Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | DOMINGOS MORAIS | ||
Descritores: | ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO ARTICULADO DO EMPREGADOR DESPACHO SANEADOR CADUCIDADE LICITUDE DO DESPEDIMENTO NULIDADE PROCESSUAL | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP201811083530/17.1T8PNF-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/08/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Indicações Eventuais: | 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º284, FLS.303-310) | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Uma das regras básicas e fundamentais do direito adjectivo é a sua aplicação articulada e não avulsa. II - A aplicação articulada das regras processuais é um dos deveres do juiz, atento o disposto no artigo 6.º - Dever de gestão processual - do CPC. III - O disposto no artigo 98.º-J, n.º 3, do CPT - declaração de ilicitude de despedimento - , deve dar primazia à regra artigo 595.º do CPC, ou seja, a elaboração do despacho saneador, se dispensa a audiência preliminar. IV - No despacho saneador, o juiz deve conhecer, se for o caso, das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que deva apreciar oficiosamente, e, de seguida, conhecer de alguma excepção da caducidade do direito de propor acção de impugnação judicial do despedimento. V - A omissão de formalidade prescrita na lei, com influência na decisão da causa - o conhecimento da excepção de caducidade-, incorre na nulidade prevista no artigo 195.º do CPC. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 3530/17.1T8PNF-A.P1 Origem: Comarca do Porto Este-Penafiel-Juízo Trabalho-J2 Relator - Domingos Morais - registo 787 Adjuntos - Paula Leal Carvalho - Rui Penha Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. - B… apresentou o formulário a que reportam os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código deProcesso de Trabalho (CPT), na Comarca do Porto Este-Penafiel-Juízo Trabalho-J2. E a Mma Juiz proferiu o seguinte despacho: “(…). Pelo exposto, decido recusar o recebimento do formulário de fls. 2, por inobservância do disposto no artº 552º nº 3 do C.P.C., ordenando o seu desentranhamento, após trânsito em julgado da presente decisão, e a sua devolução ao apresentante.”. Junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça em causa, pelo autor, a Mma Juiz despachou: “Nos termos do disposto no artigo 560º do Código de Processo Civil defiro o requerido a fls. 19. Para realização da audiência de partes a que alude o art.º 98º-F, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho designo o dia 8 de Janeiro de 2018, pelas 10.00 horas.”. 2. – C…, SAD, frustrada a conciliação na audiência de partes, apresentou o articulado para motivar o despedimento, excepcionando a caducidade do direito de impugnação judicial do despedimento, já que “Tendo o A. recepcionado, como recepcionou, a declaração do R., a 3 de Outubro de 2017, o mesmo teria até ao dia 4 de Dezembro (visto que o último dia do prazo, 2 de Dezembro de 2017 é um dia não útil) para propor a acção de impugnação judicial do despedimento. Sucede que, o formulário a que aludem os Artigo 387.º, nº 2 do Código de Trabalho e 98.º-D do Código de Processo do Trabalho e que dá início à referida acção de impugnação, apenas deu entrada em tribunal a 7 de Dezembro de 2017, ou seja, 65 (sessenta e cinco) dias após a recepção da declaração do A.”; e alegando, em resumo, que o autor foi despedido com justa causa, por violação do dever geral de lealdade. Terminou, concluindo: “deverá: a) Julgar a execpção de caducidade alegada, por provada e, em consequência, absolver o réu do pedido; ou, caso assim se não entenda b) Julgar totalmente improcedentes, por não provados, os pedidos contra si formulados.”. 3. - Notificado, o autor apresentou contestação/reconvenção, impugnando os fundamentos da excepção de caducidade e do seu despedimento. Terminou, pedindo: “Nestes termos e nos melhores de direito: a) Deve ser declarada imediatamente a ilicitude do despedimento, por via da confissão, e por via da falta de junção do procedimento disciplinar, e tal como alegado, e sem que o Juiz se tenha que pronunciar judicialmente sobre a matéria em litígio, procedendo assim totalmente a ação, com total improcedência dos pedidos formulados pela R.. b) Sem prescindir, caso assim não se entenda, deve a matéria de excepção invocada pela entidade empregadora ser julgada improcedente com as legais consequências, devendo a acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento ser julgada totalmente provada procedente, e consequentemente ser declarada a ilicitude do despedimento do A.; c) Subsidiariamente, caso não se entenda como formulado em b), o que não se concebe nem concede, por dever de patrocínio sempre se diga que deve ser a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento convolada em ação de processo comum, prosseguindo os autos como ação de processo comum, com aproveitamento de todos os acto já praticados. d) Deve ser julgada procedente, por provada, a reconvenção e, consequentemente, ser a Entidade Empregadora condenada a pagar ao A., a título de indemnização pelo despedimento ilícito e correspondente ao valor das retribuições que seriam devidas ao A., se o contrato tivesse cessado no seu termo, a quantia de 120.000,00€, acrescida dos respectivos juros moratórios até integral e efetivo pagamento. e) Deve ser julgada procedente, por provada, a reconvenção e, consequentemente, ser a R. condenada a pagar ao A. uma indemnização equivalente às quantias referentes aos valores dos prémios estipulados na cláusula terceira do Contrato de Trabalho, e caso as condições para a atribuição dos mesmos se venha a verificar, cujo valor total ainda não foi possível apurar com rigor e exatidão, o que se relega para liquidação em execução de sentença, mas no que a R. deve desde já ser condenada a pagar ao A., e tudo acrescido dos respetivos juros moratórios até integral e efetivo pagamento. f) Ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia de 5.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais”. 4. - A ré respondeu pela improcedência do pedido reconvencional e procedência da excepção da caducidade do direito de impugnação judicial do despedimento. 5. – Após uma tentativa de conciliação, ad hoc, a Mma Juiz proferiu a seguinte decisão: “B…, residente na Rua …, …, Felgueiras, intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra C…, SAD, com sede na Rua …, …, …, invocando ter sido despedido em 2 de Outubro de 2017. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação, foi a entidade empregadora notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 98º- I, nº 4 do C.P.T., com a advertência do previsto no art. 98º-J do mesmo Código. Decorrido o prazo para a apresentação do articulado de motivação do despedimento e de junção do procedimento disciplinar, a entidade empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, mas não apresentou o procedimento disciplinar nem quaisquer outros documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas para o despedimento do trabalhador. Nos termos do disposto no referido art. 98º-J, nº 3 do Código de Processo do Trabalho, se o empregador não apresentar o articulado de motivação do despedimento ou não juntar os documentos comprovativos das formalidades exigidas, no prazo de 15 dias, o juiz deve declarar de imediato a ilicitude do despedimento do trabalhador. E é o que não poderá deixar de acontecer no caso dos autos, já que apesar de o Clube Empregador ter apresentado o articulado em prazo, o mesmo não aconteceu com os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades legais do despedimento em causa. Ora, nos termos da disposição legal citada não basta juntar aos autos o articulado. É o que resulta do elemento literal se atentarmos a que na norma em causa a consequência da declaração de ilicitude do despedimento está prevista para a falta de junção do articulado ou para a falta de junção dos documentos. De salientar que o prazo de 15 dias para a junção do articulado e dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades legais é um prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (art. 139º, nº 3 do C.P.C.), que só poderá ser praticado para lá do prazo nas situações expressamente previstas pelos nºs 4 e 5 do art. 139º do Código de Processo Civil, ou seja, nos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de uma multa, ou pela invocação de justo impedimento que venha a ser reconhecido como relevante. Mas nenhuma das duas situações ocorreu no caso dos autos. Assim, por falta de apresentação tempestiva do procedimento disciplinar ou dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, nos termos do disposto no artigo 98º-J, nº3, do Código de Processo do Trabalho declaro a ilicitude do despedimento do Trabalhador B… efectuado pelo Empregador C…, SAD.”. 6. – A ré, inconformada, apresentou recurso de apelação em separado, ………………………………………………………………………………. ………………………………………………………………………………. ………………………………………………………………………………. 7. – O autor contra-alegou, ……………………………………………………………………………….. ……………………………………………………………………………….. ……………………………………………………………………………….. 8. – A seguir foi proferido despacho: “Em conformidade com o disposto no artigo 98º-P, nº3, do Código de Processo do Trabalho fixo o valor da causa em €125.000,00.”. 9. - O M. Público, junto deste Tribunal, pronunciou-se pela procedência do recurso. 10. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. - Fundamentação de facto 1. – A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede, incluindo na decisão recorrida.………………………………………………………………………………… …………………………………………………………………………………. …………………………………………………………………………………. 2. - Objecto do recurso em separado - Das regras processuais: a excepção da caducidade e a declaração da ilicitude do despedimento ao abrigo do artigo 98.º-J, n.º 3, do CPT.3. - Das regras do direito processual. 3.1. - Uma das regras básicas e fundamentais do direito adjectivo é a sua aplicação articulada e não avulsa.A aplicação articulada das regras processuais é um dos deveres do juiz, atento o disposto no artigo 6.º - Dever de gestão processual – do CPC. Tanto no direito processual civil como no direito processual laboral, a tramitação das acções comuns ou especiais é composta por várias fases, como a dos articulados, a do saneamento, a da instrução, a da discussão e julgamento e a da sentença. Os artigos 61.º, n.º 1, e 62.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPT, dispõem: “1 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho nos termos e para os efeitos do artigo 508.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 27.º” e “1 - Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 1 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada uma audiência preliminar quando a complexidade da causa o justifique. 2 - A audiência preliminar deve realizar-se no prazo de 20 dias, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 508.º-A do Código de Processo Civil, sem prejuízo do preceituado no n.º 3 do artigo 49.º”. E o artigo 98.º-M (Termos posteriores aos articulados) do mesmo diploma estatui: “1 - Terminada a fase dos articulados, o processo segue os termos previstos nos artigos 61.º e seguintes, devendo a prova a produzir em audiência de julgamento iniciar-se com a oferecida pelo empregador. 2 - Se for invocado despedimento precedido de procedimento disciplinar, é ainda aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 387.º do Código do Trabalho.”. Ora, os artigos 508.º e 508.º-A do anterior CPC, supra referidos, correspondem aos artigos 591.º a 593.º do actual CPC. E o artigo 510.º do anterior CPC corresponde ao actual artigo 595.º - Despacho saneador – que estabelece: “1 - O despacho saneador destina-se a: a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente; b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.”. Por sua vez, o artigo 576.º - Exceções dilatórias e perentórias – Noção -, consagra: “1 - As exceções são dilatórias ou perentórias. 2 - As exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal. 3 - As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.”. (negrito nosso). Resulta, assim, dos normativos citados, que o disposto no artigo 98.º-J, n.º 3, do CPT, deve dar primazia à regra artigo 595.º do CPC, ou seja, a elaboração do despacho saneador, se dispensada a audiência preliminar. E no despacho saneador, o juiz deve conhecer, se for o caso, das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que deva apreciar oficiosamente, e, de seguida, conhecer de alguma excepção peremptória que impeça, modifique ou extinga o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor. No caso dos autos, a ré invocou a excepção da caducidade do direito de impugnação judicial do despedimento, pelo decurso do prazo dos 60 dias previsto no artigo 387.º, n.º 2, do CT, que, a verificar-se, impedirá que se aprecie o fundamento da acção: a ilicitude do despedimento alegado pelo autor. Tal excepção não foi conhecida pela Mma Juiz, em oportuno tempo processual. Assim, a omissão de formalidade prescrita na lei, com influência na decisão da causa, incorre na nulidade prevista no artigo 195.º do CPC. É certo que a ré/recorrente qualifica a omissão do conhecimento da excepção da caducidade como nulidade da sentença: “nos termos do artigo 615.º n.º 1 d) é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.” – cf. conclusão 12. do recurso. No entanto, o Tribunal de recurso não está vinculado a tal qualificação da ré/recorrente. O regime próprio, constante do artigo 77.º, n.º 1 do C.P.T., reporta-se à arguição das nulidades da sentença, que são, necessariamente, as elencadas no artigo 615.º, n.º 1 do C.P.C. Deste modo, são causas relevantes de nulidade da sentença – além da falta da assinatura do juiz e da condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido –, por um lado, a falta de especificação dos fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão; por outro, a contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão ou a ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e, por fim, a omissão ou excesso de pronúncia. Esta situação verificar-se-á sempre que o julgador deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Atento o teor das conclusões de recurso – que delimitam o objecto do recurso - constata-se que não é, propriamente, disso que se trata. Na verdade, a irregularidade arguida - omissão do conhecimento da excepção da caducidade - situa-se a montante da decisão impugnada, é-lhe anterior, não constituindo um vício (intrínseco) do despacho/sentença impugnada, em sentido próprio. (cf., sobre esta temática, o acórdão do STJ de 01.10.2015, P. 305/10.2TTCTB.C1.S1). Assim, cabendo tal omissão na previsão do artigo 195.º do C.P.C, outra solução não resta do que declarar nula a decisão recorrida, devendo o Tribunal recorrido apreciar e decidir sobre a procedência ou improcedência da excepção da caducidade do direito de impugnação judicial do despedimento, atento o disposto no artigo 387.º, n.º 2, do CT, com a subsequente tramitação processual aplicável. Uma nota final: se necessário for, para conhecer da excepção da caducidade, a produção de prova, produza-se. IV. – Decisão Atento o exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:1) Anular a decisão recorrida, devendo o Tribunal recorrido apreciar e decidir sobre a procedência ou improcedência da excepção da caducidade do direito de impugnação judicial do despedimento, atento o disposto no artigo 387.º, n.º 2, do CT, com a subsequente tramitação processual aplicável. Custas a cargo do vencido a final. * Porto, 2018.11.08Domingos Morais Paula Leal de Carvalho Rui Penha |