Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13867/19.0T8PRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA EM PROCEDIMENTO CAUTELAR
Nº do Documento: RP2024030413867/19.0T8PRT-C.P1
Data do Acordão: 03/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Nos procedimentos cautelares, em primeira instância, mas igualmente em sede de recurso, não há lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
(da responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 13867/19.0T8PRT-C.P1

Recorrente – Banco 1..., SA 

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntas: Maria Fernanda Almeida e Eugénia Cunha






Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:


I – Relatório

I.I – A pretensão do recorrente formulada na primeira instância  
Banco 1..., SA, notificado do apuramento da conta de custas, veio expor e requerer o que, com síntese, se transcreve:
- Da conta de custas resulta que o requerente, na qualidade de parte vencida no âmbito do procedimento cautelar de arresto, deve pagar 72.318,00€ a título de custas e, para alcançar este valor, o tribunal somou, à taxa de justiça paga em sede de recurso, o valor do remanescente da taxa de justiça, previsto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, calculado nos termos da Tabela I anexa ao RCP, mas, ao fazê-lo, violou as regras aplicáveis à tributação dos procedimentos cautelares, pois decidiu aplicar as regras gerais em detrimento das regras especiais previstas.
- Vejamos. O artigo 6.º n.º 7, do RCP, determina que “[nas] causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”, e, por seu lado, o artigo 7.º do RCP determina as regras especiais quanto à tributação aplicável à prática de certos atos processuais. No caso é especialmente relevante o n.º 4 do artigo 7.º do RCP, de onde resulta que “[a] taxa de justiça devido pelos incidentes e procedimentos cautelares, procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada pela tabela II, que faz parte integrante do presente regulamento”.
- Da contraposição entre as duas disposições resulta que os procedimentos cautelares têm um regime especial que implica a inaplicabilidade do regime previsto em todo o artigo 6.º do RCP, incluindo a aplicação do remanescente da taxa de justiça, conclusão a que também chegou o Tribunal da Relação de Évora em acórdão prolatado a 9.11.2017 no âmbito do processo n.º 2052/15.0T8FAR.E21.
- Posto isto, cumpre determinar se a aplicação desta regra especial, que não prevê a possibilidade de agravamento da taxa de justiça paga por via do remanescente da taxa de justiça, implica que não pode ser aplicado esse remanescente ao recurso interposto em procedimento cautelar. Ora, no acórdão mencionado, o Tribunal da Relação de Évora pronunciou-se sobre a questão de modo extensivo e especialmente elucidativo, determinando que “[nos] recursos interpostos nos procedimentos cautelares a taxa de justiça devida é, igualmente, determinada de acordo com a tabela II anexa ao RCP” e que “[por] conseguinte, nos procedimentos cautelares em primeira instância e em sede de recurso, não há lugar ao pagamento do remanescente da taxa previsto na tabela I anexa ao RCP”.
- Para chegar a esta conclusão, socorreu-se de argumentos lógicos e coerentes que apontam de forma inequívoca para a correção da decisão. Em primeiro lugar, demonstrou que, por força da inserção sistemática dos artigos 6.º, n.º 2, e 7.º, n.º 2, do RCP, estes não podem considerar-se aplicáveis aos recursos interpostos providências cautelares; em segundo lugar, que não existe qualquer motivo lógico que justifique uma diferenciação das tabelas aplicáveis para o cálculo da taxa de justiça entre o procedimento cautelar e o recurso interposto desse mesmo procedimento.
- Este entendimento foi novamente sufragado pelo Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 27.06.2019 no âmbito do processo n.º 1489/09.8TBVNO-A.E12 e também o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 02.12.2021 prolatado no âmbito do processo n.º 13870/21.0T8LSB.L1, empreendeu o mesmo raciocínio.  
- Por ser esta a interpretação mais acertada da lei, deve o tribunal corrigir a conta de custas apresentada, subtraindo o valor que foi adicionado a título de remanescente da taxa de justiça, o que se requer e, subsidiariamente, na eventualidade de o tribunal entender que os argumentos expendidos não são suficientes para determinar a inaplicabilidade do remanescente da taxa de justiça ao caso, ainda assim, deve ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
- Com efeito, o pedido é tempestivo, dado que este é, em bom rigor, [o momento] em que se viu confrontado com a necessidade de se pronunciar acerca da dispensa do remanescente da taxa de justiça, atenta a jurisprudência constante dos tribunais portugueses, e não pode, portanto, operar a ratio subjacente ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 1/2022. E, no caso, verifica-se que estão preenchidas as condições que determinam a dispensa do remanescente da taxa de justiça: - o recurso interposto no âmbito da providência cautelar não apresenta especial complexidade; em sede de recurso, a conduta das partes foi a conduta processualmente adequada, correta e leal, não tendo sido promovidas pelo requerente quaisquer manobras dilatórias, facto esse que não pode deixar de ser valorado positivamente para a dispensa do remanescente da taxa de justiça; ademais, o valor que se pretende liquidar a título de remanescente revela-se desproporcional perante aquela que foi a realidade processual do recurso e da própria lide cautelar.

I.II – A pronúncia da Sra. Contadora
Na sequência, a Senhora Contadora pronunciou-se sobre a aludida reclamação, nos termos do artigo 31.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, nos seguintes termos: “Salvo o devido respeito, não nos parece ter razão o reclamante, a conta 933500048412023 encontra-se tecnicamente bem efetuada, tendo sido realizada para apuramento do remanescente em dívida nos termos do art. 6.º, n.º 7 e 14.º, n.º 9 do RCP, apenas quanto ao recurso interposto, tendo sido aplicada a tabela I-B do RCP”.

I.III – O entendimento do Ministério Público
O Ministério Público, por sua vez, entendeu, “como também refere a Exma. Sra. Contadora, não assiste qualquer razão à Requerente Banco 1..., SA, encontrando-se a referida conta 933500048412023 bem elaborada. Vejamos. De acordo com o art. 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, “a taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares (...) é determinada de acordo com a tabela II, que faz parte integrante do Regulamento”. Porém, aquele art. 7.º, n.º 4, apenas se aplica à decisão proferida em 1.ª instância, porque o Regulamento das Custas Processuais tem uma norma específica para os recursos, que é o n.º 2, do mesmo art. 7.º. Prevê este n.º 2 que nos recursos (seja de acção, seja de incidente, seja de procedimento cautelar) a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B. A tabela a aplicar é, assim, a tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais.
Conforme decidido no acórdão do STJ de 29.03.2022, Processo n.º 3396/14.3T8GMR.2. G1.S1 – acórdão esse que, declaradamente, não segue o entendimento perfilhado pelos acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, Ac. da Rel. Évora de 09-11-2017, no Proc. 2052/15.0T8FAR.E2 e 27-06-2019, no Proc. no 1489/09.8TBVNO-A.E1 invocados pela Requerente Banco 1..., SA na sua reclamação –, para cuja fundamentação se remete e que aqui se dá por reproduzida, “nos recursos (que para efeitos do RCP se consideram processo autónomo – art. 1o, no 2) a taxa de justiça «é sempre fixada» ou, «é fixada» nos termos da tabela I-B, tal como preceituam os nos 2, dos arts. 6.º e 7.º, do Regulamento”. Assim, entendendo as partes que se justifica e é admissível o recurso, este será taxado nos termos normais para os recursos, aplicando-se sempre as taxas da tabela I-B, como preceituam os arts. 6.º, n.º 2 e 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais.
O legislador entendeu que a tabela a aplicar na fase de recurso, independentemente do tipo de processo autónomo, é sempre a tabela I-B. E, conforme se refere no mesmo acórdão do STJ, de 29-03-2022, “verificando-se exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente, ao abrigo do n.º 7, do art. 6.º, do RCP”.
Também Salvador da Costa, in «As Custas Processuais - Analise e Comentário», p. 127, refere que “resulta dos artigos 6.º n.º 2 e 7.º, n.º 2, que a taxa de justiça nos recursos é sempre fixada nos termos da tabela I-B...” e especifica a pág. 130 que “a taxa de justiça devida nos recursos de decisões proferidas nas espécies processuais constantes da tabela II é calculada com base na tabela I-B, do que pode resultar ser a taxa de justiça do recurso superior à da causa”. Este é o entendimento seguido no nosso Supremo Tribunal de Justiça também noutros acórdãos, os quais se pronunciam sobre a dispensa ou não, do pagamento da taxa remanescente, tendo como isento de dúvidas que as taxas aplicáveis, nos recursos em procedimentos cautelares ou incidentes, são as da tabela I-B. É o caso, entre outros, dos acórdãos do STJ, de 12-12-2013 (Proc. 1319/12.3 TVLSB-B.L1.S1), de 18-01-2018 (Proc. 7831/16.8T8LSB.L1.S1) e de 26-02-2019 (Proc. 3791/14.8TBMTS-Q.P1.S2), disponíveis em dgsi. Em todos eles, como se disse acima, tem-se como isento de dúvidas que as taxas aplicáveis, nos recursos em procedimentos cautelares ou incidentes, são as da tabela I-B.
Assim, em conformidade com esta tabela, a taxa de justiça devida pelo recurso interposto pela Requerente Banco 1..., SA é de 8 UC, a que acrescem, a final, 1,5 UC por cada €25.000,00 ou fração que excedam o valor de €275.000,00. É, precisamente, o que consta da conta elaborada, pelo que esta não enferma de qualquer erro ou lapso.
Quanto ao pedido de dispensa do pagamento daquele remanescente, é de considerar que o mesmo, tendo sido apresentado após a elaboração e notificação da conta, é claramente extemporâneo. Com efeito, não constando da condenação em custas proferida pelo Tribunal da Relação do Porto nos acórdãos proferidos nos presentes autos em 13-10-2022 e 14-12-2022 que fosse aplicável a Tabela II do Regulamento das Custas Processuais, não poderia a Requerente Banco 1..., SA ter assumido que iria ser aplicada tal tabela. Cabia-lhe, pois, ter pedido a dispensa antes de elaborada a conta, nomeadamente, mediante pedido de reforma do segmento dos acórdãos de 13-10-2022 e 14-12-2022 proferidos nos presentes autos que se referem sem exceções à responsabilidade pelas custas, não podendo aguardar pela elaboração da conta, até porque o incidente de reclamação se destina a reformar a conta que “não estiver de harmonia com as disposições legais” (cfr. art. 31.º, n.º 2, do RCP) ou a corrigir erros materiais ou a elaboração de conta efetuada pela secretaria sem obedecer aos critérios definidos no art. 30.º, n.º 3, do mesmo diploma legal - cfr. acórdão do STJ, de 13-07-2017, e acórdão da Relação de Coimbra, de 15-05-2018, disponíveis em dgsi. E, como se refere no referido acórdão do STJ, de 13-07-2017, não existe qualquer violação dos arts. 2.º, 13.º, 18.º n.º 2 e 20.º da Constituição da República Portuguesa, porque não se trata de saber se é possível a redução do valor da taxa de justiça a pagar, por via da dispensa ou redução do pagamento do remanescente, a final - essa possibilidade resulta, de forma inequívoca, da redação atual do n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais e não está a ser negada por falta de base legal -, mas sim por extemporaneidade do pedido. E note-se que sobre a oportunidade do requerimento de dispensa do pagamento da taxa remanescente se pronunciou o STJ no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022, que fixou a seguinte interpretação: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.

I.IV – O despacho recorrido
Foi, então, proferido o despacho recorrido: “O art. 7.º, n.º 4 do RCP prescreve que a taxa de justiça devida pelos procedimentos cautelares é determinada de acordo com a Tabela II, que não prevê o pagamento do remanescente da taxa de justiça. Os arts. 6.º, n.º 2 e 7.º, n.º 2 do RCP determinam que nos recursos a taxa de justiça é fixada nos termos do Tabela I-B, que já prevê o pagamento do remanescente da taxa de justiça. De onde, como é reconhecido, entre outros, pelo Ac. do STJ de 29/03/2022, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Jorge Dias, a regra especial contida no citado art. 7.º, n.º 4 do RCP apenas é aplicável na 1.ª Instância. Termos em que, nesta parte, se indefere a reclamação em referência.
Relativamente ao pedido subsidiário de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, concorda-se com a promoção que antecede. Na verdade, a requerente, não desconhecendo que a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022 – DR IS de 3/01/2022) não pode após o decurso daquele prazo invocar aquele direito com fundamento de que não podia antecipar a necessidade de o fazer. Sucede que a Requerente, pese embora correntes jurisprudenciais discordantes que a própria invoca, não podia desconhecer que os citados art. 6.º, n.º 2 e 7.º, n.º 2 do RCP contemplam o pagamento do remanescente da taxa de justiça e, nessa medida, cautelarmente, deveria ter requerido a dispensa do seu pagamento antes do trânsito em julgado da decisão em conformidade com o mencionado Acórdão de Fixação de Jurisprudência. Termos em que é forçoso concluir que, não tendo assim procedido a Requerente, o seu pedido é extemporâneo, o que expressamente se declara”.

II – Do Recurso
Inconformado com a decisão, veio o reclamante apelar, concluindo:
A - A decisão recorrida foi prolatada com base numa interpretação errada das disposições legais vigentes e aplicáveis ao cálculo da taxa de justiça devida pela interposição de recurso em sede de procedimento cautelar.
B - O primeiro erro corresponde à aplicação, acrítica e não fundamentada, de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que determina a aplicação do remanescente da taxa de justiça aos recursos interpostos em sede de providência cautelar, contrariando frontalmente aquela que é a jurisprudência largamente maioritária.
C - Jurisprudência maioritária essa que, servindo-se de uma interpretação integrada e sistemática do Regulamento das Custas Processuais, entende que por força da especialidade da norma prevista no artigo 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, é inaplicável o cálculo da taxa de justiça nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais e o remanescente da taxa de justiça – que configura uma regra geral – aos recursos interpostos em sede de providência cautelar.
D - Constatando-se que esta norma é especial, à luz dos critérios de resolução dos conflitos normativos, não resta outra solução que não a prevalência desta sobre a norma geral prevista no artigo 6.º, n.ºs 2 e 7, do Regulamento das Custas Processuais.
E - Além do mais, a conta de custas – que o tribunal se recusou a reconhecer que foi incorretamente realizada – viola o artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, porquanto imputa ao Recorrente o pagamento do remanescente de taxa de justiça respeitante a impulsos processuais inexistentes.
F - Essa imputação, além de contrariar frontalmente o disposto no artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, contraria ainda os princípios da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva, previstos, respetivamente, nos artigos 18.º n.º 2, e 20.º da Constituição, pelo que deve ser reputada como inadmissível, constituindo uma interpretação inconstitucional da referida norma do Regulamento das Custas Processuais.
G - Por outro lado, o tribunal, embora gozasse de todos os elementos para se pronunciar a propósito da dispensa do remanescente da taxa de justiça, podendo inclusive conhecer da questão oficiosamente, absteve-se de conhecer e declarar a dispensa do remanescente da taxa de justiça.
H - O que determina a sua nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615, n.º 1, do Código de Processo Civil.
I - Acresce que, a interpretação literal do disposto nos artigos 6.º, n.º 2 e 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, e a consequente a aplicação do remanescente da taxa de justiça do modo como o foi é manifestamente desproporcional,
J - Dado que imputa ao recorrente o pagamento de dezenas de milhares de euros quando o julgamento do recurso interposto em sede de procedimento cautelar não revestiu especial complexidade ou exigiu que fossem empregues meios técnicos que justificassem a imputação desse custo.
K - Desproporcionalidade essa que, por força da teleologia das normas legais e constitucionais aplicáveis não pode subsistir, redundando numa inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade que expressamente se invoca.
L - Por fim, a interpretação 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais no sentido de que, na sequência da notificação da conta final, está precludido o direito de pedir a dispensa do remanescente da taxa de justiça afronta os princípio da proporcionalidade (ou de proibição do excesso), decorrente dos princípios do Estado de Direito e da tutela jurisdicional efetiva, redundando numa inconstitucionalidade que expressamente se invoca.

Não houve resposta ao recurso, que foi recebido nos termos legais. Na ocasião, o tribunal recorrido entendeu que, “salvo o devido respeito, conheceu de todas as questões de que devia conhecer, e, como tal, indefiro, por inexistente, a invocada nulidade do despacho recorrido”.

Ponderando a natureza da questão a decidir, e com o acordo das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, foram dispensados os Vistos. Não se motivo para afastar o conhecimento do mérito da apelação, cujo objeto, atentas as conclusões do apelante – e seguindo a ordem das mesmas – consiste em saber a) Se não é de aplicar aos recursos dos procedimentos cautelares o remanescente da taxa de justiça; b) Se, em violação do disposto no artigo 14.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) a conta de custas imputa ao recorrente o pagamento do remanescente da taxa de justiça “a impulsos processuais inexistentes”; c) Se o tribunal recorrido se absteve de conhecer e declarar a dispensa do remanescente da taxa de justiça, o que constitui nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) e d) Se deve haver dispensa do remanescente da taxa de justiça, atenta a desproporcionalidade do respetivo valor, num recurso sem especial complexidade.  

III.I - Fundamentação de facto
A factualidade resultante do antecedente relatório mostra-se bastante à apreciação do mérito do recurso.

III.II – Fundamentação de Direito 
Na definição do objeto do recurso seguimos a ordem das conclusões apresentadas pelo apelante. Sem embargo, desde já devemos dizer o seguinte:
- A questão enunciada em b), independentemente das demais, nunca será de conhecer, porquanto, independentemente da sua prejudicialidade em relação à questão principal - enunciada em a) -, não foi colocada aquando da reclamação da conta que suscitou o despacho recorrido: é, por isso, uma “questão nova”, questão que não deve ser conhecida pelo tribunal de recurso, por não ser de conhecimento oficioso.
- A invocada nulidade - questão enunciada em c) - refere-se apenas à segunda parte do despacho recorrido: só deve, pois, ser conhecida se houver lugar ao conhecimento dessa parte do despacho.
- Por fim, a questão enunciada em d) só deve conhecer-se se improceder a questão enunciada em a); efetivamente, a eventual dispensa do remanescente só tem de ser equacionada – sob pena de se elaborar sobre questão meramente teórica, o que, independentemente do seu eventual interesse académico, não é próprio de um processo ou recurso.

Do remanescente da taxa de justiça nos recursos dos procedimentos cautelares  
A questão suscitada pelo reclamante da conta e ora recorrente foi tratada em sentido favorável ao seu entendimento em acórdãos do Tribunal da Relação de Évora e do Tribunal da Relação de Lisboa, mas igualmente já expressamente tratada em acórdão unânime, proferido por esta Secção.

Trata-se do acórdão de 13.01.2020 [Relator, Desembargador Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 10526/19.7T8PRT-A.P1, dgsi] que, revogando a decisão proferida em primeira instância, apresenta o seguinte sumário (com sublinhado nosso): “I - Nos procedimentos cautelares a taxa de justiça devida é determinada de acordo com a tabela II anexa ao RCP, atenta a regra especial estabelecida no artigo 7.º, n.º 4, do mesmo diploma. II - Assim, não obstante o estatuído no artigo 6.º, n.º 2, ou ainda no artigo 7.º, n.º 2, do RCP, regras previstas para recursos em processos sujeitos à tabela I anexa ao citado diploma, nos procedimentos cautelares, em primeira instância e em sede de recurso, não há lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto na tabela I anexa ao RCP”.

Fundamentando a sua decisão, refere o aludido acórdão (que sublinhamos) : “(...) a obrigação tributária respeitante a processos judiciais compreende a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (...) O regime legal dessa obrigação tributária complexa encontra-se estabelecido numa parte substancial no referido Regulamento e em menor parte, no concernente aos processos cíveis, nalgumas disposições do CPCivil. De tal Regulamento consta, no que aqui releva, o quadro normativo sobre a fixação da taxa de justiça e sobre o modo de liquidação das custas. Por sua vez, o CPCivil contém a disciplina relativa à determinação dos responsáveis pelas custas e à repartição dessa responsabilidade em função do julgado, como se alcança dos respetivos artigos 527.º a 541.º. Desde logo, convém reter que, segundo os artigos 6.º, n.º 1, do RCP e 529.º, n.º 2, do CPC, a taxa de justiça consiste no montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa nos termos daquele Regulamento.
De acordo com o n.º 2 do artigo 1.º do mesmo Regulamento, a tributação processual incide sobre cada processo autónomo tributável, considerando-se, para tal efeito, cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso. Nesta base, a taxa de justiça encontra-se fixada, nas tabelas anexas àquele Regulamento (...)
Postos estes breves considerandos e no que aqui releva estatui o artigo 6.º do RCP, sobre a epígrafe “Regras gerais” que:
“1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento. 2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento. (…) 7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”. Ora, perscrutada a tabela I anexa ao RCP, dela se extrai alcança a especificação das Unidades de Conta devidas, consoante o valor da acção, em euros, por tranches e até ao montante de €275.000,00 abrangendo 3 tipos de situações, agrupadas nas colunas A, B ou C, versadas nos artigos 6.º, n.ºs 1, 2 e 5, 7.º, n.ºs 2 e 3, 12.º, n.º 1 e 13.º, n.ºs 3 e 7, do RCP. O artigo 7.º do mesmo RCP preceitua por sua vez, sob a epígrafe “Regras especiais” que: “1 - A taxa de justiça nos processos especiais fixa-se nos termos da tabela I, salvo os casos expressamente referidos na tabela ii, que fazem parte integrante do presente Regulamento. 2 - Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações. 3 - Nos processos de expropriação é devida taxa de justiça com a interposição do recurso da decisão arbitral ou do recurso subordinado, nos termos da tabela I-A, que é paga pelo recorrente e recorrido. 4 - A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento. 5 - Nas execuções por custas, multas ou coimas o executado é responsável pelo pagamento da taxa de justiça nos termos da tabela ii. 6 - Nos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, que sigam como acção, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, nos termos gerais do presente Regulamento, descontando-se, no caso do autor, o valor pago nos termos do disposto no n.º 4. 7 - Quando o incidente ou procedimento revistam especial complexidade, o juiz pode determinar, a final, o pagamento de um valor superior, dentro dos limites estabelecidos na tabela ii. 8 - Consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas”. (...)
A questão que agora se coloca é se o artigo 7.º, nº 2 se aplica aos recursos em todos os processos previstos no artigo 7º ou se, fora do seu âmbito, estão os previstos na parte final do seu nº 1 e elencados no seu nº 4, isto é, incidentes, procedimentos cautelares... (...)  Na decisão recorrida propendeu-se para o entendimento que o artigo 7.º, nº 2 do RCP se aplica a todos os processos referidos neste preceito inclusive os referidos no seu nº 4. Numa primeira leitura é possível defender tal interpretação, todavia, não cremos que esta seja a interpretação correta do citado inciso.
Importa, desde logo, enfatizar que a citada norma contempla no seu âmbito as “regras especiais” enquanto o artigo 6.º do mesmo diploma se refere às “regras gerais”. Ora, quando no artigo 6.º, nº 2 se estipula que “Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento”, forçoso é de admitir que se refere aos recursos de decisões no âmbito do processo declarativo. Assim sendo, como cremos que é, quando no artigo 7.º, nº 2 se refere que “Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela i-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra - alegue, com a apresentação das contra - alegações” pretende abarcar no seu âmbito os recursos nos processos especiais em decorrência do estatuído no seu nº 1, isto é, que não estejam especialmente previstos na tabela II, cuja taxa de justiça, por via disso, se fixa nos termos da tabela I. Com efeito, não faria sentido que o legislador quisesse abarcar a questão dos recursos em duas normas distintas se uma delas não fosse direcionada aos processos especiais.
Daqui decorre que o referido nº 2 do artigo 7.º, não é aplicável aos recursos interpostos dos incidentes e procedimentos cautelares, procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, procedimentos anómalos e execuções, pois que não sendo processos especiais é de lhe aplicar a tabela II e não já a tabela I, em consonância com o preceituado no nº 4 do artigo 7.º. (...) Como se diz no Ac. da Relação de Évora de 09/11/2017[2] “O acerto desta solução legal alicerça-se, desde logo, no facto de a complexidade das questões suscitadas num concreto processo não serem diversas na primeira instância e na instância recursória que, como se sabe, não conhece de questões novas (salvo questões de conhecimento oficioso); donde, não se justificaria a aplicação da tabela II aos procedimentos cautelares e a aplicação da tabela I (B) aos recursos interpostos no âmbito desses mesmos procedimentos cautelares o que culminaria no pagamento de 1,5 UC por cada tranche de €25.000,00 para além dos €275.000,00 em sede de recurso, excedendo o valor fixado para o processamento do mesmo procedimento cautelar em 1.ª instância. É que, como se demonstrou, a taxa de justiça prevista para os recursos, na tabela I, é reduzida a metade do valor previsto para a mesma acção enquanto corre termos em primeira instância.
Ora, se a concreta estrutura dos procedimentos cautelares implica na sujeição à tabela II (pois apresentam uma tramitação simplificada, assentam na análise sumária da situação de facto com vista a aferir a provável existência do direito, culminam em decisões imediatas, mas provisórias) qualquer recurso que, no decurso deles, seja interposto, tendo por objeto questões neles suscitadas, apenas a essa mesma concreta tabela II pode estar sujeito”.

Acompanhamos integralmente os fundamentos e o sentido do decidido, que antes transcrevemos.

E pensamos ser no mesmo sentido o entendimento de Salvador da Costa[1], quando refere que o n.º 7 do artigo 6.º do RCP não é aplicável “nas espécies processuais previstas na tabela II anexa, independentemente do respetivo valor para efeito de custas”, depois de ter dito que a possibilidade de a taxa de justiça no recurso ser superior à da causa, “iria contra a filosofia do sistema”, concluindo que a “taxa de justiça devida nos recursos das decisões proferidas nas espécies processuais previstas na tabela II deve corresponder a metade da máxima ou mínima estabelecida para aquelas espécies processuais”, ou seja, e se bem lemos, sem o remanescente que seria de considerar na conta final, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP.

Concluindo, e na desnecessidade de outros acrescentos fundamentadores, não sendo devido o remanescente da taxa de justiça, o recurso mostra-se procedente.

As demais questões suscitadas pela apelante (questões c)[2] e d)) mostram-se manifestamente prejudicadas, sendo certo que, como se disse, a questão referida em b) sempre seria de não conhecer.    
 
A procedência do recurso, tendo o Ministério Público deduzido oposição à reclamação implica que, por efeito de isenção legal, não sejam devidas custas.

IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) em julgar procedente o presente recurso e, em conformidade, revogando a decisão proferida em primeira instância, determina-se a reelaboração da conta de custas de acordo com o ora decidido.

Sem custas.





Porto, 4.03.2024
José Eusébio Almeida
Fernanda Almeida
Eugénia Cunha
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[1] As Custas Processuais – Análise e Comentário, 8.ª Edição, Almedina, 2021, págs. 101 e 99, respetivamente.
[2] Sempre se diga, atenta a evidência, e apenas quanto a esta questão, que considerar intempestiva determinada pretensão constitui uma pronúncia sobre essa pretensão.