- A argumentação enfaticamente prosseguida pelo tribunal de que a atuação da A. visa não permitir aos credores do CC verem satisfeitos os seus créditos, não passa, desde logo, de matéria puramente conclusiva, pela manifesta falta de prova documental indispensável para tal (não será o mero conhecimento de uma penhora havida há 13 anos atrás e, aparentemente, sem consequência e provavelmente extinta pelo pagamento, e o depoimento em linguagem comum genérica das testemunhas, que configura tal quadro). E
XX- A A. desconhecia essencialmente o significado e valor jurídico dos atos praticados e respetivos termos e consequências perante o(s) contrato(s) escolhidos e formalizados.
XXI- A A. desconhecia e desconhece, por inexistência, qualquer ilicitude e prática fraudulenta contra terceiros, nomeadamente os RR..
XXII- Um dos pontos fulcrais a apreciar e que a prova produzida corrobora, é justamente saber que o gerente da A. à data cometeu abuso de representação no negócio em causa nos autos, tratado e decidido pelos RR. (com a intervenção direta do seu mandatário).
XXIII- Os pontos 21 a 23 da matéria dada como provada na sentença proferida não o deveriam ter sido, quer quanto à extensão (genérica) da factualidade que incorpora, quer quanto ao texto e sentido pretendido e/ou indiciado pelo tribunal a quo.
XXIV- Trata-se de matéria alegada na contestação, inexistindo qualquer prova documental no processo que a confirme e no que respeita à prova testemunhal produzida, esta não passou de um conjunto de opiniões essencialmente conclusivas e genéricas, em linguagem comum e sem rigor jurídico/societário, cujo significado não pode ser retirado do contexto e entendimento absolutamente limitado e ser transposto de forma iminentemente negativa para a A., sem, repete-se, qualquer sustentação documental específica.
XXV- A afirmação de que o CC sempre se apresentou perante o R. marido como dono da sociedade A., em nenhum momento e de nenhum modo se encontra provado.
XXVI- O depoimento da testemunha HH, ouvido com toda a atenção, leva a concluir o contrário, como vem gravado desde o minuto 02:19 ao minuto 03:19 do seu depoimento prestado desde as 11h e 22m da sessão de julgamento.
XXVII- Depois, a A. foi criada em 2001 e o património desta faz parte do seu imobilizado desde tal ano.
XXVIII- Qualquer ato de gestão, nomeadamente com intenção de proteção de património, seja qual for, desde que legal, ocorrido há 20 anos ou mais, não só não é censurável, como legitimamente se consolidou, sendo, com todo o respeito, irrelevante para a decisão do presente pleito tal matéria.
XXIX- O facto dado como provado em 23 na sentença proferida tem de ser dado como não provado.
XXX- Isto porque nada existe nos autos em concreto e alegado que o demonstre.
XXXI- Não compete à A. inferir sobre a gestão que o CC desenvolvia nas várias sociedades de ... que o mesmo deteve, constituiu e/ou exerceu atividade e se desconhecem.
XXXII- De facto e de direito, era o CC gerente da A. até ter sido, compulsivamente e por destituição, obrigado a deixar tal gerência, tendo toda a sua família cortado com ele relações e o seu casamento acabado, o que se mantém desde então.
XXXIII- O que resulta do depoimento das testemunhas EE e CC.
XXXIV- Com todo o respeito, o tribunal a quo deveria ter considerado e não considerou a atuação dos R.R. em todo o negócio em causa nos autos.
XXXV- Na verdade, já após a providência cautelar instaurada, os R.R. deram como caução em processo-crime (que, crê-se, condenou o R.) o imóvel em questão e em causa nos autos.
XXXVI- Antes tentaram vendê-lo o mais rapidamente, o que motivou a providência cautelar que à A. foi favorável.
XXXVII- E que, com exceção do rendimento do trabalho de professora da R., não declararam qualquer outro rendimento nos últimos anos, nomeadamente o R., que o tribunal acabou por entender que era este a emprestar o dinheiro, sem se perguntar qual a origem, a que título e a que preço.
XXXVIII- Os R.R. para garantirem os seus “negócios” de concessão de crédito, controlaram ab initio todos os atos de constituição de garantia e subsequente transmissão (procuração com poderes para fazer negócio consigo próprio), em caso de incumprimento, ultrapassando uma eventual execução e tudo o que tal possa significar, nomeadamente a transmissão “tout court” unilateral do bem para o seu património, o risco de aferição do valor real do bem dado de garantia, que, como neste caso, tem um valor de mercado de mais do dobro do mútuo declarado (veja-se o valor pelos mesmos fixado - € 250.000,00 - na entrega do bem a título de caução e que o Meritíssimo Juiz a quo entendeu desvalorizar).
XXXIX- Tudo isso a traduzir-se num ato de absoluta exploração das necessidades dos necessitados que a eles recorrem.
XL- Não sendo credível é que emprestem dinheiro a terceiros, que mal conhecem, sem qualquer contrapartida, nomeadamente, a título de juros.
XLI- Não consta em nenhum lado, muito menos no processo, que a A. tenha sido ou seja objeto de qualquer atuação, nomeadamente administrativa, fiscal, judicial e/ou societária no sentido de limitar ou pôr em causa a sua personalidade judiciária e a sua qualidade.
XLII- Na sentença recorrida, inexiste qualquer decisão condenatória quanto à validade, existência e capacidade jurídica e societária da A. enquanto sociedade e também não foi deduzido qualquer pedido reconvencional com vista a tal fim.
XLIII- A A. é considerada parte legítima na ação.
XLIV- O que existe nos autos, com o devido respeito, são considerandos especulativos e conclusivos sobre tal matéria, baseado num raciocínio que se entende inapropriado e puramente doutrinal, sem consequência efetiva para além de servir para justificar a absolvição dos RR..
XLV- Olvida o tribunal a quo que o património detido pela A. nunca sequer foi pertença da sociedade comercial “C..., Lda.”, sociedade para a qual se destinou a quantia emprestada e garantida pela hipoteca.
XLVI- Sendo certo ainda que tal sociedade comercial, como as outras, se distingue dos seus sócios e gerentes, pois, têm por si só personalidade e capacidade judiciárias.
XLVII- Inexistindo confissão, a representante legal da A. prestou o seu depoimento sem reservas ou reclamações, a muito mais matéria que a requerida e permitida, mas o Meritíssimo Juiz a quo tratou tal depoimento como se de confissão ou até testemunho se tratasse, para justificar a sua versão dos acontecimentos, que não tem qualquer prova que a corrobore.
XLVIII- À data do negócio e escritura em causa nos autos, o CC era de facto e de direito o gerente da A., mas, por si só, não tinha poderes para praticar os atos que praticou, algo indiscutível, nomeadamente, perante o direito.
XLIX- Quanto ao facto 24 dado como provado, não concorda a A. com o mesmo, pelo que deverá ser alterado ou dado como não provado.
L- Quanto ao livro de atas, não se entende como o desaparecimento do mesmo possa ser entendido pelo Meritíssimo Juiz a quo como prejudicial aos RR..
LI- É que a falta de peritagem com recurso ao original, de que, por tal motivo, foi impedida a A. de o fazer, considerando a sua alegação e o ónus de prova, só a esta poderia prejudicar.
LII- De resto, o Meritíssimo Juiz a quo não logrou desenvolver a ideia de que eram os RR. quem, como referiu, sairiam prejudicados com tal.
LIII- Ao contrário do que consta na sentença proferida, da peritagem efetuada não resultou de que tenha sido o EE a assinar tal ata, mas que “pode ter sido” o mesmo a assinar a ata (nº 7 da tabela).
LIV- Tal corresponde ao primeiro resultado de âmbito positivo da tabela de respostas (nº 7), em que o anterior (nº 6) tem a legenda: “Não é possível formar uma conclusão” e o último (nº 11) tem a legenda: “Probabilidade próxima da certeza científica”.
LV- Mesmo a última hipótese (nº 11) não dá uma certeza de 100% do autor do escrito, neste caso, da assinatura.
LVI- Ao contrário do que o Meritíssimo Juiz a quo pretende e entende, tal peritagem não estabelece qualquer presunção científica nem um sério indício.
LVII- Aquele resultado não conclui, sequer, que foi o EE quem assinou a ata.
LVIII- Dos autos consta cópia do cartão de cidadão do EE, onde se verifica que a sua assinatura corresponde a 3 palavras de não difícil imitação.
LIX- Independentemente da informação científica, da mera verificação comparativa entre a assinatura da ata e a do cartão de cidadão do EE resulta que são visualmente diferentes. Ora,
LX- Perante a (não) conclusão da prova pericial relativamente ao autor da assinatura em causa, resta a prova testemunhal.
LXI- Como já tinha acontecido no julgamento da providência cautelar, tanto a testemunha EE, como o CC de forma clara simples e direta, respetivamente, afirmaram não ter o primeiro assinado a ata e que terá sido o seu pai a fazê-lo e, o segundo, como tendo sido o próprio a fazê-lo.
LXII- Na providência cautelar, perante um depoimento prestado da mesma forma, foi tal facto dado como provado, mas aqui tal não aconteceu, apesar de nenhuma outra prova carreada para os autos ter inquinado tais depoimentos.
LXIII- Ainda, tendo em conta os testemunhos de todas as testemunhas ouvidas, não houve uma única que afirmasse que na A. se passava o mesmo que nas empresas de ....
LXIV- A teoria que o tribunal a quo prepara inicialmente e acaba por desenvolver à frente na douta sentença em crise, de que existiria interesse nos destinos das empresas de carne pela A. só se pode apelidar de subjetiva, conclusiva, irreal e, aparentemente, ingénua e não tem qualquer sustentação na prova produzida.
LXV- Transparece dos autos e aceita-se é que o EE terá sido mandatado pela sua irmã porque esta estava no Brasil, para praticar (alguns?) atos, caso fossem necessários, desconhecendo-se o teor e alcance de tal procuração, bem como se desconhece se tal procuração concedia poderes para todas as deliberações escritas na ata nº 19 da alegada (mas não concretizada) Assembleia Geral da sociedade autora.
LXVI- A resposta ao facto que consta sob o número 24 dos factos provados deve, em face do exposto, ser alterada no sentido de que a ata não foi assinada pelo EE e sim pelo CC, que falsificou a assinatura daquele.
LXVII- A A. não concorda com a qualificação e explicação do Meritíssimo Juiz quanto aos factos das alíneas a) e b) dados como não provados.
LXVIII- Quanto à alínea a), trata-se novamente da argumentação da procuração, a qual, segundo o Meritíssimo Juiz a quo teria sido efetuada depois do irmão EE ter dado conhecimento à sócia da A. do real empréstimo que o CC queria contrair, mas tal não é verdade, inexistindo qualquer prova de tal nos autos que pudesse levar a tal conclusão.
LXIX- Do que corre nos autos, nunca a DD autorizou o CC a praticar o negócio e os atos em causa.
LXX- A sócia da A. não passou a procuração ao CC, mas antes ao EE, sendo manifesto e já constar, pelo menos da prova da providência cautelar, que a mesma não confiava no pai.
LXXI- A defesa do contrário, não tem qualquer prova no processo que a sustente.
LXXII- O litígio que se seguiu e o manifesto corte de relações total com aquele CC em consequência da sua atitude, é prova de que a sócia da A. nunca o autorizaria à prática de tais negócios.
LXXIII- Quanto à alínea b) dos factos dados como não provados, trata-se de mero raciocínio conclusivo sobre a estranheza do CC a não ter avisado do que estava a acontecer após o seu regresso do Brasil (porquê? se tinha feito “asneira” e não sabia da troca das fechaduras) e o aparente aproveitamento da discrepância quanto a datas (diferença de meses), sem qualquer consideração pelo longo tempo decorrido (oito anos) desde a ocorrência de tais factos, já cá em Portugal, muito após a assinatura da referida escritura, sendo relevante a propósito o depoimento do CC desde o minuto 10:31 ao minuto 12:49.
LXXIV- Em face disso, deverão os factos de tais alíneas ser considerados provados.
LXXV- Quanto ao facto dado como não provado da alínea d), também a apelante não concorda com a asserção do tribunal a quo.
LXXVI- O requerimento que os RR. apresentaram nos autos de inquérito do proc. nº 1412/11.0OJAPRT, que correu termos na 1ª Secção do DIAP de Sta. Maria da Feira (ap. 979 de 2015/09/10 do Registo Predial) visou concretizar e caucionar a medida de coação imposta nesses autos e, voluntária e expressamente, atribuíram o valor de mercado de tal imóvel e que é de € 250.000,00 – veja-se certidão de registo predial junta aos autos do procedimento cautelar apenso respeitante ao imóvel “...” – proposta escrutinada pelo MP e Sr. Juiz naquele processo e aceite.
LXXVII- Pelas mesmas razões já antes realçadas o facto dado como não provado na alínea e) é expressão da opção do tribunal relativamente à instrução com vista à elaboração da sentença nos termos proferidos, sendo evidente o conhecimento, do R., da ilicitude do ato.
LXXVIII- Se tal não fosse expectável ou fosse desculpável por parte de uma pessoa normal/média, não é tal defensável quando se tem um mandatário forense a patrocinar profunda e absolutamente os negócios dos RR..
LXXIX- Por força da confissão, quando a R. (os RR.) na própria escritura declarou (aram) que estava(m) a emprestar o dinheiro à A. (e não às C...), não podiam deixar de saber da ilicitude do seu comportamento.
LXXX- A ilicitude é para com a A..
LXXXI- Pelo que o facto de tal alínea deverá ser considerado como provado.
LXXXII- Quanto ao facto dado como não provado na alínea f), também a apelante não concorda com a decisão proferida.
LXXXIII- Salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo entende que sendo o CC o gerente da A., tudo o que o mesmo fizer, encontra-se a coberto pela legitimidade, competência e seus deveres como gerente.
LXXXIV- No entanto, o mesmo, para além de ter que prosseguir o objeto social da mesma, não pode praticar atos para os quais necessite de autorização expressa como é o caso.
LXXXV- No humilde entendimento da A., independentemente da assinatura da ata ser válida ou não, este não foi autorizado a contrair empréstimo a favor de terceiros, nem a constituir garantia hipotecária, também a favor de terceiros.
LXXXVI- O empréstimo concedido não foi à A. mas sim a terceiro e, independentemente de haver uma pretensão de restituir/pagar o montante mutuado às C..., nenhum destes negócios pertenciam ao âmbito de poderes conferidos a este, seja pela lei, seja pela ata.
LXXXVII- Quanto ao facto dado como não provado na alínea g), mais uma vez se diz, ao contrário do que o Meritíssimo Juiz a quo refere, que o desaparecimento do livro de atas apenas pode prejudicar a A. porquanto era esta quem tinha o ónus de prova.
LXXXVIII- Pelo que deverá tal matéria ser dada como provada.
LXXXIX- Quanto à matéria da simulação, existe uma divergência entre a declaração negocial e a vontade real dos declarantes, quer quanto à pessoa do mutuante, quer quanto à pessoa do mutuário, quer quanto ao mútuo, nomeadamente o seu montante.
XC- Sendo a mutuária, neste caso a A., quem configura a posição de terceiro neste negócio.
XCI- O gerente da A. CC apenas poderia constituir mútuo a favor daquele e consequente constituição de hipoteca voluntária a favor da mutuante que seria a R. BB.
XCII- Provou-se que o negócio foi negociado entre o R. AA e o CC na figura de colaborador da sociedade “C...” e não a A. e a Ré BB.
XCIII- O R. AA e a sociedade “C...” sempre se relacionaram quanto a mútuos, com a intervenção do colaborador CC e não como gerente da A., aproveitando aquela qualidade de gerente.
XCIV- A figura do CC como gerente da A. é juridicamente diferente do mesmo como colaborador de empresa terceira e é este quem figura como declaratário e não a A., que é meramente usada para benefício dos RR. e C..., por intermédio de CC.
XCV- A atuação dos RR. e do CC, colaborador da sociedade “C...” visou prejudicar e prejudicou a A..
XCVI- Pelo que se entende que se encontram reunidos os requisitos da simulação e consequente nulidade do negócio e, por consequência, o negócio acessório de constituição de hipoteca sofrerá do mesmo efeito e terá as mesmas consequências.
XCVII- Quanto à procuração passada a mandatário ao R. AA, na ata da assembleia inexiste qualquer autorização para que o gerente da A. pudesse constituir procurador para o exercício de todos os poderes que inclui a possibilidade do mesmo poder proceder à venda ou oneração, não só da ... (imóvel em questão), mas de todo o património da A., os quais não são atos de mera disposição, confirmado pela necessidade de deliberação social.
XCVIII- Todos os poderes conferidos, com tratamento e total controlo e conhecimento dos RR., foram para que a A., no seu interesse, beneficiasse de tais atos e não para benefício de terceiros, o que não aconteceu.
XCIX- A atuação do gerente da A. e, consequentemente, do procurador R. AA, não foi no sentido e não exprime a declaração de vontade da representada.
C- A procuração continha esses mesmos poderes onde é evidente que a venda ou dação em cumprimento respeita à consequência da A. não pagar o empréstimo que deveria ter beneficiado, mas não beneficiou, o que decorre de confissão da Ré BB.
CI- Tal, no nosso humilde entendimento, integra o respetivo vício e determina, nomeadamente, a nulidade da procuração e/ou a sua utilização ilícita/nula (nomeadamente, o artº 259º do CC.).
CII- Os poderes constantes da procuração, embora não sejam gerais de gerência, integram uma amplitude tal de atos que, inclusivamente, permite vender e/ou onerar todos e quaisquer bens da A., independentemente da ata ser nula, que o é.
CIII- Tais poderes, por não serem de mera disposição, têm que ser devidamente autorizados pela sociedade.
CIV- O nº 6 do art. 252º do CSC, ao consentir à gerência a faculdade de nomear mandatários ou procuradores da sociedade, não o fez irrestritamente.
CV- A procuração com tais poderes viola o núcleo intangível de poderes que não podem ser “delegados”, sob pena de se perder a pessoalidade da gerência que passaria de modo completo e incontrolável para o R., que, dispondo de poderes específicos, mas amplos, controlaria a gestão da sociedade, podendo esvaziá-la de todo o seu imobilizado, à margem da gerência.
CVI- O que acarreta a nulidade da procuração.
CVII- O gerente da A. à data agiu sem poderes, por força da falsificação da assinatura que da mesma consta.
CVIII- Assim não se considerando, mesmo o seu conteúdo não permitia ao gerente da A. outorgar escritura de mútuo e a constituição de hipoteca/garantia real a favor de terceiros sobre bens da A..
CIX- Tal configura abuso de representação, resultando inequivocamente da factualidade dada como provada.
CX- Pelo que existe violação do artº 60, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais e, por consequência, é ineficaz quanto à A., nos termos do artº 268º, nº 1 do Código Civil.
CXI- Quanto à desconsideração da personalidade coletiva, considerando a necessidade da existência de um juízo de reprovação sobre a conduta do agente (A.), a qual se deve revelar ilícita, não se vê de que maneira tal se concretiza no caso.
CXII- Pergunta-se, desde já, tendo a A. sido constituída há mais de 20 anos e o imobilizado nela existente, lá estar praticamente desde a sua criação, sem atividade relevante, como é possível defender que aquela pretendia ilicitamente prejudicar e enganar os RR., 13 anos depois?
CXIII – Sendo que a sua atividade nunca e em nada se confundiu com a atuação das sociedades de ... do CC (que nos autos se desconhecem).
CXIV- Além de que, independentemente do raciocínio conclusivo do Meritíssimo Juiz, toda a documentação e formalização do negócio (mútuo à empresa C...) foi da autoria e controlo dos RR., através do seu mandatário.
CXV- Tudo isto resulta que: - A R., mutuante na escritura, não foi quem procedeu ao mútuo; - A A., mutuária na escritura, não é a beneficiária do mútuo, sendo esta outra sociedade; - A hipoteca constituída a favor da R. (que não mutuou qualquer valor), para garantir o mútuo alegadamente efetuado a favor da A. (que o não recebeu), carece de tal elemento essencial/acessório e, - O imóvel em causa acaba na propriedade da R. que não mutuou qualquer valor, muito menos à A..
CXVI- A existir má-fé esta é dos R.R. que trataram de todo o processo, que bem sabiam, graças à sua experiência com os vários empréstimos às C..., que a mesma muito provavelmente não iria cumprir.
CXVII- E devido a tal conhecimento é que se deram ao trabalho de instruir toda uma panóplia de atos formais de representação, consentimento, oneração e transmissão de bem de terceiro.
CXVIII- Nunca foi omitido ou houve qualquer ato que iludisse os RR. de quem eram as partes, os interessados e o estado e propriedade, nomeadamente, dos bens.
CXIX- Existe absoluta ausência de qualquer factualidade juridicamente relevante que possa chegar à conclusão de que a A. é utilizada a contrário da sua função ou fim, em desconformidade com o ordenamento jurídico, nomeada e principalmente no que respeita aos RR..
CXX- Por outro lado, decide o Meritíssimo Juiz separar os contratos constantes da escritura e sua estreita e condicional relação.
CXXI- Nunca existiu, nomeadamente na escritura, qualquer outra justificação para a figura da garantia hipotecária a não ser como consequência/condição/garantia do mútuo a si própria, assim figurando na escritura, sendo nesta absolutamente omissa qualquer referência ao manifesto interesse, nomeadamente, para efeitos do nº 3 do artº 6º do CSC., porque inexistiu qualquer terceiro nessa escritura.
CXXII- O que o Sr. Juiz a quo faz é proceder a uma análise isolada do contrato de hipoteca/garantia a terceiro, o que não corresponde quer ao conteúdo e relação expressamente prevista na escritura pública quer o que a prova demonstra.
CXXIII- O manifesto interesse em constituir garantia a favor de terceiro no caso concreto nunca aconteceu, nem sequer foi previsto na ata da Assembleia da A., tratada pelo Mandatário dos Réus.
CXXIV- Trata-se de raciocínio puramente conclusivo a teoria de, sem a existência do mútuo que lhe está na base, manter-se-ia o interesse em constituir garantia a favor da sociedade mutuária “C...”, porque seria do interesse daquela em a proteger/garantir. Ou,
CXXV- Como o mesmo conclusivamente refere, relativamente ao CC e sua mulher que terão sido quem adquiriu o património da A., há 20 anos atrás, sem que seja efetuada qualquer prova documental ou juridicamente relevante sobre, nomeadamente, a (ir)regularidade da integração de tal património na A.. Ou,
CXXVI- De tal relevância para os atos, no mínimo, ilícitos praticados pelos RR. e CC.
CXXVII- Recusa-se a A. a comentar a conclusão do Meritíssimo Juiz a quo de que o património imobiliário só está em nome da A. devido à atividade comercial das ..., sem base factual e documental, sendo uma asserção que se pode aplicar a inúmeras situações de aquisição, transmissão e ou constituição de património, nem se sabe quem, quando e como praticou tal atividade de ... e que valores correspondem a tal rendimento.
CXXVIII- Como é conclusiva qualquer existência de relação de grupo, nomeadamente, por ausência de prova de quaisquer relações comerciais entre esta e a A., prosseguirem diferente objeto social e não se confundirem em matéria de nome ou exercício.
CXXIX- Ao contrário do que o Meritíssimo Juiz a quo refere, na hipótese de existir tal necessidade e discussão, do que se discorda, o ónus de prova do manifesto interesse da A., só poderia ser considerado se expressamente constasse da escritura pública, o que não é o caso.
CXXX- Refere ainda o Meritíssimo Juiz que o credor não beneficiou de qualquer enriquecimento, mas na verdade, considerando o suprarreferido, o mesmo teve, em menos de um ano, um enriquecimento efetivo de €135.000,00, considerando o valor atribuído ao imóvel para cumprimento da caução no processo crime.
CXXXI- Finalmente, de forma clara e esclarecedora do seu entendimento, vem ainda o Meritíssimo Juiz a quo a defender que não existiu qualquer situação escandalosa/de má-fé na atuação dos RR., recorrendo à habitual figura do cidadão médio que, perante os dados em causa, não poderia desconfiar de que a A. não poderia praticar tal ato.
CXXXII- No entanto, e como bem sabe o Meritíssimo Juiz a quo, não foi o cidadão médio quem interveio dinâmica e ativamente na preparação de todos os atos do negócio, mas antes foi o mandatário dos RR., onde é manifesta grande maturidade e experiência em tais atos.
CXXXIII- O Meritíssimo Julgador do Tribunal a quo proferiu uma decisão ilegal e errada, que importa reparar.
CXXXIV- Pelas razões invocadas pela recorrente, a douta decisão proferida não aplicou e não atendeu ao disposto, nomeadamente, nos arts. 259º e 268º, nº 1 do C.C., e arts. 252º, nº 6, 60º, nº 2 e 6º, nº 3 do CSC.
Pretende assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue procedente a ação e condene os réus no pedido.
Os réus apresentaram contra-alegações, nas quais se pronunciaram pela confirmação da sentença recorrida.
Formularam as seguintes conclusões:
1 - No que toca ao presente recurso, não existe qualquer contradição ou erro na apreciação da prova, pelo menos que aproveite à Recorrente, e muito menos existe qualquer erro da subsunção dos factos ao direito na douta sentença dos autos, tendo o Meritíssimo Juiz a quo, efectuado um correcto enquadramento jurídico dos factos, pelo que a Douta Sentença não merece qualquer reparo.
DA ALEGADA CONTRADIÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA:
2 - A Recorrente não logrou provar o que lhe competia, conforme muito bem fundamentado na Douta Sentença.
3 – A recorrente não sustenta nem enfatiza qualquer prova que contrarie os factos dados por provados e não provados pelo Tribunal a quo.
4 - Aliás, diga-se, que o esforço dos recorrentes, mais que enunciar elementos de prova que pudessem pôr em crise a matéria dada por provada pelo Tribunal a quo, perdem-se em considerações e conclusões que mais não são que a reprodução do vertido em sede de petição inicial, confundindo a prova produzida com a prova que gostariam de ter produzido.
5 - Ponto 15- Não há qualquer contradição entre a matéria dada por provada e a prova produzida.
6 - Na verdade, vai bem o Tribunal a quo quando no exame crítico da prova sustenta: “Do julgamento resultou, de modo dir-se-ia unânime, que era o réu quem se dedicava à actividade dos empréstimos pessoais (cfr. infra). O surgimento da ré teria em vista outra razão, isto é, a mesma surge para figurar no negócio formal, sem que, contudo, tal correspondesse à realidade. Isto é, esta nada emprestou. Quem o fez foi o seu marido, aqui réu. Por outro lado, atentos os documentos, indicia-se desde logo que neste empréstimo o mutuário não foi a autora. O mutuante foi o réu e a mutuária foi a C... através de CC. Repare-se que são os próprios réus que alegam que a autora não tem qualquer actividade dando-lhe o epíteto de barriga de aluguer do CC (art. 65 da contestação).”
7 - Ponto 19 – Os Recorrentes vêm pôr em crise a asserção produzida pelo Meritíssimo Juiz a quo. Vai bem o Tribunal a quo quando refere que se trata de um facto instrumental.
8 - Contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, é instrumental quanto ao objecto dos presentes autos saber quem instruiu a documentação para a escritura, tão instrumental como saber quem foi o senhor notário que redigiu a mesma, pelo que nenhum desacerto existe na asserção produzida pelo Tribunal a quo.
9 - Ponto 21 a 23 – Dúvidas não restam da prova produzida, incluindo a vasta prova documental, que desde sempre foi o senhor CC quem todas as empresas geriu, quem tratava e trata de todos os assuntos das empresas que criou à sua volta, fosse com a banca, com trabalhadores, com fornecedores, com a contabilidade, tudo era gerido pelo CC, o que ainda hoje acontece.
10 - Reproduz-se assim o vertido na Douta sentença, que dando por provados os pontos 21 a 23, fundamenta:
(segue-se transcrição da sentença recorrida)
11 - Diga-se que conforme resulta da prova produzida, a testemunha CC, gerente da Recorrente à data do mútuo dos autos, constituiu por si ou por interpostas pessoas, sociedades comerciais onde exerceu a actividade do comércio de ... e através das quais contraiu várias empréstimos e dívidas, tendo aquelas como final a sua venda ou insolvência, na maior parte dos casos em nome de terceiros, com gerência de terceiros, mas quem de facto em todas mandava era o próprio CC.
12 - A par destas sociedades de grande giro comercial, e todas deficitárias, constituiu o referido CC uma sociedade imobiliária, a aqui Recorrente, proprietária de todo o património imobiliário da família, cujas quotas foram transmitidas na sua totalidade à sua filha, estudante, sem quaisquer rendimentos.
13 - Na verdade o tribunal “a quo” deu relevo e bem, ao facto do gerente da Recorrente (testemunha CC), ter várias empresas e independentemente dos sócios e gerentes de direito que nas mesmas figuravam, ser este quem em todas mandava e manda.
14 - Da sentença dos autos, no que concerne a esta matéria, apenas se discorda que o depoimento da testemunha CC tenha sido valorado como testemunha, quando em nosso modesto entendimento, é verdadeira parte, na qualidade de gerente da Recorrente, cuja destituição, não foi mais que acto meramente instrumental para a propositura dos presentes autos.
15 - Ponto 24 – Competia à Recorrente a prova de que a assinatura constante na acta foi falsificada. A Recorrente não só não logrou provar o facto que lhe competia, como foram os aqui recorridos quem requereu a prova pericial face à alegada falsidade de assinatura.
16 - Ainda que apreciada livremente pelo Tribunal, da prova pericial resulta que a assinatura pode ter sido produzida pelo punho de EE, pelo que vai bem o Tribunal a quo a dar o ponto 24 como provado.
17 - Quanto à matéria dada por não provada, foi determinada pela ausência de prova ou incongruência de alguns depoimentos ou ainda pela tendência evidenciada por algumas testemunhas, conforme muito bem fundamentado na Douta sentença, pelo que foi assertivo o Tribunal ao dar tal matéria por não provada.
18 - Apenas quanto à alínea g) se pretende, para além do fundamentado pelo Tribunal a quo, que se subscreve, referir o documento 6 junto com a p.i., onde o mandatário solicita a acta para instruir a escritura, podendo esta resultar do livro de actas ou de cópia certificada. Ainda que instrumental, tal é revelador do desinteresse pela entrega física do livro de actas, que nenhuma utilidade tinha para os Recorridos.
DO DIREITO
19 - Os recorrentes reproduzem e fazem seu, nesta sede, todo o vertido na Douta sentença dos autos, mostrando-se o subscritor da presente incapaz de melhor o fazer que o Meritíssimo Juiz a quo.
20 - No que à simulação diz respeito, desde logo não foi provado que o negócio realizado tivesse sido feito com a intenção de enganar terceiros.
21 - Conforme bem fundamentado na Douta sentença, a Recorrente é simuladora e não terceiro, no entanto, ainda que terceiro fosse, o que não se concede, o negócio nunca visou iludir a recorrente. “(enganar não se confunde com prejudicar, significa iludir)”
22 - Não se tendo demonstrado nos autos que a divergência intencional entre a vontade e a declaração fora determinada com o intuito de enganar terceiros, inexiste um dos pressupostos de que depende a verificação de simulação, pelo que vai bem a sentença dos autos ao ter concluído pela inexistência de simulação, decidindo que o negócio dos autos não é nulo.
23 - No que toca à falta de poderes da procuração e abuso de representação, alega-se e reproduz-se mais uma vez nesta sede o profícuo e doutamente vertido na sentença dos autos, concluindo-se:
(segue-se transcrição da sentença recorrida)
24 - Quanto à desconsideração da personalidade colectiva, reproduz-se a Douta sentença:
(segue-se transcrição da sentença recorrida)
25 – A sentença dos autos, pela sua transparência e acerto não merece, salvo melhor opinião, qualquer censura, pelo que deverá ser mantida na sua íntegra (…).
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre então apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
*
As questões a decidir são as seguintes:
IReapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
IIPreenchimento dos requisitos da simulação/Nulidade do negócio;
IIIAbuso de representação por parte do gerente da autora/Nulidade da procuração emitida;
IVDesconsideração da personalidade coletiva.
*
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.
1) Por escritura pública designada de mútuo com hipoteca, celebrada em 11-09-2013 no Cartório do Notário Dr. II, situado em Sta. Maria da Feira, lavrada a fls. 138 do Livro ... daquele Cartório, CC, declarando fazê-lo na qualidade de gerente e em representação da Autora, confessou ser a Autora devedora à Ré BB da quantia de 115.000,00€ “que por esta lhe foi emprestada e que se compromete a pagar até trinta e um de Dezembro de dois mil e treze” e que “para garantia do pagamento do referido empréstimo, das despesas judiciais e extrajudiciais, se a elas houver lugar (…) o primeiro outorgante, em nome da sua representada, constitui a favor da segunda outorgante (aqui 2.ª Ré), hipoteca sobre o bem seguinte: prédio urbano, composto por casa de habitação unifamiliar, com rés do chão e mansarda, telheiro, pátio com piscina, sito em ..., “Quinta ...”, freguesia ..., concelho ..., descrito na competente Conservatória sob o número ..., da freguesia ..., aí registado a seu favor pela inscrição apresentação um, de três de Agosto de dois mil e um, inscrito na matriz sob o artigo ...”.
2) Esta hipoteca foi registada na Conservatória do Registo Predial sob a ap. ... de 11-09-2013.
3) Por escritura pública de 17-03-2014, designada de “dação em cumprimento”, celebrada em 17-03-2014 no Cartório do Notário Dr. II, situado em Sta. Maria da Feira, o 1.º Réu, declarando-se na qualidade de procurador da Autora, conforme procuração arquivada no referido Cartório Notarial, disse que “a sua representada é devedora à segunda outorgante (a aqui 2.ª Ré BB) da quantia de cento e dez mil euros” e “que pela presente escritura para pagamento daquela dívida, a sociedade dá em cumprimento, à segunda outorgante, sua credora, o prédio urbano que a seguir identifica, cujo valor é igual à importância da mesma dívida (…): prédio urbano, constituído por casa de habitação unifamiliar, com rés do chão e mansarda, telheiro, pátio com piscina, sito em ..., “Quinta ...”, freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...”, estando este acto registado no registo predial a favor da 2ª Ré pela ap. ... de 2014-03-17.
4) Conforme certidão permanente junta sob doc. 5 com a petição, cujo teor se considera reproduzido, nas datas referidas em 1 e 3, era única sócia da Autora, DD.
5) À data da instauração da acção, consta na matrícula do registo comercial da Autora, como gerente, DD.
6) DD (que nasceu a .../.../1992) e EE são filhos de CC.
*
7) O teor das certidões prediais e matriciais de f. 29-33, 74-78, 118-120, 200-205 que aqui se dá por reproduzido.
8) O teor das certidões comerciais de f. 38-45, 50-55, 126-133, 139-154 que aqui se dá por reproduzido.
9) Nas datas referidas em 1 e 3, a pessoa que constava no registo como gerente da autora era CC.
10) Os Réus vivem em comunhão de habitação, mesa e leito, e encontram-se formalmente separados de pessoas e bens.
*
11) Precisando a “C..., Lda.” de novo financiamento, CC recorreu novamente aos empréstimos do 1º R. para obter novo mútuo no valor global de 115 mil euros.
12) O 1º Réu impôs, como condição, a constituição de uma garantia real.
13) Perante isto, CC comprometeu-se a constituir a garantia sobre o prédio da ..., supra identificado.
14) Nessa sequência, realizaram a escritura mencionada em 1.
15) Apesar do declarado nessa escritura, a 2ª R. nunca emprestou qualquer quantia à A., nem à sociedade “C...”, tendo sido o réu a emprestar o dinheiro a CC para aplicar na empresa “C... Lda.” e não à sociedade autora.
16) CC, aquando da escritura supra indicada em 1, passou ao 1.º réu uma procuração a constituí-lo procurador com poderes bastantes para poder vender ou transmitir a título de dação em cumprimento o prédio da ..., procuração de f. 66 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
17) Para além da procuração, CC entregou ao réu, no dia da escritura mencionada em 1, o cheque nº ..........., no valor de 115.000,00 €, datado de 31-12-2013, sacado pelo Banco 1..., agência de ..., emitido pela sociedade “C..., Lda.”, cujo teor, de f. 59, aqui se dá por reproduzido.
18) Uma vez que a quantia emprestada não foi restituída, realizou-se a escritura mencionada em 3.
*
19) As escrituras e procuração supra elencados foram acompanhadas/assessoradas profissionalmente pelo mandatário dos RR, e a pedido do CC, este advogado remeteu uma minuta de acta de assembleia geral.
*
20) Uma renda mensal de um prédio semelhante na ..., naquele local (zona balnear), cifra-se num valor nunca inferior a €2.000,00, mensais nos meses de Julho, Agosto e Setembro, e nunca inferior a € 1.000,00, nos restantes meses do ano.
*
21) Desde sempre o referido CC, doravante designado por CC, se apresentou junto do Réu marido como dono da sociedade A., assim como da sociedade C... Lda.
22) Sempre foi o CC quem geriu as diversas sociedades (incluindo a autora e a C...), pois é o CC quem define o que comprar, a quem e quando pagar, quem representa as sociedades em toda a sua gestão quotidiana, quem dá as ordens de pagamento, quem escolhe os colaboradores, quem reporta à contabilidade toda a documentação e dá as directrizes na condução dos negócios, limitando-se as pessoas que constam do registo comercial como gerentes tão só a assinar o que CC determina.
23) O que sucede ainda hoje.
*
24) Ocorreu no dia 10-9-2013, uma assembleia da autora, na qual esteve presente EE quem, na qualidade de procurador da irmã DD, presidiu à mesma e assinou a respectiva acta, cujo teor, de f. 70-71 aqui se dá por reproduzido.
25) A A. é uma sociedade comercial que nunca exerceu qualquer actividade comercial.
26) A seu favor encontram-se registados todos os imóveis que foram adquiridos com dinheiro de CC e da sua mulher, incluindo a casa de morada de família e a casa de férias (o prédio da ...).
*
27) No registo comercial, consta que, em 1-7-2010, JJ tornou-se gerente da autora, e a 8-7-2010 tornou-se detentor de uma participação social da autora, cessando a gerência a 19-7-2013, e transmitindo a quota a DD, a 2-8-2013, sendo que aqueles factos foram na sequência de um empréstimo de JJ a CC para pagar dívidas da C..., como forma de garantir o mútuo, e os factos societários ocorridos em 2013 foram na sequência da restituição do empréstimo.
*
Não se provaram os seguintes factos:
a) DD desconhecia os negócios supra referidos, nunca os autorizou, nem autorizaria.
b) Só teve conhecimento efectivo do que aconteceu e respetivas consequências quando, em inícios de Agosto de 2014, dirigindo-se ao prédio na ... para usufruir do fim-de-semana, se deparou com todas as fechaduras das portas do prédio trocadas.
c) Os mútuos feitos pelo réu a CC eram a 15% de juros ao mês.
d) O prédio da ..., supra mencionado, está avaliado em termos de valor de mercado em, pelo menos, €250.000,00.
e) O 1º R. estava consciente do abuso, da ilicitude, ilegalidade e nulidade que enfermaria tal negócio, e tomou a iniciativa e controlo da situação, instruiu o CC da forma como deveria ser formalizado o “negócio”, remetendo-o para o seu advogado.
f) O negócio declarado na escritura mencionada em 1, foi feito com a intenção de enganar a autora.
g) O livro de actas da autora foi entregue por CC ao 1º R., a pedido deste, e que o mesmo não mais o devolveu, mesmo quando interpelado a tal.
h) Os R.R., ao procederem à troca das fechaduras das suas portas, apoderaram-se de todo o recheio, propriedade da autora, e existente no interior do imóvel, e cujo valor é superior a €80.000,00, pois, entre outros, existiam os seguintes bens móveis no interior do imóvel mencionado e que se encontravam em bom estado de funcionamento e conservação:
1 moto de água da marca Kawasaki no valor de €8.000,00;
1 moto quatro da marca Artic Cat 650 no valor de €15.000,00;
1 bicicleta da marca Mercedes no valor de €3.000,00;
1 TV Plasma Samsung no valor de €2.500,00;
1 Robot de limpeza de piscina no valor de €2.500,00;
1 cobertura de piscina de aquecimento no valor de €1.000,00; e
Todo o recheio completo de quartos, sala, cozinha, casa de banho e exteriores num valor que se estima em €50.000,00.
*
i) Questionado da razão do cheque ser de uma sociedade que não a A., alegou CC não possuir cheques da A. e que este cheque era apenas de garantia, não sendo para depositar.
j) Por diversas vezes, o Réu marido telefonou ao CC para que este levantasse os bens móveis que a ré separou e guardou no prédio da ..., prontificando-se inclusivamente a prover ao transporte daqueles para local que este indicasse, o que nunca o fez.
*
Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I Reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto
A autora/recorrente, nas suas alegações de recurso, insurge-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, pretendendo, em primeiro lugar, que os factos provados com os nºs 15, 19, 21, 22, 23 e 24 sejam dados como não provados.
É a seguinte a sua redação:
“15) Apesar do declarado nessa escritura, a 2ª R. nunca emprestou qualquer quantia à A., nem à sociedade “C...”, tendo sido o réu a emprestar o dinheiro a CC para aplicar na empresa “C... Lda.” e não à sociedade autora.
19) As escrituras e procuração supra elencados foram acompanhadas/assessoradas profissionalmente pelo mandatário dos RR, e a pedido do CC, este advogado remeteu uma minuta de acta de assembleia geral.
21) Desde sempre o referido CC, doravante designado por CC, se apresentou junto do Réu marido como dono da sociedade A., assim como da sociedade C... Lda.
22) Sempre foi o CC quem geriu as diversas sociedades (incluindo a autora e a C...), pois é o CC quem define o que comprar, a quem e quando pagar, quem representa as sociedades em toda a sua gestão quotidiana, quem dá as ordens de pagamento, quem escolhe os colaboradores, quem reporta à contabilidade toda a documentação e dá as directrizes na condução dos negócios, limitando-se as pessoas que constam do registo comercial como gerentes tão só a assinar o que CC determina.
23) O que sucede ainda hoje.
24) Ocorreu no dia 10-9-2013, uma assembleia da autora, na qual esteve presente EE quem, na qualidade de procurador da irmã DD, presidiu à mesma e assinou a respectiva acta, cujo teor, de f. 70-71 aqui se dá por reproduzido.”
Em segundo lugar, pretende que os factos havidos como não provados nas alíneas a), b), e), f) e g) transitem para o elenco dos factos provados.
É a seguinte a sua redação:
“a) DD desconhecia os negócios supra referidos, nunca os autorizou, nem autorizaria.
b) Só teve conhecimento efectivo do que aconteceu e respetivas consequências quando, em inícios de Agosto de 2014, dirigindo-se ao prédio na ... para usufruir do fim-de-semana, se deparou com todas as fechaduras das portas do prédio trocadas.
d) O prédio da ..., supra mencionado, está avaliado em termos de valor de mercado em, pelo menos, €250.000,00.
e) O 1º R. estava consciente do abuso, da ilicitude, ilegalidade e nulidade que enfermaria tal negócio, e tomou a iniciativa e controlo da situação, instruiu o CC da forma como deveria ser formalizado o “negócio”, remetendo-o para o seu advogado.
f) O negócio declarado na escritura mencionada em 1 foi feito com a intenção de enganar a autora.
g) O livro de actas da autora foi entregue por CC ao 1º R., a pedido deste, e que o mesmo não mais o devolveu, mesmo quando interpelado a tal.”
A fim de lograr as alterações factuais pretendidas a autora/recorrente, para além de referências à perícia efetuada e à prova documental existente nos autos, indica excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas FF, CC, GG, HH e EE e também dos depoimentos de parte da ré BB e da legal representante da autora.
Considerados como cumpridos os ónus a que se refere o art. 640º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil procedeu-se à audição destes depoimentos, aqui se registando uma breve síntese dos mesmos, sem preocupação de exaustividade.
FF trabalhou para CC na empresa “C...”. Disse que o réu AA emprestava dinheiro ao CC.
CC disse que o réu AA lhe emprestava dinheiro para a sua empresa, a “C...”. Quando precisava de dinheiro dirigia-se a ele. Só conheceu a esposa do réu no dia da escritura. Deu uma garantia real da “S...” e, por isso, teve uma discussão com o filho, que dizia que não assinava. Por esse motivo, assinou por ele a ata. Quem tratou de tudo foi o mandatário dos réus, tendo ainda referido que a sua filha DD estava no Brasil e era o seu filho que tinha a procuração dela. A partir daí deixou de ter relações com os filhos, embora saliente que eles só souberam do sucedido em Março ou Abril do ano seguinte (2014) quando foram à ... e as chaves estavam trocadas. Disse que na altura deviam 600 a 700 mil euros à banca e os bancos já não punham mais. Por isso, teve de recorrer a pessoas de fora. A autora nunca necessitou de fazer empréstimos.
GG disse que em 2013 trabalhou durante seis meses, como comercial, na empresa “C...”. Como o Sr. CC estava com dificuldades financeiras forneceu-lhe o contacto do Sr. AA. E depois – em julho de 2013 - intercedeu junto do AA, que estava a recusar o empréstimo pretendido pelo Sr. CC por causa de ser uma importância elevada, para que este se concretizasse. Nada sabe sobre a sociedade autora. Referiu também que por diversas vezes levou envelopes fechados do Sr. CC para o Sr. AA para pagamento de empréstimos.
HH é contabilista, tendo prestado serviços para o Sr. CC. Disse que em 2013 a sociedade autora não tinha qualquer atividade, era apenas detentora de património. Aliás, esta empresa fora criada apenas para gerir património. Não tinha trabalhadores, não tinha nada salvo imobilizado. Nunca entrou dinheiro na autora. Não tinha contas bancárias. Quem mandava nesta empresa era o Sr. CC, embora fosse da filha. Referiu depois que nunca falou desta sociedade com o Sr. CC. Disse igualmente que não liquidou IMT em relação à aquisição de capital da autora por parte da DD, tal como nunca pagou IMI desta empresa.
EE é filho de CC. Declarou que o pai falou consigo e com a sua irmã DD dizendo-lhes que precisava de um empréstimo para fazer umas obras nas casas. Falou de 20.000 ou 30.000 euros e a irmã disse que se era para isso não havia problema nenhum. Mas depois perceberam que o valor que o pai pretendia era muito mais alto (mais de 100.000 euros) e para pagar a fornecedores das .... Por isso não aceitaram. Sabe que o Sr. AA emprestou por várias vezes dinheiro ao seu pai para a “C...”. Os empréstimos nunca se destinaram à sociedade autora. Referiu depois que a irmã, como estava no Brasil e se fosse preciso alguma coisa, lhe passou uma procuração. Foi o pai que mandou a procuração para a irmã assinar. Essa procuração permitia-lhe assinar tudo o que fosse atas da sociedade autora. Afirmou seguidamente que nunca assinou qualquer ata nem o pai lhe pediu para assinar. A ata apareceu assinada. Salientou ainda que “de certeza” quem assinou a ata foi o seu pai porque já o tinha feito anteriormente em cheques no banco para a “C...”. A sua assinatura e simples. Negou que assinasse tudo o que o seu pai pretendia.
A ré BB foi ouvida em depoimento de parte. Disse que recebeu o Sr. CC e a esposa em sua casa, estando estes numa situação muito frágil e na iminência de perderem os seus bens pessoais. Pediram-lhe 110/115 mil euros e emprestou-lhes a quantia solicitada. Tinha esse dinheiro, que era proveniente de uma indemnização de seguro, consigo num cofre interno e afirma que foi ela – e não o marido – que o emprestou. A segunda vez que viu o Sr. CC foi quando este lhe mostrou a casa de praia, na ..., colocando a possibilidade de a dar como garantia. Contactou então o Dr. KK a fim de que ficasse tudo “direitinho”, “o máximo de garantia para que fiquem as coisas cuidadas”. Sublinhou que o dinheiro (115.000 euros) foi emprestado ao Sr. CC para resolver problemas pessoais dele. Disse sempre ao Sr. CC que só queria o dinheiro, não a casa dele. Mas o Sr. CC, que tinha dito que devolvia o dinheiro dentro de um mês, não o fez e a depoente realça que até esperou alguns meses no sentido de que essa restituição se concretizasse.
A legal representante da autora, DD, foi também ouvida em depoimento de parte. Disse que a sociedade autora foi criada pela sua família, pai, mãe e irmãos. O seu pai era o gerente, mas todas as decisões passavam por si. Não teve conhecimento da presente situação. A sociedade autora tem o património da família. Não tem atividade.
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O art. 662º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil estatui que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa
A Relação goza assim de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais.
Por conseguinte, a livre convicção da Relação deve ser assumida em face dos meios de prova que estão disponíveis, impondo-se que o tribunal de recurso sustente a sua decisão nesses mesmos meios de prova, descrevendo os motivos que o levam a confirmar ou infirmar o resultado fixado em 1ª instância.[1]
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Vejamos então os vários pontos factuais impugnados pela autora/recorrente.
a) Principiando pelo nº 15 [Apesar do declarado nessa escritura, a 2ª R. nunca emprestou qualquer quantia à A., nem à sociedade “C...”, tendo sido o réu a emprestar o dinheiro a CC para aplicar na empresa “C... Lda.” e não à sociedade autora] o que se verifica é que a autora, apesar de afirmar que o pretende ver como não provado – conclusão II -, apenas o impugna na referência de que o réu marido emprestou dinheiro ao CC para o aplicar na sociedade “C...”, entendendo que nos empréstimos o mutuário foi esta sociedade e não o referido CC.
Sobre este facto, que em sede de exame crítico das provas foi apreciado pelo Mmº Juiz “a quo” nos pontos 11 a 18, escreveu este o seguinte:
“Do julgamento resultou, de modo dir-se-ia unânime, que era o réu quem se dedicava à actividade dos empréstimos pessoais (…). O surgimento da ré teria em vista outra razão, isto é, a mesma surge para figurar no negócio formal, sem que, contudo, tal correspondesse à realidade. Isto é, esta nada emprestou. Quem o fez foi o seu marido, aqui réu. Por outro lado, atentos os documentos, indicia-se desde logo que neste empréstimo o mutuário não foi a autora. O mutuante foi o réu e a mutuária foi a C... através de CC. Repare-se que são os próprios réus que alegam que a autora não tem qualquer actividade dando-lhe o epíteto de barriga de aluguer do CC (art. 65 da contestação).
Como se verá infra, esta total ausência de actividade ficou amplamente demonstrada. Sendo assim, o empréstimo nunca podia ter a autora como beneficiária já que esta continuou a ter o mesmo património e a não ter actividade (como reconheceu EE, nem conta bancária possui a autora). Por outro lado, resultou também do julgamento que a empresa C... carecia de dinheiro, sendo esta empresa a fonte de rendimentos de CC. Aliás, todos os cheques que constam dos autos foram emitidos por esta sociedade. Face a isto e atentas as regras da experiência é de concluir neste sentido (até o próprio depoimento de GG, que trabalhou 6 meses em 2013 na C..., como comercial, reforça aquela asserção. Esta testemunha disse que foi ela quem apresentou o CC ao AA, e que foi CC quem lhe pediu que ela o ajudasse a falar com o AA, confirmando que a C... estava com dificuldades porque nunca lhe pagou as comissões, isto embora na reunião em que esteve o réu se tenha recusado em fazer empréstimo. Confirmando que quem mandava era o CC e nunca o EE, reconheceu também que chegou a trazer dinheiro do CC para pagar ao AA).”
Ora, os depoimentos produzidos pelas testemunhas FF, CC e GG, indicados pela autora/recorrente, acima sintetizados, bem como os cheques por esta referenciados, constantes do processo, plenamente se compatibilizam com o que foi dado como provado no ponto nº 15, ou seja, que o réu AA emprestou dinheiro ao CC para este o aplicar não na sociedade autora, mas sim na empresa “C..., Lda.”
b) Quanto ao nº 19 da matéria de facto [As escrituras e procuração supra elencados foram acompanhadas/assessoradas profissionalmente pelo mandatário dos RR, e a pedido do CC, este advogado remeteu uma minuta de acta de assembleia geral], independentemente do seu carácter instrumental ou não, face à prova produzida, onde avultam o depoimento de parte da ré BB e o mail junto a fls. 117[2], nenhuma dúvida existe quanto à sua veracidade.
c) No que toca aos pontos 21 a 23 [21) Desde sempre o referido CC, doravante designado por CC, se apresentou junto do Réu marido como dono da sociedade A., assim como da sociedade Carnes da Praça ...) Sempre foi o CC quem geriu as diversas sociedades (incluindo a autora e a C...), pois é o CC quem define o que comprar, a quem e quando pagar, quem representa as sociedades em toda a sua gestão quotidiana, quem dá as ordens de pagamento, quem escolhe os colaboradores, quem reporta à contabilidade toda a documentação e dá as directrizes na condução dos negócios, limitando-se as pessoas que constam do registo comercial como gerentes tão só a assinar o que CC determina. 23) O que sucede ainda hoje] transcreve-se aqui o que o Mmº Juiz “a quo”, de forma muito pormenorizada e esclarecedora, escreveu em sede de exame crítico das provas:
“Pontos 21-23: a nosso ver, isto resultava desde logo do fornecedor de ... e do contabilista (referimo-nos aos depoimentos espontâneos e sinceros de LL, comerciante de ..., que disse ter tido cheques da empresa C... que vieram devolvidos por falta de provisão, mas que, mais tarde, foram pagos; e de HH, contabilista de CC desde 2010, que referiu que a autora foi criada apenas para gerir património [nas suas palavras gerir património neste caso é pôr o património em nome de uma empresa], que não tem actividade, não tem trabalhadores, não tem nada salvo imobilizado, que nunca entrou dinheiro na empresa, que quem manda é o CC, embora formalmente seja da filha, e que nos negócios das ... manda CC. De referir ainda que declarou não ter liquidado IMT da compra do capital por parte da DD e que nunca pagou IMI da empresa, desconhecendo a aquisição da moto4 [cfr. f. 160 do apenso A], que nunca falou com os filhos com assuntos relacionados com a sua profissão, reconhecendo que um imóvel que se encontra registado a favor da autora é a casa de morada de família).
Mais, FF, pessoa que trabalhou para CC, para além de referir que era o Réu quem emprestava dinheiro ao CC (apesar de a nada ter assistido, tendo, todavia, ido buscar um envelope), reconheceu que foi sócio da empresa Y... (cfr. f. 126 – foi até gerente), sendo funcionário noutra empresa. Isto é, reconheceu que o era apenas do ponto de vista formal.
Tanto bastava para concluir que o rosto das empresas é e sempre foi CC. Este quis fazer crer apenas uma excepção: na autora não era assim. Todavia, as suas incongruências, perplexidades e contradições foram de tal ordem que nos levam a concluir como concluímos. Afinal, e a título meramente exemplificativo, referiu que ele não tinha património para logo a seguir dizer que tinha uma casa recheada (a da ...); não era nada na autora à data dos factos quando era gerente ou que só mandava na autora em 2000; mobilou a casa na ... mas depois ofereceu o recheio à autora; inquirido sobre a finalidade da criação da sociedade autora, mostrou-se extremamente comprometido, embaraçado e atabalhoado a responder, embora tentando vitimizar-se; nesta sequência, perguntado sobre uma penhora no seu património (que depois, nas suas palavras, passou para a autora), negou-a de forma peremptória enquanto não foi confrontado com o registo da mesma [cfr. f. 205, verso], para depois a ter que confirmar, mas com muita relutância em querer dizer de quem se tratava o credor; respondendo que a ... era sua, foi reinquirido com vista a esclarecer que depois passou-a para a empresa [sic: passamos para a empresa].
Prosseguindo.
Compiladas as certidões, pode inferir-se o seguinte:
A sociedade autora foi criada em 2001, quando a DD tinha 9 anos de idade e EE tinha 15 anos (existe uma outra irmã mais velha). Por sua vez, o imóvel na ... foi registado a favor da autora em 2001. O outro imóvel foi registado em 2002, e os outros dois em 2009, sendo um deles a casa de morada de família do casal e estes dois foram alegadamente adquiridos pela autora.
Ora, foi reconhecido pelo próprio CC que o património da autora corresponde ao património familiar (o próprio EE reconheceu que a finalidade da empresa era ter o património da família, tal como DD). Como já se disse, a autora não tinha qualquer actividade e nunca entrou dinheiro na mesma. Sendo assim, como é que a autora alegadamente adquiriu os 4 imóveis? Ora, aqueles falam, e bem, em património da família, isto é, no património adquirido por CC e pela sua mulher, no património que, atentas as regras da experiência, e face às declarações do contabilista, está, formalmente, registado a favor da autora com isso visando acautelar que o mesmo seja atingido por força de dívidas do empresário CC. E este declarou que foi ele a comprar os imóveis para depois, repita-se, passa-los à empresa.
Sendo assim, afigura-se destituído de sentido que este não dirigisse e não dirija os destinos da autora tal como o das outras empresas. Afinal, é o património dele e da mulher. Acresce que nenhum dos membros da família ... conseguiu persuadir o tribunal do porquê de, na prática, o dito património familiar ficar, aparentemente, nas mãos de uma filha, com exclusão dos outros dois irmãos e dos próprios pais. Melhor, a versão daqueles não convenceu minimamente, pois o tribunal tem por seguro que este arranjo societário visou mascarar mais uma vez o que decorre dos autos: o domínio e prevalência de CC sobre esta e as outras sociedades.
A este respeito, diga-se que é certo que do depoimento de parte da autora DD não resultou confissão. Contudo, o tribunal não lhe atribui qualquer valor probatório, pois não se afigurou minimamente sincera. Afinal, na ausência de qualquer rendimento, como reconhecido no requerimento de f. 199, e demonstrado no apenso A – cfr. f. 192 –, a estudar no Brasil (cfr. passaporte a f. 46-49), quis fazer crer que o pai não é o dono nem manda nos destinos das empresas, e que, na realidade, passou a ser a única sócia da autora com 21 anos de idade, correspondendo esta alteração societária a algo real e não meramente artificial (coisa que o próprio EE reconheceu que não trouxe qualquer contrapartida, nem se devia a qualquer dívida para com a sua irmã: no fundo, reconheceu que a dita aquisição do capital social não correspondeu, na realidade, a uma real cessão de quotas caracterizada por contrapartida monetária).
Aliás, CC acabou por dizer porque não via inconveniente em o seu património (cfr. infra) estar formalmente nas mãos da filha (os outros irmãos não iam perder a herança porque ela é pura, ali não falha nada, por isso que a gente pôs em nome dela, nós decidimos impor que fosse em nome dela – todavia, EE disse que foram os 3 irmãos e a mãe a decidirem assim).
Mais a mais, DD prestou declarações num registo de tal forma inverosímil, que afirmou que a autora foi criada pela família: por ela, pais e irmãos. Tendo em conta a data da constituição da sociedade, afigura-se até risível que se queira persuadir de que, com 9 anos de idade, tenha precocemente participado na constituição da sociedade. Foi também notória a dificuldade em descrever os bens que estão em nome da sociedade. Acresce ter dito que, apesar de estar no Brasil, todas as decisões passavam por esta estudante de 21 anos (decidimos em família, mas é ela que manda), isto embora reconheça que a sociedade não tinha qualquer actividade com excepção da protagonizada pelo pai, além de que, nesse mesmo país sul americano tenha assinado uma procuração que lhe tinha sido enviada pelo pai, procuração essa a favor do irmão com vista a representá-la na qualidade de única sócia. A nosso ver, a postura, comprometimento e aquele tipo de frases atingiram um patamar tal que sugerem, dir-se-ia mais, inculcam que a realidade é exactamente o contrário do que por ela foi dito, a realidade corresponde ao que pretendeu negar e esconder.
Além disso, o próprio CC disse também que era ele quem pagava as despesas das casas alegadamente da autora. Isto corrobora o afirmado pelo contabilista: esta empresa, como soe dizer-se, é uma empresa fantasma, sendo que o imobilizado foi adquirido com os rendimentos do casal e as despesas relacionados com o mesmo são suportadas pelos rendimentos do casal.
Por outro lado, a propósito do empréstimo do cunhado (cfr. ponto 27 e infra), reconheceu CC que deu a quota da autora como garantia (deu entre aspas: formalmente foi o filho que deu – cfr. f. 40 e 44-45, sendo que o cunhado foi nesse período, aparentemente, gerente da autora), e que acordou com ele que quando te pagar pões a quota em nome de quem eu disser. Esta expressão espontânea é muito reveladora de quem mandava na autora. Por outro lado, a cessação de gerência do cunhado ocorre precisamente um mês antes da escritura referida em 1, quando, nas palavras da própria petição inicial, nessa altura já tinham existido empréstimos do réu ao CC. De referir ainda quanto a este mútuo que implicou o dito património familiar, mas que nessa data não criou a celeuma que o dos autos, porque, nas palavras de CC, o cunhado é puro.
Não se deixa de aqui mencionar o teor cândido e complacente com que CC aceitou a sua destituição como gerente da autora, destituição, alegadamente, determinada pela sua filha – cfr. f. 260-261 do apenso A. O mesmo assina a acta reconhecendo e aceitando a sua destituição quando, como se deixou amplamente descrito, ficaria, assim, aparentemente, sem qualquer poder jurídico sobre a empresa que detém o seu património, o património que adquiriu com a sua mulher.
Aliás, a conclusão do tribunal também sai reforçada pelo depoimento de MM a qual foi funcionária da C... de 2011 a 2014, como administrativa: declarou que naquela empresa havia um dossier da empresa autora (relativamente a esta só fazia trabalho de arquivo), referindo que foi o CC que a contratou, era este que mandava em tudo na empresa, que deixava cheques para assinar ou o EE assinava cheques em branco. Mais disse que o réu ligava e CC tentava eximir-se a contactos com aquele.
Por fim, e em reforço do que aqui vai dito, foi o próprio filho EE que no procedimento cautelar afirmou que era o pai quem mandava, que fazia tudo sozinho não obstante as empresas estarem em nome de terceiros ou os gerentes serem outros. Aliás, reconheceu que assinava o que o pai lhe pedisse para assinar (com excepção da acta – cfr. infra).
Assim, face ao que supra se referiu, atentas as regras do bom senso, a autora foi e é dirigida pela pessoa que dirigia e dirige as empresas relacionadas com ...: CC.”
Sucede que os meios probatórios a este propósito concretizadamente referidos pela autora/recorrente (excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas HH, CC e EE e do depoimento de parte da legal representante da autora, DD) não são de molde a afastar a convicção formada pelo Mmº Juiz “a quo” e que este amplamente fundamentou ao efetuar o exame crítico das provas e da qual não vemos motivo para dissentir.
Assim, em consonância com a 1ª Instância, entendemos que da prova produzida decorre que tanto a autora como a sociedade “C..., Lda.” foram sempre geridas pelo Sr. CC o que ainda se verifica atualmente.
d) Quanto ao ponto 24 dos factos provados [Ocorreu no dia 10-9-2013, uma assembleia da autora, na qual esteve presente EE quem, na qualidade de procurador da irmã DD, presidiu à mesma e assinou a respectiva acta, cujo teor, de f. 70-71 aqui se dá por reproduzido] também aqui vamos transcrever o que sobre ele escreveu o Mmº Juiz “a quo” quando, de forma muito pormenorizada, procedeu ao exame crítico das provas:
“Ponto 24: àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado – cfr. art. 342.º, n.º 1, do CC. Incumbia à autora demonstrar que a assinatura da acta foi falsificada e que a mesma não ocorreu.
Posto isto.
Ordenada a perícia à letra, apurou-se que a assinatura pode ter sido produzida pelo punho de EE – cfr. f. 294. Isto apesar de não ter sido possível ter acesso ao livro de actas que, segundo a autora, foi entregue por CC ao réu e que este ficou com ele. Como se explicará melhor infra, esta situação (o descaminho do livro de actas), objectivamente, apenas podia prejudicar o réu pois a perícia podia ter ficado impossibilitada de se realizar.
Na perícia estabelece-se uma tabela de resultados possíveis. É a seguinte:
1. Probabilidade próxima da certeza científica não
2. Muitíssimo provável não
3. Muito provável não
4. Provável não
5. Pode não ter sido
6. Não é possível formar uma conclusão
7. Pode ter sido
8. Provável
9. Muito provável
10. Muitíssimo provável
11. Probabilidade próxima da certeza científica.
Incumbindo à autora demonstrar o facto, torna-se evidente que este meio de prova impede-a de demonstrar a realidade do facto, como ainda por cima lança dúvidas muito fortes sobre o facto que pretende demonstrar – cfr. art. 346.º, do CC: à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos (nas palavras de ISABEL ALEXANDRE, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, coord. MENEZES CORDEIRO, Almedina, 2020, p. 1012, gerar a dúvida no espírito do julgador acerca da realidade de um facto); se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.
Em rigor, a perícia realizou contraprova acerca do facto. Afinal, a perícia foi requerida pelo réu, isto é, a perícia foi a prova requerida pelo réu para tentar demonstrar o facto contrário ao facto de que a autora estava incumbida de provar. Aliás, a contraprova indicia que o EE assinou a acta, isto é, o contrário do alegado pela autora, sobre quem incorria o ónus da prova.
É certo que a prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal. Porém, a perícia foi ordenada porque tinha por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos por serem necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem – art. 388.º e 389.º, do CC. Por isso, podendo o juiz decidir de modo diferente das conclusões periciais, impõe-se-lhe um dever de fundamentação especialmente prudente quando a perceção do facto implique conhecimentos especiais de perícia. Ou seja, nestas situações, a liberdade de julgamento está vinculada não apenas ao dever de fundamentação, mas também à necessidade de afastar, motivando a dissensão das conclusões periciais baseadas e conhecimentos de ciência com base na credibilidade de outras provas. O juiz não necessita de demonstrar razões técnicas que o levam a divergir do juízo pericial/científico, mas há de indicar as provas concretas e, designadamente, as produzidas em audiência por testemunhas que têm conhecimentos especiais ou técnicos ou por documentos juntos aos autos, que fundaram o seu juízo divergente daqueloutro constante da perícia anteriormente efetuada, prosseguindo sempre o fim último do processo civil que é a procura da verdade e a justa composição do litígio – assim Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 165/10.3TBMUR-A.G1, de 19-02-2015.
Ora, dos autos não constam documentos que, aos nossos olhos, ponham em causa, de modo flagrante, aquele juízo científico. Aliás, notificada da perícia, a autora nada disse.
Restava, assim, a prova testemunhal, sem perder de vista, claro está, aquela perícia que colocava a autora num contexto probatório desfavorável.
A este propósito, CC declarou que falsificou a assinatura do filho. A nosso ver, esta confissão da prática de um crime não se afigurou convincente. Repare-se que o filho reconheceu que assinou muita coisa porque o pai lhe ordenava. Afinal, qual a razão para não assinar agora? EE tentou dar uma justificação objectiva: uma vez que o valor era alto e, na parte final do depoimento, disse que o mesmo implicava o património da família. Porém, tanto ele como o pai tiveram de reconhecer que com o cunhado (tio do EE) o património da família também ficou exposto. Mais, pelo que disse o pai, o filho colaborou nessa situação. Assim, esta versão não passou de uma pobre e falhada explicação para a recusa de EE em colaborar. Repare-se que, até aí, colaborava cumprindo as ordens do pai. Por outro lado, EE também sabia da existência de uma procuração enviada pelo pai à irmã para o EE tomar decisões. Na acta junta aos autos menciona-se essa procuração. E nunca na petição inicial se põe em causa a existência dessa procuração. De referir que CC declarou primeiro que sabia da procuração, para depois dizer que a filha lhe disse que não assinava o que demonstra mais uma fragilidade e incoerência ao seu depoimento.
Se assim foi, verifica-se que CC realizou (como no passado já tinha realizado outros actos formais) todos os actos tendentes a concretizar a assembleia geral. Foi até auxiliado pelo advogado do réu, como se viu – cfr. f. 117. Isto é, tudo aquilo indicia com segurança que CC encetou diligências com vista a concretizar uma acta societária como a que estava em causa por forma a que estivesse munido de poderes para a escritura referida em 1. Por outro lado, atentas as regras da experiência e tudo o que supra se disse acerca do domínio e prevalência de CC, é de estranhar que estes dois filhos se tenham rebelado ao pai (CC disse até que teve uma grande discussão com o filho, coisa que EE não descreveu desta maneira). Tudo isto seria completamente incongruente com o passado e com o papel societário dos mesmos: meros peões do pai, como soe dizer-se.
Aliás, EE quis fazer crer, de forma pueril, que o pai o tentou enganar dizendo que precisava de dinheiro para obras. A nosso ver, o depoimento desta testemunha visou sempre tentar favorecer a posição da sociedade autora até porque, como referiu o seu pai, os filhos quando perceberam que a casa de férias já não era do pai, ficaram furiosos porque esta casa tinha escapado da sua futura herança.
Mais a mais, a alegada nega dos filhos ao pai não tem qualquer suporte racional e objectivo. Repare-se que a fonte de rendimentos da família era a actividade comercial de CC. Qual a razão para este mentir aos filhos? Se o valor era elevado, mais uma razão para auxiliarem o pai numa tentativa de dar saúde financeira à empresa, repita-se, que era a fonte de rendimentos da família. Por outro lado, EE diz que avisou a irmã que os valores eram mais altos e o empréstimo não era para obras: se é assim não aceitamos decidiram os dois. Mas ainda assim DD assinou a dita procuração enviada pelo pai, reenviando-a ao irmão.
Por fim, diga-se que, quando se trata de uma sociedade unipessoal, a realização de uma assembleia não passa da assinatura de um documento – cfr. art. 270.º-E, do CSC.
Assim, tendo em conta a perícia e as fragilidades e incoerências insanáveis supra referidas, o tribunal, de acordo com as regras da experiência, concluiu daquela forma.”
A convicção do Mmº Juiz “a quo”, de que a ata da assembleia da autora realizada em 10.9.2013 foi assinada por EE na qualidade de procurador da sua irmã DD, também aqui se mostra solidamente alicerçada.
Os meios probatórios indicados em sentido oposto pela autora/recorrente que se reconduzem ao teor do relatório pericial efetuado pelo Laboratório de Exame de Documentos e Escrita Manual da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (fls. 291 e segs.) e a excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas CC e EE não são suscetíveis de nos levar a divergir da convicção formada pela 1ª Instância.
Com efeito, não podemos ignorar que na perícia grafológica realizada se concluiu que “a escrita da assinatura contestada de EE, aposta no documento identificado como C1, pode ter sido produzida pelo seu punho.”
O que conjugado com o conjunto da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, com destaque para os depoimentos de EE e CC, tudo isto devidamente dilucidado na sentença recorrida, nos leva a concluir, em sintonia com esta, que a assinatura constante da ata da assembleia da autora realizada em 10.9.2013 foi efetivamente aposta pelo EE.
e) Quanto às alíneas a) e b), onde se deu como não provado que DD desconhecia os negócios supra referidos, nunca os autorizou, nem autorizaria [a)] e que só teve conhecimento efetivo do que aconteceu e respetivas consequências quando, em inícios de Agosto de 2014, dirigindo-se ao prédio na ... para usufruir do fim-de-semana, se deparou com todas as fechaduras das portas do prédio trocadas [b)], o que a autora/recorrente pretende ver provado, escreveu o seguinte o Mmº Juiz “a quo”:
“Alíneas a) e b): não saímos minimamente persuadidos disto. Nesta parte, os depoimentos de CC e EE também não se mostraram convincentes. Como supra se referiu, os seus depoimentos visaram proteger DD. Afinal, a mesma segundo EE foi alertada por este e ainda assim assinou a dita procuração. Como sair persuadido de que ela desconhecia, por inteiro, o negócio? E se enviou a procuração assinada ao irmão não estava implicitamente a autorizar o negócio, pois nessa data, alegadamente, o irmão já lhe tinha dito ao telefone qual era o valor em causa?
Por outro lado, EE disse que a irmã regressou do Brasil para a casa dos pais e, nas férias de Verão, dirige-se à casa na ... e percebe que as fechaduras estão trocadas. Ora, muito se estranha que CC não a tenha avisado do que estava a acontecer levando a filha a ter uma experiência como a que alega ter tido. Aliás, CC declarou que o episódio da filha foi em Março/Abril e que ia com o irmão quando a data alegada é outra e o filho não disse que acompanhava a irmã. Acresce que CC disse que a filha naquele momento lhe ligou ao que este respondeu: anda embora que depois explico quando disse que só soube da troca de fechaduras pela filha.”
Também aqui a argumentação expendida na sentença recorrida em sede de exame crítico das provas surge como plenamente convincente e o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas CC e EE não permite, pelo seu conteúdo, que a factualidade a que se referem as mencionadas alíneas a) e b) possa transitar para o elenco da factualidade provada.
f) No tocante ao facto constante da alínea d) - O prédio da ..., supra mencionado, está avaliado em termos de valor de mercado em, pelo menos, €250.000,00 – o Mmº Juiz “a quo”, como justificação da sua não prova, escreveu o seguinte:
“Alínea d): apenas temos acesso ao valor que consta na matriz. Não se fez qualquer prova neste sentido. O requerimento dos réus no âmbito do processo crime e constante de f. 168-170 do apenso A não permite concluir pelo valor em causa por força do contexto daquele requerimento.”
A autora/recorrente pretende ver este facto como assente com base em requerimento apresentado, em 3.3.2015, no processo crime com o nº 1412/11.0 JAPRT, com vista à prestação de caução pelo aqui 1º réu, mas tendo em atenção o contexto e a natureza desse requerimento, que não é transponível para os presentes autos, tal é insuficiente para que se possa concluir que o referido prédio da ... esteja avaliado em pelo menos 250.000,00€.
g) Passando à alínea e) dos factos não provados – O 1º R. estava consciente do abuso, da ilicitude, ilegalidade e nulidade que enfermaria tal negócio, e tomou a iniciativa e controlo da situação, instruiu o CC da forma como deveria ser formalizado o “negócio”, remetendo-o para o seu advogado – manifesto é que nenhuma prova foi produzida no sentido da sua prova como pretendido pela autora/recorrente, o que se mostra acertadamente explanado na sentença recorrida pela seguinte forma:
“Alínea e): total ausência de prova no sentido de que o réu sabia da ilicitude do acto. Por outro lado, face ao passado e à conduta posterior, não se saiu minimamente persuadido de que CC como que foi manipulado ou enganado neste acto, ou que tivesse tido uma posição absolutamente subalterna.”
h) Quanto à alínea f) dos factos não provados - O negócio declarado na escritura mencionada em 1 foi feito com a intenção de enganar a autora – também quanto a este ponto não há prova produzida que permita concluir e dar como assente que o negócio a que se refere escritura mencionada no nº 1 da matéria de facto tenha sido feito com a intenção de enganar a própria sociedade autora, sendo que a este respeito se escreve o seguinte na sentença recorrida:
“Alínea f): a alegação em si mostra-se até incompreensível. Afinal, o gerente da autora agiu em nome dela. Melhor, a vontade desta é a vontade do seu gerente, pelo que se mostra incapaz de perceber como é que a autora, agindo naquele acto estava a enganar-se a si própria quando a mesma, na pessoa do seu gerente estava a agir com vontade simulatória. Por outro lado, o tribunal saiu convencido, tal como alega a autora, que CC pretendia restituir o montante mutuado.”
i) Por último, no que concerne à alínea g) dos factos não provados - O livro de actas da autora foi entregue por CC ao 1º R., a pedido deste, e que o mesmo não mais o devolveu, mesmo quando interpelado a tal – que a autora/recorrente entende dever ser dado como assente, para além do seu carácter instrumental, verifica-se que esta não indica qualquer elemento probatório que permita que este facto transite para o elenco dos provados.[3]
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Em suma: Da análise por nós efetuada dos meios probatórios referidos pela autora/recorrente no tocante à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e da argumentação que esta expôs nesse sentido, concluímos que nenhuma alteração se impõe quanto à decisão factual da 1ª Instância, a qual, aliás, se mostra devidamente fundamentada e corretamente suportada na prova produzida, como bem decorre do extenso e pormenorizado exame crítico das provas realizado na sentença recorrida, que transcrevemos em largos segmentos.
Assim, a impugnação fáctica improcede na sua totalidade.
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IIPreenchimento dos requisitos da simulação/Nulidade do negócio
Seguidamente, nas suas alegações, a autora, discordando do entendimento da 1ª Instância expresso na sentença recorrida, sustenta que existe divergência entre a declaração negocial e a vontade real dos declarantes, quer quanto à pessoa do mutuante, quer quanto à pessoa do mutuário, quer quanto ao montante do mútuo.
Com efeito, na sua perspetiva, o negócio envolveu o réu AA e o CC, na qualidade de colaborador da sociedade “C...”, e não a sociedade autora e a ré BB.
A atuação dos réus e do CC visou prejudicar e prejudicou a autora e, sendo assim, encontram-se reunidos os requisitos da simulação, daí advindo a nulidade do negócio e também a nulidade do negócio acessório de constituição de hipoteca.
Vejamos então.
Estatui-se no art. 240º, nº 1 do Cód. Civil que «se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.»
Consequência da simulação será a nulidade do negócio simulado – cfr. art. 240º, nº 2 do Cód. Civil.
Como tal, tomando como referência esta norma legal, para que haja simulação é necessário o preenchimento de três requisitos:
a) Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração;
b) Acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório);
c) Intuito de enganar terceiros.[4]
A simulação pode ser inocente se houve o mero intuito de enganar terceiros, sem os prejudicar (“animus decipiendi”), ou fraudulenta, se houve o intuito de prejudicar terceiros ilicitamente ou de contornar qualquer norma da lei (“animus nocendi”) – cfr. art. 242º, nº 1, “in fine” do Cód. Civil.[5]
A simulação pode também ser absoluta ou relativa.
Na simulação absoluta as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum negócio. Há apenas o negócio simulado e, por detrás dele, nada mais (“colorem habet, substantiam vero nullam”). É o caso da venda fantástica.
Na simulação relativa[6] as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na realidade querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso. Por detrás do negócio simulado ou aparente, fictício ou ostensivo, há um negócio dissimulado, ou real, latente ou oculto (”colorem habet, substantiam vero alteram”). É o caso em que se declara vender, mas a vontade real das partes é doar.[7] [8]
Ora, o ónus da prova dos requisitos da simulação, porque constitutivos do respetivo direito, cabe, segundo as regras gerais, a quem invoca a simulação, de tal modo que se, em determinado caso concreto, não ocorrer o circunstancialismo fáctico integrador dos requisitos enunciados, poderá verificar-se qualquer falta ou vício de vontade, mas não, seguramente, o da simulação.[9]
Regressando ao caso dos autos, verifica-se que, apesar do que consta da escritura de mútuo com hipoteca celebrada em 11.9.2013, a ré BB nunca emprestou qualquer quantia à sociedade autora “S..., Unipessoal, Lda.”, nem à sociedade “C...”. Foi o réu AA que emprestou dinheiro a CC para este o aplicar nesta segunda sociedade e não na autora – cfr. nº 15.
Não se provou, porém, que este negócio tenha sido efetuado com intenção de enganar terceiros, sendo aqui de sublinhar que a sociedade autora é simuladora e, por isso, não pode ser havida como terceiro para efeitos de preenchimento deste requisito da simulação.
Como tal, por falta de preenchimento deste requisito não ocorre simulação e, consequentemente, também não ocorre a nulidade do negócio celebrado através daquela escritura de 11.9.2013.
*
III - Abuso de representação por parte do gerente da autora/Nulidade da procuração emitida
Nas suas alegações de recurso, igualmente em discordância com o decidido na sentença recorrida, a autora veio sustentar que se verifica nulidade da procuração emitida pelo seu gerente a favor do réu AA. A amplitude dos poderes constantes da procuração viola, no seu entendimento, o núcleo intangível de poderes que não podem ser delegados, sob pena de se perder a pessoalidade da gerência que passaria de modo completo para o réu. Defende ainda a autora que o seu gerente agiu à data sem poderes, por força da falsificação da assinatura que consta da ata, pelo que este ao outorgar a escritura de mútuo e de constituição de hipoteca sobre bens da autora atuou em abuso de representação.
Na sentença recorrida, o Mmº Juiz “a quo” procedeu a uma análise pormenorizada destas questões, escrevendo o seguinte:
"(…)
Vejamos agora o que se apurou nestes autos.
No dia anterior à escritura de mútuo com hipoteca, ocorre uma deliberação social que confere poderes ao gerente para contrair empréstimos e para constituir hipoteca sobre a denominada casa de férias da .... Confere ainda poderes para dar em pagamento este mesmo imóvel.
Por outro lado, no dia seguinte (11-9-2013), a escritura de mútuo é realizada, a hipoteca é constituída e o gerente passa uma procuração ao réu onde, para cumprimento da dívida que estava agora a contrair, este fica com poderes, entre outros, para vender ou dar em cumprimento o referido imóvel para liquidação da dívida contraída com o mútuo caso esta não fosse liquidada no dia do vencimento (31-12-2013). Esta procuração é válida porque se baseia em poderes conferidos ao gerente e é específica (ao contrário do alegado pela autora, não se trata de uma procuração que outorga poderes para o exercício indiscriminado dos poderes da gerência. Como refere DIOGO PEREIRA DUARTE, Código das Sociedades Comerciais Anotado, coord. MENEZES CORDEIRO, Almedina, 2009, p. 666, o art. 252.º, n.º 5, do CSC, proíbe a possibilidade de representação do gerente no exercício do cargo: claramente inadmissível, a menos que configure a delegação em um dos gerentes de competência para a prática de determinados negócios ou espécie de negócios. Outra situação, substancialmente diferente, é a que se regula no n.º 6 e que diz respeito à representação da sociedade por procurador: evidentemente admissível, nos termos gerais, a menos que a situação em causa seja, por disposição da lei, um acto estritamente pessoal. Coisa que, dizemos, não ocorre nos autos).
Sucede que a dívida não foi liquidada. Assim, o réu, mais tarde, a 17-3-2014, realiza a escritura da dação em cumprimento com base na procuração que lhe foi passada, operando-se, assim, a extinção da obrigação do mutuário – art. 837.º, do CC.
Posto isto, pergunta-se: podia a autora contrair empréstimo junto da ré, oferecendo-lhe como garantia a hipoteca de um seu bem, e a procuração para a dação em cumprimento? Afigura-se que a resposta só pode ser positiva. Como se viu, o negócio não foi considerado inválido por alegada simulação já que inexiste um dos seus pressupostos. Assim, contrair empréstimo e conceder garantias para o mutuante é algo que se afigura linear e sem necessidade de qualquer outra explicação.
Todavia, apurou-se que, apesar do declarado nessa escritura, a 2ª R. nunca emprestou qualquer quantia à A., nem à sociedade “C...”, tendo sido o réu a emprestar o dinheiro a CC para aplicar na empresa “C... Lda.” e não à sociedade autora. Todavia, no resto da escritura verificou-se que a autora constituiu hipoteca a favor de terceiro, como emitiu procuração para, em caso de incumprimento, conferindo poderes para a realização de uma escritura de dação em cumprimento.
Deste modo, a autora teria constituído hipoteca a favor de um terceiro relativamente a um mútuo em que a autora não foi mutuária e passou procuração naqueles termos. Pergunta-se: podia fazê-lo? Como se disse supra, as sociedades comerciais gozam de uma capacidade de gozo tendencialmente plena, pelo que a prestação de uma garantia a terceiro é algo que uma sociedade pode fazer.
Para a doutrina mais clássica, a prestação de garantias a terceiros é algo excepcional, sendo nulas as mesmas caso não resulte o previsto no art. 6.º, n.º 3, do CSC: considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
Nesta perspectiva pergunta-se: ocorreu justificado interesse próprio da autora ao prestar aquela garantia?
Para COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, II, 2.ª reimpressão da edição de 2002, Almedina, 2003, p. 195, as garantias reais a título gratuito apenas são válidas quando houver justificado interesse próprio da sociedade garante (quando ela se mostre objectivamente apta para satisfazer o desejo de todo o sócio enquanto tal de obter lucros através dessa mesma sociedade) ou encontrar-se a sociedade garante em relação de domínio ou de grupo com o devedor.
O justificado interesse tem de ser da sociedade garante ou, dizendo de outra maneira, do sócio ou sócios (interesse comum) enquanto tais, enquanto sócios dessa sociedade. A sociedade não pode prestar garantias para satisfazer interesses extra sociais dos sócios, interesses destes enquanto não sócios – p. 196.
Porém, é hoje consensual atribuir à sociedade que presta a garantia o ónus de demonstrar a inexistência do justificado interesse próprio. Para MENEZES CORDEIRO in Código das Sociedades Comerciais Anotado, coord. MENEZES CORDEIRO, Almedina, 2009, p. 92: Celebrada a garantia, cabe à sociedade que invoque a nulidade o ónus da prova da ausência de interesse próprio ou da inexistência da relação de grupo. PEDRO DE ALBUQUERQUE, op. cit.[10], p. 1007: ónus da prova incumbe à sociedade garante, esta tem de demonstrar a falta de justificado interesse próprio. Nas palavras de JANUÁRIO GOMES apud PEDRO DE ALBUQUERQUE, op. cit., p. 1003: a simples prestação da garantia já representa, por si, uma presunção hominis de existência de interesse próprio (na jurisprudência, neste sentido e na posição supra adoptada, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 9334/11.8TBOER-B.L1-6, de 25-10-2012[11]: Do artigo 6.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CSC, resulta que a capacidade de gozo das sociedades é ampla de modo a permitir-lhes a prossecução do seu fim e não pode ser restringida pela própria sociedade, nomeadamente mediante restrição unilateral do que possa entender-se ser esse fim em concreto (v.g. pela fixação de objecto) Assim, a capacidade é «uma categoria generalizadora» para a prática de determinados actos considerados abstractamente no seu contorno jurídico – v.g. capacidade para comprar, para vender, para arrendar – e não em termos casuísticos – v.g. capacidade para comprar naquelas concretas circunstâncias, para arrendar aquele concreto bem por aquele indicado preço, etc. O artigo 6.º, n.ºs 2 e 3, do CSC, respeita tão somente à vinculação das sociedades, conjugando-se, aliás, com o disposto no artigo 409.º, do CSC, quanto às sociedade anónimas, e com as orientações da referida Directiva comunitária. A capacidade enquanto aptidão das sociedades para serem titulares de direitos e obrigações está prevista no artigo 6º, n.ºs 1 e 4, e a vinculação, enquanto conjunto de obrigações resultantes para a sociedade anónima da actuação dos seus órgãos nos artigos 6º, n.ºs 2, 3 e 5, e 409º, do CSC. Assim sendo, as sociedades têm capacidade de gozo ampla para a prossecução dos seus fins, que não pode ser restringida senão por lei expressa – artigo 6.º, n.º 1 do CSC -, sendo inidóneas as restrições contratuais ou unilaterais da sociedade – artigo 6.º, n.º 4, do CSC -, capacidade que inclui a prestação de garantias a entidades estranhas (uma vez que inexiste lei expressa que as exclua), antes estando prevista a sua prestação vinculativa no artigo 6.º, n.º 3, do CSC. A prestação de garantias a entidades estranhas vincula assim a sociedade – artigo 409.º, n.º 1, do CSC – que pode, no entanto, opor a inexistência de interesse próprio nessa prestação a terceiros que soubessem ou não pudessem ignorar essa inexistência – artigo 409.º, n.º 2, do CSC -, beneficiando da presunção, na demonstrada falta de interesse, de que a prestação da garantia constitui acto contrário ao seu fim – artigo 6.º, n.º 3, do CSC – nomeadamente na relação interna com os seus órgãos e em sede de responsabilidade deles).
Nesta sequência, pergunta-se: a autora demonstrou a ausência de justificado interesse próprio da autora ao prestar aquela garantia? A nosso ver, a autora não cuidou de alegar nada nesse sentido. Face aos factos provados, na perspectiva da doutrina clássica, conclui-se, até, em sentido contrário: a de que ocorreu justificado interesse próprio da autora ao prestar aquela garantia. Afinal, a autora não tem qualquer actividade comercial, não tem clientes, não tem fornecedores, não tem trabalhadores, não tem receitas, não tem despesas, não tem conta bancária. A autora é apenas proprietária do património que CC e a sua mulher adquiriram à data. Por outro lado, a fonte de rendimento deste casal é a actividade comercial de CC no sector das .... Como soe dizer-se, é um empresário do ramo das .... Com base nos rendimentos que foi auferindo, acabou por comprar património imobiliário que mais tarde veio a colocar em nome da autora.
Sendo assim, pergunta-se: estando o empresário das ... a necessitar de dinheiro para a sua actividade comercial, para saldar dívidas a fornecedores, não é do interesse da autora em prestar garantia para permitir uma rápida disponibilidade financeira àquele com vista a saldar dívidas? Afinal, o património imobiliário que está em nome da autora, só o está por causa daquela actividade comercial. Esta é que é a fonte de rendimento. Por outro lado, deve atentar-se na sociedade autora neste caso em concreto, a qual não possui credores. Como se deve atentar na relação umbilical desta sociedade para com CC (cite-se, a este propósito o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 Abr. 1999, Processo 224/99, Colectânea de Jurisprudência, Tomo II/1999[12]: Não é nula a hipoteca constituída por uma sociedade comercial sobre um seu prédio urbano para garantir dívida contraída por outra sociedade. Demais se a sociedade que constitui a hipoteca declara, na respectiva escritura, que tem interesse directo na concessão do empréstimo e se o seu sócio maioritário era sócio-gerente da mutuária, que necessitava com urgência do empréstimo para pagamento de dívida que já fora objecto de execução).
Por outro lado, justificado interesse próprio não é um juízo que deve ser feito a posteriori. Não. Bem pelo contrário. Esse juízo deverá ser formulado, à data, tendo em conta aquelas circunstâncias pregressas, e não tendo em conta o seu desfecho. Acaso a dívida fosse saldada com a restituição da quantia mutuada, a prestação da garantia já era justificada? Obviamente que este juízo tem de ser formulado no contexto em que a prestação da garantia foi realizada. Acresce que CC pretendia e estava convicto que ia cumprir na data de vencimento do mútuo. Por fim, refira-se que já o tinha feito no passado, com bons resultados já que a dívida foi saldada e a garantia não foi executada.
Por outro lado, como sustenta, e bem, MENEZES CORDEIRO, Manual de direito das sociedades, I, Almedina, 2004, p. 326, o justificado interesse é definido pela própria sociedade, através dos seus órgãos: estamos no direito privado. Ora, é evidente que, quando se presta uma garantia – altura em que todos pensam que a operação vai correr bem ou que, pelo menos, tudo é recuperável – é facílimo invocar interesse próprio justificado.
E no presente caso foi realizada deliberação a conferir poderes nesse sentido, retirando-se daí que era do seu interesse.
Por fim, cite-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11 Set. 2012, Processo 4998.11.5TBBRG-A.G1, Colectânea de Jurisprudência, N.º 240, Tomo IV/2012[13]: Ainda que se considere que o aceite de favor, por parte de uma sociedade, corresponde - ou pode ser equiparado - à prestação de uma garantia, cabe à sociedade aceitante - que vem invocar a respectiva nulidade - demonstrar que esse acto é contrário ao fim da sociedade por nele não ter qualquer justificado interesse próprio. A inexistência desse interesse não decorre da mera circunstância de estar em causa um aceite de favor que, como tal, não visa directamente a obtenção de qualquer lucro ou vantagem patrimonial. Tal interesse - cuja existência terá que ser ponderada casuística e objectivamente em função das concretas circunstâncias do caso - abrange as vantagens reais ou potenciais, directas ou indirectas e presentes ou futuras que a sociedade poderia obter com a prestação da garantia ou favor e que, embora devam estar relacionadas com o fim da sociedade, não têm que corresponder, em termos imediatos, a qualquer benefício de natureza económica ou patrimonial.
Deste modo, podemos concluir pelo justificado interesse próprio. Ainda assim, repita-se: incumbia à autora demonstrar a ausência de justificado interesse próprio. Coisa que não fez atenta a alegação e os factos provados.
Mais a mais, como bem refere PEDRO DE ALBUQUERQUE, op. cit, p. 978, só excepcionalmente as sociedades se poderão eximir ao pagamento das garantias por elas indevidamente dadas para assegurar a satisfação de dívidas de terceiros. Isto, pois, do ponto de vista da entidade perante quem a sociedade se vincula – o beneficiário da garantia – raramente se estará perante um acto gratuito. Isto porque como bem assinalam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, II, 4.ª edição, Coimbra editora, 1997, p. 238, não há doação na constituição de garantia da dívida, mesmo quando prestada por terceiro (a não ser que o terceiro renuncie, em proveito do devedor, ao benefício da sub-rogação). Também nesse caso não há nenhum enriquecimento do património do credor beneficiado com a garantia, que apenas lhe assegura a exequibilidade prática de um outro direito, já existente ou a existir no futuro.
Isto é, a prestação da garantia, à luz da escritura, não permite concluir pela pura gratuitidade da mesma, já que a autora não renuncia ao benefício da sub-rogação.
Por fim, refira-se MENEZES CORDEIRO, Manual de direito das sociedades, I, Almedina, 2004, p. 327: a proibição do art. 6.º, n.º 3, do CSC, acaba por funcionar, apenas, perante situações escandalosas e, ainda aí, havendo má fé dos terceiros beneficiários. A responsabilização dos administradores terá de servir de contrapeso.
A nosso ver, nada nos autos nos permite inferir esta situação escandalosa. Muito menos má fé do réu. Este tinha uma deliberação social da autora e viu os negócios serem celebrados num cartório notarial. Pergunta-se: um cidadão médio, com base nestes elementos, podia desconfiar, exigia-se-lhe desconfiar de que a autora não podia praticar este acto? A nosso ver, a resposta tem de ser negativa. Ao cidadão médio, perante aqueles dados, não se lhe exigia saber que a prestação da garantia era inadmissível. Primeiro, porque nem isso se apurou para se estar a discutir a sua boa ou má fé. Segundo, a apurar-se, pergunta-se como concluir que ele o devesse saber face àquele rito formalístico?
Por fim, refira-se que, ainda que a dita acta fosse falsificada, isso não lhe era oponível porque não se demonstrou, nem se alegou, que ele conhecesse a falsificação. Assim, pergunta-se: desconhecendo ele a falsificação, como é que se podia opor isso ao réu? A nosso ver, não lhe era exigível que face à acta devesse saber que a mesma era falsificada, pelo que não se demonstra a sua má fé. Este apenas actuou com vista a precaver-se de um eventual incumprimento do mutuário.
Em síntese, analisando o negócio ocorrido entre 3 partes (autora como prestadora da garantia, réu como mutuante e CC/C... como mutuário), não se detecta que a prestação da garantia seja nula, na perspectiva da doutrina clássica (a autora, desde logo, não demonstrou ausência de justificado interesse próprio, concluindo-se até pelo contrário). Isto é, a sociedade autora agiu dentro da sua capacidade. Por outro lado, face à doutrina moderna, deve concluir-se pela vinculação da sociedade autora perante o negócio ocorrido, não se verificando qualquer situação excepcional no sentido da não vinculação.
Por fim, a propósito das sociedades por quotas, afigura-se que a autora ficou vinculada à luz do disposto no art. 260.º, do CSC:
os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios;
a sociedade pode, no entanto, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do seu objecto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias que o acto praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade o não assumiu, por deliberação expressa ou tácita dos sócios;
o conhecimento referido no número anterior não pode ser provado apenas pela publicidade dada ao contrato de sociedade [no caso em questão, pelo contrário, o terceiro tinha uma deliberação social a conferir poderes nesse sentido ao gerente. Por outro lado, o objecto social inscrito no registo é compra e venda de bens imóveis o que corresponde a um plus face à constituição de garantias reais. Assim, como concluir que o réu sabia, ou não o podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto ultrapassava esse objecto?];
os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade;
as notificações ou declarações de um gerente cujo destinatário seja a sociedade devem ser dirigidas a outro gerente, ou, se não houver outro gerente, ao órgão de fiscalização, ou, não o havendo, a qualquer sócio.
Como ensina MENEZES CORDEIRO, Manual de direito das sociedades, I, Almedina, 2004, p. 330, as limitações estatutárias são meras regras de conduta internas. O mesmo para as limitações deliberativas: o desrespeito por tais deliberações responsabiliza o seu autor: a capacidade da pessoa colectiva mantém-se, porém, intacta. Tudo conforme, acrescentamos nós, com o art. 6.º, n.º 4, e as Directivas supra referidas[14] (no mesmo sentido COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, II, 2.ª reimpressão da edição de 2002, Almedina, 2003, p. 187-188, o objecto social não limita a capacidade da sociedade mas constituem os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objecto).”
Sucede que esta exaustiva argumentação que se mostra explanada na sentença recorrida não se nos afigura merecer censura e, uma vez que não foi introduzida qualquer alteração na matéria de facto provada e não provada, permanece plenamente válida.
Desta forma, consideramos que no caso “sub judice” não há motivos que permitam concluir que ocorre nulidade da procuração emitida pelo gerente da autora a favor do réu AA e que aquele gerente agiu à data sem poderes, de tal forma que ao outorgar a escritura de mútuo e de constituição de hipoteca o fez em abuso de representação.
*
IVDesconsideração da personalidade coletiva
Por fim, na sentença recorrida o Mmº Juiz “a quo”, em argumentação subsidiária, que justificou pelo que fora escrito no Acórdão da Relação do Porto de 9.1.2017, proferido no Apenso A de procedimento cautelar em que se sustentou, em termos indiciários, que o ato seria ineficaz relativamente à autora porque era cognoscível que o mesmo extravasava o seu objeto social, ainda assim, independentemente de tudo o que se expôs em III, defendeu este que a invocação da autora também não poderia proceder por se estar perante uma situação de desconsideração da personalidade coletiva.
Acontece que este entendimento teve a discordância da autora/recorrente em via recursiva, onde pugnou pela falta de fundamento dessa desconsideração.
COUTINHO DE ABREU (in “Curso de Direito Comercial”, vol. II, 4ª ed., 2011, págs. 176/177) define a desconsideração da personalidade coletiva das sociedades como a “derrogação ou não observância da autonomia jurídico-subjectiva e/ou patrimonial das sociedades em face dos respectivos sócios. Tal desconsideração legitimar-se-á através do recurso a operadores jurídicos como, nomeadamente (e consoante os casos), a interpretação teleológica de disposições legais e negociais e o abuso de direito apoiados por uma concepção substancialista da personalidade colectiva (não absolutizadora do “princípio da separação”). É, assim, uma construção metódica constituída por dois pilares principais (o abuso do direito e a interpretação teleológica), mais ou menos tradicionais, e uma base (menos tradicional e enraizada) que os apoia e potencia – a concepção substancialista, não formalista nem absolutizadora da personalidade colectiva (não há fronteira intransponível entre sociedade e sócios).”
Voltando à sentença recorrida, que bem aprofundou este instituto, iremos agora reproduzir o que o Mmº Juiz “a quo” aí escreveu a propósito da desconsideração da personalidade coletiva:
“(…)
São três as teorias que fundamentam este instituto [da desconsideração da personalidade coletiva]:
i. Teoria do abuso subjectiva: abuso da forma jurídica da pessoa colectiva – há abuso quando com a ajuda da pessoa colectiva são [i]ludidas ou contornadas disposições legais ou deveres contratuais ou prejudicados fraudulentamente terceiros.
ii. Teoria do abuso objectivo ou institucional: a pessoa colectiva é utilizada de modo contrário à sua função ou fim, em desconformidade com o ordenamento jurídico (quando há um abuso de instituto).
iii. Teoria da aplicação da norma: esta situação resolve-se tomando em conta o sentido e finalidades das normas (no quadro do ordenamento jurídico geral) cuja aplicação a esta ou àquela pessoa colectiva se discute (…).
Todavia, como bem refere MENEZES CORDEIRO, Manual de direito das sociedades, I, Almedina, 2004, p. 381, as diversas teorias documentam facetas próprias do levantamento, correspondendo a progressões da mesma ideia. Elas não se opõem: completam-se.
Por outro lado, a doutrina vem relacionando situações, agrupando-as. Pode, assim, concluir-se que existem os seguintes grupos de casos de desconsideração: casos de imputação – determinados conhecimentos, qualidades ou comportamentos do sócio são imputados à sociedade e vice-versa; casos de responsabilidade – a regra da responsabilidade limitada que beneficia certos sócios é quebrada (COUTINHO DE ABREU, Da empresarialidade (as empresas no direito), reimp., Almedina, 1999, p. 208).
Por sua vez, MENEZES CORDEIRO, Manual de direito das sociedades, I, Almedina, 2004, p. 364 a 370, estabelece os seguintes grupos de casos:
confusão de esferas jurídicas, subcapitalização, atentado a terceiros e abuso da personalidade, embora reconhecendo que haja disfunções e áreas de sobreposição entre estes grupos de casos. Há atentado a terceiros sempre que a personalidade colectiva seja usada, de modo ilícito ou abusivo, para os prejudicar. Sub-hipótese particular é a do recurso a testas-de-ferro, numa situação que autorizaria a procurar o real sujeito das situações criadas. Já o abuso é uma situação de abuso do direito ou de exercício inadmissível de posições jurídicas, verificada a propósito da actuação do visado, através duma pessoa colectiva.
Por fim, refira-se que a desconsideração legitima-se através do recurso à interpretação teleológica das disposições legais e contratuais e ao abuso do direito – apoiados por uma concepção substancialista da personalidade colectiva (não absolutizadora do princípio da separação) – assim COUTINHO DE ABREU, Da empresarialidade (as empresas no direito), reimp., Almedina, 1999, p. 209-210
Vejamos os factos que nos levam a recorrer a esta figura:
- Desde sempre CC se apresentou junto do Réu marido como dono da sociedade A., assim como da sociedade C... Lda.
- Sempre foi o CC quem geriu as diversas sociedades (incluindo a autora e a C...), pois é o CC quem define o que comprar, a quem e quando pagar, quem representa as sociedades em toda a sua gestão quotidiana, quem dá as ordens de pagamento, quem escolhe os colaboradores, quem reporta à contabilidade toda a documentação e dá as directrizes na condução dos negócios, limitando-se as pessoas que constam do registo comercial como gerentes tão só a assinar o que CC determina. O que sucede ainda hoje.
- A A. é uma sociedade comercial que nunca exerceu qualquer actividade comercial, sendo que a seu favor encontram-se registados todos os imóveis que foram adquiridos com dinheiro de CC e da sua mulher, incluindo a casa de morada de família e a casa de férias (o prédio da ...).
- Por fim, no registo comercial, consta que, em 1-7-2010, JJ tornou-se gerente da autora, e a 8-7-2010 tornou-se detentor de uma participação social da autora, cessando a gerência a 19-7-2013, e transmitindo a quota a DD, a 2-8-2013, sendo que aqueles factos foram na sequência de um empréstimo de JJ a CC para pagar dívidas da C..., como forma de garantir o mútuo, e os factos societários ocorridos em 2013 foram na sequência da restituição do empréstimo.
Perante isto, e como supra se foi referindo, a autora é uma empresa fantasma. Nas palavras de uma testemunha, serve para gerir o património familiar o que corresponde, ao fim e ao cabo, a colocar o património imobiliário do casal em nome da sociedade autora. Naturalmente que, como é sabido, este tipo de actuação visa colocar o património do casal a salvo de algum credor do casal. Aliás, não se pode deixar de sublinhar o modo como estas coisas foram reconhecidas através do uso repetido de expressões como pus em nome da empresa, passei para o nome da empresa.
Ora, é sabido que nada disto corresponde a uma figura jurídica. Isto é, aquelas expressões revelam que o que constava do registo (aquisição, compra e venda) não passava de uma manipulação. Melhor, da ausência dessa realidade. Afinal, o património que está em nome da autora resulta de simulações, pois o registo é realizado com base em escrituras de compra e venda que não correspondem à realidade (se a autora não tem actividade, nem receitas como pagou o preço respectivo?). E isto foi abertamente admitido: quem comprou foi o casal, passando depois para o nome da empresa.
Sendo assim, afigura-se inequívoco o abuso da personalidade colectiva, pois esta foi criada, não para realizar o seu objecto social, mas para o património imobiliário do casal ... ser registado a favor da autora com vista a evitar que, por exemplo, o património daquele voltasse a ser penhorado, como chegou a ser.
Deste modo, parece-nos que numa situação destas, como a dos autos, resulta bastante abusivo que a autora invoque normas societárias com vista a eximir-se de uma responsabilidade. Ainda para mais quando a personalidade colectiva sempre foi manipulada pela mesma pessoa que a criou como pela empresa que foi beneficiada com o dito empréstimo. Falamos de CC, claro está. E ainda para mais quando este no passado fez idêntico negócio, ao prestar uma garantia por força de outro empréstimo.
Vislumbra-se, assim, o abuso subjectivo: abuso da forma jurídica da pessoa colectiva quando com a ajuda da pessoa colectiva são prejudicados fraudulentamente terceiros (negoceia-se uma garantia para depois invocar normas societárias para que a garantia não seja executada). Como o abuso objectivo ou institucional: a pessoa colectiva foi utilizada de modo contrário à sua função ou fim, em desconformidade com o ordenamento jurídico. Por outro lado (teoria da aplicação da norma), o sentido e finalidades das normas societárias supra referidas não visam aplicar-se quando a pessoa colectiva não corresponde a uma verdadeira pessoa colectiva.
Noutras palavras, vemos que existe um atentado a terceiros, pois a personalidade colectiva é usada, de modo ilícito e abusivo, para os prejudicar (como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 07A1274, de 26-06-2007[15], por trás da desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva está, sempre, a necessidade de corrigir comportamentos ilícitos, fraudulentos, de sócios que abusaram da personalidade colectiva da sociedade, seja actuando em abuso de direito, em fraude à lei ou, de forma mais geral, com violação das regras de boa fé e em prejuízo de terceiros. Logo, interessará sempre visualizar na conduta do agente (sócio) uma combinação de actos, ainda que formalmente lícitos, para atingir um fim ilegítimo, visível num resultado danoso: o desfavorecimento dos interesses de autonomia e suficiência económico-patrimonial da sociedade, que se actualiza no momento da insatisfação dos direitos creditícios, resultado da delapidação do património social, em prejuízo de outrem). Como há situação de abuso do direito ou de exercício inadmissível de posições jurídicas, verificada a propósito da actuação de CC, através duma pessoa colectiva.
Concluindo assim, nas palavras sugestivas de COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, II, 2.ª reimpressão da edição de 2002, Almedina, 2003, p. 176, afastada a máscara pessoal societária vê-se o sócio a concorrer com o trespassário quando aquele estava vinculado a uma obrigação de não concorrência, recorrendo a uma sociedade para tentar eximir-se a esta. Ou, p. 177, levantado o véu da personalidade societária, vêem-se os filhos a adquirir, indirectamente embora, dos pais.
No nosso caso, levantado o véu vê-se CC, pessoa singular, a prestar garantias ao mutuante, não podendo assim invocar as regras societárias, pois delas não pode beneficiar.
[…]
Afinal, CC ficciona a constituição de uma sociedade com vista a colocar o seu património imobiliário registado a favor daquela sociedade (que não tem actividade, que não tem receitas, que não tem clientes, que não tem conta bancária), sem que essa transmissão corresponda ao que do registo consta (aquisição por compra e venda), mas sim a uma mera ficção negocial. Nesta situação, CC, na qualidade de gerente da autora, munido de uma deliberação social, presta garantias ao mutuário respeitantes a uma casa de férias que ele, CC e mulher, compraram, para, mais tarde, após não conseguir cumprir com o que foi estipulado, vir a autora invocar regras societárias para invalidar as tais garantias respeitantes a uma casa que a autora beneficia de registo, mas que não a comprou, mas sim CC, pessoa que continua a dirigir a actividade da autora.
A nosso ver, face a este quadro, as normas societárias têm de ser paralisadas através da desconsideração da personalidade colectiva.
(…)”.
Inalterada, como atrás se viu em I, a matéria de facto dada como provada e não provada, mantêm-se inteiramente pertinentes todas as considerações feitas pelo Mmº Juiz “a quo”, aqui transcritas, quanto ao fundamento da desconsideração da personalidade colectiva.
Tal implicará, pois, a improcedência do recurso interposto e a consequente confirmação da sentença recorrida.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora “S..., Unipessoal, Lda.” e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da autora/recorrente.

Porto, 4.5.2022
Eduardo Rodrigues Pires
Márcia Portela
João Ramos Lopes
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[1] Cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 823 e 825.
[2] Trata-se de um mail enviado em 10.9.2013 de ... para ... com o seguinte teor:
“Senhor CC
Junto remeto minuta da acta.
Agradecia que completasse a mesma quanto ao capital social, uma vez que deixei já a certidão no notário para a escritura e não fiquei com esse dado.
Logo que tenha a mesma impressa no livro de actas e assinada, queira trazer o livro ou uma cópia certificada.
Seria conveniente por volta das 18h reunirmos para deixar tudo pronto para amanhã.
Cumprimentos
NN”
[3] A respeito desta alínea o Mmº Juiz “a quo” escreveu o seguinte no exame crítico das provas: “Alínea g): a propósito do livro de actas, o tribunal não saiu minimamente persuadido da versão da autora. Como se disse supra, objectivamente, o desaparecimento do livro de actas apenas podia prejudicar o réu pois a perícia podia ter ficado impossibilitada de se realizar como os autos o demonstram a propósito da realização da perícia (o LPC da PJ recusou-se a fazer a perícia por não ter acesso ao original – cfr. f. 272). Por outro lado, interrogamo-nos porque CC teria entregue o livro de actas? Qual a utilidade de tal para o réu? Face a tudo isto, consideramos que não se demonstrou este facto como alegado pela autora.”
[4] MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, 4ª ed., pág. 466. [5] Cfr. MOTA PINTO, ob. cit., pág. 467; CARVALHO FERNANDES, “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. II, 4ª ed., págs. 307/308.
[6] Cfr. art. 241º do Cód. Civil.
[7] Cfr. MOTA PINTO, ob. cit., págs. 467/8; CARVALHO FERNANDES, ob. cit., págs. 308/309.
[8] Sobre a simulação cfr. também INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, “Manual dos Contratos em Geral”, 4ª ed., 2002, págs. 165 e segs. e MANUEL DE ANDRADE, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, reimpressão, 2003, págs. 168 e segs.
[9] Cfr. Ac. STJ de 14.2.2008, proc. 08B180, relator Oliveira Rocha, disponível in www.dgsi.pt.
[10] “A vinculação das sociedades comerciais anónimas e por quotas”, By the book, 2017.
[11] Relatora Ana Azeredo Coelho.
[12] Relator Pelayo Gonçalves.
[13] Relatora Maria Catarina Gonçalves.
[14] São a Primeira Diretiva 68/151/CEE do Conselho de 9.3.1968 e Diretiva 2009/101/CE do PE e do Conselho, de 16.9.2009.
[15] Relator Afonso Correia.