Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | LILIANA DE PÁRIS DIAS | ||
Descritores: | ACTOS DE INQUÉRITO COMPETÊNCIA PARA CUMPRIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP202201124692/20.6T9PRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/12/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | PROVIDO O RECURSO | ||
Indicações Eventuais: | 4.ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Os atos ordenados pelos magistrados do MP ou judiciais, no inquérito criminal, devem ser executados pelos funcionários que lhes estão funcionalmente subordinados, pois só assim poderão ordenar, orientar e verificar o cumprimento de tais atos. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 4692/20.6T9PRT-A.P1 Recurso Penal Juízo de Instrução Criminal … Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto. I – Relatório Nos autos de inquérito que, sob o n.º 4692/20…, correm termos no DIAP …, foi proferido despacho datado de 3/11/2021, determinando que as operações materiais necessárias à notificação do despacho de declaração de perda de instrumentos, de produtos ou de vantagens a favor do Estado competem aos serviços do Ministério Público e não aos serviços afetos ao JIC que profere tal decisão. Notificado de tal despacho e com ele não se conformando, veio o Ministério Público interpor recurso, visando a revogação da referida decisão e a sua substituição por outra que determine que a decisão que declarou perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos nos autos seja notificada ao respetivo proprietário pela secção de processos do Juízo de Instrução Criminal. Baseia-se o recurso nos fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]: “O presente recurso vem interposto da decisão proferida nos autos pelo Juiz de Instrução em 03-11-2021, que omitiu a ordem de notificação ao proprietário dos objetos declarados perdido a favor do Estado da decisão que determinou a respetiva perda, por considerar que a concretização das operações materiais necessárias à notificação de tal decisão cabe aos serviços do Ministério Público. A decisão que determinou a perda do objeto declarado perdido a favor do Estado é suscetível de afetar direta e irreversivelmente o direito de propriedade do cidadão a quem pertence tal objeto, razão pela qual, deve ser levada ao seu conhecimento para, querendo, reagir face a tal decisão. Contudo, não compete aos oficiais de justiça afetos aos serviços do Ministério Público a realização de tal notificação. Conforme decorre do preceituado nos artigos 18o, n.° 2, da Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto e 41°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 49/2014, de 27 de Março, os oficiais de justiça nas secretarias dos tribunais e nas secretarias do Ministério Público e correspondentes unidades de processos exercem funções específicas em conformidade com o conteúdo funcional definido no respetivo Estatuto e nos termos neste fixados e asseguram a tramitação dos processos e a prática dos atos inerentes na dependência funcional do respetivo magistrado. A lei não prevê qualquer exceção à regra que resulta das disposições legais acima indicadas, em função da fase processual, natureza ou complexidade do ato a praticar ou qualquer outro tipo de condicionante. Assim se considerando, a execução de atos determinados pelo Juiz de Instrução por funcionários afetos à secção de processos do Ministério Público afigura-se incompatível com a organização judiciária estabelecida por lei, subvertendo o seu funcionamento, e não se coaduna com a especialização da carreira de oficial de justiça que se subdivide em carreira judicial e carreira dos serviços do Ministério Público. Considerando os fundamentos expostos, a nosso ver, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 18°, n.° 2, da Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto e 41°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 49/2014, de 27 de Março, e, ainda, reflexamente, o artigo 399° lido conjugadamente com o artigo 401°, n.° 1, al. d), ambos do Código de Processo Penal (por vedar o exercício do direito ao recurso pelo proprietário afetado pela decisão de perda dos objetos a favor do Estado). Razão pela qual deverá ser revogada e substituída por outra que determine que a decisão que declarou perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos nos autos seja notificada ao respetivo proprietário pela Secção de Processos do Juízo de Instrução Criminal. V. Exas. farão, porém, a habitual Justiça! […]”. * O recurso foi admitido para subir de imediato, em separado e com efeito suspensivo. * Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso e consequente revogação da decisão recorrida, aderindo aos fundamentos invocados pelo MP junto da primeira instância, na motivação do recurso.* Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.* II – Fundamentação É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.º 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt). No presente caso, o objeto do recurso prende-se com a aferição do despacho datado de 3/11/2021 e, em particular, com a questão de saber se a execução dos atos materiais tendentes à notificação ao interessado do despacho judicial que declarou perdidos a favor do Estado determinados bens apreendidos no processo compete, ou não, aos serviços que se encontram sob direção da entidade que proferiu a decisão. O despacho recorrido tem o seguinte teor: “Vem o M P , na sequência de despacho proferido a 11/10, promover que se determine a notificação de tal despacho ao proprietário. Refere o artigo 186.° do CPP, que: 1 - Logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os animais, as coisas ou os objetos apreendidos são restituídos a quem de direito ou, no caso dos animais, a quem tenha sido nomeado seu fiel depositário. - Logo que transitar em julgado a sentença, os animais as coisas ou os objetos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado. - As pessoas a quem devam ser restituídos os animais, as coisas ou os objetos são notificadas para procederem ao seu levantamento no prazo máximo de 60 dias, findo o qual, se não o fizerem, se consideram perdidos a favor do Estado. - Se se revelar comprovadamente impossível determinar a identidade ou o paradeiro das pessoas referidas no número anterior, procede-se, mediante despacho fundamentado do juiz, à notificação edital, sendo, nesse caso, de 90 dias o prazo máximo para levantamento dos animais, das coisas ou dos objetos. - Ressalva-se do disposto nos números anteriores o caso em que a apreensão de animais, coisas ou objetos pertencentes ao arguido, ao responsável civil ou a terceiro deva ser mantida a título de arresto preventivo, nos termos do artigo 228.° - Quando a restituição ou o arresto referidos nos números anteriores respeitarem a bem cuja apreensão tenha sido previamente registada, é promovido o cancelamento de tal registo e, no segundo caso, o simultâneo registo do arresto. - No que respeita à restituição de animais, deve ser sempre salvaguardado que estão reunidas as condições de bem-estar animal previstas na lei. Como se refere no Ac. TRL de 28-09-2010, in www.pqdlisboa.pt. " O fundamento da perda de «instrumentos e produtos» regulada no artigo 109.° radica nas exigências, individuais e coletivas, de segurança e na perigosidade dos bens apreendidos, ou seja, nos riscos específicos e perigosidade do próprio objeto e não na perigosidade do agente do facto ilícito (daí que não possa ser considerada uma medida de segurança) ou na culpa deste ou de terceiro (daí que não possa ser vista como uma pena acessória). A perda de objetos a favor do Estado regulada no Código Penal (dotada de eficácia real, já que se opera a transferência da propriedade do objeto a favor daquele) apresenta-se como uma providência sancionatória de natureza análoga à medida de segurança, não sendo um efeito da pena ou da condenação, visto poder ter lugar sem elas, como se infere do artigo 109.°, n.° 2. Constitui pressuposto formal da perda de instrumentos e produtos prevista no artigo 109.° que os mesmos tenham sido ou estivessem destinados a ser utilizados numa atividade criminosa ou que por esta tenham sido produzidos (...)." Na mesma base de dados, diz-nos o Ac. TRG de 5-05-2014, "A declaração de perda de bens e valores a favor do Estado assume natureza jurisdicional e exige a intervenção do juiz de instrução, porque fixa com trânsito em julgado a extinção do direito de propriedade do respetivo dono. Diferentemente, a determinação do destino final desses bens e valores constitui um ato de natureza administrativa, que não contende com direitos, liberdades e garantias." Todas estas razões, tendo por base um preceito legal diferente, aplicam-se à situação concreta, sendo que não decorre do artigo acima citado que o ato em causa seja competência do JIC. Resulta do referido supra que estamos perante dois momentos processuais distintos: A declaração de perda e a declaração de destino. Quanto á primeira, declaração de perda, porque contende com os direitos dos cidadãos, e porque exige a qualificação de determinados objetos como instrumentos, produtos ou vantagens, não temos dúvidas em afirmar que constitui um ato judicial, passível de recurso, esgotando-se a intervenção do JIC nessa declaração, pelo que as demais operações materiais necessárias à notificação de tal despacho e eventual destino de bens cabe aos serviços do M.º P.º Questão diferente é a relativa à notificação edital pela recente alteração ao artigo 186°, 4, do CPP. Pelo exposto, nada se ordena, a não ser a devolução dos autos aos serviços do M°P°. […].”. Este despacho, ora sob recurso, foi antecedido de outro com o seguinte teor: “Nos termos do artigo 186.º, 3 do CPP, declaro perdido a favor do Estado o material/objeto/bem (s) apreendido (s) em conformidade com a promoção que antecede. Devolvido o processo ao DIAP, o Ministério Público proferiu despacho com o seguinte teor: “Verificando-se que o despacho de fls. 73 não foi notificado ao proprietário dos objetos visados pela decisão, remeta novamente os autos à Mma. Juiz de Instrução, para os fins tidos por convenientes”. Nesta sequência o JIC proferiu o despacho recorrido. * Narrados os elementos e atos processuais fundamentais para compreensão do despacho recorrido [2], analisemos os fundamentos do recurso.Como foi reconhecido no despacho recorrido, a declaração de perda de bens apreendidos no processo configura um ato materialmente jurisdicional, da competência exclusiva do juiz de instrução criminal. No presente caso, a competência material para a prolação da decisão em causa foi absolutamente observada. O dissídio limita-se à questão de saber quem deverá executar os procedimentos materiais com vista ao cumprimento do despacho judicial previamente proferido: os funcionários dos serviços do Ministério Público, como defendido no despacho recorrido, ou os funcionários do Juízo de Instrução Criminal, de acordo com a solução propugnada pelo recorrente. Como se observa no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8/6/2006, citado pelo recorrente (e disponível em www.dgsi.pt), “Para cumprimento dos atos da exclusiva competência do Juiz de Instrução, ainda que realizados no decurso do inquérito – como é o caso da destruição de objetos apreendidos à ordem dos autos - são competentes os oficiais de justiça afetos ao serviço daquele Juiz de instrução.”. Salienta-se neste acórdão a ideia – com a qual concordamos – de que os atos ordenados pelos magistrados do MP ou judiciais, no inquérito criminal, devem ser executados pelos funcionários que lhes estão funcionalmente subordinados, pois só assim poderão ordenar, orientar e verificar o cumprimento de tais atos. Em suma, e como já havia sido por nós reconhecido, a propósito de uma situação idêntica, no acórdão datado de 6/11/2019 (igualmente disponível para consulta em www.dgsi.pt), a solução propugnada pelo recorrente afigura-se-nos como aquela que melhor se coaduna com a “arquitetura” do sistema e que encontra igualmente eco no art.º 41.º, n.º 3, do DL nº 49/2014, de 27/3, que instituiu o Regime Aplicável à Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (ROFTJ). Procede, portanto, o presente recurso. * III – DispositivoPelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, em revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro em que se determine que a decisão que declarou perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos nos autos seja notificada ao respetivo proprietário pela secção de processos afeta ao Juízo de Instrução Criminal. Sem custas do presente recurso. Notifique. * (Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).* Porto, 12 de janeiro de 2022. Liliana de Páris Dias Cláudia Rodrigues ____________________ [1] Mantendo-se a ortografia original do texto, sem prejuízo da correção de manifestos erros de escrita. [2] Através da análise dos elementos constantes da certidão expedida para instruir o recurso. |