Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
18156/23.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ NUNO DUARTE
Descritores: CONDOMÍNIO
CONTRATO DE SEGURO
DANOS CAUSADOS PELO EDIFÍCIO
Nº do Documento: RP2024111118156/23.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O facto de alguns danos verificados em consequência de um sinistro serem enquadrados, para efeitos da prestação a cargo da seguradora, no âmbito de uma determinada cobertura contratual não exclui a possibilidade de outros danos decorrentes do mesmo sinistro serem incluídos noutra cobertura da mesma apólice.
II – A interpretação das declarações negociais dos contratos de seguro não se devem cingir à literalidade do texto das apólices, antes devendo captar o sentido que, dentro do contexto de cada contrato singular, seria atribuído por um declaratário normal às condições estabelecidas na apólice que subscreveu, devendo, em caso de dúvida, prevalecer o sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações, ou até, demonstrado que o tomador do seguro não teve possibilidade de influenciar o conteúdo das cláusulas que estejam em questão, o sentido que for mais favorável a esse contratante – cf. artigos 236.º e 237.º do Código Civil e 10.º e 11.º do D.L. n.º 446/85, de 25/10.
III – a contratação por um condomínio de um seguro que cobre o risco da responsabilidade civil extracontratual que lhe possa ser imputada por danos causados “pelo edifício” ou “pela coisa” que ele deve conservar e vigiar, e no qual se encontra estabelecido que os danos devem decorrer de vícios de construção ou de deficiências de manutenção de partes comuns que por si sejam desconhecidos e dos quais são exemplo a derrocada parcial ou total do prédio, revestimentos, chaminés, varandas, janelas, estores ou de qualquer outro elemento que o constitua, leva a que qualquer contratante indeterminado normal considere ter pactuado uma cobertura de responsabilidade civil extracontratual que abrange, sem exigências adicionais, a generalidade dos danos que sejam causados pela derrocada de elementos componentes do prédio, apenas com a exclusão dos danos resultantes da inobservância das suas obrigações de conservação e vigilância do imóvel.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 18156/23.2T8PRT.P1
(Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – Juiz 6)

Relator: José Nuno Duarte.
1.º Adjunto: Carlos Gil.
2.ª Adjunta: Carla Fraga Torres.

Acordam os juízes da quinta secção judicial (3.ª secção cível) do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
O Condomínio ... intentou, no Juízo Local Cível do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, acção declarativa, com processo comum, contra A..., SA., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €:5.231,54, acrescida de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tal, em síntese, que: celebrou com a R. seguradora um contrato de seguro que cobre os danos causados nas partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal “...”, sito na freguesia ..., Porto, e que engloba também a responsabilidade civil extracontratual do segurado; na madrugada do dia 19 de Dezembro de 2019, a tampa de uma chaminé do prédio caiu e, depois de partir o vidro de uma clarabóia, caiu até à garagem do edifício, causando danos no veículo propriedade de AA; participado que foi o sinistro à R., esta declinou a responsabilidade pelos danos causados no referido veículo; o lesado AA instaurou uma acção judicial contra o condomínio A. para ser ressarcido dos danos que sofreu em consequência do evento, tendo a R. sido interveniente acessória na referida acção judicial; após recurso, o condomínio A. foi condenado a pagar a AA a quantia global de €:4.822,00 euros, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação (que à data do trânsito em julgado se fixavam no valor de € 409,54), perfazendo € 5.231,54 euros; como o A. procedeu ao pagamento da indemnização em que foi condenado, pretende agora ser ressarcido pela R. do valor que pagou, em virtude da sua responsabilidade civil extracontratual se encontrar coberta pela apólice de seguro contratada.
A R. contestou, alegando que já indemnizou o A. no valor de €:176,96 (correspondente aos danos provocados nas partes comuns, deduzidos da franquia contratual) e que os demais danos invocados que lhe foram participados não se incluem no âmbito da cobertura da apólice contratada, pois o veículo automóvel danificado – que é um bem de terceiro – não se encontrava estacionado num lugar pertencente a uma parte comum do edifício, mas numa fracção autónoma.
Findos os articulados, o tribunal anunciou ser sua intenção decidir do mérito da causa, face à suficiência dos elementos já existentes nos autos, tendo ambas as partes declarado nada ter a opor quanto a tal.
Nessa sequência, nos termos do disposto no artigo 595.º, n.º 1, al. b) do Código do Processo Civil, foi proferido despacho saneador-sentença, sendo decidido, a final, o seguinte:
- “nos termos conjugados dos artigos 576º e 579º, do Código de Processo Civil, conhecendo da invocada excepção de inexistência de cobertura no âmbito do contrato de seguro celebrado relativamente ao sinistro em causa, absolve-se a ré A... do pedido que contra si o autor formulou”.
Desta decisão veio o A. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
I Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. () proferida pelo Juízo Local Cível do Porto – Juiz 6, que, julgando procedente a exceção de inexistência de cobertura no âmbito do contrato de seguro celebrado relativamente ao sinistro em causa, absolveu a Ré do pedido.
II Ora, não pode o Autor concordar com a douta sentença proferida, porquanto o pedido está efetivamente coberto pelo seguro contratado junto da Ré, pelo que sempre teria a Ré que ser condenada no pedido.
III Pese embora resultasse perfeitamente claro da petição inicial e dos documentos juntos, nem a Ré, em sede de contestação, nem o Mmo. Juiz a quo, na douta sentença, compreenderam, salvo o devido respeito, a questão de fundo suscitada nos presentes autos: conforme resulta da leitura da petição inicial, e também do requerimento apresentado pelo Autor em 09.01.2024, o Autor pede a condenação da Ré, em sede de direito de regresso, na restituição do valor que foi condenado a pagar com fundamento na sua responsabilidade civil extracontratual.
IV Na douta sentença de que ora se recorre, a Ré é absolvida do pedido por se entender que, tendo o sinistro subjacente à referida condenação ocorrido em local que não integra as partes comuns e tratando-se o veículo danificado de um bem de terceiro, não está coberto pela apólice.
V Ora, o Autor não põe em causa que o seguro, na parte que diz respeito aos danos próprios do condomínio segurado, apenas cobre sinistros ocorridos nas partes comuns, mas aquilo que está em causa na presente ação – mas que não foi, porém, tido em consideração, nem pela Ré em sede de contestação, nem pelo Mmo. Juiz a quo na douta sentença proferida – é que o seguro contratado, além de cobrir os sinistros que ocorram nas partes comuns, cobre também a responsabilidade civil extracontratual do Condomínio.
VI Conforme se retira da simples leitura dos documentos juntos, quer pelo Autor na petição inicial, quer pela Ré em sede de contestação – apólice de seguro (doc. 2 junto à petição inicial e doc. 1 junto à contestação) e Condições Gerais da apólice (doc. 3 junto à petição inicial e doc. 2 junto à contestação) –, a apólice contratada cobre, além dos danos nas partes comuns, a responsabilidade civil do Autor por danos causados a terceiros:
“4. Ao abrigo do presente Contrato, fica ainda garantida a Responsabilidade civilextracontratual por danos patrimoniais e não patrimoniais, diretamente resultantes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros, decorrentes da copropriedade das partes comuns indicadas na Cláusula 2.ª da presente Condição Particular, em consequência de acidentes:
a) Devidos a vícios de construção ou a deficiente manutenção – desde que o Tomador do Seguro e/ou os Segurados desconheçam à data da ocorrência tal vício ou deficiência – nomeadamente: derrocada parcial ou total do prédio, revestimentos, chaminés, varandas, janelas, estores ou de qualquer outro elemento que o constitua; (...)”.
VII Parece-nos assim perfeitamente claro que, tendo o Autor sido condenado, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual pela queda de parte da cobertura do prédio, a referida responsabilidade está efetivamente transferida para a Ré por força do contrato de seguro celebrado!
VIII Foi precisamente com base nessa cobertura que o Autor pediu à Ré a restituição do valor pago e em cujo pagamento tinha sido condenado, e foi precisamente por considerar não haver responsabilidade do Condomínio que a Ré, em primeira linha e previamente à decisão proferida no âmbito do referido processo que correu termos sob o n.º 206/21.9T8PRT, recusou junto do terceiro o pagamento da indemnização.
IX Ou seja, foi extensivamente alegado na petição inicial que o fundamento para a condenação peticionada era o facto de o Autor ter transferido para a Ré a responsabilidade civil extracontratual por danos causados a terceiros pelo edifício, mas tal alegação – bem como a prova do alegado que, conforme exposto, resulta dos documentos juntos quer pelo Autor quer pela Ré – foi totalmente desconsiderada, e tanto a Ré como o Mmo. Juiz a quo limitaram-se a tomar em consideração apenas uma outra cobertura incluída no contrato de seguro e que não é sequer invocada nos presentes autos: a cobertura dos danos nas partes comuns.
X Ora, estando em causa a responsabilidade civil extracontratual do condomínio – que, conforme exposto, está transferida para a Ré por força do contrato celebrado – é irrelevante o local onde ocorreu o sinistro, pois que uma coisa é efetivamente a cobertura de danos próprios, que cobre os sinistros nas partes comuns, e outra é a cobertura da responsabilidade civil por danos causados a terceiros: na verdade, e ainda que o sinistro tivesse ocorrido a um qualquer terceiro que circulasse na via pública, sendo causado pelo edifício, está coberto pelo seguro contratado, uma vez que o seguro contratado cobre não só os sinistros nas partes comuns, mas também a responsabilidade civil extracontratual do Condomínio.
XI Tendo o Condomínio sido condenado, conforme sentença transitada em julgado e cuja certidão foi junta aos autos, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, dúvidas não restam que a Ré tinha efetivamente que ter sido condenada na presente ação, pelo que, em face de tudo quanto foi exposto, que expressamente se requer a Vs. Exas., Venerandos Desembargadores, se dignem apreciar, deverá ser revogada a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, sendo substituída por outra que julgue totalmente procedente o pedido do Autor, condenando a Ré no pedido.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS. MUI VENERANDOS DESEMBARGADORES, ROGA-SE SEJA REVOGADA A DOUTA SENTENÇA DE FLS.(), QUE ABSOLVEU A RÉ DO PEDIDO, POR OUTRA QUE DETERMINE A SUA TOTAL PROCEDÊNCIA, CONDENANDO A RÉ NO PEDIDO, ASSIM SE FAZENDO BOA E SÃ JUSTIÇA.
-
A R. apresentou contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO PROCESSO
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo da apreciação por parte do tribunal ad quem de eventuais questões que se coloquem de conhecimento oficioso, bem como da não sujeição do tribunal à alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do C.P.C.), a questão fundamental a tratar no âmbito do presente recurso é a seguinte:
> aferir se, face ao teor da apólice do contrato de seguro que foi celebrado entre as partes, a seguradora R. deve pagar ao condomínio A. a quantia monetária que este peticiona.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

A) Dos factos
Uma vez que o recorrente não impugnou a decisão relativa à matéria de facto, a apreciação das questões (jurídicas) que devem ser tratadas encontra-se balizada pela seguinte factualidade que foi dada como provada na decisão recorrida:
1) O autor é uma sociedade cuja actividade compreende a administração e gestão de propriedades, bens e direitos imobiliários, direitos de propriedade, de compropriedade, de propriedade horizontal e de usufruto e que, mediante deliberação da Assembleia de Condóminos de 30.01.2023 do prédio em propriedade horizontal, sito na Rua ..., Rua ..., ..., Rua ..., ... e Rua ..., ..., freguesia ..., Porto, a representante do Autor foi eleita administradora do referido imóvel.
2) O autor é titular de uma apólice de seguro para as partes comuns do edifício contratada junto da B..., S.A. (C...) – agora A..., S.A. por força da operação de fusão por incorporação ocorrida em 02.10.2020, conforme é do conhecimento público e resulta também da informação prestada pela própria – com o n.º ..., conforme condições particulares da apólice que se mostram juntas aos autos como documento n.º 2 com a PI e condições gerais que se mostram juntas como documento n.º 3 com a PI.
3) Na madrugada do dia 19-12-2019, em hora não concretamente apurada, a tampa de uma das chaminés existente no telhado do edifício soltou-se, partiu uma clarabóia de vidro, caiu para o interior da garagem do edifício e acabou por embater no veículo “JX”, propriedade de AA, que se encontrava estacionado no lugar de garagem que integra a fracção autónoma “DM”, ao mesmo pertencente, correspondente a uma habitação sita no 5º andar do edifício ...”, sito na Avenida ..., ..., Porto.
4) No dia 19-12-2019, na cidade do Porto, ocorreram rajadas de vento com a velocidade máxima de 90 kms/hora.
5) A tampa da chaminé que caiu soltou-se por força do vento que então se fazia sentir, sendo que o autor efectua regularmente diligências de verificação do estado das chaminés em causa.
6) Por sentença proferida nos autos 206/21.9T8PRT, Juízo Local Cível do Porto - Juiz 1, o autor deste autos, lá na posição de réu e no âmbito do qual a ré destes autos foi interveniente acessório, foi condenado a pagar a AA a quantia de 4.192 € (quatro mil, cento e noventa e dois euros), acrescida de juros, à taxa legal civil, a contar da data da citação e até integral pagamento; e a quantia de 1.525 € (mil, quinhentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros, à taxa legal civil, a contar da presente data e até integral pagamento, que o autor já pagou.
7) A ré indemnizou o autor no valor de 176,96€ (cento e setenta e seis euros e noventa e seis euros), correspondente aos danos detectados nas partes comuns, deduzidos da franquia contratual referente a essa condição especial.

B) Do direito
1. Mostra-se pacífico, face à factualidade provada que A. e R. celebraram um contrato de seguro, o qual, como resulta do artigo 1.º do DL n.º 72/2008, de 16 de Abril – diploma onde se encontra consagrado o regime jurídico do contrato de seguro – se trata de um acordo por via do qual uma das partes (o segurador) se obriga, mediante o recebimento de um prémio pago pelo outro contraente (o tomador do segurado), a suportar a cobertura de um determinado risco, comprometendo-se a realizar a prestação convencionada (da qual pode ser beneficiário o segurado ou terceira pessoas) em caso de ocorrência do evento aleatório (sinistro) previsto no contrato.
De acordo com o artigo 32.º do DL n.º 72/2008, de 16-04, a validade do contrato de seguro não depende da observância de forma especial, mas o segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro. Conforme disposto no artigo 37.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, a apólice inclui todo o conteúdo do acordado pelas partes, nomeadamente as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis.[1]
No caso sub judice, o condomínio A. (ora recorrente) peticionou que a seguradora R. (ora recorrida), devido às obrigações emergentes do contrato de seguro que com ela celebrou, seja condenada a pagar-lhe o montante de €:5.231,54 (acrescido de juros de mora) correspondente ao valor da indemnização que, por força da condenação que lhe foi dirigida na acção judicial que AA lhe moveu (e na qual a seguradora foi interveniente acessória), teve que pagar a este para efeitos de ressarcimento dos danos que ele sofreu, em virtude de, na madrugada do dia 19 de Dezembro de 2019, o seu veículo automóvel ter sido atingido pela tampa de uma chaminé do prédio que se soltou e caiu, quebrando o vidro de uma clarabóia que encima o lugar da garagem do edifício onde o referido veículo se encontrava estacionado.
O tribunal a quo, através da sentença objecto do presente recurso, absolveu a seguradora R. do pedido, por considerar que o sinistro em causa não estava abrangido pela cobertura do seguro celebrado entre as partes, em virtude de o veículo automóvel danificado ser um bem pertencente a um terceiro que não estava numa parte comum do prédio, mas sim numa fracção autónoma.
Inconformado com esta decisão, o condomínio A. vem recorrer da mesma, alegando no essencial que, tal como havia invocado expressamente na respectiva petição inicial, o contrato de seguro que celebrou com a R. cobre, para além do risco de danos nas partes comuns, também a responsabilidade civil do condomínio por danos causados a terceiros.
Resultando dos Factos Provados que o seguro contratado entre as partes se encontra titulado pela apólice n.º ..., cujas condições particulares se mostram juntas aos autos como documento n.º 2 com a PI e cujas condições gerais que se mostram juntas como documento n.º 3 com a PI, constata-se, entre o mais, que:
1.º) A cláusula 2.ª das condições gerais da apólice, intitulada “Objeto e Garantias do Contrato” tem o seguinte teor:
1. O presente Contrato destina-se a cumprir a obrigação de segurar os edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, quer quanto às frações autónomas, quer relativamente às partes comuns, que se encontrem identificados na apólice, contra o risco de incêndio, ainda que tenha havido negligência do Segurado ou de pessoa por quem este seja responsável.
2. Para além da cobertura dos danos previstos no número anterior, o presente Contrato garante igualmente os danos causados no bem seguro em consequência dos meios empregados para combater o incêndio, assim como os danos derivados de calor, fumo, vapor ou explosão em consequência do incêndio e ainda remoções ou destruições executadas por ordem da autoridade competente ou praticadas com o fim de salvamento, se o forem em razão do incêndio ou de qualquer dos factos anteriormente previstos.
3. Salvo convenção em contrário, o presente Contrato garante ainda os danos causados por ação mecânica de queda de raio, explosão ou outro acidente semelhante, mesmo que não acompanhado de incêndio.
4. A título facultativo, ao abrigo do presente Contrato de seguro, poderão igualmente ficar garantidos:
a) Bens não enquadráveis no n.º 1 da presente Cláusula em relação aos riscos de Incêndio, Ação Mecânica de Queda de Raio e Explosão, nos termos previstos nos números anteriores;
b) Outros riscos para além dos acima referidos, nos termos previstos nas respetivas Condições Especiais e Condições Particulares da Apólice.

2.º) Nas condições particulares da apólice está especificado que o “objecto seguro” se trata do imóvel sito na Rua ..., ... Porto (“local de risco”) e que se aplica ao contrato o disposto da cláusula particular “partes comuns” prevista no impresso das Condições Gerais da apólice, cujo teor é o seguinte:
Cláusula 1.ª - Âmbito
1. Para efeitos da presente Condição Particular, sempre que o objeto seguro seja constituído apenas e exclusivamente pelas partes comuns do edifício, ao abrigo do presente Contrato ficam garantidos os danos diretamente causados em todo o edifício seguro em consequência de Incêndio, nos termos previstos nos n.º 1 e 2 da Cláusula 2.ª das Condições Gerais.
2. Adicionalmente, conforme previsto na alínea b) do n.º 4 da Cláusula 2.ª das Condições Gerais, ficam ainda garantidos os danos causados exclusivamente nas partes comuns indicadas na Cláusula 2.ª da presente Cláusula Particular, na sequência dos seguintes riscos previstos nas Condições Especiais:
a) Aluimento de terras;
b) Choque ou impacto de veículos terrestres ou animais;
c) Danos em canalizações e instalações subterrâneas;
d) Danos no recheio do condomínio;
e) Danos por água;
f) Demolição e remoção de escombros;
g) Derrame de sistemas hidráulicos de instalações de proteção contra incêndios;
h) Pesquisa, reparação e reposição por avarias;
i) Inundações;
j) Quebra de vidros, espelhos e pedras mármore;
k) Quebra ou queda de antenas;
l) Quebra ou queda de painéis solares;
m) Queda de aeronaves;
n) Riscos elétricos;
o) Tempestades;
p) Assistência ao condomínio.

3. Das garantias de Assistência ao Condomínio previstas nas Condições Especiais e aplicáveis por força da alínea n) do n.º anterior, serão aplicadas apenas as que digam respeito às partes comuns.
4. Ao abrigo do presente Contrato, fica ainda garantida a Responsabilidade civil extracontratual por danos patrimoniais e não patrimoniais, diretamente resultantes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros, decorrentes da copropriedade das partes comuns indicadas na Cláusula 2.ª da presente Condição Particular, em consequência de acidentes:
a) Devidos a vícios de construção ou a deficiente manutenção – desde que o Tomador do Seguro e/ou os Segurados desconheçam à data da ocorrência tal vício ou deficiência – nomeadamente: derrocada parcial ou total do prédio, revestimentos, chaminés, varandas, janelas, estores ou de qualquer outro elemento que o constitua; (...)”.
b) Causados por incêndio, fumo, água e explosão (…)
c) Ocorridos em instalações de gás, electricidade ou condicionamento de ar;
d) Resultantes de atos ou omissões de porteiros ou empregados de limpeza (…);
e) Devidos por falhas acidentais e imprevistas na iluminação de escadas ou outras partes comuns seguras;
f) Resultantes de deficientes condições de piso em patamares ou outras partes comuns seguras;
g) Ocasionados por antenas de rádio e televisão (parabólica ou convencional).

5. Para efeito da cobertura de responsabilidade civil prevista no número anterior, os Segurados (condóminos) serão considerados terceiros entre si e, como tal, poderão ser indemnizados única e exclusivamente pelos danos patrimoniais e corporais garantidos ao abrigo da referida cobertura, com exclusão dos danos causados nos recheios das habitações propriedade daqueles.
Para efeitos dos números anteriores, não são considerados terceiros os membros do agregado familiar dos condóminos em causa.

Cláusula 2.ª – Objeto Seguro
Para efeitos das coberturas previstas nos n.º 2 e 4 da Cláusula anterior, apenas ficam garantidas as seguintes partes comuns:
- Telhados e terraços de cobertura;
- Entradas, vestíbulos, escadas, corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos;
- Instalações gerais de água, eletricidade, gás, comunicações, aquecimento, ar condicionado e condutas semelhantes, até ao contador individual de cada fração ou respetiva derivação, quando aquele não exista;
- Ascensores e monta-cargas;
- Pátios e jardins anexos ao edifício;
- Dependências para uso e habitação do porteiro e garagens;
- Salas de reunião de condomínio.

Cláusula 3.ª - Exclusões
(…)

Cláusula 4.ª – Capital Seguro
(…)

O condomínio A. alega que, por via do disposto no n.º 4, al. a) da cláusula 1.ª da cláusula particular “partes comuns” da apólice contratada, encontra-se claramente transferida para a seguradora R. a cobertura da responsabilidade civil extracontratual do condomínio relativa a danos causados a terceiros, como foi o caso dos danos sofridos pelo proprietário do veículo automóvel que foi atingido na sequência da queda da tampa de chaminé do edifício objecto do seguro e que o condomínio teve que indemnizar em conformidade com a condenação que lhe foi dirigida na acção judicial que o lesado lhe moveu.
Conforme decorre das respectivas alegações, a seguradora R. declina ser responsável pelo pagamento reclamado pelo condomínio por três motivos fundamentais:
a) o sinistro que se verificou deve ser enquadrado no âmbito da Condição Especial “Tempestades” contratada entre as partes, nos termos da qual o seguro apenas cobre os danos que, em consequência de tempestades, tenham sido provocados em partes comuns do edifício .... Por isso, considera a seguradora que nada mais tem a liquidar para além da indemnização que já pagou ao condomínio A. no valor de 176,96€ (cento e setenta e seis euros e noventa e seis euros), relativa aos danos que o sinistro provocou nas partes comuns do edifício;
b) no âmbito da cláusula contratual invocada pelo condomínio, que cobre a “responsabilidade civil extracontratual por danos patrimoniais e não patrimoniais, diretamente resultantes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros”, os proprietários não devem ser considerados terceiros pois são, eles próprios, “proprietários do imóvel seguro”;
c) o sinistro não se deveu, tal como constitui pressuposto do n.º 4, al. a) da cláusula 1.ª da cláusula particular “partes comuns” da apólice contratada, a vícios de construção ou a deficiente manutenção do edifício, pois, conforme resulta dos factos provados, o autor efectua regularmente diligências de verificação do estado das chaminés do edifício e a tampa da chaminé que caiu desde o telhado soltou-se por força do vento que então se fazia sentir.

2. No que diz respeito ao primeiro argumento invocado pela seguradora R. para declinar a sua responsabilidade indemnizatória, cumpre dizer que o facto de alguns danos verificados em consequência de um sinistro serem enquadrados, para efeitos da prestação a cargo da seguradora, no âmbito de uma determinada cobertura contratual não exclui a possibilidade de outros danos decorrentes do mesmo sinistro serem incluídos noutra cobertura da mesma apólice. Os riscos cobertos pelo contrato de seguro podem ser de várias espécies e dificilmente se encontram previstos, todos eles, na mesma cláusula, pelo que o decisivo será sempre aferir, perante cada dano concreto, qual a cobertura contratual que o poderá abranger.
Assim, no caso dos autos, o facto de a seguradora R. ter assumido a responsabilidade pelo pagamento do valor indemnizatório dos danos que foram provocados em partes comuns do edifício ‘...’ pela queda de uma tampa da chaminé do prédio, com base na cobertura da Condição Especial “Tempestades”, não determina que a sua responsabilidade pelo pagamento dos danos que o condomínio A. reclama na presente acção apenas possa existir se esses danos se enquadrarem no risco coberto por aquela mesma Condição Especial. O contrato de seguro celebrado entre A. e R. possui variadas condições (gerais, especiais e particulares), pelo que o que importa, acima de tudo, é determinar se o dano cujo pagamento é reclamado da seguradora (in casu, o valor do pagamento que o condomínio A. efectuou para, com base na sua responsabilidade civil extracontratual, ressarcir o proprietário do veículo automóvel que foi danificado em consequência da queda da tampa da chaminé, quando estava estacionado num lugar da garagem do edifício ‘...’) se inclui, ou não, em algumas das condições da apólice que titula o contrato.
Desta forma, somos reconduzidos para as outras duas questões que a R. invoca para declinar que deva ressarcir o condomínio A., argumentando, no essencial, que o dano que o A. sofreu tem especificidades que fazem com que o mesmo não se enquadre na cobertura prevista na cláusula 1.ª, n.º 4, al. a) da cláusula particular “partes comuns” da apólice contratada.
Lido o texto da cláusula que se acaba de referir, afigura-se-nos isento de dúvidas que foi transferido para a seguradora o risco correspondente à responsabilidade civil extracontratual do condomínio pelo ressarcimento de danos patrimoniais ou não patrimoniais sofridos por terceiros em consequência directa de acidentes decorrentes de deficiências de construção ou de manutenção de alguma das partes comuns do prédio especificadas no contrato (telhados e terraços de cobertura; entradas, vestíbulos, escadas, corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos; instalações gerais de água, electricidade, gás, comunicações, aquecimento, ar condicionado e condutas semelhantes, até ao contador individual de cada fracção ou respectiva derivação, quando aquele não exista; ascensores e monta-cargas; pátios e jardins anexos ao edifício; dependências para uso e habitação do porteiro e garagens; salas de reunião de condomínio). De acordo, porém, com o clausulado, a seguradora só deve responder pela responsabilidade civil extracontratual do condomínio (tomador do seguro e segurado) se este desconhecer à data da ocorrência a deficiência de construção ou de manutenção da parte comum que tenha estado na base do acidente.
Não colocando em causa a responsabilidade civil do condomínio A. pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo proprietário do veículo automóvel que foi atingido na sequência da queda da tampa de chaminé do edifício objecto do seguro, a seguradora R. sustenta, desde logo, que, para efeitos da condição da cláusula 1.ª, n.º 4, al. a) da condição particular intitulada “partes comuns”, o lesado AA [2] não pode ser considerado um terceiro, já que o n.º 5 da mesma cláusula estabelece que “[p]ara efeito da cobertura de responsabilidade civil prevista no número anterior, os Segurados (condóminos) serão considerados terceiros entre si e, como tal, poderão ser indemnizados única e exclusivamente pelos danos patrimoniais e corporais garantidos ao abrigo da referida cobertura, com exclusão dos danos causados nos recheios das habitações propriedade daqueles”.
A redacção deste n.º 5 da cláusula contratada entre as partes não é muito feliz, pois, após estabelecer que os condóminos, para efeitos da cobertura da responsabilidade civil extracontratual do condomínio, devem ser considerados terceiros entre si, parece limitar o leque das indemnizações de que os mesmos podem beneficiar ao abrigo da referida cobertura – pois refere que eles poderão ser indemnizados única e exclusivamente pelos danos patrimoniais e corporais garantidos –, mas, depois dessa aparente limitação, apenas concretiza que há lugar à exclusão dos danos causados nos recheios das habitações de que os condóminos são proprietários.
De acordo com os critérios gerais da interpretação das declarações negociais enunciados no Código Civil, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; todavia, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida; nos casos duvidosos, deve prevalecer, nos negócios gratuitos, o sentido da declaração que for menos gravoso para o disponente e, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (cf. artigos 236.º e 237.º do Código Civil).
Quando estiverem em causa negócios formais, há que ter em conta ainda que não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, sem prejuízo de esse sentido poder valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (artigo 238.º do Código Civil).
Sendo os contratos de seguro celebrados através da vinculação do destinatário a um conjunto de cláusulas previamente elaboradas que o segurador lhe apresenta para subscrição sem prévia negociação individual e cujo conteúdo ele não pode influenciar, importa considerar também o disposto nos artigos 10.º e 11.º do D.L. n.º 446/85, de 25-10, nos termos dos quais as cláusulas contratuais gerais devem ser interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam; todavia, se as cláusulas contratuais gerais forem ambíguas, deve-lhes ser atribuído o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real, prevalecendo em caso de dúvida, o sentido mais favorável ao aderente.
Face a estas regras, afigura-se que a boa interpretação do n.º 5 da cláusula 1.ª cujo texto se encontra nas Condições Gerais da apólice mas que se integra na cláusula particular ‘partes comuns’ tem sempre que partir do princípio expressamente afirmado na parte inicial da mesma de que os condóminos, não obstante serem comproprietários das partes comuns do edifício (cf. artigo 1420.º, n.º 1, segunda parte do Código Civil), se sofrerem danos em consequência de sinistros que tenham na sua base factos ocorridos nas partes comuns, devem ser considerados “terceiros” e, como tal, podem ser beneficiários das obrigações indemnizatórias fundadas na responsabilidade civil extracontratual do condomínio. Firmado este princípio geral, há que interpretar o segundo segmento da disposição, cujo texto introduz, claramente, algumas limitações aos referidos direitos indemnizatórios dos condóminos, já que se afirma que eles “poderão ser indemnizados única e exclusivamente pelos danos patrimoniais e corporais garantidos ao abrigo da referida cobertura, com exclusão dos danos causados nos recheios das habitações propriedade daqueles”. Como a literalidade da disposição não deixa dúvidas quanto à exclusão da cobertura de responsabilidade civil extracontratual do condomínio dos danos que tenham sido causados no recheio das habitações dos condóminos, a questão fundamental que se suscita é a de saber se, para além destes danos, existem outros que tenham sido sofridos por condóminos por causa de factos com origem em partes comuns do edifício mas que não se encontram cobertos pelo seguro.
A resposta à questão que se acaba de colocar, desde já se diga, é negativa. Com efeito, apesar do texto estar redigido de forma algo ambígua, entende-se que o sentido mais lógico que dele pode ser retirado por um declaratário normal é aquele que nos diz que apenas se encontram excluídos da cobertura do seguro os danos que os sinistros com origem em partes comuns do edifício tenham causado nos recheios das habitações dos condóminos. É verdade que, antes da expressa exclusão dos “danos causados nos recheios das habitações”, é referido que os condóminos “poderão ser indemnizados única e exclusivamente pelos danos patrimoniais e corporais garantidos ao abrigo da referida cobertura”; todavia, julga-se que daqui não resulta qualquer limitação em relação aos direitos indemnizatórios que assistem aos condóminos nos termos gerais da apólice contratada, pois, aquilo que está em causa no n.º 5 da cláusula é, antes de tudo o mais, esclarecer se os condóminos devem ou não ser considerados terceiros “para efeito da cobertura de responsabilidade civil prevista no número anterior”, o que faz com que, depois de ser esclarecido que eles, efectivamente, devem ser “considerados terceiros entre si”, se siga a concretização de que, por via disso (“como tal”), eles beneficiam dos direitos indemnizatórios garantidos pela referida cobertura – a qual, como se diz no antecedente n.º 4, garante a responsabilidade civil extracontratual do condomínio “por danos patrimoniais e não patrimoniais, diretamente resultantes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros”. Assim, quando no n.º 5 se refere que os condóminos podem ser indemnizados “pelos danos patrimoniais e corporais garantidos ao abrigo da referida cobertura”, não se afigura que daí se possa retirar qualquer restrição adicional em relação ao leque ou à natureza dos danos sofridos pelos condóminos susceptíveis de serem indemnizados pela seguradora, para mais quando se constata que, logo de seguida, a frase é complementada com a expressa referência aos danos sofridos por condóminos (aqueles que se tenham verificado nos recheios das suas habitações) que são excluídos da garantia indemnizatória da cobertura contratual. Esta é não só a interpretação mais imediata que resulta da leitura da cláusula, como também aquela que surge como mais compreensível e lógica para qualquer contratante indeterminado normal, pelo que, tendo ainda a virtualidade de, face à economia geral do contrato, conduzir a um maior equilíbrio das prestações a cargo das duas partes contraentes, deve ser também acolhida para efeitos de resolução da presente causa judicial.

3. Concluindo-se que os danos que AA sofreu por causa do sinistro desencadeado pela queda da tampa de chaminé do edifício ‘...’ não se encontram excluídos do âmbito da cobertura do contrato de seguro referente à responsabilidade civil extracontratual do condomínio do prédio, resta apreciar se, no caso concreto, se encontram reunidos os pressupostos necessários para que a seguradora R. indemnize o condomínio A. nos termos do disposto no n.º 4, al. a) da cláusula 1.ª da cláusula particular “partes comuns” da apólice contratada.
A questão fundamental que, a este propósito, se suscita radica no facto de constar da apólice que a seguradora só deve responder pela responsabilidade civil extracontratual do condomínio se o sinistro de dever “a vícios de construção ou a deficiente manutenção” das partes comuns do edifício, pressuposto este que, segundo a seguradora R., não aconteceu, pois está fixado nos factos provados que o condomínio A. efectua regularmente diligências de verificação do estado das chaminés do edifício e que a tampa da chaminé que caiu do telhado soltou-se por força do vento que se fazia sentir.
O facto de não estar expresso na factualidade dada como provada que a queda da tampa da chaminé se deveu a deficiências de construção ou de manutenção desse elemento do edifício parece conferir algum suporte à posição assumida pela seguradora R.. Todavia, conforme já foi referido em momento anterior deste acórdão, a interpretação das declarações negociais dos contratos de seguro não se deve cingir à literalidade do texto das apólices, antes devendo captar o sentido que, dentro do contexto de cada contrato singular, seria atribuído por um declaratário normal às condições estabelecidas na apólice que subscreveu, devendo, em caso de dúvida, prevalecer o sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (já que se está perante um contrato oneroso), ou até, demonstrado que o tomador do seguro não teve possibilidade de influenciar o conteúdo das cláusulas que estejam em questão, o sentido que for mais favorável a esse contratante – cf. artigos 236.º e 237.º do Código Civil e 10.º e 11.º do D.L. n.º 446/85, de 25/10.
Assim, no caso sub judice, importa ponderar que o texto da disposição contratual em que se exige que os danos a ressarcir pela seguradora tenham tido na sua base deficiências de construção ou de manutenção de partes comuns do prédio não se limita a estabelecer esta exigência de forma isolada, antes sendo complementado por dois elementos que se nos afigura terem importância decisiva para se determinar o melhor sentido e alcance da cláusula em que se integram. Um desses elementos é uma nova exigência para que a seguradora responda pela responsabilidade civil extracontratual do condomínio – o Tomador do Seguro e/ou os Segurados devem desconhecer, à data da ocorrência, o vício de construção ou a deficiência de manutenção da/s parte/s comum/ns. O segundo elemento trata-se da indicação de exemplos de situações em que se verificarão vícios de construção ou deficiências de manutenção de partes comuns – “derrocada parcial ou total do prédio, revestimentos, chaminés, varandas, janelas, estores ou de qualquer outro elemento que o constitua”.
Como se sabe, recai sobre o condomínio a obrigação de, através do seu administrador, conservar as partes comuns dos edifícios constituídos em propriedade horizontal (cf. artigo 1436.º, al. g), do Código Civil), o que postula que sejam assegurados os deveres de vigilância e de actuação necessários para que elas sejam mantidas sem vícios causadores de danos, pois, resulta do disposto nos artigos 492.º, n.º 1, e 493.º, n.º 1 do Código Civil, que o condomínio responde tanto pelos danos decorrentes da ruína, no todo ou em parte, do edifício por vício de construção ou defeito de conservação, como pelos demais danos que se verificarem com origem em partes comuns do imóvel. Esta responsabilização do condomínio verifica-se sem necessidade sequer de ser provada a sua culpa – a qual se presume –, sobejando apenas a possibilidade de o mesmo não responder pelos danos se lograr provar, no caso da ruína de elementos constitutivos do edifício, “que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos”, ou, nas demais situações, “que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”. Face a tal, e dado o risco de sobrevirem danos com origem nas partes comuns dos edifícios constituídos em propriedade horizontal, é cada vez mais habitual que, a par do seguro obrigatório contra o risco de incêndio do edifício aludido no artigo 1429.º do Código Civil, as administrações dos condomínios celebrem seguros complementares destinados a cobrir um conjunto mais alargado de riscos inerentes à compropriedade das áreas e dos bens comuns.
Desta forma, a contratação por um condomínio de um seguro que cobre o risco da responsabilidade civil extracontratual que lhe possa ser imputada por danos causados “pelo edifício” ou “pela coisa” que ele deve conservar e vigiar, e no qual se encontra estabelecido que os danos devem decorrer de deficiências de construção ou de manutenção de partes comuns que por si sejam desconhecidos e dos quais são exemplo a derrocada parcial ou total do prédio, revestimentos, chaminés, varandas, janelas, estores ou de qualquer outro elemento que o constitua, leva a que qualquer contratante indeterminado normal considere ter pactuado uma cobertura de responsabilidade civil extracontratual que abrange, sem exigências adicionais, a generalidade dos danos que sejam causados pela derrocada de elementos estruturais do prédio (ou pela queda de componentes destes, como revestimentos, chaminés, varandas, janelas ou estores), apenas com a exclusão dos danos resultantes da inobservância das suas obrigações de conservação e vigilância do imóvel. Nessa conformidade, perante sinistros provocados pela queda de elementos constitutivos de partes comuns do imóvel, bastar-lhe-ia demonstrar, para beneficiar da cobertura do seguro, que se verificou a ocorrência e quais foram os danos que a mesma causou, não lhe incumbindo já provar que o sinistro se deveu a deficiências construtivas ou de manutenção dos bens comuns; antes sendo incumbência da seguradora, caso considere não estarem verificados os pressupostos da cobertura, demonstrar que o sinistro não se deveu a qualquer um desses vícios ou deficiências, ou então que o condomínio não cumpriu com as respectivas obrigações de velar para que os bens comuns não apresentem vícios causadores de danos.
Pelo que se acaba de expor, entende-se que, dentro do contexto do contrato de seguro que foi celebrado entre o condomínio A. e a seguradora R., é acertado acolher uma interpretação do disposto no n.º 4, al. a) da cláusula 1.ª da condição particular da apólice intitulada “partes comuns” nos termos da qual a ocorrência de danos em consequência de algum dos eventos que aí se encontram especificamente previstos (derrocada parcial ou total do prédio, revestimentos, chaminés, varandas, janelas, estores ou de qualquer outro elemento que o constitua) autoriza que se considere que o sinistro se deveu a um vício de construção ou a uma deficiência de manutenção do elemento constitutivo do prédio que caiu, a menos que se demonstre que a causa do sinistro não foi essa, mas outra que a exclua. Não sendo feita esta demonstração, a seguradora só poderá arredar a sua responsabilidade contratual se provar que a administração do condomínio, à data da ocorrência, tinha conhecimento do vício ou deficiência que causou o dano. Esta interpretação é perfeitamente compatível com o clausulado na apólice e é também aquela que melhor assegura o equilíbrio global das prestações a cargo do condomínio e da seguradora, apresentando-se ainda – caso necessário fosse recorrer a este critério último de decisão – como a mais favorável a quem subscreve uma apólice de seguro pré-elaborada.

4. Aqui chegados, impõe-se finalmente aferir se, face à factualidade provada e à boa interpretação do disposto n.º 4, al. a) da cláusula 1.ª da condição particular “partes comuns” da apólice contratada, a R. seguradora deve restituir ao condomínio A. o valor que este pagou a AA para ressarci-lo dos danos que ele sofreu por causa de o seu veículo ter sido atingido pela tampa da chaminé do edifício que caiu desde o telhado.
A resposta não é fácil, pois, apesar de não haver dúvidas de que o sinistro teve origem numa parte comum do edifício ‘...’ incluída na garantia do risco de responsabilidade civil extracontratual que o condomínio A. transferiu para a seguradora R., foi também dado como provado, por um lado, que a tampa da chaminé que caiu se soltou por força do vento e, por outro lado, que o autor efectua regularmente diligências de verificação do estado das chaminés do edifício, o que pode levar a que se considere que o acidente não se deveu, tal como exige cláusula 1.ª, n.º 4, al. a), da condição particular “partes comuns”, a um vício de construção ou uma deficiência de manutenção da chaminé em causa.
Todavia, o facto de se ter verificado um evento (a derrocada parcial de uma chaminé ou de um elemento constitutivo desta) que se integra entre o leque de situações que são especificamente referidas na aludida cláusula 1.ª, n.º 4, al. a), para exemplificar casos de acidente decorrentes de vícios de construção ou deficiências de manutenção de partes comuns, dispensa – pelos motivos que foram atrás explanados quando atrás se curou de fixar a boa interpretação da cobertura contratual em causa – que seja feita a prova de que o acidente foi causado, efectivamente, por um desses vícios ou deficiências. O vício ou a deficiência, nestas específicas circunstâncias, como que se presume e, como tal, a seguradora apenas poderá deixar de responder pelos danos verificados se lograr afastar essa presunção, demonstrando positivamente que o acidente, afinal, não se deveu a qualquer vício ou deficiência do elemento constitutivo do edifício que esteve na base dos danos.
Ora, tanto quanto se entende, o facto de estar provado nos autos que a tampa da chaminé que caiu se soltou por força do vento e, ainda, que o condomínio efectuava regularmente diligências de verificação do estado das chaminés do edifício, sem mais nenhum elemento adicional, não são suficientes para que se considere demonstrado que, tal como seria necessário para desresponsabilizar a seguradora, o sinistro não ocorreu devido a uma situação de inadequada manutenção da chaminé da qual se soltou a respectiva tampa.
No que diz respeito à realização pelo condomínio A. de diligências regulares para verificar o estado das chaminés do edifício, fácil é de perceber que esse dado, por si só, não é suficiente para que se tenha como certo que, aquando do acidente, a tampa da chaminé que caiu se encontrava adequadamente conservada e devidamente presa ou encaixada. Mas também quanto ao facto de estar provado que a tampa da chaminé em causa se soltou por força do vento que se fazia sentir, entende-se que, num contexto em que se presume a existência de um vício ao nível da manutenção dos componentes da chaminé, só seria possível afirmar que a acção do vento foi verdadeiramente a causa do acidente – e, consequentemente, que este não se deveu, pelo menos em parte, a vícios de construção ou a deficiente manutenção de uma parte do edifício – se estivessem demonstrados nos autos factos de onde se pudesse retirar com segurança que a chaminé estava em bom estado de manutenção e com a respectiva tampa adequadamente segura (aspectos sobre os quais a factualidade provada é completamente omissa) ou, então, que a força do vento, mais do que um elemento determinante do sinistro, foi o factor que, com exclusão de outros (ou sobrepondo-se a eventuais causas concorrentes), provocou verdadeiramente o acidente.
Desta forma, como, no caso sub judice, subsiste a presunção da existência de um vício no elemento da parte comum do edifício que caiu e os factos provados, ainda que indicando um factor que esteve na base do sinistro, não permitem excluir a existência de outros factores a que este também se tenha devido – muito especialmente daquela cuja verificação se presume –, impõe-se concluir no sentido do preenchimento dos pressupostos necessários para que a seguradora R. responda pelo pagamento que de si é reclamado pelo condomínio A., nos termos do disposto na cláusula 1.ª, n.º 4, al. a), da condição particular “partes comuns” da apólice que foi contratada entre as partes.
Observe-se, por fim, que já na antecedente acção judicial que o lesado moveu contra o condomínio (e na qual a seguradora teve intervenção acessória para auxiliar a defesa deste) foi dado como provado que a tampa da chaminé se soltou por força do vento e que o condomínio efectuava regularmente diligências de verificação do estado das chaminés do edifício e que, já aí, estes factos não foram considerados suficientes para afastar a responsabilidade indemnizatória do condomínio. Por isso, no fundo, mais não se verifica nos presentes autos do que uma situação bastante paralela, pois esses mesmos factos também não se mostram suficientes para desonerar a seguradora da responsabilidade que assumiu quando, no âmbito do contrato de seguro que celebrou com o condomínio, aceitou garantir o risco atinente à responsabilização do condomínio pelo ressarcimento dos danos cujo foco de origem seja uma parte comum do edifício ‘...’.

5. Face ao resultado de toda a análise que se acaba de efectuar, é de concluir no sentido da procedência da apelação, devendo, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida, condenando-se a seguradora R. no pedido que foi deduzido contra si nos autos e responsabilizando-se a mesma, devido ao seu decaimento, pelo pagamento das custas da acção (cf. artigo 527.º, n.º 1, do Código do Processo Civil).
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IV – DECISÃO
Por tudo o exposto, acorda-se em conceder provimento total ao recurso e, revogando-se a decisão recorrida, julga-se totalmente procedente a acção e, em consequência:
1.º) condena-se a Ré, A..., SA., a pagar ao Autor, Condomínio ‘...’, a quantia de €:5.231,54 (cinco mil, duzentos e trinta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
2.º) condena-se a Ré no pagamento das custas da acção.
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Custas da apelação a cargo da Ré (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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SUMÁRIO
(da exclusiva responsabilidade do relator - artigo 663.º, n.º 7, do C.P.C.)
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Acórdão datado e assinado electronicamente
Porto, 11/11/2024
José Nuno Duarte
Carlos Gil
Carla Fraga Torres

(redigido pelo primeiro signatário segundo as normas ortográficas anteriores ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990)
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[1] As ‘condições gerais’ são o conjunto de cláusulas contratuais previamente elaboradas e apresentadas pela seguradora. Incluem os aspectos básicos do contrato seguro, normalmente comuns para riscos com características semelhantes. Definem, por exemplo, as coberturas e exclusões gerais e os direitos e obrigações das partes. As ‘condições especiais’, por sua vez, são o conjunto de cláusulas que complementam ou especificam as condições gerais. As condições especiais (normalmente coberturas adicionais), que sejam realmente contratadas, encontram-se identificadas nas condições particulares. Finalmente, as ‘condições particulares’ são o conjunto de cláusulas que adaptam o contrato à situação concreta de um tomador do seguro. Identificam, nomeadamente, as coberturas constantes das condições especiais que foram escolhidas, os valores do capital seguro que foram acordados, as franquias que as partes estabeleceram, os beneficiários, as características relevantes da pessoa ou bem seguros e a data do início do contrato.
[2] Proprietário da fracção autónoma “DM” do edifício ‘...’.